segunda-feira, 30 de maio de 2016

Prelest e o Mundo Intermediário (Pavel Florensky)


Como é tentador chamar de "espirituais" estas imagens - aqueles devaneios que confundem, absorvem a alma, consomem a alma - que aparecem quando nossa alma encontra seu caminho para o outro mundo. Essas imagens são, na verdade, os espíritos da era presente que procuram aprisionar nossa consciência no reino deles. Estes espíritos habitam a fronteira entre os mundos; e, embora sejam terrenos em natureza, eles assumem aparências do reino espiritual. Quando alcançamos os limites do mundo comum, nos entramos em condições que são continuamente novas, mas que possuem padrões que diferem totalmente daqueles da existência comum. Aqui, então, está a área do nosso maior perigo espiritual: aproximarmo-nos dessa fronteira enquanto ainda desejamos apegos terrenos; ou aproximarmo-nos dela sem uma mente espiritual - seja a nossa ou a de um diretor espiritual; ou de nos aproximarmos dela antes de sermos, no sentido espiritual, verdadeiramente maduros. O que acontece, em tal encontro de fronteira, é que o buscador se envolve em mentiras e auto-enganos. O mundo então enlaça o buscador nessa teia de tentações na qual - concedendo-lhe uma aparente entrada no reino espiritual - na verdade o escraviza ao mundo. Pois não é de todo verdade que todo espírito que guarda esses pontos de entrada é um verdadeiro Guardião do Limiar, ou seja, um bom defensor dos reinos sagrados; pois um espírito pode muito bem não ser um ser genuíno do reino superior, mas sim um cúmplice (na frase do Apóstolo) do "príncipe do poder do ar"; pois tais espíritos são os que mantêm a alma na fronteira dos mundos, emaranhada nas seduções da intoxicação espiritual. 

Um dia de sobriedade espiritual, quando mantém a nossa alma em seu poder, é tão bruscamente diferente do reino espiritual que não pode sequer pretender ser sedutor, e a sua materialidade é experienciada não só como um fardo, mas também como um jugo bom para nós na forma como a gravidade é boa para a terra, um jugo que restringe os nossos movimentos mas nos dá um fulcro, um jugo que reina na rapidez com que a nossa vontade age em autodeterminação (tanto para o bem como para o mal) e, em geral, estendendo-se na vontade o seu instante do eterno, ou seja, a autodeterminação angélica da vontade para este lado ou aquele, um instante que dura toda a nossa vida e torna a nossa vida terrena não uma existência vazia, manifestando passivamente todas as possibilidades, mas sim, o exercício ascético da auto-organização autêntica, a arte de esculpir e "buscar" a nossa essência. Este lote, ou tara, ou destino, ou seja, o que foi decidido de cima, fatum de fari - este destino de nossa simultânea fraqueza e força, este dom de nossa criatividade divina, é o tempo-espaço.

A sobriedade do tempo-espaço na terra nunca é sedutora, então; nem é o reino angélico, quando a alma vem a ter contato direto com ele. Mas no meio, na fronteira deste mundo, estão concentradas todas as tentações e seduções: estes são os fantasmas que Tasso retrata ao descrever o Bosque Encantado. Se se possui uma firmeza espiritual da vontade para passar por ali, então eles perderão totalmente seu poder sobre a alma, tornando-se meras sombras de sensualidades, devaneios vazios sem qualquer valor. Mas se, em vez disso, a fé em Deus enfraquece no meio de tal cerco espiritual, então se olha para esses fantasmas e, ao fazê-lo, se despeja a realidade da própria alma neles. Em seguida, os fantasmas obterão grande poder, agarrando a alma e sugando dela o poder para materializar ainda mais, assim enfraquecendo a alma em mais medo e mais submissão. Em tal estado, é extremamente difícil - quase impossível - quebrar o controle deles sem a intervenção de outro poder espiritual. Assim, então, são os pântanos elementais na fronteira dos mundos.


Pavel Florensky - Iconostasis

Esta escravização desastrosa é chamada na tradição ascética de prelest: significa orgulho espiritual ou vaidade [presunção], e é o estado espiritual mais terrível que uma pessoa pode se encontrar. Ao cometer qualquer outro pecado, a pessoa age de tal forma que entra numa relação com o mundo externo - com suas propriedades objetivas e leis - dentro da qual ele está trabalhando contra a ordem sagrada da criação de Deus, golpeando-a, esforçando-se para quebrá-la. Assim, um pecador comum pode descobrir nesta relação o fulcro para mudar sua consciência e se arrepender (arrepender-se em grego, metanoia, é uma mudança da totalidade da consciência no nível mais profundo do ser).

Prelest, no entanto, é completamente diferente. Aqui, o ser iludido não procura satisfação superficial dessa ou daquela paixão; mas - muito mais perigoso - ele imagina a si mesmo movendo-se ao longo de uma perpendicular ao mundo sensível, afastando-se dele. Assim, completamente insatisfeita, a alma do ser absorto em prelest é detida pelos espíritos que habitam a fronteira e que são, assim, alimentados pelas próprias paixões inquietas e insatisfeitas da alma - aquela alma já ardendo com o fogo do Inferno. A alma se fecha em si mesma, e então todas as oportunidades desaparecem onde a alma poderia - com uma intensa agonia - despertar mais uma vez para a consciência: o encontro com o mundo objetivo da criação de Deus.

Prelest, naturalmente, nos apresenta imagens que agitam as paixões em nós. Mas nosso perigo real não está nas paixões, mas em nossa apreciação das mesmas. Pois podemos, se presos ao prelest, interpretar as paixões como algo diretamente oposto ao que elas realmente são. Normalmente, consideraríamos nossas paixões pecaminosas como uma fraqueza perigosa, encontrando assim a humildade que nos cura delas. Nas paixões agitadas em prelest, porém, nós as consideramos como espiritualidade alcançada, como energia sagrada, salvação e santidade. Assim, onde normalmente buscaríamos quebrar o domínio de nossas paixões pecaminosas - mesmo que nossas tentativas fossem débeis e fúteis -, em prelest, impulsionados pela vaidade espiritual, sensualidade espiritual e (acima de tudo) orgulho espiritual, buscamos apertar os nós que nos amarram. Um pecador comum sabe que está se afastando de Deus; uma alma em prelest pensa que está se aproximando cada vez mais dEle, e embora O enfureça ela pensa que está O alegrando.

Tal confusão desastrosa ocorre em nós porque confundimos as imagens de ascensão com as imagens de descenso. Podemos expressar toda a questão desta maneira: a visão que nos aparece na fronteira dos mundos pode ser (1) a ausência da realidade do mundo visível; isto é, um sinal incompreensível do nosso próprio vazio interior, do nosso próprio banimento prelest-apaixonado da realidade objetiva de Deus; e então, habitando o aposento limpo e vazio da nossa alma, encontramos aquelas máscaras de realidade que são a total renúncia do mundo real; ou a visão pode ser (2) a presença da realidade superior do mundo espiritual. Nesse sentido, a auto-purificação ascética também tem para nós o mesmo duplo significado. Quando a limpeza espiritual se torna um fim em si mesma, surge então a autoconsciência farisaica e, inevitavelmente, a auto-admiração. Em tal ascese, a alma torna-se vazia e, libertando-se de todos os apegos terrenos, torna-se ainda mais vazia; então, achando esse vazio crescente cada vez mais intolerável, a própria natureza do homem convida para o vazio aquelas forças espirituais que estimularam toda a prática farisaica da auto-purificação em primeiro lugar, aquelas forças gananciosas, distorcidas e radicalmente impuras. Nosso Salvador fala precisamente deste ascetismo auto-centrado em Sua parábola sobre a casa varrida:
Quando um espírito imundo sai de um homem, passa por lugares áridos procurando descanso e não encontra, e diz: ‘Voltarei para a casa de onde saí’. Chegando, encontra a casa desocupada, varrida e em ordem. Então vai e traz consigo outros sete espíritos piores do que ele, e entrando passam a viver ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro (Mateus 12:43-45)
Assim, o que foi conscientemente intencionado acaba por ser seu oposto direto. Isso ocorre porque o homem assegura a si mesmo e aos outros que ele próprio, em seu íntimo, é realmente bom - que todos os seus erros e transgressões são, de alguma forma, acidentes, meros fenômenos e não essencialidades, coisas que, de alguma forma, apenas aconteceram; e que tudo o que ele precisa fazer espiritualmente é arrumar um pouco a casa.  Tal homem é inteiramente dessensibilizado quanto à sua própria vontade radicalmente deficiente, vendo inevitavelmente suas ações como surgindo de fora de Deus e somente a partir de seus próprios esforços; assim, ele exibe a complacência da auto-satisfação espiritual.

Mas, se você continuamente reconhece sua própria pecaminosidade, você nunca tem tempo para pensar se - aos seus próprios olhos - você está ou não "arrumado" espiritualmente: ao invés disso, a sua alma tem fome e sede de Deus, estremecendo de temor da catástrofe espiritual de estar sem Ele; e assim a sua única preocupação real não é mais você mesmo, mas sim aquilo que é o mais objetivo de tudo: Deus; e o que realmente você quer agora não é uma casa interior limpa para felicitar a si mesmo, mas - em lágrimas - que Deus visite o aposento da sua alma, esse lugar ainda apressadamente arranjado, Deus que pode com uma palavra transformar uma pequena cabana, até mesmo um casebre, em uma esplêndida câmara palaciana. Com esta orientação para sua vida interior, uma visão não virá até você quando, por sua própria vontade, você estiver tentando ultrapassar os limites do seu crescimento espiritual, excedendo a medida do que está aberto para você; ao invés disso, ela virá quando - misteriosamente, incompreensivelmente - a sua alma tiver sido elevada ao mundo invisível pelos próprios poderes desse mundo, e então (como o arco-íris após o dilúvio divino, como "o sinal da aliança") a visão celestial aparecerá na sua alma, a imagem visível do mais alto reino, dada a você como lembrança e 'notícia' reveladora da eternidade e como mestre do caminho para encarnar o invisível na consciência diurna de toda a sua vida. Tal visão é mais objetiva do que as objetividades da Terra, muito mais pesada e real do que elas, pois é o fulcro de toda a nossa criatividade terrena, o cristal onde - conformado às suas próprias leis cristalina - é cristalizado nossa experiência terrena, tornando-se assim, em sua estrutura total, um símbolo do mundo espiritual.


Trecho do livro, Pavel Florensky - Iconostasis

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Sabedoria dos Pequeninos (Dionysios Farasiotis)


No Mosteiro de Stavronikita estava lendo o Evangelho segundo São Lucas:

Os setenta e dois voltaram alegres e disseram:
"Senhor, até os demônios se submetem a nós, em teu nome". Ele respondeu: "Eu vi Satanás caindo do céu como relâmpago. Eu lhes dei autoridade para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo; nada lhes fará dano. Contudo, alegrem-se, não porque os espíritos se submetem a vocês, mas porque seus nomes estão escritos nos céus".
Eu ainda não tinha certeza sobre se isso tudo era realmente verdade. Seria possível que todos aqueles grandes e renomados filósofos cujas obras eu tinha lido e admirado não tivessem conhecimento desta realidade espiritual? Existe uma razão para que tivessem esses nomes para si mesmos - eles mudaram a face da humanidade. Meus pensamentos se voltaram para Marx, Mao, Johann Bachofen, Freud, Jung, Adler, Erich Fromm, Khalil Gibran, Kazantzakis, Wilhelm Reich, Nietzsche e tantos outros. Lembrei-me do pensamento de Buda, dos sutras de Patanjali, os ensinamentos de Gurdjieff, a filosofia Zen de D.T. Suzuki e o Tao de Lao Tzu. Seria possível que todos esses homens instruídos e sábios, com tal conhecimento do mundo e da sociedade, tivessem caído em tamanho erro, e que eu tivesse descoberto uma verdade da qual eles ignoraram?  Hesitei num estado de incerteza. Afinal, havia estudado esses pensadores - eu apreciei seus pensamentos e achava atraente. Parecia improvável que alguém tão jovem e com minha maturidade intelectual pudesse alcançar a verdade, sucedendo onde eles falharam.
Na minha incerteza, continuei lendo o Evangelho, quando senti uma luz noética gentil e suave vir até minha alma. Esta luz sutil era pura como um diamante e entrou na minha alma com facilidade e pacificamente. Ela abriu minha mente numa profundidade tão insondável que eu teria me assustado se essa luz não tivesse antes unido-se com minha alma, concedendo-me um estado de profunda paz. Isto foi quando eu li o próximo verso,
Naquela hora, Jesus, exultando no Espírito Santo, disse: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado".- e então percebi que eu era um desses pequeninos. 


Num piscar de olhos, vi como esta lei espiritual funciona no mundo. Os ricos e poderosos, entendi, podem obter bens materiais com esquemas ou diplomacias. Aqueles cuja educação é meramente científica, embora possam ganhar algum conhecimento sobre a camada externa da realidade, nunca serão capazes de forçar a abertura da tampa do materialismo e existencialmente entrar nas águas puras da verdadeira vida. Outros passam seus dias afastados da verdade sobre a vida, movendo-se em mundos imaginários de sua própria criação, acreditando que, em seu orgulho e egocentrismo, as criações de suas mentes são os mais elevados de todos os bens. Eles adoram suas ideias e organizam suas vidas ao redor delas, transformando suas mentes em seu deus, e assim vivem dentro de uma mentira, na escuridão de suas hipóteses, suas teorias e sua ignorância. Uma vez que todos estes acreditam egoisticamente em si mesmos, eles são incapazes de fazer progresso espiritual. Uma vez que se consideram superiores a todos os outros, eles não podem humilhar-se para receber a verdade de Cristo. Estas almas infelizes podem de forma tola tentar preencher seu vazio com bens materiais, tirando daqueles que necessitam para que possam parecer superiores. Eles podem tentar se confortar por meio de prazeres sensuais.

Aqueles que experimentam e vivem dentro do mais profundo mistério deste mundo são os de coração puro e simples, que se assemelham a criancinhas em sua humildade, ingenuidade e bondade. Eles são os únicos que entrarão em contato com a verdadeira vida e a fonte de vida. Eles são como árvores verdes portando o fruto da vida, da luz e da verdade - e este fruto, ao invés de bens materiais, é sua riqueza.

Vi então que a justiça é, em última análise, triunfante e a injustiça - autodestrutiva. Quando o injusto causa danos materiais nas pessoas que exploram, eles prejudicam a si mesmos espiritualmente, muito mais do que prejudicaram os outros materialmente. Estes, então, são os que mais necessitam da ajuda de Deus. A justiça divina preencheu a minha alma até o limite. Com uma alegria profunda e calma, eu beijei o Evangelho de novo, e de novo. Eu amei todos, e me alegrei especialmente pelos pequeninos deste mundo.


Trecho do livro The Gurus, the Young Man, and Elder Paisios
Book por Dionysios Farasiotis

quarta-feira, 18 de maio de 2016

A Busca da Verdade no Caminho da Razão (A. I. Osipov)


É impossível que o homem nunca tenha se incomodado, mesmo que apenas por breves momentos em sua vida, por estas questões: Por que eu vivo? Qual é o significado de toda existência? Onde é que tudo acaba? Que é verdade? Para muitos estas são questões de vida e morte.

Estas questões eram sérias para um asceta piedoso do século XX, Igumen Nikon  (Vorobev,   †1963). Sua sede por respostas para estas questões era tão grande que quando era estudante ele gastava seus últimos centavos, literalmente passando fome, para comprar livros. Ele só podia ler a noite. A princípio ele mergulhou totalmente na ciência. Acompanhou todas suas últimas conquistas. Ansiava pelo momento em que a ciência daria a palavra final e toda a verdade seria revelada. Mas, infelizmente, quanto mais ele aprendia, mais decepcionado se tornava pela capacidade da ciência em explicar qualquer coisa menos sobre o significado da vida. Ele descobriu que a ciência não estava interessada nesta questão. Ele se voltou para a filosofia. Ao mesmo tempo tornou-se particularmente interessado em Henri Bergson. Estudou as línguas francesa e alemã. Graças ao seu surpreendente vigor intelectual e talento, atingiu tamanho sucesso na filosofia que até mesmo seus professores, às vezes, vinham até ele para consultas. Mesmo assim, sua imersão na filosofia nunca trouxe-lhe os resultados desejados.

"O estudo da filosofia", ele disse no fim de sua vida,

Me mostrou que cada filósofo considerava que havia encontrado a verdade. Quantos filósofos existiram? Mas só há uma verdade. Minha alma ansiava por algo mais. A filosofia é apenas um substituto; é como mascar chiclete em vez de pão. Pode o chiclete satisfazer sua fome? Eu entendi que assim como a ciência nada diz sobre Deus e a vida futura, tampouco diz a filosofia. Tornou-se perfeitamente claro para mim que era necessário recorrer à religião.

Em 1914 ele graduou-se de forma brilhante na realschule [escola secundária que enfatiza as ciências duras] e pela última vez tentou encontrar sentido na vida sem Deus, sem a Igreja, entrando no Instituto de Neuropsicologia de Petrogrado. Mas lá ele encontrou não menos decepção. "Eu vi que a psicologia estuda não exatamente o homem, mas somente seu "acondicionamento" - a velocidade de seus processos mentais, a percepção, a memória... essas tolices; era repugnante." Ele deixou o instituo após o primeiro ano. Logo em seguida ele sofreu uma grave crise espiritual. Começou a ter pensamentos suicidas.

Até que um dia, no verão de 1915, na cidade de Vyshny Volochok, quando de repente sentiu uma sensação específica de total desespero, um pensamento o atingiu como um raio sobre sua fé da infância: E se Deus realmente existe, Ele não deveria revelar a Si mesmo? Mas ele não era um crente! Do fundo de sua alma, em seu estado de desespero, ele gritou: "Senhor, se existes, revela-te a mim. Eu não estou Te procurando por algum desejo terreno. Eu só preciso saber uma única coisa - existes ou não?" E o Senhor se revelou! Ele se revelou [de forma tão convincente], que disse, "Senhor, permita que qualquer coisa aconteça comigo, qualquer sofrimento, qualquer tortura, só não Te afastes, não me prive da vida eterna." Com toda minha alma, completamente consciente, disse, "Eu não preciso de nada, nem vida familiar, ou qualquer outra coisa; apenas faça que eu nunca me afaste de Ti, que eu sempre esteja Contigo.'"


"É impossível relatar," disse Pe. Nikon,

Aquela ação de graça que convence uma pessoa da existência de Deus com o poder de algo óbvio, que não deixa espaço para nenhuma dúvida. O Senhor se revela como, por exemplo, um raio brilhante de sol que de repente brilha após nuvens escuras. Você já não duvida: foi o sol ou alguém fez aquele brilho? O Senhor revelou-se a mim de tal maneira que eu caí no chão com as palavras, "Senhor, glória a Ti, eu Te agradeço. Concede-me que possa servir-Te toda minha vida. Que todas as tristezas e sofrimentos na terra venham até mim, mas só não me deixe me afastar de Ti, ou perder Te."

Então ouvi o soar de um grande sino da igreja. No primeiro momento não prestei atenção. Então, quando vi que já era quase três horas da manhã e o sino continuava tocar, lembrei das palavras da minha mãe quando me disse que os idosos que iam visitá-la e diziam que pessoas espirituais as vezes ouvem sinos tocando no céu.

Ele ficou muito incerto sobre os sinos, preocupado que pudesse ter sido uma alucinação. Ele tranquilizou-se quando leu a autobiografia de Sergei Bulgakov que descreve a respeito de sua experiência de conversão que, "Não foi em vão que ouvi o toque dos sinos do céu naquele verão inteiro." "Então," lembra Pe. Nikon, "também lembrei-me da história de Turgenev, 'Relíquias Vivas', na qual Lukeria também disse que ouviu sinos soarem "de cima", sem se atrever dizer, "do céu".  A partir disso, Pe. Nikon chegou à conclusão que "juntamente com esta experiência espiritual, o Senhor também me permitiu perceber minha comunhão com o céu de forma sensorial." O Senhor revela-se a algumas pessoas de maneira interna e, ao mesmo tempo, através de sinais exteriores especiais para assegurá-los e apoiá-los.

Uma mudança radical na visão de mundo aconteceu em apenas um momento; um milagre claramente ocorreu. Da mesma forma, este milagre foi a conclusão natural e lógica de sua busca pela verdade no caminho da razão. O Senhor revelou o significado da vida para ele, e permitiu provar e ver que o Senhor é bom, e deixou que ele soubesse da Verdade. Isto foi o que Pe. Nikon disse sobre suas primeiras experiências após sua conversão:

Após isto, o Senhor começa a conduzir a pessoa ao longo de um caminho complicado, um caminho muito complicado. Fiquei espantado quando entrei em uma igreja após esta revelação divina. Eu costumava ir à igreja anteriormente - por compulsão; éramos levados para a igreja durante a escola também. Mas o que nós fazíamos lá? Eu ficava lá como um pilar, sem qualquer interesse, com meus próprios pensamentos. 

Mas depois de minha conversão meu coração abriu-se um pouco, e a primeira coisa que eu lembrei quando entrei na igreja foi a história sobre embaixadores do príncipe Vladimir [em sua viagem até Constantinopla], que, ao entrar na Igreja grega, não sabiam onde estavam, no céu ou na terra. Assim, a primeira percepção na igreja depois de experimentar tal estado é que você não está sobre a terra. A Igreja não é a terra - é um pequeno pedaço do céu. Que alegria era ouvir, "Senhor tem piedade!". Isto teve um efeito surpreendente em meu coração; todos os Serviços, a lembrança contínua do nome de Deus em várias formas, o canto, as leituras. Isso evocou uma espécie de êxtase, uma alegria; me preencheu... 

Quando alguém se aproxima e cai diante do Senhor, dizendo "Senhor, faça o que Tu quiseres; eu não sei de nada (e, na verdade, o que sabemos?), faça como quiseres, somente me salve," então o próprio Senhor começa a conduzir aquela pessoa. 

Aquele jovem realmente não sabia sobre o caminho espiritual naquele momento, mas ele caiu em lágrimas por Deus, e o próprio Senhor o conduziu. "Ele me conduziu de tal forma depois daquilo; vivi por 2 anos em Volochok, li livros e orava em casa." Este foi seu período de "coração ardente", como Pe. Nikon recorda.  Ele não via ou ouvia o que estava acontecendo ao seu redor. Naquela época ele havia alugado metade de uma casa privada em Sosnovitsy (perto de Vyshny Volochok). Ele tinha vinte e dois anos de idade. Do outro lado de uma fina parede divisória estavam as danças, os jogos, as músicas juvenis; eles estavam se divertindo. Eles tentavam convidá-lo também, pois ele era uma pessoa interessante - inteligente, atraente e educado. Mas ele tinha perdido o seu gosto pelo mundo. 

Os próximos dois anos de sua vida foram uma época de trabalhos espirituais incessantes, verdadeiro ascetismo. Ele pela primeira vez estava se familiarizando com os escritos dos Santos Padres, e lendo os Evangelhos essencialmente pela primeira vez. Isto foi o que ele disse sobre esse período quando ele chegou ao fim de sua vida: 

Foi somente nos Santos Padres e nos Evangelhos que eu encontrei algo realmente valioso. Quando uma pessoa começa a lutar contra si mesmo, quando ele começa a percorrer o caminho dos Evangelhos, então os Santos Padres tornam-se algo que ele necessita, tornam-se sua família. Um Santo Padre torna-se seu professor mais próximo, que fala à alma; e a alma recebe com alegria e é consolada. Aqueles filósofos e vários ensinamentos sectários repugnantes evocavam tédio, depressão e náuseas; mas eu cheguei aos Padres como eu chegava na minha própria mãe. Eles me acalmaram, me deram sabedoria e me alimentaram... Então o Senhor me deu a ideia de entrar na Academia Teológica de Moscou (em 1917). Aquilo significou muito para mim. 

 Do livro The Search for Truth on the Path of Reason por Alexei Osipov

                                                                                                      * * *

Com a idade de 36 anos, depois dos testes mais sérios de suas faculdades, Nikolai Nikolaevitch Vorobiev aceitou a tonsura monástica, tomando o nome de Nikon. Um ano mais tarde, Nikon tornou-se primeiro Hierodiácono, e logo depois, Hieromonge. Em 23 de março de 1933 (no aniversário de sua tonsura), foi preso e condenado a 5 anos em um campo siberiano. Durante vários anos após a sua libertação, privado da possibilidade de continuar a servir como sacerdote, Pe. Nikon trabalhou como assistente médico em Vyshnyaya Volotchka. Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos prédios da igreja foram devolvidos à Igreja Ortodoxa Russa, e mais uma vez foi possível servir como padre. Em 1944, Hieromonge Nikon foi nomeado reitor da Igreja da Anunciação em Kozelsk, onde atuou até 1948. Depois disso, foi transferido, primeiro a Belev, em seguida, para a cidade de Efremov, posteriormente, para Smolensk, e, finalmente, naquilo que ele considerava como um exílio, a uma paróquia pobre e degradada na cidade de Gzhatsk.

Em seu novo local, ele primeiro teve de suportar incríveis dificuldades sociais e materiais. Quase imediatamente depois de receber algum dinheiro, batiushka iria distribuí-lo (aos necessitados), assim ele praticamente não tinha dinheiro algum. Suas únicas posses, além das mais básicas essenciais, consistia de livros, principalmente os escritos dos Santos Padres da Igreja Ortodoxa.  

Nos últimos anos de sua vida, quando já um abade, Nikon sofreu várias aflições, dificuldades seculares e vaidades. Antes de sua morte, ele disse que "a vaidade me permitiu enxergar que nós mesmos, sozinhos, somos incapazes de fazer qualquer coisa boa." Como ele mesmo admitiu, durante esse período, ele veio a compreender e experimentar o início da humildade cristã, a experimentar aquilo que nos mostra que "...nós mesmos somos nada; somos meramente a criação de Deus. Portanto, o que temos para nos orgulhar, e o que temos para comparar com Deus?" 

Antes de sua morte, Nikon suportou um último julgamento, uma doença grave. Por mais de três meses antes de sua morte ele tornou-se incapaz de ingerir qualquer alimento além do leite. No entanto, ele não expressou qualquer queixa, manteve-se sempre calmo e focado, e na maioria das vezes tinha um pequeno sorriso no rosto. Até a sua morte, ele manteve-se plenamente consciente e lúcido, e gastava todas suas energias instruindo aqueles ao redor dele. Ele pediu para que preservassem a fé guardando os mandamentos e arrependendo-se; seguindo em todas as formas possíveis os ensinamentos do Bispo Ignaty Biranchaninov; e tivessem cuidado especial em evitar as vaidades, que devastam completamente a alma e afasta-a para longe de Deus.  Para os que lamentavam-se em torno de sua cama, ele dizia: "Não há nenhuma razão para sentir pena de mim. Graças a Deus que eu já tenha concluído meu caminho terreno. Eu nunca quis viver; eu não vi nada de interessante nesta vida, e sempre me impressionou como os outros encontravam algo aqui e se apegavam com toda suas forças. Embora eu nunca tenha feito nada de bom na minha vida, de forma sincera eu sempre me esforcei [em me mover] em direção a Deus. Portanto, com toda minha alma, coloco minha esperança na misericórdia de Deus. O Senhor não pode desprezar aquele que sempre fez o máximo possível esforçando-se em direção a Ele. Eu sinto muito por você. O que mais você enfrentará? Os que vivem terão inveja dos mortos."

O descanso do Abade Nikon (Vorobiev) veio em 7 de setembro de 1963. Ele foi enterrado na cidade de Gzhatsk (agora chamada de Gagarin).

Para aqueles cristãos ortodoxos contemporâneos que sinceramente buscam a salvação, o Abade Nikon merecidamente tornou-se um dos grandes mestres do arrependimento na história recente. "Aqui, enquanto estou morrendo, está minha última vontade: Arrependei-vos, pensem em vós como o publicano, como pecadores, implorem a Deus por Sua misericórdia e tenha compaixão uns dos outros." 

Retirado do site da Igreja de São João Batista