Mostrando postagens com marcador Hesicasmo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Hesicasmo. Mostrar todas as postagens

sábado, 2 de maio de 2020

'Agir a partir da quietude': a influência do Hesicasmo do século XIV sobre a civilização bizantina e eslava (Bispo Kallistos Ware)

Compreender através da quietude; agir a partir da quietude; conquistar na quietude. 
Dag Hammarskjöld

Se você deseja fazer algo sério, a primeira injunção é manter-se quieto. O verdadeiro conhecimento é o silêncio. 
Ortega y Gasset

Negação do mundo ou afirmação do mundo? 

Na coroação de João VI Paleólogo e sua Imperatriz em 1347, os observadores notaram que as jóias em suas coroas não eram reais, mas feitas de vidro.[1] Esse é certamente um comentário revelador e comovente sobre a situação do Império Bizantino durante o século XIV. O saque de Constantinopla pelos Cruzados em 1204 deu um golpe do qual Bizâncio nunca se recuperou. Com a recaptura da Cidade que estava sob domínio latino em 1261, o domínio bizantino foi restabelecido no seu verdadeiro lar nas margens do Bósforo, no entanto, em termos de recursos materiais e de força militar, o Império sob os Palaeologi não era mais do que uma sombra do que outrora tinha sido nos dias de Constantino e Justiniano. Ao longo do século XIV, as fronteiras bizantinas contraíram-se de forma continuada face ao avanço dos turcos. O que em retrospectiva parece surpreendente não é que o Império Bizantino tenha eventualmente sucumbido, mas que tenha sobrevivido por tanto tempo; não que a Cidade tenha caído em 29 de Maio de 1453, mas que não tenha caído muitas décadas antes.

No entanto, os últimos dois séculos da história bizantina estavam muito longe de ser uma história puramente de fraqueza crescente e declínio inexorável. Apesar da diminuição da riqueza e do poder exterior, no que diz respeito ao reino do espírito, Bizâncio continuou a ser vibrante e criativo até ao fim. O século XIV, quando muito território bizantino foi perdido para os otomanos, foi também a época do "último renascimento bizantino", marcado por estudiosos e humanistas como Teodoro Metochitas e Nikiphoros Gregoras. Foi também uma época de notável brilho artístico, como ainda hoje se pode ver nos mosaicos e afrescos do Mosteiro do Chora (Kharije Djamii), em Constantinopla, e na decoração mais fragmentada das últimas igrejas bizantinas de Tessalónica e Mistra. Por último, mas não menos importante, foi uma era de renovação no reino da teologia ascética e mística, quando a prática do hesicasmo athonita encontrou um porta-voz eloquente e autoritativo na pessoa de São Gregório Palamas (1296-1359). Aqui, então, há um estranho contraste: no Bizâncio dos Paleólogos, o declínio exterior andava de mãos dadas com o reavivamento interior; exteriormente o Império morria, mas interiormente encontrava-se tão vivo e dinâmico como nunca estivera. "O meu poder se aperfeiçoa na fraqueza" (2 Coríntios 12,9), disse Cristo a São Paulo. As mesmas palavras podem ser aplicadas ao Império Bizantino nos seus dois séculos finais.

Há, porém, mais de uma forma de interpretar o impacto do hesicasmo do século XIV sobre o mundo bizantino, e de modo algum todos os bizantinistas modernos viram a sua influência em termos positivos. O distinto historiador Apostolos Vacalopoulos, por exemplo, chega à conclusão:
Sua visão eremítica e introspectiva afetou muitos que de outra forma teriam se dedicado à filosofia da Grécia antiga. O Hesicasmo foi, portanto, hostil ao desenvolvimento de um espírito liberal, que poderia ter regenerado o mundo bizantino. [2]
Isto é uma acusação séria. É justificada? Será que o hesicasmo contribuiu positivamente para a vida cultural bizantina como um todo, ou ao contrário, minou a força interior do Império, acelerando o seu colapso final? Devemos ver as consequências mais amplas do movimento hesicasta como criativas ou como debilitantes, como afirmadoras do mundo ou negadoras do mundo?

Em primeiro lugar é necessário perguntar: o que significa precisamente "hesicasmo"? [3] O termo ησυχία, "quietude", "tranquilidade" ou "silêncio" - juntamente com os seus derivados, "hesicasmo" ou a busca da quietude, e "hesicasta" ou aquele que pratica tal quietude - tem sido compreendido em pelo menos cinco sentidos diferentes, relacionados e que se sobrepõem. 'Hesicasmo' pode significar:
(1) a vida solitária;
(2) a prática da oração interior, visando a união com Deus em um nível além de imagens, conceitos e linguagem;
(3) a busca de tal união através da repetição da Oração de Jesus;
(4) o emprego de uma técnica psicossomática particular em combinação com a Oração de Jesus;
(5) a teologia de São Gregório Palamas.
Analisemos, então, estes cinco sentidos:

1. A partir do século IV, por vezes, a hesíquia tem sido entendida em termos exteriores e físicos. Nesse caso, o hesicasta é alguém que vive na solidão, eremita ou recluso, em contraste com um monge que habita num cenobium ou numa comunidade organizada.

2. Muito mais frequentemente, porém, a hesíquia tem sido compreendida num sentido interiorizado e espiritual, significando quietude interior ou silêncio do coração.  Em tal interpretação, o hesicasta, entendido em sentido amplo, é qualquer pessoa que pratica a oração interior.  Este é o significado contemplado por São João Clímaco (século VII) na sua famosa definição:"O hesicasta é aquele que luta para confinar o seu eu incorpóreo dentro da casa do corpo, por mais paradoxal que isso possa parecer" (ήσυχαστής έστιν ό τό άσώματον εν σοματικώ οίκώ περιορίζειν φιλονεικών, τό παράδοξον). [4] O hesicasta, continua Clímaco, é alguém interiormente atento e vigilante. Ele diz: "Eu durmo, mas o meu coração está desperto" (cf. Cântico dos Cânticos 5,2). Hesíquia é, assim, uma consciência contínua da presença de Deus: "Hesíquia é adorar a Deus incessantemente e esperar por Ele".[5] Mais particularmente, o estado de quietude que o hesicasta procura é uma consciência de Deus e união com Ele num nível livre de imagens mentais e pensamento discursivo. Como diz Clímaco, "Hesíquia é pôr de lado os pensamentos"(απόθεσις νοημάτων).[6] A oração hesicasta é por excelência uma oração 'não-icônica'. Entendido neste sentido amplo, o hesicasmo não é apenas um movimento pertencente ao final do período bizantino, as suas origens remontam, pelo menos, ao século IV. Evágrio do Ponto (m. 399), São Máximos o Confessor (m. 662) e São Simeão o Novo Teólogo (959-1022) podem todos ser considerados, nesta interpretação mais abrangente da palavra, como representantes da espiritualidade hesicasta.

3. Mais especificamente, o hesicasmo pode ser entendido como a busca da quietude 'não-icônica' através de uma forma específica de oração: através da invocação do santo nome ou 'Oração de Jesus'. Referências claras a tal invocação podem ser encontradas na tradição patrística grega a partir do século V, notadamente em São Diadoco de Fótice (floruíta c. 450).[7] Mas nenhum dos três escritores mencionados - Evágrio, Máximo e Simeão - pode ser chamado de "hesicasta" neste terceiro sentido, pois nenhum deles se refere explicitamente à "Oração de Jesus".[8]

4. Mais especificamente ainda, o hesicasmo pode denotar o emprego de uma técnica psicossomática particular em combinação com a Oração de Jesus. Essa técnica envolve, primeiro, uma postura corporal específica; segundo, controle sobre o ritmo da respiração; terceiro, concentração da atenção em certos centros somato-psíquicos, sobretudo no coração. As descrições de tal técnica são encontradas primeiramente na tradição grega em textos do século XIII, mas suas origens podem ser bem mais antigas. [9]

5. Por último, o termo 'hesicasmo' é às vezes usado para designar a teologia de São Gregório Palamas, e mais especialmente seu ensinamento de que a visão de luz experienciada pelos santos em oração deve ser identificada com a luz incriada que brilhou a partir de Cristo em Sua transfiguração no Monte Tabor. Essa luz incriada nada mais é do que as energias eternas da divindade, que na teologia de Palamas são entendidas como distintas (embora nunca separadas) da essência divina.

Somente se o hesicasmo for compreendido no quarto ou quinto sentido é que ele se torna especificamente um fenômeno do século XIV. Pessoalmente, considero estes dois últimos usos da palavra como sendo demasiadamente restritivos. Quanto ao quarto sentido, limitar o termo 'hesicasmo' à técnica psicossomática é sugerir que esta técnica constitui parte essencial da oração interior em geral, e da Oração de Jesus em particular. Mas, na realidade, os escritores gregos do século XIV que defenderam a técnica psicossomática tiveram o cuidado de insistir que ela não é mais do que um acessório, opcional e útil para alguns, mas de nenhuma maneira obrigatória para todos. Para nenhum desses escritores ela constitui a essência da oração interior; e assim chamá-la "o método hesicasta da oração", como alguns têm feito, é definitivamente equivocado. Quanto ao quinto sentido, certamente neste caso é apropriado falar mais precisamente de 'teologia palamita' ou de 'palamismo', em vez de falar genericamente de 'hesicasmo'. Mas, como Humpty Dumpty corretamente salientou para Alice, somos livres para usar as palavras como quisermos!

Aderindo, portanto, ao segundo dos nossos cinco sentidos, pode-se dizer que o hesicasmo significa uma forma de oração que é livre, na medida do possível, de todas as imagens visuais e de todos os conceitos intelectuais, que dispensa a imaginação (φαντασία) e o raciocínio discursivo, e que apreende o divino através de um senso imediato de presença, através de uma consciência unitiva abrangente. O hesicasta, usando a terminologia de Evágrio, é aquele cujo intelecto (νους) se tornou 'despido' e cuja oração se tornou 'pura' - purgada, ou seja, não apenas de imagens e pensamentos pecaminosos, mas de todos os pensamentos, de todos os logismos, de todas as formas e feitios. Ser um hesicasta é subir do nível da dianoia ao da noesis, do pensamento discursivo à intuição direta e à visão espiritual não mediada.[10] É passar da multiplicidade à unidade, da diversidade à pobreza noética, da complexidade da argumentação racional à simplicidade da união amorosa. Como auxílio para essa transição, o hesicasta pode empregar a Oração de Jesus (aqui passamos do segundo para o terceiro sentido da palavra 'hesicasmo'); mas a Oração de Jesus, apesar de seu significado fundamental para a espiritualidade Ortodoxa, não deve ser considerada como a única forma possível de se alcançar a quietude interior. Se optarmos por aceitar essa compreensão mais ampla do termo 'hesicasmo', então quando quisermos nos referir mais exatamente ao movimento ligado a escritores como São Gregório do Sinai (m. 1346), seu contemporâneo mais jovem São Gregório Palamas, e São Kallistos e São Inácio Xanthopoulos, devemos falar não apenas de 'hesicasmo' em geral, mas mais precisamente do 'hesicasmo do século XIV', como eu fiz no título desta palestra.

Se é isso que significa o hesicasmo - oração sem imagens, contemplação sem palavras - então não seria legítimo perguntar até que ponto, se de alguma forma, o movimento de hesicasta na era Paleológica contribuiu para a sobrevivência da civilização bizantina?  Não deveríamos sentir considerável simpatia pelas reservas expressas pelo Dr. Vacalopoulos? Não será o hesicasmo, por definição, algo monástico, desinteressado pela cultura secular e até hostil a ela, e sem qualquer impacto direto sobre a vida mais ampla de Bizâncio e do mundo eslavo - em suma, voltado para o interior e que nega o mundo?

Uma vocação universal 

Vamos abordar estes pontos em ordem. Em primeiro lugar, até que ponto o hesicasmo do século XIV é exclusivamente monástico? É sem dúvida verdade que os autores acima citados - os dois Gregórios e Xanthopouloi - eram todos eles monges, escrevendo com um público monástico primariamente em mente. Há, no entanto, pistas ocasionais que sugerem que eles acreditavam que o hesicasmo possuía um significado direto também para os não-monásticos. Ao invés de conferir a tonsura monástica ao seu discípulo Isidoro (mais tarde Patriarca), São Gregório do Sinai instruiu-o a voltar de Athos para Tessalônica e a agir lá como guia para um círculo que incluía tanto leigos como monges: "Serve de modelo para todos eles... tanto pelo teu silêncio como por tuas palavras".[11] Uma posição semelhante foi adotada por São Gregório Palamas, segundo seu biógrafo Filoteo Kokkinos. Ao encontrar um monge chamado Jó, que argumentou que o mandamento de São Paulo, "Orai sem cessar" (1 Tessalonicenses 5:17), é dirigido apenas aos monges e não aos leigos, Palamas defendeu exitosamente a posição de que o apóstolo estava se dirigindo a todos os cristãos sem exceção, qualquer que fosse a sua situação na vida. A oração incessante é uma vocação universal.[12]

A mesma posição foi vividamente expressa por São Nicolau Cabasilas (c. 1320-1397/8), o amigo e apoiador de Palamas. Um 'humanista' que provavelmente nunca fez votos monásticos, Cabasilas afirma que todos podem preservar a lembrança constante de Deus, qualquer que seja sua ocupação exterior. "O general pode continuar a comandar", escreve ele em uma passagem admirável, 
o fazendeiro a cultivar a terra, o artesão a praticar seu ofício... Não há necessidade de partir para o deserto, nem de comer alimentos incomuns, nem de alterar as próprias roupas, nem de pôr em perigo a própria saúde, nem de tentar qualquer outra ação precipitada; mas pode-se permanecer em casa, sem renunciar a nenhum dos seus bens, e ainda assim viver sempre com pensamentos como estes.[13]
Para Cabasilas, então, a oração contínua é, enfaticamente, uma opção viável para os leigos. A quietude interior pode existir mesmo onde há pouco ou nenhum silêncio exterior; pois o verdadeiro afastamento do mundo não é espacial, mas espiritual, e o verdadeiro deserto é sempre o deserto do coração. Para a maioria das pessoas pode ser mais fácil perseguir a hesíquia enquanto vivem em reclusão, mas, em princípio, o caminho hesicasta está aberto a todos; o que importa não é o modo de vida externo, mas a disciplina interior. Um vendedor de legumes, uma dona de casa ou um médico pode ser um verdadeiro hesicasta. [14]

Vale ressaltar que o ponto de vista dos dois Gregórios, com a insistência deles de que o hesicasmo pode ser, em princípio, uma vocação 'leiga', se repete no 'renascimento hesicasta' do século XVIII.  Em seu prefácio à clássica coleção de textos hesicasta, A Filocalia, São Nicodemus da Montanha Santa (1748-1809) afirma sem ambiguidade que o livro é dirigido a "todos os que compartilham do chamado Ortodoxo, tanto leigos como monges";[15] destina-se, como diz a página de título, "para o benefício geral dos Ortodoxos". Tal é o público que Nicodemus contempla: não uma elite monástica de solitários e ermitãos, mas o público em geral - governantes, administradores, homens de negócios, fazendeiros e servidores domésticos.

O hesicasmo e a 'sabedoria deste mundo'. 

É verdade, em segundo lugar, que o hesicasmo do século XIV não estava interessado na cultura secular e era até hostil a ela, "hostil ao desenvolvimento de um espírito liberal"? Esta é uma crítica que - já no século XIV - Filoteo Kokkinos, o biógrafo de Palamas, considerou necessário responder. Em seu encômio do santo, Filoteo afirma que Palamas recebeu uma sólida formação na "educação externa" (ή θύραθεν παιδεία): "Pois não era certo que uma alma e natureza como a sua não tivesse uma participação nos projéteis e armas que podem ser derivadas da educação externa". Segundo Filoteo, Palamas conhecia bem "todas as obras de Aristóteles" (mas não se diz que ele tinha estudado Platão). É-nos dito que o principal estudioso da época, o Grande Logothete Teodoro Metochites, ficou tão positivamente impressionado com a habilidade do jovem Palamas em dominar os métodos de argumento aristotélicos, que exclamou com espanto: "O próprio Aristóteles, se estivesse aqui para escutá-lo, o elogiaria para além da medida".[16] Tal é a resposta de Filoteo aos "cultos desprezadores" do hesicasmo como Nikiphoros Gregoras; efetivamente ele está dizendo: "Estamos em plena posse do teu arsenal e poderíamos usar as tuas próprias armas contra ti, mas preferimos nos basear em algo melhor - a iluminação do Espírito". Podemos nos perguntar, no entanto, se por razões apologéticas Filoteo exagerou a familiaridade de Palamas com a sabedoria dos antigos gregos.

Se nos voltarmos aos próprios escritos de Palamas, não é difícil compreender por que Gregoras e outros escolares bizantinos se sentiram inquietos com a atitude hesicasta em relação à aprendizagem helênica. A posição de Palamas, por exemplo, nas Tríades em Defesa dos Santos Hesicastas, seções I, i e II, i, à primeira vista, certamente aparece anti-intelectual. Seu texto chave, regularmente citado, é 1 Coríntios 1:20: "Porventura não tornou Deus tola a sabedoria deste mundo?" Palamas continua fazendo uma firme distinção entre a sabedoria obtida através da filosofia - através do que ele chama de 'estudos externos' (τά έξω μαθήματα) - e a sabedoria espiritual superior conferida aos santos diretamente através da iluminação divina. [17] Ele gosta de citar o ditado: "Cada logos confronta-se com outro logos."[18] Todo argumento filosófico, ou seja, pode ser contestado por algum outro argumento; no nível da especulação abstrata não há fim para a 'logomachy', pois as conclusões da aprendizagem secular permanecem sempre abertas à disputa. Certeza firme e verdade incontestável só podem ser alcançadas através da iluminação do Espírito Santo.

No entanto, se cuidadosamente examinada, a posição de Palamas não se revela, de forma alguma, totalmente negativa. Sua atitude em relação à filosofia é basicamente a mesma que a dos Padres anteriores, como os Capadócios, São Máximo, o Confessor, e São João de Damasco. Embora considere os estudos seculares inapropriados para os monges, não os condena como maus em si mesmos. Embora ambivalentes, podem ser úteis e até altamente proveitosos, se estiverem contidos dentro de seus próprios limites - se, isto é, a filosofia não for tratada como autônoma, mas for mantida subordinada à sabedoria divina. A sabedoria secular é apenas um dom da natureza, não um dom da graça; ainda assim, a natureza é criação de Deus, e embora distorcida pelo pecado humano, não é totalmente corrupta. O que é importante, porém, na concepção de Palamas, é preservar uma distinção apropriada de níveis entre sabedoria divina e humana, entre o aprendizado "interno" e o "externo".[19]

A fuga e o retorno 

Se tal é a atitude de Palamas em relação ao aprendizado secular, o que podemos dizer em terceiro lugar sobre o impacto que ele e seus semelhantes hesicastas causaram na vida em geral de Bizâncio? Os hesicastas eram negadores do mundo, preocupados apenas com a era futura, e indiferentes às necessidades e preocupações imediatas da sociedade em que viviam? Que contribuição positiva, se alguma, eles deram para a cultura e civilização em geral de sua época? Até que ponto eles realizaram uma interconexão, uma reconciliação, entre o deserto e a cidade? Ao propor uma resposta, levemos em conta tanto as ações quanto as palavras.

Em um texto monástico formativo e pioneiro que todos os principais hesicastas do século XIV certamente conheciam - a Vida de Santo Antônio do Egito do século IV, atribuída (talvez corretamente) a Santo Atanásio de Alexandria [20] - um padrão notável e distinto pode ser discernido: O caminho espiritual de Santo Antônio toma a forma de uma fuga seguida de um retorno. Inicialmente ele se afasta do mundo, retirando-se para uma solitude sempre crescente que atinge seu ponto culminante quando permanece isolado por vinte anos em um forte abandonado, sem se encontrar e sem falar com ninguém. Até aqui a sua jornada ascética é "φυγή μόνου πρός μόνον", uma "fuga do solitário para o Solitário".[21] Mas então chega um ponto decisivo de inflexão. Os amigos de Antônio derrubam a porta do lugar onde ele está escondido, e ele emerge de seu isolamento, "como de um santuário, como um iniciado nos mistérios e carregando Deus dentro de si" (ώσπερ έκ τινος άδύτου μεμυσταγωγημένος καί Θεοφορούμενος), para usar a frase de seu biógrafo.[22] Durante os últimos cinquenta anos de sua longa vida, Antônio não retorna ao mundo no sentido topográfico e físico, exceto em duas ocasiões em que visita Alexandria; mas retorna ao mundo de uma forma mais interior e pessoal, tornando-se livremente disponível aos outros, aceitando discípulos sob seus cuidados e oferecendo conselhos a um fluxo interminável de visitantes - agindo, nas palavras da Vida, "como um médico oferecido por Deus ao Egito". [23] Tal é a sequência que caracteriza a carreira espiritual de Antônio: primeiro o silêncio, depois a fala; primeiro a recolhimento, depois o envolvimento; primeiro a solitude, depois a liderança. Exatamente o mesmo padrão, de uma fuga seguida de um retorno, repete-se repetidamente no monaquismo cristão mais tarde. Marca a vida de São Basílio de Cesaréia no Oriente e de São Benedito de Nursia no Ocidente. Também caracteriza o movimento hesicasta e nos ajuda a apreciar que tipo de contribuição o hesicasmo deu à cultura bizantina. A sequência de fuga e retorno pode ser vista claramente, em primeiro lugar, na história de vida de São Gregório Palamas. Durante a parte inicial de sua carreira adulta, desde a idade de cerca de vinte anos até pouco mais de quarenta - primeiro na Montanha Santa, depois fora de Beroea, depois mais uma vez na Montanha Santa - ele viveu, em grande parte, a vida de um recluso afastado da sociedade. Além dos três anos passados na Grande Lavra e um curto período como hegúmeno de Esphigmenou, ele viveu não em grandes cenobia, mas em eremitérios isolados, adotando frequentemente um programa de cinco dias: de segunda a sexta-feira ele passou seu tempo em estrito isolamento, mantendo silêncio total e praticando a "oração contínua do intelecto", nas palavras de seu biógrafo, enquanto que aos sábados e domingos ele se juntava aos outros membros do eremitério, celebrando a Eucaristia e participando da vida comum.24 Esse período de reclusão chegou, porém, a um fim abrupto quando Palamas estava no início dos seus quarenta anos, e as duas décadas restantes de sua vida passaram, não no deserto, mas na cidade. Forçado a agir como porta-voz dos monges de Athos contra os ataques de Barlaão, ele se mudou da Montanha Santa para Tessalônica e depois para Constantinopla, e se encontrou intimamente envolvido não apenas em uma acalorada controvérsia teológica, mas também em complexas correntes cruzadas políticas. Eventualmente foi eleito Arcebispo de Tessalônica, a segunda cidade do império bizantino. Ali ele assumiu o cuidado de um rebanho profundamente dividido por conflitos civis, mas rapidamente se mostrou um líder e administrador capaz, firmemente comprometido com o combate à injustiça social. Como o filósofo-rei Platão, ele ilustra o princípio de que os mais qualificados para governar são aqueles que não têm desejo de fazê-lo.

Desta forma, Palamas combina, em um grau excepcional, a vida ativa e a contemplativa. É ainda significativo, como observa John Meyendorff, que quando Palamas lista aqueles que ele considera como seus professores e guias na prática do hesicasmo, ele destaca mencionando figuras como Atanásio I, Patriarca de Constantinopla, e Teoliptos, Metropolitano de Filadélfia. Eram homens que, como ele, combinavam contemplação e ação, e que, longe de estarem isolados da sociedade, estavam diretamente envolvidos nos movimentos religiosos e culturais mais amplos da época. [25]

E quanto à segunda figura principal do hesicasmo do século XIV, o outro Gregório, São Gregório do Sinai? À primeira vista, a sua história de vida parece muito diferente da de Palamas. O Sinaíta não tomou parte direta nas controvérsias eclesiásticas e políticas do final dos anos 1330 e 1340, e não exerceu nenhum ofício administrativo na Igreja. Passou seus últimos anos na remota região de Paroria, entre as montanhas Strandzha, nas fronteiras entre o Império Bizantino e a Bulgária. Em sentido externo e topográfico, de qualquer modo, a sua vida terminou com uma fuga, não com um retorno. No entanto, se olharmos para além do próprio Gregório, o Sinaíta, para a sua descendência espiritual, então nas suas carreiras descobrimos precisamente o mesmo padrão - uma fuga seguida de um retorno - que marca a vida de Palamas. A partir do isolamento do deserto eles saíram para assumir posições de liderança não apenas na Igreja Bizantina, mas em todo o mundo eslavo, estabelecendo o que Sir Dimitri Obolensky apropriadamente chama de a "Internacional Hesicasta".[26] Dois dos discípulos gregos de Gregório, Isidoro e Kallistos, tornaram-se Patriarcas de Constantinopla. Ainda mais extensa foi a influência de seus seguidores eslavos. O mosteiro de Kilifarevo, fundado pelo discípulo búlgaro de Gregório, São Teodósio de Turnovo, funcionou como um centro decisivo para a disseminação do hesicasmo no mundo eslavo. [27] Um dos filhos espirituais mais conhecidos de Teodósio foi Euthymios, Patriarca da Bulgária, que desempenhou um papel de liderança no movimento literário greco-eslavo do final da Idade Média. Outro dos discípulos de Teodósio, Cipriano, tornou-se Metropolita de Kiev e mais tarde de Moscou, onde tomou a iniciativa de compilar a primeira crônica abrangente moscovita. São Romil (ou Romano) de Vidin, um discípulo de Gregório do Sinai e Teodósio, levou as tradições do hesicasmo para a Sérvia.

Esses filhos e netos espirituais de São Gregório do Sinai não apenas eram profundamente enraizados nas disciplinas ascéticas da oração hesicasta. Eram também líderes eclesiásticos exitosos, que fizeram muito para fortalecer a unidade inter-Ortodoxa e consolidar a organização eclesiástica dos Bálcãs e da Rússia. Além disso, longe de serem "hostis ao desenvolvimento de um espírito liberal", eram representantes de tudo o que havia de melhor na civilização da sua época: bastante cultos, sensíveis aos desenvolvimentos contemporâneos na arte e na literatura, de forma alguma limitados e fanáticos, mas pan-Ortodoxos em sua visão religiosa e cosmopolitas em sua cultura.

Outro exemplo de uma comunidade hesicasta que exerceu - se não diretamente, pelo menos indiretamente - uma influência significativa nos acontecimentos contemporâneos é oferecido pela história do eremitério fundado pelos dois Xanthopouloi, São Kallistos e São Inácio. Eles são os autores de um atraente manual sobre a vida hesicasta, em uma centena de capítulos.[28] Não há nenhuma pista nessa serena obra de qualquer envolvimento social, cultural ou político por parte da espiritualidade hesicasta. Os temas que dizem respeito aos Xanthopouloi são a guerra interior contra as paixões, a realização consciente da graça do santo batismo, a necessidade de comunhão freqüente - se possível, todos os dias - e o efeito transfigurador da Oração de Jesus. Os Xanthopouloi parecem ser, se não 'introspectivos', então, pelo menos, substancialmente distanciados das correntes históricas mais amplas do seu tempo. Mas esta não é a história toda. Há boas razões para acreditar que um dos membros de seu eremitério não era outro senão o futuro Arcebispo de Tessalônica, São Simeão, que morreu em 1429 pouco antes de a cidade cair definitivamente para os turcos.[29] Assim, o líder da igreja que desempenhou um papel dominante nos últimos dias da Tessalônica Bizantina, recebeu - como tantos outros hierarcas mais influentes do período Paleólogo - uma base aprofundada nas tradições da oração hesicasta.

Adquira o espírito de paz

Já foi dito o suficiente para ilustrar o paradoxo central da espiritualidade hesicasta. Um movimento escatológico em sua orientação, cujo objetivo primário era induzir as pessoas a buscarem o reino interior do coração, esvaziando suas mentes de todas as imagens e pensamentos, veio de fato a exercer uma profunda influência sobre a vida política e cultural da Europa Oriental durante os séculos XIV e XV. Um homem como São Gregório Palamas, que na sua juventude retirou-se para a Santa Montanha de Athos sem outro propósito senão o de buscar a Deus através do jejum e do silêncio, acabou por desempenhar um papel crucial nas grandes crises, tanto civis como eclesiásticas, de sua época. O monge, disse Evágrio do Ponto num célebre apophthegm, está "separado de todos e unido a todos".[30] Isso certamente se aplica a Palamas e a muitos outros principais hesicastas. "Aja a partir da quietude", disse o Secretário Geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjöld. Foi exatamente isso que fizeram os hesicastas do século XIV; e por isso mesmo a ação deles teve um efeito decisivo e criativo sobre a sociedade como um todo.

Repetidas vezes, não apenas na Bizâncio Paleóloga, mas também em muitos outros períodos e lugares, são os homens e mulheres de quietude interior - não os ativistas, mas os quietistas - que exerceram, de fato, o mais amplo impacto sobre o mundo em que vivem. Eles tiveram uma influência formativa na história e na cultura contemporânea, mesmo que - ou talvez precisamente porque - essa não tenha sido sua intenção. De fato, pode-se afirmar que quanto menos uma pessoa pensa em mudar os outros e quanto mais pensa em mudar a si mesma, mais provável é que os outros de fato sejam mudados. Nas palavras de um santo russo do século XIX, ele próprio treinado nas tradições do hesicasta, Serafim de Sarov: "Adquira o espírito de paz, e então milhares ao teu redor serão salvos".[31]

A verdade deste 'paradoxo hesicasta' é confirmada pela sobrevivência da Igreja e da nação gregas durante a turcocracia. Dentro da sociedade bizantina nas últimas décadas antes da queda de Constantinopla, havia em geral termos três grupos principais, não mutuamente exclusivos, mas sobrepostos. Primeiro, havia os ideólogos imperiais, que consideravam o Império como um elemento duradouro e inalterável na providência de Deus, e que consideravam o Império e a Igreja como essencialmente interdependentes. Típico da perspectiva deles é a afirmação feita pelo Patriarca Antônio IV de Constantinopla, escrevendo para o Grande Príncipe Basílio I de Moscou por volta de 1393:
O imperador não é como os outros soberanos e governadores de outras regiões; e isto porque os imperadores, desde o início, estabeleceram e confirmaram a verdadeira religião em toda a terra habitada... Não é possível para os cristãos ter uma Igreja e não ter um imperador. Império e Igreja têm uma grande unidade e comunidade, nem tampouco podem ser separados um do outro.[32]  
Em segundo lugar, havia aqueles que, como Jorge Gemisto Pletão, buscavam inspiração no paganismo helenístico da antiguidade clássica. Em terceiro lugar, havia os hesicastas, como o anti-unionista São Marcos Evgenikos, Metropolita de Éfeso, que se interessavam primariamente não pela manutenção do Império ou pelo aprendizado helênico, mas pela pureza da fé Ortodoxa.

Qual desses três grupos contribuiu mais para a sobrevivência da nação grega sob o domínio dos turcos? Os ideólogos imperiais tinham pouco a oferecer em termos práticos, uma vez que a cidade havia caído. Sem dúvida, o sonho teocrático deles ajudou a manter viva na mente dos rayahs escravizados a esperança de uma libertação definitiva; mas depois de 1453, no que diz respeito ao futuro imediato, o ideal de um império cristão ortodoxo encontrou sua continuação não em solo grego, mas mais ao norte, na Rússia, onde desenvolveu a teoria de Moscou, a Terceira Roma. Assim, não foram os ideólogos imperiais que permitiram que os gregos aguentassem quatro séculos de opressão estrangeira. Nem, em segundo lugar, foram os admiradores da Hellas pagã que tornaram possível a sobrevivência. Após a queda de Constantinopla, a maioria deles emigrou para a Europa Ocidental, e especialmente para a Itália, onde receberam uma calorosa recepção; mas isso proporcionou pouco estímulo prático para a grande maioria dos gregos que ficaram para trás sob o domínio otomano. Foi sobretudo o terceiro grupo, o dos hesicastas - aqueles que enfatizavam os valores interiores e espirituais da herança cristã grega - que forneceu a um Romiosyni oprimido os meios para sobreviver à turcocracia.

Paradoxalmente, então, entre os diferentes movimentos durante o período paleólogo foram os hesicastas que, apesar de toda sua "orientação ao outro mundo", mais fizeram para garantir a continuidade de Byzanee apres Byzance, utilizando a frase de Nicolae Iorga. O Dr. Bernard Hamilton está certo em afirmar:
Não faltava eruditos liberais no estado tardio bizantino e eles não o salvaram, ao passo que o hesicasmo regenerou a Igreja Bizantina tardia, que foi o veículo para a preservação da consciência grega sob o domínio turco... O renascimento italiano foi herdeiro da erudição bizantina tardia, os czares da Rússia foram os herdeiros da tradição imperial bizantina, ao passo que o estado moderno da Grécia é herdeiro da Igreja Ortodoxa Grega medieval tardia.[33]
São Paisius Velichkovsky
Uma bomba relógio espiritual 

Tampouco isso é tudo. O "paradoxo hesicasta" se manteve, para além dos anos da turcocracia, até os tempos modernos. Tragamos a história para os nossos dias. À medida que os sombrios séculos de dominação otomana se aproximavam do fim, no ano de 1782 foi publicado em Veneza um enorme volume ao qual já nos referimos de passagem. Foi editado por um bispo aposentado, São Macário de Corinto, e por um monge athonita, São Nicodemus. Intitulado Filocalia, era uma antologia ampla de textos espirituais, em sua maioria de inspiração hesicasta, terminando com uma seleção significativa de escritores da época paleóloga, incluindo Gregório do Sinai, Gregório Palamas e Kallistos e Inácio Xanthopoulos. Inicialmente o livro teve apenas um impacto limitado sobre o mundo grego, em parte sem dúvida porque quase todos os textos foram publicados no grego patrístico ou bizantino original, não em uma paráfrase neo-grega. Mais de um século se passou antes do aparecimento de uma segunda edição grega, em 1893; e só sessenta e quatro anos depois é que uma outra edição grega começou a ser publicada, em 1957. No que diz respeito à Grécia, durante os primeiros 175 anos de sua carreira, a Filocalia dificilmente foi um best-seller. É característico que uma obra padrão de referência dos anos 30, a Grande Enciclopédia Helênica, sob o título "Filocalia" mencione apenas a Filocalia de Origem, editada por São Basílio de Cesaréia e São Gregório de Nazianzo, sem fazer qualquer referência à Filocalia de São Macário e São Nicodemus.[34]

No mundo eslavo do século XIX, no entanto, a Filocalia desfrutou de um destino muito diferente. A tradução eslava de São Paisius Velichkovsky, publicada em 1793, e a edição russa ampliada de São Teófano o Recluso, que começou a aparecer em 1877, foram ambas regularmente reimpressas, desfrutando de uma influência muito mais extensa do que a original grega. Era de se esperar que a repressão da Igreja russa após a revolução bolchevique de 1917 tivesse sinalizado o fim da história da Filocalia, mas na verdade nada disso ocorreu. Ela continuou a ser reimpressa pelos Ortodoxos russos na emigração; e agora, com o florescimento renovado do monaquismo na ex-União Soviética, após o fim do comunismo, ela mais uma vez voltou aos seus dentro da própria Rússia.

Além disso, após a segunda guerra mundial, as traduções da Filocalia começaram a aparecer não só em romeno, mas também na maioria dos idiomas da Europa Ocidental, incluindo inglês, francês, alemão, italiano, espanhol e finlandês. Ao contrário de todas as expectativas, estas têm atraído um grande público. A versão inglesa, em particular, foi repetidamente reimpressa, e chegou a um grande número de leitores que não são de forma alguma especialistas em teologia - que é exatamente o que o próprio São Nicodemus desejaria. Dentro da própria Grécia, durante os últimos trinta anos, a Filocalia também se tornou muito mais conhecida, e uma tradução completa para o grego moderno foi agora publicada.

É certamente impressionante - e, para mim, profundamente encorajador - que uma coleção de textos hesicastas destinados aos Ortodoxos gregos que viviam na turcocracia do século XVIII tenha na realidade alcançado seu principal impacto cerca de duzentos anos depois, no meio completamente diferente de uma Europa secularizada pós-cristã. Evidentemente, o hesicasmo bizantino não perdeu de forma alguma sua importância para a sociedade em geral. O princípio "agir a partir da quietude" permanece tão verdadeiro hoje como sempre foi no passado.

Notas

1 Nikiphoros Gregoras, Romaic History xv, 11 (ed. L. Schopen [Bonn 1830], vol. 2, pp. 788-9); cf. Steven Runciman, The Fall of Constantinople (Cambridge 1965), p. 5.

2 Apostolos Vacalopoulos, Origins of the Greek Nation: the Byzantine Period, 1204-1461 (Rutgers Byzantine Series: New Brunswick 1970), p. 58.

3 Sobre os diferentes sentidos do hesicasmo, veja o tratamento magisterial por Irénée Hausherr, "L’hésychasme. Etude de spiritualité", Orientalia Christiana Periodica 22 (1956), pp. 5-40, 247-85; reimpresso em Hausherr, Hesychasme et priere (Orientalia Christiana Analecta 176: Rome 1966), pp. 163-237. Cf. Pierre Adnès, "Hésychasme", em Dictionnaire de spiritualite, 7 (1968), cols. 381-99; Kallistos Ware, "Silence in Prayer: The Meaning of Hesychia", em M. Basil Pennington (ed.), One Yet Two: Monastic Tradition East and West (Cistercian Studies Series 29: Kalamazoo 1976), pp. 22-47; John Meyendorff, "Is ‘Hesychasm’ the right word? Remarks on Religious Ideology in the Fourteenth Century", em C. Mango and O. Pritsak (eds.), Okeanos. Essays presented to I. Sevcenko on his Sixtieth Birthday (Harvard Ukrainian Studies, vol. vii: Cambridge, Massachusetts 1983), pp. 447- 57.

4 Ladder 27 (PG [=Migne, Patrologia Graeco] 88: 1097B).

5 Ibid. (1100A).

6 Ibid. (1121 A), adaptando uma frase de Evágrio de Ponto, Sobre a Oração 70 (PG 79:1181C).

7 Veja Irénée Hausherr, Noms du Christ et voies d’oraison (Orientalia Christiana Analecta 157: Rome 1960), pp. 202-210: traduzido por Charles Cummings, The Name of Jesus (Cistercian Studies Series 44: Kalamazoo 1978), pp. 220-9; Um monge da Igreja Oriental (Arquimandrita Lev Gillet), The Jesus Prayer (versão revisada: Crestwood, New York 1987), pp. 36-37; Kallistos Ware, "The Jesus Prayer in St Diadochus of Photice", em George D. Dragas (ed.), AksumThyateira: A Festschrift for Archbishop Methodios of Thyateira and Great Britain (London 1985), pp. 557-68.

8 É geralmente aceito que o texto atribuído a Simeão, intitulado Método da Santa Oração e Atenciosidade ou Os Três Métodos de Oração, não é de fato do Novo Teólogo. Provavelmente foi escrito no final do século XIII, mas sua data precisa e procedência permanecem incertas. Veja Irénée Hausherr, La Methode d'oraison hesychaste (Orientalia Christiana ix, 2 [36]: Roma 1927); Antonio Rigo, "Niceforo l'Esicasta (XIII seg.): alcune considerazioni sulla vita e sul'opera", em Olivier Raquez (ed.), Amore del Bello: Studi sulla Filocalia (Magnano 1991), pp. 87-93.

9 Veja Kallistos Ware, "Praying with the body: the hesychast method and non-Christian parallels", Sobornost incorporating Eastern Churches Review 14:2 (1992), pp. 6-35.

10 Veja Kallistos Ware, "Nous and Noesis in Plato, Aristotle and Evagrius of Pontus", Diotima 13 (1985), pp. 158-63.

11 Philotheos, Vida de Isidoro 22 (ed. A. Papadopoulos-Kerameus, Zapiski Istoriko-Filologicheskago Fakul’teta Imperatorskago S. Peterburgskago Universiteta 76 [1905], p. 77).

12 Philotheos, Encomium (PG 151:573B-574B).

13 A Vida em Cristo vi, 42 (PG 150:657D-660A; ed. M.-H. Congourdeau, Sources chretiennes 361 [Paris 1990], pp. 76-78). Embora fosse amigo de Palamas, Cabasilas não pode ser considerado realmente um "palamita" no sentido mais restrito. Exceto em um pequeno tratado, Contra os absurdos de Gregoras (ed. A. Garzya, 'Un Opuscule inédit de Nicolas Cabasilas', Byzantion 24 [1954], pp. 521- 32), Cabasilas em nenhum lugar endossa explicitamente a posição distintamente palamita. Em seus principais escritos, A Vida em Cristo e Comentários sobre a Divina Liturgia, ele não faz uso da distinção essência-energia ou entra em qualquer discussão sobre a luz divina do Tabor. Da mesma forma, em nenhum lugar ele se refere claramente à Oração de Jesus, embora possa haver uma alusão indireta a ela em A Vida em Cristo (cf. Congourdeau, op. cit., p. 128, nota 38). Esta reticência é certamente deliberada; sem opor-se ao Palamismo, Cabasilas deseja distanciar-se dos aspectos mais polêmicos da Teologia Palamita. Além disso, como ele não enfatiza a oração 'não-icônica' e em nenhum lugar se refere explicitamente à Oração de Jesus, também se pode questionar até que ponto Cabasilas pode ser considerado um 'hesicasta' em qualquer sentido técnico. Mesmo assim, suas palavras são valiosas para indicar como, na visão de alguém que possui muitos laços pessoais com os círculos palamitas e hesicastas, a oração contínua é uma possibilidade tanto para os leigos quanto para os monges.

14 Veja a história sobre Antônio e o médico em Apophthegmata, coleção alfabética, Antônio 24 (PG 65:84B). Sobre este gênero de história, cf. Kallistos Ware, "The Monk and the Married Christian: Some Comparisons in Early Monastic Sources", Eastern Churches Review 6:1 (1974), pp. 72-83. Compare também as observações de João Clímaco: Para o Pastor 9 (PG 88:1185A); Escada 4 (PG 88:700C).

15 Φιλοκαλία τών Ίερων Νηπτικών (Venice 1782), p. 8. Sobre as diferentes edições e traduções da Filocalia, veja Kallistos Ware, "Philocalie", em Dictionnaire de Spirituality 12 (1984), cols. 1336-52. Compare também Kallistos Ware, "The spirituality of the Philokalia”, Sobornost incorporando Eastern Churches Review 13:1 (1991), pp. 6- 24.

16 Philotheos, Encomium (PG 151:558D-560A).

17 Triads II, i, 4-5 (Christou, pp. 468-70).

18 Triads I, i, 1 (Christou, p. 361), etc.

19 Triads I, i, 6 e 12 (Christou, pp. 366-7, 374-5). Cf. J. Meyendorff, Introduction a L'étude de Gregoire Palamas (Patristica Sorbonensia 3: Paris 1959), pp. 173-94: trad. por G. Lawrence, A Study of Gregory Palamas (London 1964), pp. 116-33.

20  Para o debate sobre a autoria da Vita Antonii grega, veja T.D. Barnes, "Angel of Light or Mystic Initiate? The Problem of the Life of Antony", The Journal of Theological Studies 37 (1986), pp. 353-68 (que contesta a atribuição a Atanásio); e Andrew Louth, "St Athanasius and the Greek Life of Antony", The Journal of Theological Studies 39 (1988), pp. 504-9 (que argumenta que Atanásio pode ter retrabalhado um texto original copta perdido). Cf. Alvyn Pettersen, que pensa que a tradicional atribuição a Atanásio ainda é defensável: "Athanasius’ Presentation of Antony of the Desert’s Admiration for his Body", Studia Patristica 21 (1989), p. 438, nota 1; cf. Pettersen, Athanasius and the Human Body (Bristol 1990), p. 33. nota 69. Sobre o padrão de desenvolvimento espiritual de Antônio, veja Derwas J. Chitty, "Saint Antony the Great", Sobornost 3:19 (1956), pp. 339-43; Chitty, The Desert a City (Oxford 1966), pp. 1-7, 16, 28-29.

21 Plotino, Ennead VI, ix, 11.

22 Vida de Antônio 14 (PG 26:864C).

23 Vida de Antônio 87 (PG 26:965A). Sobre a reputação de Antônio como um guia espiritual, veja a história de Eulogios e o aleijado em Paládio, História Lausíaca 21 (ed. Cuthbert Butler, pp. 63-68).

24 Philotheos, Encomium (PG 151: 571CD).

25 Triads I, ii, 12 (Christou, p. 405); cf. Meyendorff, Introduction a Tetude de Gregoire Palamas, pp. 30-40; A Study of Gregory Palamas, pp. 17-25.

26 Veja Dimitri Obolensky, The Byzantine Commonwealth: Eastern Europe, 500-1453 (London 1971), pp. 301-8, 336-43, especialmente p. 302; ele toma a frase 'International Hesicasta' de A. Elian. Sir Dimitri retornou ao tema das influências hesicastas sobre o mundo eslavo em suas palestras proferidas durante o outono de 1994 no Instituto Ortodoxo Patriarca Athenagoras (Berkeley, Califórnia), a ser publicado em breve sob o título Byzantium and Slavic Christianity: Influence or Dialogue?; veja especialmente a terceira palestra. Compare também Antonios-Aimilios N. Tachiaos, Έπιδρασεις τού Ήσυχασμού είς τήν Έκκλησιαστικήν Πολιτικήν έν Ρωσία 1328-1406 (Thessaloniki 1962).

27 Veja Muriel Heppell, "The Hesychast Movement in Bulgaria: the Turnovo School and its Relations with Constantinople", Eastern Churches Review 7:1 (1975), pp. 9-20.

28 Um método e uma regra exata... a respeito daqueles que optam por viver em quietude e solitude monástica (PG 147:636-812).

29 Veja David Balfour, Politico-Historical Works of Symeon Archbishop of Thessalonica (1416/17 a 1429) (Wiener Byzantinische Studien 13: Vienna 1979), pp. 279-86.

30 Sobre a Oração 124 (PG 79:1193C).

31 Ivan Kologrivof, Essai sur la saintete en Russie (Bruges 1953), p. 430.

32 F. Miklosich and I. Muller, Acta et Diplomata Graeca Medii Aevi Sacra et Profana, vol. 2 (Vienna 1862), pp. 190-1; Ernest Barker, Social and Political Thought in Byzantium (Oxford 1957), pp. 194-5.

33 Eastern Churches Review 5:1 (1973), p. 97. Desnecessário dizer, muitas outras influências - como o Iluminismo do século XVIII e o fermento causado pela Revolução Francesa - também contribuíram para o surgimento da Grécia moderna.

34 Μεγάλη Έλληνική Έγκυκλοπαιδεία, vol. 24 (Pyrsos: Athens 1934), p. 8

segunda-feira, 16 de março de 2020

Introdução às Tríades de São Gregório Palamas (Pe. John Meyendorff)

INTRODUÇÃO

Uma grande figura espiritual e intelectual da Ortodoxia Bizantina, Gregório Palamas - monge, arcebispo e eminente teólogo - dedicou a maior parte de sua vida ativa à argumentação teológica, centrada em uma verdade básica: o Deus vivo é acessível à experiência pessoal, porque Ele compartilhou Sua própria vida com a humanidade.

Tanto seus contemporâneos quanto as gerações posteriores consideraram que os nove tratados compostos por Palamas entre 1338 e 1341 e intitulados Em defesa dos que praticam a sagrada quietude (Hyper tōn hierōs hesychazontōn) são os mais importantes de todos os seus escritos. Uma vez que foram publicados em três grupos de três livros para primeiro repreender o ensino oral, e posteriormente a polêmica escrita do filósofo calabrês Barlaão, eles são freqüentemente referidos como as Tríades. O termo grego hesychia ("quietude") é encontrado na literatura monástica desde o quarto século para designar o modo de vida escolhido pelos eremitas, dedicado à contemplação e à oração constante. Tais monges também eram conhecidos há séculos como hesicastas. Barlaão havia negado a legitimidade dos seus métodos espirituais e as suas afirmações de experimentar a presença divina. Palamas ergueu-se para defendê-los.

Os extensos trechos das Tríades traduzidos e publicados neste livro introduzem o leitor na própria substância da experiência religiosa do Oriente cristão.

A tradição hesicasta

A vida solitária nos desertos egípcios ou palestinos era a forma original do monasticismo cristão. Já no século IV, foi adotado por Santo Antônio, que, segundo seu biógrafo, Santo Atanásio, o Grande, foi o fundador do movimento monástico e se tornou o modelo de todos os anacoretas posteriores. A aparição do monaquismo cenobítico com São Pacômio, que no Egito fundou as primeiras comunidades disciplinadas de monges, não impediu o desenvolvimento posterior do eremitismo e da coexistência, em todo o Oriente cristão, tanto de cenobitas como de anacoretas ao longo dos primeiros séculos cristãos e da Idade Média.

O termo hesicasta (hesychastēs) foi usado para designar um "eremita" ou um anacoreta desde os primórdios da história monástica. Juntamente com o termo hesychia, ele aparece nos escritos de Evagrio [1] (século IV), de São Gregório de Nissa [2] e na legislação imperial referente ao status monástico. [3]

Entre todos os primeiros mestres da espiritualidade monástica, Evágrio Ponticus formulou, melhor do que qualquer outro, a doutrina fundamental sobre a oração que inspiraria os hesicastas em todos os séculos posteriores. Segundo Evágrio, a oração é "o mais elevado ato da mente", a atividade "apropriada à dignidade da mente", uma "ascensão da mente a Deus". "O estado de oração", escreveu ele, "pode ser apropriadamente descrito como um estado habitual de calma imperturbável. Corresponde às alturas da realidade inteligível a mente que ama a sabedoria e que é verdadeiramente espiritualizada pelo amor mais intenso". [4]

Segundo Evágrio, uma "oração da mente" permanente, ou oração "mental" (noera proseuchē), é o objetivo, o conteúdo e a justificação da vida hesicasta e eremítica. Ele a vê como "natural" para a mente humana. Na oração, o homem se torna verdadeiramente ele mesmo restabelecendo o relacionamento correto e natural com Deus. [5]

O conhecimento histórico moderno mostrou que a doutrina sobre a oração encontrada em Evágrio era, de fato, uma expressão peculiar da metafísica origenística, baseada no neoplatonismo, que concebia a "mente" como naturalmente divina e como tendo originalmente existido sem matéria, de modo que o mundo material atual não é mais que uma conseqüência da Queda. [6] De fato, Evágrio foi até formalmente condenado pelo concílio ecumênico de 553 por causa de seu origenismo. No entanto, seus escritos sobre a oração continuaram extremamente populares e circulavam freqüentemente sob pseudônimos, particularmente o de São Nilo do Sinai. Isso não significa, no entanto, que seus leitores compartilhassem os pressupostos metafísicos do autor. Na tradição espiritual oriental dominante, a oração mental de Evágrio começou a ser entendida e praticada no contexto de uma espiritualidade cristocêntrica. A "mente" deixou de se opor à matéria, porque o monasticismo cristão aceitou plenamente as implicações da Encarnação. Assim, a "oração mental", dirigida por Evágrio à Divindade, que ele entendia num sentido neoplatônico e espiritualizado, tornou-se a "oração de Jesus".

No final do século IV, essa evolução da espiritualidade hesicasta na direção do cristocentrismo foi grandemente influenciada pelos escritos de um autor desconhecido que usava o pseudônimo de São Macário, o Grande. Os escritos de pseudo-Macário, muito frequentemente citado por Palamas, é bastante diferente do intelectualismo neoplatônico de Evágrio: o centro da consciência humana e da presença divina no homem é visto como estando não na "mente", mas no "coração". Neste ponto, Macário usa um vocabulário mais próximo da linguagem dos Salmos (e da antropologia judaica em geral) do que do neoplatonismo. [7] No cristianismo, a pessoa prova a graça de Deus, escreve ele, e vê que o Senhor é doce (Salmos 34: 9). Esta prova é o poder dinâmico do Espírito manifestando-se em plena certeza no coração. Os filhos da luz, ministros da Nova Aliança no Espírito Santo, nada têm a aprender com os homens; eles são "ensinados por Deus" (Is 54:13, João 6:45). A própria Graça grava as leis do Espírito em seus corações ... De fato, "o coração é senhor e Rei de todo o organismo corporal, e quando a graça se apodera do pasto-terra do coração, ela governa sobre todos os seus membros e todos os seus pensamentos; pois é no coração que habita a mente, e ali habitam todos os pensamentos da alma; ela encontra todos os seus bens no coração. É por isso que a graça penetra em todos os membros do corpo." [8]

Em Macário, o objetivo da oração não é a desencarnação da mente, mas uma transfiguração da pessoa inteira - alma e corpo - através da presença do Deus encarnado, acessível à "certeza do coração" consciente.

Lado a lado com grandes personalidades monásticas e comunidades que permaneceram firmemente no quadro do cristianismo ortodoxo, o monasticismo cristão primitivo também testemunhou o aparecimento de grupos sectários. Algumas forças da espiritualidade monástica contrapuseram conscientemente a experiência religiosa pessoal à estrutura sacramental e hierárquica da Igreja. De particular importância, a esse respeito, foi o chamado movimento messaliano, que negou a necessidade do batismo e de outros sacramentos, rejeitou a necessidade de responsabilidade social e reconheceu apenas a liderança carismática, distinta dos ensinamentos e do ministério pastoral dos bispos e sacerdotes. Ao longo da Idade Média, os messalianos, também conhecidos como "euchitas" ou "bogomilos" (ou "cátaros" no Ocidente), também promoveram concepções dualistas, enraizadas no maniqueísmo.

As tentativas de alguns estudiosos modernos de interpretar os escritos de pseudo-Macário como documento messaliano não parece convincente a este autor. [9] Resta, no entanto, que o problema de uma possível conexão entre o messalianismo e alguns ramos do hesicasmo não é novo. Em particular, o próprio Barlaão, o Calabrês, acusou os hesicastas bizantinos, seus contemporâneos, de serem messalianos. Parece, de fato, que ele considerava qualquer alegação da experiência real e consciente de Deus como uma forma de messalianismo. Palamas não teve dificuldade em mostrar que os hesicastas ortodoxos não compartilhavam nem o anti-sacramentalismo dos messalianos, nem a pretensão particular de ver a própria essência de Deus com seus olhos materiais. Ele não negou, no entanto, que no nível popular alguns contatos entre os Messalianos e os meios monásticos ortodoxos eram muito possíveis. Veremos abaixo que ele próprio pode ter estado pessoalmente envolvido em tais contatos.

Em todo caso, a importância histórica e a influência dos escritos de pseudo-Macário não foi na promoção do messalianismo herético, mas na reorientação da tradição mística do tipo evagriano para uma compreensão mais cristológica e sacramental da oração. Assim, os grandes mestres da Oração de Jesus, ou "oração do coração", nos séculos seguintes, foram homens como São Diadoco da Fotície (século V) e São João Clímaco (580-650), que geralmente mantiveram a tradição hesicasta no contexto bíblico e encarnacional, próprio do pensamento patrístico grego.[10] Era basicamente uma disciplina simples, porém difícil, de "manter a mente no coração", de "colocar" ali o Nome de Jesus - já que o Nome de Deus é identificado com a presença da própria Pessoa Divina - ou de "unir o Nome de Jesus à respiração" (São João Clímaco). As orações de Jesus também tomaram a forma de uma constante repetição mental de uma breve frase como "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador".

A espiritualidade centrada na oração de Jesus, que se originou no monaquismo eremita e se tornou uma prática constante não só nos mosteiros cenobíticos, mas também entre os leigos. Sua simplicidade e objetividade apontava para o conteúdo essencial da fé cristã e conduzia àquela experiência pessoal de Deus sem a qual - segundo São Simeão, o Novo Teólogo (949-1022) - não há cristianismo verdadeiro.

No final do século XIII, alguns "métodos" escritos da Oração de Jesus também propõem uma técnica de respiração destinada a unir a oração a um elemento fisiológico constante da vida humana: o ato de inalar o ar. O significado exato dessa técnica, que foi comparado ao yoga, foi muitas vezes mal entendido - talvez por alguns de seus praticantes  poucos sofisticados e, em todo caso, por Barlaão, que a atacou violentamente. Isso explica um dos principais temas das Tríades de Palamas, que visam definir o papel do corpo humano na oração e, conseqüentemente, em uma concepção cristocêntrica da vida humana em sua totalidade.



A vida de Palamas

Nascido em 1296, em Constantinopla, em uma família nobre, próxima da corte do imperador Andronicus II, Gregório perdeu seu pai aos sete anos de idade, mas continuou sua educação a expensas imperiais. [11] O currículo bizantino usual incluia um estudo aprofundado da Lógica de Aristóteles, e o jovem Gregório destacou-se nele. Com a idade de vinte anos, no entanto, ele decidiu adotar a vida monástica e persuadiu todos os outros membros vivos de sua família - mãe, dois irmãos e duas irmãs - a seguir seu exemplo.

No Monte Athos, ele se juntou à comunidade do mais antigo e remoto dos monastérios Athonitas, a "Grande Lavra" de Santo Atanásio. Ele também passou algum tempo como eremita no skete de Glossia, também no Monte Athos. Por volta de 1325, os ataques turcos na península Athonita obrigaram muitos monges a deixar a Montanha Santa. Gregório e alguns amigos encontraram refúgio em Tessalônica, onde formaram um círculo espiritual, baseado na oração, e estabeleceram conexões na cidade. Escritores hostis a Palamas associam algumas de suas atividades durante esse período com os sectários "Bogomilos", ou "Messalianos", mencionados anteriormente. Será mostrado mais tarde que Palamas rejeitou claramente as opiniões doutrinárias dos sectários.

O compromisso ortodoxo de Palamas é ainda demonstrado pelo fato de sua ordenação ao sacerdócio, na idade canônica de trinta anos (1326). Juntamente com alguns outros monges, ele viveu em um eremitério perto de Berrhea, seguindo o padrão de vida "hesicasta" herdado dos séculos anteriores. Cada semana, durante cinco dias, ele praticava a "oração de Jesus" idealmente ininterrupta em seu eremitério, reunindo sua comunidade no sábado e no domingo para a eucaristia e companhia humana com os irmãos. Em 1331, Gregório retornou ao Monte Athos, onde seguiu o mesmo modo de vida no eremitério de São Sabbas, perto de seu mosteiro original, a Lavra. Tendo adquirido algum prestígio dentro da comunidade Athonita, Gregório começou a publicar escritos de hagiografia e espiritualidade. Ele se tornou por um breve período (1335-1336) abade do mosteiro de Esphigmenou. Logo, no entanto, ele foi levado para a arena da controvérsia teológica, da disputa eclesiástica e da agitação política, o que dominaria o resto de sua vida, sem mudar nada de seus compromissos espirituais e persuasão teológica.

O debate entre Palamas e o filósofo grego italiano Barlaão, o Calabrês, começou como um debate sobre o método teológico. Os dois homens estavam engajados em discutir o problema da adição latina do Filioque - "o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho" - ao texto original do Credo. No entanto, para Barlaão - que, como Palamas defendia a posição grega -, era uma questão de prova dialética com base em afirmações escriturísticas ou patrísticas, uma vez que nenhum conhecimento direto de Deus, das relações entre as pessoas da Trindade divina, era acessível à mente humana. Palamas, ao contrário, abordou a teologia não apenas como um exercício conceitual baseado em "premissas reveladas", mas também, e principalmente, como uma expressão da verdadeira experiência cristã. Usando os mesmos termos técnicos aristotélicos de seu oponente, Palamas insistiu que o discurso teológico sobre a Trindade poderia chegar a conclusões apodícticas (e não apenas dialéticas), isto é, poderia levar à própria Verdade. O caráter dessa discussão levou alguns historiadores a estabelecer um paralelo com as controvérsias entre os nominalistas e os realistas no Ocidente latino contemporâneo, embora o contexto e o caráter dos dois debates sejam claramente diferentes.

Barlaão ressentiu-se com o desafio que lhe foi apresentado pelos monges, que ele via como fanáticos intelectualmente desqualificados. Quando ele tentou aprender mais sobre os métodos hesicastas de oração - a base da "experiência" à qual eles estavam sempre se referindo - ele ficou chocado ainda mais profundamente, particularmente pela alegação de que o corpo humano, e não apenas a mente, poderia ser transfigurado pela luz divina e contribuir para o conhecimento de Deus. É essa discussão que levou não só aos escritos das Tríades por Palamas, mas também ao envolvimento da Igreja e da sociedade no debate.

Em junho e julho de 1341, dois concílios sucessivos, realizados em Constantinopla, repreenderam Barlaão, que deixou Bizâncio e terminou seus dias na Itália. No entanto, enquanto a sua defesa dos hesicastas parecia ter triunfado, Palamas viu-se profundamente enredado nas consequências de uma guerra civil, que se seguiu à morte súbita do imperador Andronicus III (1341). A personalidade política mais importante da corte, o Grande Domesticus João Cantacuzenos - um apoiador dos intelectuais que originalmente apadrinharam Barlaão, mas que acabou por ficar do lado dos monges - foi afastado por uma Regência que incluía o patriarca João Calecas. Palamas, visto como amigo e partidário de Cantacuzenos, foi condenado e aprisionado, enquanto o patriarca apoiou seus adversários teológicos, particularmente Gregório Akindynos, que não se opôs à espiritualidade hesicástica básica, como fez Barlaão, mas às formulações teológicas defendidas por Palamas Se Deus fosse absolutamente transcendente, mas também pudesse ser "experimentado" e "visto" como uma Presença incriada e real, era preciso falar tanto de uma "essência" divina totalmente transcendente como de "energias" incriadas, porém reveladas. É essa famosa distinção que Akindynos se recusou a admitir: para ele Deus era idêntico à Sua essência, e uma visão de Deus, se fosse admitida como uma possibilidade, era uma visão da própria essência divina ou de suas manifestações criadas. Nenhuma distinção real era concebível no Ser incriado do próprio Deus.

A guerra civil terminou com uma vitória de Cantacuzenos em 1347, e por sua coroação como co-imperador, compartilhando o poder com o legítimo herdeiro, João V Palaeologus. Em 1347 e, particularmente, em 1351, novos concílios endossaram a teologia de Palamas, contra as objeções do filósofo e historiador Nicéforo Gregoras, que apoiava as opiniões de Akindynos. Em 1347, Gregório Palamas foi eleito arcebispo de Tessalônica. Seus amigos e discípulos monásticos - Isidoro, Calisto e Filoteus Kokkinos - ocuparam sucessivamente o trono patriarcal. A vitória do hesicasmo, expressa não apenas na espiritualidade monástica, mas também na teologia de Palamas, influenciou a Ortodoxia Oriental como um todo, em Bizâncio e em toda a Europa Oriental. Uma geração de zelotes espirituais assumiu posições de liderança e contribuiu grandemente para a sobrevivência do cristianismo ortodoxo durante os duros anos do domínio otomano nos Bálcãs e no Oriente Médio. O legado espiritual do hesicasmo também foi transmitido à Rússia.

Gregório Palamas passou um ano (1354-1355) na Ásia Menor como prisioneiro dos turcos, que haviam interceptado seu barco enquanto viajava entre Tessalônica e a capital. [12] Resgatado pelos sérvios, ele retornou à sua sé episcopal, onde morreu em 14 de novembro de 1359. [13]

Em 1368, uma decisão do Sínodo de Constantinopla, presidida pelo patriarca Filoteus, proclamou Gregório Palamas um santo. Suas relíquias são veneradas até hoje na catedral de Tessalônica.

As "Tríades" em defesa dos santos hesicastas

Apesar do fato de que as Tríades foram escritas como uma obra polêmica, dirigida contra a posição de Barlaão, o Calabrês, em sua controvérsia com os monges hesicastas, elas representam uma testemunha importante do conteúdo e significado da experiência cristã. O autor nunca fala dessa experiência como sendo individualmente sua. Ele certamente não é um representante de qualquer forma de misticismo esotérico. Muito pelo contrário, sua intenção é formular um fundamento teológico objetivo que justifique seus irmãos, os monges hesicastas, em sua compreensão da oração e na busca de seu objetivo confesso: a deificação ou theosis do homem em Cristo. O principal interesse de Palamas é afirmar que esse objetivo não é reservado a "místicos" isolados, mas é, na realidade, idêntico à própria fé cristã e, portanto, oferecido a todos os membros da Igreja, em virtude de seu batismo. É também sua afirmação de que toda a tradição patrística grega pode ser vista como uma afirmação do objetivo da theosis.

Em uma introdução detalhada à minha edição do texto original grego das Tríades, tentei descrever as circunstâncias e a cronologia dos primeiros encontros entre Palamas e Barlaão. [14] A correspondência deles começou em 1336, como vimos anteriormente, e inicialmente se referia ao problema do conhecimento "apodítico" ou "dialético" de Deus. A lógica do debate logo levou Barlaão a criticar a própria noção de "conhecimento espiritual" afirmada pelos monges e a atacar com particular virulência o método de oração deles, que implicava a participação do corpo na prática contínua da Oração de Jesus e, consequentemente, na própria realidade da comunhão com Deus. Alguns dos escritos do filósofo calabrês usaram termos depreciativos: Os monges eram "pessoas-cuja-alma-está-no-umbigo" (omphalopsychoi) porque, seguindo instruções de autores como Nicéforo, o Hesicasta, eles disciplinavam sua atenção abaixando os olhos "em direção ao centro de seus corpos" e, assim, concentrado em oração. Barlaão também afirmou que a educação secular, ou "aquisição de sabedoria", era uma condição para um verdadeiro conhecimento de Deus.

Palamas começou a escrever sua primeira tríade "Em Defesa dos Santos Hesicastas" com base em suas próprias discussões face-a-face com Barlaão e também de alguns relatos orais das opiniões do filósofo. O nome de Barlaão ainda não é mencionado nesta primeira tríade. Diante de uma refutação indireta, Barlaão abrandou algumas de suas críticas mais extremas (suprimindo alusões à observação do umbigo, etc.) e publicou um tratado em três partes: Sobre a Aquisição da Sabedoria, Sobre a Oração e Sobre a Luz do Conhecimento. A segunda tríade de Palamas - escrita durante uma viagem de Barlaão a Avignon em 1339, onde ele negociou sem sucesso a união da Igreja com o papa Bento XII - é uma refutação desses tratados pelo filósofo calabrês, com citações diretas deles.

Em seu retorno a Constantinopla, confrontado com a polêmica agora pública com um respeitado líder do monasticismo Athonita, Barlaão publicou um novo tratado, intitulado "Contra os Messalianos", acusando abertamente seus oponentes de pregar a doutrina de uma seita formalmente condenada. Como vimos anteriormente, os messalianos, ou "bogomilos", alegavam contemplar, através da oração, a própria essência de Deus com seus olhos materiais. Isso forneceu a Palamas o tópico de sua terceira e última tríade, onde o argumento se concentra na distinção, em Deus, entre "essência" e "energia". Rejeitando qualquer influência messaliana, mas mantendo a plena realidade da comunhão com o próprio Deus - e não apenas com a "graça criada" - Palamas desenvolve sua doutrina das energias divinas incriadas.

O debate termina com o endosso dado a Palamas, primeiro por toda a comunidade monástica do Monte Athos (o chamado Tomos Haghioreitikos) e depois pelo Concílio de Constantinopla em 1341, e a emigração de Barlaão para a Itália no mesmo ano.

Pode-se dizer com segurança que a verdadeira mensagem do hesicasmo medieval bizantino e o significado essencial do que hoje é geralmente chamado de "palamismo" é plenamente expresso nas Tríades. No decorrer de sua vida posterior, Gregório foi confrontado com grandes dificuldades políticas e foi deparou-se com a oposição de Akindynos e Gregoras. Ele escreveu profusamente na forma de cartas teológicas ou longos tratados. [15] Sua teologia adquiriu maior rigidez polêmica, mas nenhuma dimensão substancialmente nova foi adicionada à visão já encontrada nas Tríades. No entanto, não é possível adquirir um entendimento completo de Gregório Palamas, como pessoa e como sacerdote, sem ler também seus sessenta e um sermões preservados, proferidos quando ele serviu como arcebispo de Tessalônica. Aqui ele aparece não como um polemista, ou um teólogo que joga com conceitos, mas como um pastor acessível, preocupado com o bem-estar espiritual e social de seu simples rebanho. Esse aspecto de sua personalidade é certamente tão revelador de sua experiência autenticamente cristã quanto seus argumentos teológicos contra Barlaão, Akindynos ou Nicéforo Gregoras.

Limitados pelo espaço disponível, mas também preocupados em produzir um volume acessível e manejável dos escritos de Palamas, apresentamos aqui, em tradução, as passagens das Tríades que são mais representativas da força principal do seu pensamento e da sua espiritualidade.  Por outro lado, qualquer pessoa familiarizada com o estilo da literatura medieval bizantina concordará que os principais defeitos desta literatura residem na verbosidade e na repetição, o que pode repelir o leitor moderno. Palamas é menos culpado de tais falhas do que alguns de seus contemporâneos porque, como a maioria dos escritores monásticos, ele está menos interessado do que outros com a preservação da fidelidade artificial aos modelos literários da antiguidade. No entanto, repetições - às vezes exigidas pelo próprio caráter polêmico dessa obra volumosa - não faltam nas Tríades, e julgamos que a omissão delas não seria uma perda real.

A tradução é organizada topicamente em torno dos principais temas, que exigem breves apresentações.

Filosofia e Salvação

Uma das características mais marcantes do cristianismo medieval bizantino é sua preocupação com o papel das antigas categorias filosóficas gregas na formulação da teologia e da espiritualidade cristãs. [16] De fato, ao contrário de seus contemporâneos latinos que "descobriram" a filosofia grega - em traduções para o latim do árabe - no século XII, os bizantinos nunca esqueceram Platão ou Aristóteles, que representavam seu próprio passado cultural grego e eram sempre acessíveis a eles no texto original em grego. Ao mesmo tempo, eles sempre reconheceram que esse passado era um passado "pagão". Assim, a herança da Grécia Antiga ainda poderia ser útil em campos como lógica, física ou medicina (daí a inclusão de Aristóteles no currículo educacional bizantino padrão seguido por Palamas em sua juventude), mas não na religião. As verdades metafísicas e religiosas poderiam validamente originar-se apenas na revelação cristã. Essa é a razão pela qual Platão e os Neoplatonistas sempre foram vistos com desconfiança nos círculos conservadores - e particularmente monásticos - da Igreja bizantina:  de fato, em qualquer forma de pensamento platônico, nenhuma compreensão da realidade era possível sem pressupostos metafísicos - isto é, com efeito, teológicos - estranhos ao cristianismo.

Não é surpreendente, portanto, descobrir que todos os anos, no primeiro Domingo da Quaresma - também conhecido como o "Domingo da Ortodoxia" - todas as igrejas ortodoxas bizantinas ressoavam com anátemas formais e repetidos contra "aqueles que seguem as opiniões tolas das disciplinas helênicas" e particularmente contra aqueles "que consideravam as idéias de Platão como verdadeiramente existentes" ou acreditam (com Aristóteles) na eternidade da matéria. [17] Estes anátemas foram publicados pela primeira vez no século XI, por ocasião da condenação do filósofo João Ítalo, mas a sua inclusão no Synodikon litúrgico do Domingo da Ortodoxia deu-lhes significado permanente.

Claramente, contudo, os conceitos filosóficos gregos eram inseparáveis de muitos aspectos e formulações da tradição patrística, que era o modelo e a autoridade comuns para todos os bizantinos. Os repetidos confrontos entre "humanistas" que tendiam a minimizar as proibições da "sabedoria helênica" e os teólogos predominantemente monásticos que insistiam na incompatibilidade entre "Atenas" e "Jerusalém" (para usar a velha expressão de Tertuliano) não conseguiram resolver a questão de uma forma definitiva.

Da mesma forma, na controvérsia entre Barlaão e Palamas, os dois lados reconheceram a autoridade da revelação cristã e, por outro lado, admitiram que os antigos filósofos possuíam uma certa habilidade natural para alcançar verdades não só criadas, mas também divinas. O que então os separou e fez o debate parecer essencialmente um debate sobre a relação entre a filosofia antiga e a experiência cristã?

Por um lado, os diferentes contextos e formação intelectual de Palamas e Barlaão os levaram a atribuir à filosofia grega um grau diferente de autoridade. Os contatos de Barlaão com o pensamento ocidental e seu envolvimento nos meios "humanistas" de Bizâncio levaram-no a um endosso entusiástico de autores aristotélicos e neoplatônicos, como critérios do pensamento cristão. "Eu não posso conceber que Deus não os iluminou de uma certa maneira, e sinto que eles devem superar a multidão da humanidade", escreveu ele. [18] Palamas, pelo contrário, preferiu abordar a antiga tradição filosófica grega como necessitando de um renascimento batismal - uma morte e uma ressurreição - como condição para a sua integração na Tradição da Igreja: este é o significado de sua imagem de serpentes sendo mortas e dissecadas antes de fornecer materiais usados em medicamentos úteis. [19]

Contudo, para além desta diferença de preferência e método, descobre-se um conflito mais profundo e sério entre os dois homens. Barlaão lança contra os monges a acusação um tanto superficial de "ignorância", que aparece logo no início do debate. Ele também afirma que "Deus só é cognoscível através da mediação de Suas criaturas". [20] Naturalmente, Barlaão pode ser mal representado por Palamas quando ele é acusado de ensinar que o conhecimento de Deus é possível apenas através de criaturas. O filósofo calabrês acredita também em uma iluminação da mente, que leva a uma visão do Ser divino. Ele está familiarizado com - e admira - os escritos de pseudo-Dionísio e São Máximo, o Confessor, onde uma visão direta de Deus e deificação são vistos como o objetivo da vida cristã. Resta, no entanto, que um certo "conhecimento dos seres" (gnōsis tōn ontōn) é, para Barlaão, uma condição para a iluminação, e é esse condicionamento que levou ao seu conflito com os monges e isso é inaceitável para Palamas. Se "conhecimento", identificado com a educação secular, é necessário para conhecer a Deus, qual é o significado de Mateus 11:25 ("Tu ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos") ou das referências tão freqüente em Palamas, [21] a Romanos 1, ou 1 Coríntios 1-2, sobre a "sabedoria desta era" ser "envergonhada"?

Em Palamas não há depreciação do "conhecimento dos seres" e, portanto, não há obscurantismo. Além disso, sua própria compreensão da iluminação em Cristo implica que a mente, transfigurada pela graça, também se abre para o conhecimento das criaturas. Tampouco existe no Palamismo uma oposição sistemática ao aprendizado secular. Não só o próprio Palamas demonstra uma clara dívida com seu treinamento na lógica aristotélica, mas também seu discípulo e biógrafo, Philotheos Kokkinos, gosta de embelezar seus escritos com referências a autores da antiguidade. Além disso, o triunfo do Palamismo na Igreja Bizantina, concluído em 1351, não interrompeu o desenvolvimento do humanismo secular, que produziu na véspera da queda de Bizâncio figuras como Gemisthos Pletão e Bessarion. [22] O debate entre Barlaão e os hesicastas provavelmente pode ser melhor compreendido à luz de suas diferentes interpretações do que São Máximo o Confessor costumava chamar de "contemplação natural" (physikē theōria) ou o novo estado do ser criado em Cristo. Barlaão - e também tradição latina medieval - tende a entender este habitus criado como uma condição para e não uma consequência da iluminação pela graça. Palamas, ao contrário, proclama a grandiosa novidade do Reino de Deus revelado em Cristo e o caráter gratuito dos atos divinos e salvíficos de Deus. Portanto, para ele, a visão de Deus não pode depender do "conhecimento" humano. Naturalmente, na terminologia patrística grega, e particularmente em São Máximo, "natureza" pressupõe a presença divina no homem, isto é, "graça". Nenhuma oposição entre "natureza" e "graça" é, portanto, possível. [23] Mas a própria salvação começa por um ato divino que fornece conhecimento direto de Deus, que restaura a "natureza" ao seu estado original e também permite uma contemplação verdadeiramente "natural" de Deus através de Suas criaturas. Palamas permanece sempre fundamentalmente fiel ao pensamento de São Máximo que, junto com o pseudo-Dionísio, é o autor patrístico mais citado nas Tríades.

Conhecimento além do conhecimento

O debate do filósofo Barlaão com Palamas sobre o tema da filosofia grega e sua relevância para o pensamento cristão inevitavelmente confrontou a natureza da experiência cristã em si, descrita por Palamas como "além da natureza". Barlaão, ao contrário, parece ter se apegado à abordagem aristotélica, definindo todo o conhecimento humano como sendo baseado na percepção pelos sentidos, admitindo também a possibilidade de uma iluminação positiva da mente, transcendendo os sentidos, mas permanecendo dentro da "natureza da mente". Evidentemente, Barlaão também conhecia a teologia apofática ou "negativa" dos Padres Gregos, e particularmente pseudo-Dionísio, mas ele usou essa teologia principalmente para manter as limitações da mente humana, cujo conhecimento de Deus, de acordo com Barlaão, poderia ser apenas simbólico, ou relativo. De fato, o significado da teologia negativa consiste precisamente em dizer apenas o que Deus não é, mas não o que Ele é. [24]

Nos textos traduzidos abaixo, na Seção B, Palamas argumenta que "Deus não está apenas além do conhecimento, mas também além do desconhecimento".

Ambos os protagonistas concordaram claramente sobre o papel central da via negativa, na teologia cristã, como uma expressão da transcendência de Deus. Os escritos dos Padres - e particularmente Dionísio - enfatizavam, como ponto de partida de qualquer discurso cristão sobre Deus, a afirmação de que Deus não é nenhuma das criaturas e que, portanto, a mente criada, que "conhece" apenas criaturas, pode conceber Deus somente pelo método da exclusão. As orações litúrgicas mais frequentemente repetidas, familiares a todos, usavam a mesma abordagem apofática a Deus:: "Tu és Deus inefável, invisível, incompreensível", proclamava o prefácio do cânon eucarístico da liturgia celebrada em todas as igrejas. De acordo com os Padres, essa transcendência de Deus foi experimentada por Moisés quando ele entrou na nuvem no topo do Monte Sinai e percebeu a presença de Deus na escuridão do desconhecimento.

No entanto, o ponto principal apresentado por Palamas em suas Tríades é precisamente que a escuridão da nuvem ao redor de Deus não é uma escuridão vazia. Embora elimine todas as percepções dos sentidos, ou da mente, ela no entanto coloca o homem diante de uma Presença, revelada a uma mente transfigurada e a um corpo purificado. Assim, "incognoscibilidade divina não significa agnosticismo, ou recusa em conhecer a Deus", mas é um passo preliminar para "uma mudança de coração e mente permitindo-nos alcançar a contemplação da realidade que se revela a nós enquanto nos eleva a Deus". [25]

Em outras palavras, o verdadeiro conhecimento de Deus implica uma transfiguração do homem pelo Espírito de Deus, e as negações da teologia apofática significam apenas a incapacidade de alcançar Deus sem tal transfiguração pelo Espírito.

Essa abordagem da questão da experiência de Deus implica, em Palamas, tanto um pressuposto antropológico básico quanto um princípio teológico.

O pressuposto antropológico é que o homem é capaz de transcender sua própria natureza, que, sendo criado de acordo com a imagem de Deus, ele possui "um órgão de visão" que "não é nem os sentidos, nem o intelecto" (p. 35). A ele é admitido a "verdadeira visão" quando "deixa de ver" (p. 38). Veremos a seguir - em conexão com as visões cristológicas de Palamas - que essa capacidade de transcender a si mesmo é sempre entendida de maneira personalista: a pessoa (ou hypostasis), em virtude de sua liberdade (que é a imagem de Deus, de acordo com São Gregório de Nissa), possui uma abertura, uma capacidade de amar o outro e, portanto, particularmente, de amar a Deus, e conhecê-Lo em amor.

O princípio teológico pressuposto por Palamas é que Deus, mesmo quando se comunica ao corpo e a mente purificados, permanece transcendente em sua essência. Nisto, Palamas segue São Gregório de Nissa, que falou da experiência mística em termos de uma experiência da inesgotabilidade divina, e usou o termo tensão (epektasis) para descrevê-la: a comunhão com Deus nunca resulta em exaustão ou saturação, mas implica a revelação de que coisas maiores estão sempre por vir. O modelo do Cântico dos Cânticos inspira os místicos a descrever a união com Deus como uma ascensão ilimitada "de glória em glória", semelhante a uma forma perfeita de amor erótico, na qual a verdadeira alegria é, ao mesmo tempo, realização e mais expectativa.

Assim, a teologia apofática é muito mais do que um simples dispositivo dialético para determinar a transcendência de Deus em termos da lógica humana. Também descreve um estado, além do processo conceitual, onde Deus se revela positivamente aos "sentidos espirituais", sem perder nada de Sua transcendência, como "luz", como "fonte de deificação", permanecendo "mais-que-Deus" e "mais-que-Princípio" (p. 39). Isto é o que leva Palamas à sua distinção entre a essência ultimamente transcendente e incognoscível de Deus, por um lado, e, por outro, as energias deificantes e incriadas através das quais o homem entra em comunhão com o Incognoscível.

O corpo transfigurado

Ao longo dos séculos, a espiritualidade cristã tem sido freqüentemente influenciada pela terminologia e idéias platônicas, que tendem a descrever o estado caído do homem em termos de uma oposição entre espírito e matéria. Para Orígenes e Evágrio, o objetivo final da oração e da contemplação é que a mente se torne "livre de toda a matéria". [26] Essa tendência espiritualista e intelectual na espiritualidade era familiar a Barlaão, que, por outro lado, não tinha gosto pela antropologia mais sacramental e mais bíblica, relacionada com os escritos de pseudo-Macário. Ele era ainda menos capaz de apreciar os métodos espirituais, ou exercícios, que aparecem em textos do final do século XIII (embora sejam certamente de origem mais antiga), e que visam restabelecer a unidade de espírito e corpo, como um organismo psicossomático único, no ato da oração.

Dois desses métodos, muito semelhantes em conteúdo, são formalmente referidos por Palamas nas Tríades. [27] O primeiro, de um autor desconhecido, é atribuído a São Simeão, o Novo Teólogo. [28] O segundo é do hesicasta Nicéforo, um italiano que se tornou um monge no Monte Athos durante o reinado de Miguel VIII Paleólogo (1259-1282). [29] Como se pode ver no seguinte trecho de Nicéforo, eles descrevem uma disciplina de respiração, visando adquirir "vigilância" permanente na oração, e pressupondo que o coração é o centro vital da vida psicossomática.
Tu sabes que inspiramos e expiramos, apenas por causa do nosso coração... por isso, como já disse, senta-te, recolhe a tua mente, atrai-a - estou a falar da tua mente - em tuas narinas; esse é o caminho que a respiração toma para alcançar o coração. Leva-a, força-a a descer até ao teu coração com o ar que estás a inspirar. Quando estiver lá, verás a alegria que se segue: não terás nada a lamentar. Como um homem que esteve longe de casa por muito tempo não pode conter sua alegria de ver sua esposa e filhos novamente, assim o espírito transborda de alegria e deleites indescritíveis quando se une novamente à alma. 
Em seguida, tu precisas saber que enquanto o teu espírito permanecer ali, tu não deves permanecer em silêncio nem parado. Não tenhais outra ocupação ou meditação a não ser o clamor: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim!" Em nenhuma circunstância dê a ti mesmo qualquer descanso.  Esta prática protege teu espírito de vagar e o torna impenetrável e inacessível às sugestões do inimigo e o eleva todos os dias no amor e desejo por Deus. [30]
Não sabemos ao certo se Barlaão encontrou heiscastas que aplicaram esta técnica respiratória bastante simples de forma literal, ou se ele testemunhou abusos ingênuos ou supersticiosos. Em qualquer caso, sua posição contra a prática era clara. Ele chamou os monges de omphalopsychoi - "pessoas-cuja-alma-está-no-umbigo" - e protestou contra o princípio de que o corpo pode ou deve participar na "oração pura".

A reação de Palamas - como refletido nos textos da Seção C abaixo, que representam as seções mais diretas e auto-explicativas das Tríades - é se referir ao corpo humano como o "templo natural do Espírito Santo que está em nós". (1 Coríntios 6:19). Ele não se preocupa com as várias opiniões fisiológicas sobre a localização da mente no cérebro ou no coração, mas tende a preferir o conceito macariano do coração como o principal "instrumento" do Espírito. Todas as suas referências bíblicas apontam para as ações de Deus sobre e através do lado material e carnal do homem, assim como através da alma, e em oposição ao dualismo platônico entre espírito e matéria. Suas implicações também são sacramentais: o batismo e a comunhão eucarística santificam o homem inteiro. Por que não aceitar e encorajar a participação do corpo na oração? Como vimos em relação ao tratamento da teologia apofática por Palamas, Deus transcende as criaturas enquanto tais, não o corpo humano ou a mente em particular. Assim, Sua revelação de Sua presença e de Seu Espírito Santificador afeta tanto o lado espiritual quanto o lado físico do homem. Sem esta presença e esta santificação não é possível uma verdadeira comunhão com Deus.

Deificação e a glória incriada de Cristo

Em sua defesa teológica do hesicasmo, Palamas está particularmente preocupado com um possível mal-entendido: a identificação da experiência cristã com o conhecimento intelectual, ou qualquer forma de visão física, ou mística - mas natural. Como vimos anteriormente, ele não nega as conquistas relativas da filosofia grega, ou a participação de funções humanas naturais, como o corpo ou o "coração", na percepção da Presença divina. No entanto, a Presença em si não é o resultado simples de esforços "naturais", sejam intelectuais ou ascéticos, mas é o dom da comunhão divina pessoal, ou deificação (theōsis) que transcende todas as criaturas. É "incriada", porque é o próprio Deus que entrega a Si mesmo. É uma luz "hipostática", "vista espiritualmente pelos santos", que "existe não apenas simbolicamente, como as manifestações produzidas por acontecimentos fortuitos", mas é "uma iluminação imaterial e divina, uma graça invisivelmente vista e ignorantemente conhecida. O que é ela, eles não pretendem saber" (p. 57).

No contexto desta afirmação da real manifestação de Deus às criaturas, Palamas, seguindo Máximo o Confessor e João de Damasco, refere-se aos relatos e referências do Novo Testamento à Transfiguração de Cristo no monte (Mt 17: 1-9; Mc 9: 2-9; Lucas 9: 28-36; 2 Pedro 1: 17-21). E uma vez que o monte da Transfiguração é tradicionalmente identificado com o Monte Tabor, todo o debate entre Barlaão e Palamas é frequentemente referido como a controvérsia sobre a "luz tabórica". E, de fato, na tradição patrística grega, desde Orígenes e São Gregório de Nissa, a visão de Deus é sempre definida como uma visão luminosa, provavelmente porque o tema central bíblico (e particularmente joanino) de "luz" e "escuridão" também era familiar aos neoplatônicos, e poderia facilmente servir como um modelo teológico conveniente. Entretanto, uma das principais preocupações de Palamas é fazer uma distinção nítida entre qualquer forma de experiência de luz fora da revelação cristã e a visão real de Deus como Luz que apareceu aos discípulos no monte da Transfiguração e que, em Cristo , tornou-se acessível aos membros do Seu Corpo, a Igreja. De fato, a verdadeira "deificação" (theōsis) tornou-se possível quando, de acordo com a expressão de Santo Atanásio, "Deus se fez homem para que o homem pudesse se tornar Deus nele". [31] Consequentemente, de acordo com Palamas, uma mudança radical interveio após a Encarnação na relação entre Deus e o homem, que deixa todas as outras experiências e descobertas - seja no Antigo Testamento ou entre os gregos - como meras sombras das realidades por vir. Ele escreve: "A deificação teria pertencido a todas as nações mesmo antes (Cristo) de vir, se ela pertencesse naturalmente à alma racional, tal como hoje pertenceria a todos, independentemente da fé ou da piedade." (p. 85).

Isso não implica, entretanto, que Palamas compreenda a deificação em termos agostinianos, implicando uma oposição estrita entre "natureza" e "graça". Como tem sido demonstrado por muitos historiadores modernos, a antropologia patrística grega é "teocêntrica".

Em sua criação, o homem foi dotado de algumas "características divinas", na medida em que ele é "imagem e semelhança" de Deus. Segundo São Máximo, o Confessor, essas características são "ser" e "eternidade" (que Deus possui por natureza, mas também dá ao homem), [32] e, mais cedo, Santo Irineu de Lyon identificou o "espírito" naturalmente pertencente a homem com o Espírito Santo. [33] Consequentemente, o homem não é totalmente homem a menos que esteja em comunhão com Deus: Ele está "aberto para o alto" e destinado a participar na comunhão de Deus. [34] Contudo, porque Deus permanece absolutamente transcendente em Sua essência, a comunhão do homem com Ele não tem limite. Nunca atinge um Fim, o que seria um beco sem saída. Deus é ao mesmo tempo transcendente e inesgotável. A comunhão do homem com Ele nunca pode ser "fechada" pela exaustão. Esta é a transcendência que Palamas defende, e vê como o aspecto mais central, mais positivo e essencial não apenas do hesicasmo, como uma tradição da espiritualidade monástica, mas como um elemento básico da fé cristã enquanto tal: em Cristo, o homem entra em comunhão não com "o Deus dos filósofos e dos sábios", mas com Aquele que - na linguagem humana - só pode ser chamado de "mais-que-Deus".

Hipostaticamente, "pessoalmente", o Logos - a segunda Pessoa da Trindade - ao assumir a plenitude da humanidade, tornou-se em Seu Corpo a fonte ou locus da deificação. Ser "deificado" significa "estar Nele", isto é, ser participante do Seu Corpo, que é penetrado (em virtude da "comunicação de idiomas" na união hipostática) [35] com a vida divina, ou "energia". A comunhão eucarística na humanidade deificada de Cristo, na forma de Pão e Vinho, tem precisamente esse sentido. Aqui está uma passagem frequentemente citada de Palamas sobre essa questão crucial:
Já que o Filho de Deus, em seu incomparável amor pelo homem, não apenas uniu Sua divina Hipóstase com nossa natureza, vestindo-se em um corpo vivo e uma alma dotada de inteligência ... mas também se uniu ... com as próprias hipóstases humanas, ao se ligar com cada um dos fiéis pela comunhão com o seu Corpo Santo, e uma vez que Ele se torna um corpo único conosco (cf. Efésios 3: 6), e nos faz um templo da Divindade indivisa, pois no próprio corpo de Cristo habita a plenitude da Divindade corporalmente (Cl 2: 9), como não deveria Ele iluminar aqueles que comungam dignamente com o raio divino de Seu Corpo que está dentro de nós, iluminando suas almas, como Ele iluminou os próprios corpos dos discípulos no Monte Tabor? Pois, no dia da Transfiguração, aquele Corpo, fonte da luz da graça, ainda não estava unido aos nossos corpos; iluminava de fora aqueles que, dignamente, se aproximavam dele, e enviava a iluminação para a alma por intermédio dos olhos físicos; mas agora, uma vez que está ligado conosco e existe em nós, ele ilumina a alma de dentro. [36]
É precisamente porque Palamas entende a iluminação na estrutura da Cristologia Ortodoxa que ele insiste no caráter incriado da luz divina: esta luz incriada é a própria divindade de Cristo, brilhando através de sua humanidade. Se Cristo é verdadeiramente Deus, esta luz é autenticamente divina. A mesma estrutura cristológica torna inevitável distinguir entre a essência transcendente, ou natureza de Deus, e Suas energias. De fato, em Cristo, Suas duas naturezas - tão precisamente definidas em Calcedônia como "inseparáveis" e "não confundidas" - permanecem distintas. Portanto, a deificação ou comunhão entre a divindade e a humanidade não implica uma confusão de essências ou naturezas. No entanto, permanece uma verdadeira comunhão entre o Incriado e Sua criatura e verdadeira deificação - não por essência, mas por energia. A humanidade de Cristo, "enhypostasiada" pelo Logos, é penetrada com a energia divina, e o corpo de Cristo torna-se a fonte da luz divina e deificação. É "teúrgica", isto é, comunica a vida divina àqueles que estão "em Cristo" e participam nas energias incriadas ativas nela.

Outro aspecto da experiência cristã, particularmente importante na espiritualidade monástica descrita por Palamas, é o seu caráter escatológico. A referência à Segunda Epístola de Pedro 1, onde o episódio da Transfiguração de Cristo é interpretado como "confirmando a palavra profética", aparece repetidamente nas Tríades. Situa a espiritualidade hesicasta no contexto da noção bíblica de "profecia", que no Antigo Testamento implicava uma visão antecipada da era messiânica, realizada em Cristo, e ainda permanece no Novo Testamento uma experiência pelos "santos" da era por vir.[37] Entretanto, enquanto os profetas do Antigo Testamento percebiam apenas uma antecipação simbólica do Reino, a Igreja do Novo Testamento fundada na comunhão sacramental e "vida em Cristo" oferece uma participação na própria realidade da vida divina. Concedida a todos os batizados, essa participação é pessoal e consciente: acontece no "coração" dos santos.

Essência e Energias de Deus

A distinção em Deus entre "essência" e "energia" - o ponto focal da teologia palamita - não é senão uma forma de dizer que o Deus transcendente permanece transcendente, assim como Ele também se comunica com a humanidade.

A distinção, que foi oficialmente endossada pela Igreja Ortodoxa em uma série de concílios no século XIV, tem sido um tópico de debate e controvérsia. Obviamente, é impossível apresentar aqui todos os elementos do debate. [38] Limito-me a algumas observações simples que permitirão ao leitor compreender melhor uma afirmação que aparece repetidamente nas Tríades, e é mais especificamente desenvolvida em textos da Tríade III, traduzida na Seção F abaixo.

Tendo inicialmente atacado os monges hesicastas devido a afirmação deles de possuir uma experiência real e visão de Deus - que ele próprio tendia a considerar ou como iluminação mística da mente, ou um símbolo, ou uma aberração - Barlaão, o Calabrês, enfrentando censuras orais e escritas, publicou um livro intitulado Contra os Messalianos. Ao identificar os monges como messalianos, uma seita carismática condenada, ele os acusava de pretender "contemplar a essência de Deus com seus olhos físicos". Foi, portanto, para Palamas, inevitável lembrar a teologia apofática dos Padres Gregos, que afirmava a transcendência absoluta da essência divina, inacessível aos próprios anjos. 

Entretanto, para Palamas, essa essência transcendente de Deus seria uma abstração filosófica se não possuísse "poder", isto é, "as faculdades de conhecimento, de presciência, de criação" (p. 93). Em outras palavras, o Deus de Palamas é um Deus vivo, em última instância indescritível nas categorias da filosofia grega essencialista. Ele mesmo diz muito, referindo-se à revelação do nome divino a Moisés no Monte Sinai: "Quando Deus estava conversando com Moisés", escreve Palamas, "Ele não disse: 'Eu sou a essência', mas 'eu sou Aquele que é' (Ex. 3:14). Assim, não é Aquele que é que deriva da essência, mas a essência que deriva Dele, pois é Ele que contém todo o ser em Si mesmo"(p. 98).

A verdadeira comunhão, união e - quase se pode dizer - a familiaridade com "Aquele que é" é, para Palamas, o próprio conteúdo da experiência cristã, possibilitada porque Aquele que é se tornou homem. É essa familiaridade e comunhão imediata com Deus que estava em jogo, segundo Palamas, em seu debate com Barlaão. Para Barlaão, Deus era idêntico à Sua essência, e não havia possibilidade real do homem estar em comunhão com a essência divina: a "iluminação" concebida como um estado criado era, no entanto, acessível, mas através de uma mediação das hierarquias angélicas. Sobre este ponto, Barlaão estava, sem dúvida, referindo-se aos famosos escritos de pseudo-Dionísio, o Areopagita, que via as relações Deus-homem como uma escala de mediações - as hierarquias "celestes" e "eclesiásticas" - uma versão cristã do sistema do mundo neoplatônico. Palamas rejeitou essa abordagem com indignação. Naturalmente, ele respeitava os escritos de pseudo-Dionísio, que ele considerava entre os maiores Padres da Igreja, mas ele entendeu as "hierarquias" de Dionísio, como descrevendo as relações entre Deus e homem, como existiam no Antigo Testamento, quando Deus falava apenas "através dos anjos" (Hb 2: 2). [39] Depois da vinda de Cristo, no entanto, Deus entra em comunhão imediata com a humanidade. "Ele não se dignou a fazer Sua morada no homem", pergunta Palamas, "para aparecer a ele e falar com ele sem intermediário, de modo que o homem deve ser não apenas piedoso, mas santificado e purificado de antemão em alma e corpo mantendo mandamentos divinos, e assim ser transformado em um veículo digno de receber o Espírito todo-poderoso?"

Assim, a comunhão com Deus em Cristo é real e imediata. No entanto, não é uma absorção panteísta no Divino: o homem, estando "em Deus", ou melhor, "em Cristo", preserva sua humanidade plena, sua liberdade (é-lhe exigido que "guarde os mandamentos) e participa de um processo que não conhece fim, porque Deus, em Sua essência transcendente, está sempre "acima" de qualquer experiência dEle. Mas a comunhão do homem não é com a "graça criada" apenas, mas com o próprio Deus. Este é o significado da doutrina das "energias incriadas", que, como vimos anteriormente nesta Introdução, está enraizada na doutrina cristológica da "união hipostática" como foi formulada no Oriente depois de Calcedônia, particularmente por São Máximo, o Confessor.

A doutrina das energias foi definida com refinamento cada vez maior nos escritos posteriores de Palamas, particularmente aqueles que ele dirigiu contra Gregório Akindynos em 1342-1347. Mas, para entender essas definições conceituais e frequentemente polêmicas, o frescor inicial de seu debate com Barlaão, como é encontrado nas Tríades, deve ser sempre recordado como o contexto necessário da teologia palamita. A única preocupação de Palamas era afirmar simultaneamente a transcendência de Deus e Sua imanência no dom gratuito da comunhão no Corpo de Cristo. Essa preocupação não pode ser totalmente expressa em termos filosóficos ou conceituais. Ao mantê-la, Palamas não é nem um inovador nem um conservador cego, mas, como autêntico porta-voz da tradição patrística grega, ele nunca perdeu o senso da tensão e da polaridade entre o pensamento grego e o evangelho cristão. É este senso que contrasta ele aos seus críticos teológicos, antigos e novos.
Notas

1. Rer. mon., Migne, PG 40, col. 1253B. 

2. In inscr. psalm., Migne, PG 44, col. 456C; ed. W. Jaeger (Leiden, 1962), p. 44. 

3. Justinian, Nov. 5, 3; ed. R. Schoell and G. Kroll, p. 32. 

4. Evagrius, The Praktikos. Chapters on Prayer, tr. J. E. Bamberger (Spencer, Mass.: Cistercian Publications, 1970), pp. 63, 69. 

5. Sobre Evágrio e sua influência, veja particularmente I. Hausherr, "L'hésychasme, étude de spiritualité", em Orientalia Christiana Periodica 22 (1956): 5-40 (com referência a estudos anteriores e importantes do mesmo autor). 

6. Sobre isto, veja particularmente A. Guillaumont, Les Kephalaia Gnostica d'Evagre le Pontique et l'histoire de l'origénisme chez les Syriens (Paris, 1962). 

7. Sobre o papel do coração na espiritualidade cristã dos primeiros séculos, veja particularmente A. Guillaumont, "Le Coeur chez les spirituels grecs à l'époque ancienne", no artigo "Cor et cordis affectus", no Dictionnaire de spiritualité 14, 15 (Paris, 1952), cols. 2281-2288.

8. Hom. 15, 20, Migne, PG 34, col. 589AB; ed. H. Dörries (Berlin, 1964), p. 139. 

9. Sobre a interpretação messaliana de Macário, veja particularmente H. Dörries, Die Überlieferung des messalianischen Makarius-Schriften (Leipzig, 1941); para uma perspectiva diferente, J. Meyendorff, "Messalianism or anti-Messalianism? A Fresh Look at the Macarian Problem", em Kyriakon. Festschrift Johannes Quasten, Ed. P. Granfield e J. J. Jungmann (Münster Westf., 1974), pp. 585-590. 

10. A mais famosa e influente coleção de escritos relacionados com a tradição de oração hesicata é a Filocalia publicada por São Nicodemos, o Hagiorita, em 1782. A publicação de uma tradução completa em inglês está em andamento, The Philokalia 1, tr. e ed. G. E. H. Palmer, P. Sherrard, e K. Ware (Londres: Faber e Faber, 1979). Para uma breve pesquisa sobre a tradição hesicasta anterior a Palamas, veja J. Meyendorff, St. Gregory Palamas and Orthodox Spirituality (Crestwood, N.Y.: St. Vladimir's Seminary Press, 1974), pp. 7-71. 

11. A biografia de Gregório Palamas nos é conhecida primariamente através de um Encomion composto por seu amigo e discípulo, Filotheos Kokkinos, Patriarca de Constantinopla, texto em Migne, PG 151, cols. 551-656. Para um relato completo, veja J. Meyendorff, A Study of Gregory Palamas (Londres e Nova Iorque: Faith Press e St. Vladimir's Seminary Press, 2ª ed., 1974), pp. 28113. 

12. Sobre este acontecimento, o estudo mais recente é A. Philippidis-Brat, "La captivité de Palamas chez les Turcs: dossier et commentaire", Travaux et mémoires, Centre de recherche d'histoire et civilisation byzantines 7 (Paris, 1979), pp. 109-221. 

13. Cf. uma tentativa de datar a morte de Palamas já em 1357 em H. V. Beyer, "Eine Chronologie der Lebensgeschichte des Nikophoros Gregoras", Jahrbuch der Österreichischen Byzantinistik 27 (Band, Wien, 1978) pp. 150-153. No entanto, o argumento a favor de 1359, baseado nos dados muito precisos fornecidos pelo Encomion de Filotheos (Palamas morreu aos 63 anos, após doze anos e meio como bispo), tem mais peso. 

14. Ed. J. Meyendorff, Grégoire Palamas. Défense des saints hesychastes. Introduction, Texte critique, traduction et notes (Louvain, 2ª ed., 1973), I, pp. I-L; cf. também a série dos meus estudos anteriores reimpressa em Byzantine Hesychasm: Historical, Theological and Social Problems (London: Variorum Reprints, 1974) e uma cronologia atualizada em R. E. Sinkewicz "A new interpretation for the first episode in the controsy between Barlaam the Calabrian and Gregory Palamas", The Journal of Theological Studies, xxxi, 2, 1980, 489-500. 

15. A edição completa dos escritos teológicos de Palamas está em processo de conclusão por P. Chrestou (cf. Palama Syngrammata, Thessaloniki, vol. 1, 1962; vol. 2, 1966; vol. 3, 1970). Nas referências a seguir, o título desta edição é abreviado como P.S. 

16. Há abundante publicação recente sobre este tópico por autores adotando pontos de vista diferentes e às vezes contraditórios; veja, por exemplo, I. P. Medvedev, Vizantiisky Gumanizm 14-15, 20 (Leningrado, 1976); G. Podskalsky, Theologie und Philosophie in Byzanz (Munique, 1977); R. E. Sinkewicz, "The doctrine of the knowledge of God in the early writings of Barlaam the Calabrian" Mediaeval Studies XLIV, 1982, 181-242. Para uma apresentação geral objetiva e acessível, veja particularmente D. M. Nicol, Church and Society in the Last Centuries of Byzantium. The Birkbeck Lectures, 1977  (Nova Iorque: Cambridge University Press, 1979).

17. J. Gouillard, "Le Synodikon de l'Orthodoxie. Edition et commentaire", Centre de recherche d'histoire et de civilisation byzantines. Travaux et mémoires 2 (Paris, 1967), p. 59; também Triodion (Athens, ed. Phos, 1958), p. 160. 

18. Primeira carta a Palamas, ed. G. Schirò, in Barlaam Calabro epistole greche i primordi episodici e dottrinari delle lotte esicaste (Palermo, 1954), p. 262. 

19. Tr. I, 1, 20, tr. abaixo, p. 28. 

20. Tr. I, 1, quest., tr. abaixo, p. 25. 

21. Veja, por exemplo, Tr. I, 1, 14-15; I, 1, 13; etc.; veja abaixo, p. 27. 

22. Alguns historiadores de arte têm tentado associar a vitória do Palamismo com uma decadência do chamado Renascimento Paleólogo na arte bizantina. Contudo, o próprio conceito de "Renascença", quando aplicado à sociedade bizantina, pode ter apenas um significado muito relativo. Fatores sociais e culturais, ao invés de teológicos, devem ser usados para explicar sua "decadência" (veja J. Meyendorff, "Spiritual Trends in Byzantium in the late Thirteenth and early Fourteenth Centuries", em P. Underwood, The Kariye Djami 4 (Princeton, N.J., 1975), pp. 93-106; também Byzantium and the Rise of Russia (Nova York, Cambridge University Press, 1981), pp. 138-144. 

23. Sobre as posições de St. Maximus sobre este ponto, veja particularmente L. Thunberg, Microcosm and Mediator. The Theological Anthropology of Maximus the Confessor (Lund, 1965) pp. 327-330. 

24. Cf. minha análise do pensamento de Barlaão em "Un mauvais théologien de l'unité", em L'Eglise et les églises 2 (Chévetogne, 1955), pp. 47-64 (reimpresso em Byzantine Hesychasm [Londres: Variorum, 1974]); para uma avaliação mais positiva de Barlaão, veja G. Podskalsky, Theologie und Philosophie in Byzanz (München, 1977), pp. 124- 157. 

25. V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (New York, 1976), p. 43. 26. Evagrius Ponticus, Chapters on Prayer 119, tr. J. E. Bamberger, Evagrius Ponticus. The Praktikos (Spencer, Mass., 1970), p. 75. 

27. Tr. I, 2, 12 e II 2, 2; ed. J. Meyendorff, pp. 99, 320-324. 

28. Publicado por I. Hausherr in "La Méthode d'oraison hésychaste", Orientalia Christiana Periodica 9, 2 (1927).

29. Migne, PG 147, cols. 945-966. 

30. Tr. em J. Meyendorff, St. Gregory Palamas and Orthodox Spirituality (Crestwood, N.Y.; St. Vladimir's Seminary Press, 1974), pp. 59-60. 

31. Ad Adelphium 4, Migne, PG 26, col. 1077A. 

32. Capítulos sobre Amor 3, 25, Migne, PG 90, col. 1024BC. 

33. Cf., por exemplo, Adv. Haer. 5, 6, 1. 

34. Mais referências e discussão em J. Meyendorff, Byzantine Theology. Historical Trends and Doctrinal Themes (New York: 2nd ed., 1979), pp. 138-150. 

35. Para os princípios e terminologia da cristologia pós-calcedoniana, veja J. Meyendorff, Christ in Eastern Christian Thought (New York: St. Vladimir's Seminary Press, 1975), particularmente o capítulo sobre São Máximo, pp. 131-151. 

36. Tr. I, 3, 38, ed. J. Meyendorff, p. 193; cf. tr. e comentário em A Study of Gregory Palamas, pp. 150ff. 

37. Este tema é particularmente enfatizado no Tomo Hagiorético, ou "Tomo da Montanha Santa", documento redigido por Palamas e assinado em 1340 por representantes dos mosteiros do Monte Athos em apoio à sua teologia (texto em Migne, PG 150, col. 1225-1236; cf. J. Meyendorff, A Study of Gregory Palamas, pp. 48-49, 193- 196). 

38. No início deste século, a distinção foi severamente criticada pelos Assumcionistas franceses S. Guichardan e M. Jugie, principalmente por causa da noção de simplicidade de Deus, tal como definida no pensamento escolástico latino. Para minha própria apresentação da questão, veja A Study of Gregory Palamas, pp. 202-227. Para a abundante bibliografia que tem aparecido desde então, ver D. Stiernon, "Bulletin sur le palamisme", Revue des études byzantines 30 (1972): 231-337. Mas o debate continua; veja, por exemplo, A. de Halleux, "Palamisme et Tradition", Irénikon 4 (1975): 479-493. 

39. Veja J. Meyendorff, "Notes sur l'influence dionysienne en Orient", in Studia patristica. Texte und Untersuchungen 64 (Berlin, 1957), pp. 547-552.