quarta-feira, 1 de junho de 2016

Os enganos do Ocultismo e da Teosofia (Pe. Sergei Bulgakov)

Existem outros mundos? Será que o transcendente existe? É impossível responder somente com especulações (como geralmente se está acostumado a pensar), ou com uma experiência imanente; Só se pode responder isso com uma nova experiência, com uma expansão e transformação da experiência, pressupondo, é claro, que a nossa natureza cósmica saberá por meio de um sentido especial, completamente indefinível e irredutível, o domínio de um mundo diferente "sobrenatural" para o mesmo. O domínio do "misticismo" começa aqui, assim como o caminho do "ocultismo" ou da "ciência de como alcançar a cognição dos mundos superiores" (Steiner). Todo o ocultismo é a expansão do imamente no lugar daquilo que até então era transcendente, e ao transformar a si mesmo, o ser humano torna-se uma entidade de outro mundo, ou seja, daquele que ele vem a saber. No entanto, na medida em que o "conhecimento espiritual" é realmente conhecimento, isto é, o desenvolvimento de problemas, refinamento de observações, enriquecimento, aperfeiçoamento e a ordenação da experiência, ele ainda tem a ver com o campo de conhecimento que é imanente à este mundo. Os "mundos superiores" que o "conhecimento espiritual" nos ensina a alcançar, estritamente falando, são o nosso próprio mundo, só que percebido de forma mais ampla e aprofundada; não importa o quão longe possamos prosseguir em tal cognição, sempre se permanecerá dentro dos limites de nosso mundo, e será imanente a ele. O que é compreendido aqui, é transcendente apenas gnosiologicamente, isto é, em virtude de nossa limitação e não de acordo com a essência. No caminho do conhecimento oculto e, em geral, de qualquer tipo de conhecimento, com sua investigação constante e sem fim no mais profundo domínio do divino, é impossível encontrar Deus neste mundo; nesta cognição há uma infinidade que é prejudicial no sentido religioso, isto é, uma condução para longe de Deus, pois não há uma aproximação Dele. Aqui reside a diferença profunda do oculto e os caminhos religiosos, o que pode, em certas condições, tornar-se uma oposição; em qualquer caso, é impossível agrupá-los juntos, ou substituí-los um pelo o outro, como muitas vezes acontece agora.



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A filosofia religiosa do ocultismo, sem dúvida, tem uma afinidade com o imanentismo hegeliano como está sendo examinado. A ideia fundamental do ocultismo, ou seja, que o domínio da experiência possível acessível a humanidade pode ser quantitativamente e qualitativamente aprofundado e ampliado pelo caminho de um treinamento psíquico correspondente, "um desenvolvimento das faculdades superiores," por si só ainda não conduz sem cair no imanentismo. Ocultismo é apenas um domínio especial de conhecimento que difere qualitativamente da fé, uma vez que todo conhecimento é uma auto-cognição, ou seja, imanente. O ser humano é considerado aqui como representando a totalidade de vários invólucros ou "corpos" e pertencendo nesta qualidade a vários mundos ou "planos". Mas em troca disto uma outra ideia entra silenciosamente, isto é, que na passagem dos mundos inferiores aos mundos superiores, o ser humano, em última análise, alcança o mundo divino. Para a gnose teosófica, para "Geisteswissenschaft," tudo é, em princípio, cognoscível, Deus e o mundo, assim como é para o hegelianismo. Não resta espaço aqui para fé e revelação e, mesmo se for possível falar aqui de revelações de esferas superiores, no sentido de "iniciação", então, esta iniciação, ao expandir o domínio da experiência, não supera qualitativamente, pois essas hierarquias de igual modo ainda pertencem ao "mundo", ao domínio do imanente. Deve-se distinguir entre a expansão da nossa experiência que revela novos mundos para nós (não faz diferença se é um mundo a ser estudado com um telescópio ou com clarividência astral) e a salto de nossa experiência, que é o contato com o princípio que transcende o mundo, ou seja, com Deus. A entrada em novos planos do mundo, claro, quebra os limites anteriores; é destrutivo para o materialismo crasso (embora em seu lugar possa colocar talvez um materialismo mais sutil), mas o ocultismo pode permanecer ateísta uma vez que ao expandir o mundo ele aprisiona nele mesmo ainda mais. Em geral o caminho do ocultismo e até mesmo da compreensão mística do mundo não é necessariamente um caminho religioso, embora possa ser unido com ele. A teosofia (em suas admissões mais abertas) reivindica ser um substituto para a religião, o seu substituto gnóstico e, em tal caso, se transforma em uma mitologia pseudocientífica vulgar. Ela explora a curiosidade mística, a curiosidade luciferiana de uma mente fria e sem amor. O relacionamento com seres de outros mundos, se realmente é possível e realmente acontece, por si só, não é só incapaz de levar para mais perto de Deus mas, pelo contrário, até mesmo pode extinguir fé religiosa na alma. O princípio do hierarquismo, que é avançado incessantemente aqui, teria uma base somente se Deus tivesse entrado na mesma hierarquia, sendo o seu ápice, de modo a representar uma escala real e natural de ascensão a Deus. Mas tal doutrina se trata do imenentismo panteísta e do evolucionismo religioso, que constituem o pecado original do ocultismo. 


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A chamada doutrina teosófica, segundo a qual todas as religiões têm um conteúdo comum e dizem a mesma coisa apenas com uma linguagem diferente, constitui uma variedade especial de religião natural ou "religião em geral", e é necessário distinguir a doutrina esotérica conhecida apenas pelos iniciados da doutrina exotérica existente para o vulgus profanum [turba vulgar]; as diferenças de símbolos e rituais, que são condicionados por causas históricas, existem apenas na segunda e não na primeira. Esta doutrina se baseia em analogias e identificações ousadas, especialmente sobre as convergências de doutrinas morais, onde é, em geral, mais fácil encontrar semelhanças do que nos dogmas e rituais. Desta forma, as pinturas originais das religiões históricas perdem a sua cor; tudo concreto passa ao exoterismo, e a doutrina da Sociedade Teosófica, tão preocupada com a disseminação de uma Volapük religiosa universal, é assumida como conteúdo esotérico (na realidade, decorre sob o disfarce de um Esperanto religioso que traz a propaganda do budismo e do hinduísmo em geral ao solo Cristão da Europa, mas em vez de uma manifestação aberta e luta direta com o Cristianismo prefere a tática indireta de sua assimilação e neutralização).


Trechos do livro Unfading Light por Sergei Bulgakov

Um comentário:

  1. O pecado original da gnose foi cometido por Adão, que ao receber a oferta de ser como Deus através do conhecimento, e não pelo rebaixamento de si (kenosis), perdeu a chance de desenvolver sua natureza semelhante a Deus (theosis) e ficou condenado a viver num mundo de dor e prazer.
    Todo gnóstico quer um atalho para a theosis, que só pode ser obtida por um verdadeiro desprendimento de si.

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