domingo, 15 de novembro de 2020

Sobre a Veneração dos Santos e Anjos (Ancião Cleopa)


Inquiridor: Por que razão nós Ortodoxos veneramos os anjos e os santos e os colocamos como intermediários diante de Deus para nossa salvação? Certas pessoas dizem que existe apenas um intercessor entre Deus e o homem, Jesus Cristo. O Apóstolo ensina o seguinte a respeito deste assunto: "Porque há um só Deus e há um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem." (1 Timóteo 2:5) Consequentemente, nem os anjos, nem os santos, nem ninguém, exceto Cristo, é capaz de interceder junto a Deus em favor de nossa salvação.

Ancião Cleopa: É verdade que ninguém, exceto Cristo, é capaz de interceder diante do Pai, pois somente Ele apresenta a Si mesmo como um sacrifício para a salvação do mundo. Portanto, ninguém, exceto Cristo, é capaz de salvar o homem do pecado. No entanto, ao honrarmos os santos, não os colocamos no lugar de Cristo ou mesmo adjacente a Ele. Quando os santos oram por nós, é precisamente a nossa salvação que eles buscam vinda de Cristo. Eles intercedem junto dEle por nossa salvação; dEle, eles rogam por nossa salvação. É isto que queremos dizer quando dizemos que eles intercedem por nós. Por suas orações, os santos peticionam por nossa salvação - não, porém, como se eles próprios tivessem o poder de salvar, pois o único que salva é Cristo. Assim, nós não veneramos os santos e os anjos como fazemos com Deus. (O que prestamos aos santos e anjos é apenas uma veneração [προσκύνησις] de honra e reverência, ao passo que a Deus adoramos [λατρεία] com perfeita adoração [1]) Estimamos os santos de Deus porque eles são amigos e amados de Deus, como está escrito: "Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando." (João 15:14) Enquanto que em relação a Abraão também lemos: "Abraão creu em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus." (Tiago 2:23) O Apóstolo Paulo escreve para os Efésios: "Conseqüentemente, já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus." (Efésios 2:19) Assim, como amigos e amados de Deus, nós honramos os santos. Sabemos também que os santos têm a aclamação de Deus nos céus. (Lucas 20:36) De fato, eles julgarão o mundo. [1 Cor. 4:2, Mateus 19:23, Hebreus 12:22-23] Enquanto os santos ainda eram encontrados sobre a terra, eles tinham dons proféticos [1 Reis 14:1-17] (por exemplo, a profecia de Eliseu a Geazi [2 Reis 5: 25-27]). Da mesma forma, enquanto ainda estavam nesta vida, eles oravam a Deus pelo benefício dos homens, como Abraão, que orou a Deus por seu povo.

Inquiridor: Como é que os santos e os anjos são capazes de mediar junto a Deus em favor da salvação dos homens, já que devemos esperar nossa salvação de Cristo, que é o Salvador e mediador de nossa salvação? Assim está escrito: "E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos." (Atos 4:12) Não há necessidade, portanto, de recorrer aos santos se quisermos herdar a salvação.

Ancião Cleopa: Pelo contrário, este trabalho dos santos é de grande importância. Eles têm a capacidade de orar diante de Deus em favor do homem e de sua salvação. Isto é esclarecido pela passagem do Livro do Apocalipse, que afirma: "E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos." (Apocalipse 5:8) 

Os santos oram pelos homens não só nos céus depois de seu repouso, mas também enquanto estão neste mundo, como indicamos anteriormente. Assim, Abraão orou por Abimeleque, Moisés por seu povo, e também o apóstolo Paulo por seus discípulos. Assim ele escreveu: "Sempre damos graças a Deus por vós todos, fazendo menção de vós em nossas orações; lembrando-nos sem cessar da obra da vossa fé... diante de nosso Deus e Pai." (Tessalonicenses 1:2-3) E em outro lugar: "Por isso também rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação." (2 Tessalonicenses 1:11) E também: "Não cesso de dar graças a Deus por vós, lembrando-me de vós nas minhas orações: para que Deus... vos dê um espírito de sabedoria..." (Efésios 1:16-17) Ainda em outro lugar: "E até oramos por vossa perfeição." (2 Coríntios 13:9) E a Timóteo ele escreve: "Dou graças a Deus, a quem desde os meus antepassados sirvo com uma consciência pura, de que sem cessar faço memória de ti nas minhas orações noite e dia." (2 Timóteo 1:3). Além disso, no Antigo Testamento, está escrito: "E o meu servo Jó orará por vós; porque deveras a ele aceitarei, para que eu não vos trate conforme a vossa loucura; porque vós não falastes de mim o que era reto como o meu servo Jó." (Jó 42:8) 

Observe que a partir de tudo isso, fica claro que os santos têm o poder de interceder junto a Deus para nossa salvação, revelando o fato de que, tanto nesta vida como também depois de sua morte, eles oram no céu pelos que estão na terra, intercedendo para o benefício de nossas almas, de acordo com o que está escrito nas Sagradas Escrituras: "Este é um homem que ama os seus irmãos e ora muito a favor do povo e da cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus." (II Macabeus 15: 12-14) Daniel em oração rogou a Deus (Daniel 10: 11-21).

Da mesma forma, Deus envia Seus anjos para ajudar aqueles que oram a Ele. (Gênesis 24:7) Deus enviou Seu anjo a Daniel para livrá-lo da boca dos leões. (Daniel 6:22) E o grande Apóstolo Paulo diz que os anjos estão a serviço de Deus, são aqueles que Ele enviará a fim de ajudar aqueles que herdarão Sua salvação. (Hebreus 1:14) Todo aquele que recebe os anjos recebe a Cristo. (Mateus 10:40-41) Assim, a partir de todos os testemunhos escritos acima, sabe-se que os anjos e os santos são capazes de interceder junto a Deus por nós através de suas orações, pois são amigos, amados e queridos a Deus.

Inquiridor: Tenho ouvido alguns dizerem que os Ortodoxos, pela veneração e reverência que prestam aos santos e aos anjos, eclipsam a glória e a honra que pertence somente a Deus. O apóstolo Paulo repreende e castiga severamente os Colossenses que fizeram isso, abandonando a adoração a Deus e venerando os anjos. Eis o que ele escreveu: "Ninguém vos roube a seu bel-prazer a palma da corrida, sob pretexto de humildade e culto dos anjos... ao invés de manter-se unidos à Cabeça (Cristo), da qual todo o corpo, pela união das junturas e articulações, se alimenta e cresce conforme um crescimento disposto por Deus." (Colossenses 2:18-19) 

Ancião Cleopa: Nenhum eclipse ou depreciação da glória de Deus resulta da reverência e veneração de Seus anjos. Isto é assim, antes de tudo, porque a veneração (adoração) que oferecemos a Deus é uma coisa e a veneração (honra)  que prestamos aos anjos e santos de Deus é outra. O mesmo Espírito Santo nos exorta a glorificar a Deus com Seus santos, dizendo: "Louvado seja Deus em Seus santos".  (Salmos 150:1) [2] Assim, também glorificamos a Deus quando buscamos em oração a ajuda e a mediação dos anjos e dos santos, pois os santos, em sua sucessão, levam nossas súplicas e pedidos juntamente com suas próprias orações a Deus. (Atos 9:32-42, Atos 20:36, Atos 28:3-9, Apocalipse 5:8) O próprio Deus glorificou (Romanos 2:10) Seus santos e os vestiu com sua glória: "E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um."(João 17:22) Em outro lugar Ele diz: "Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta em qualidade de profeta, receberá galardão de profeta; e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá galardão de justo." (Mateus 10:40-41) Esses testemunhos provam até onde vai as blasfêmias e erros daqueles que, abandonando a veneração dos Santos e Anjos - que são servos amados de Deus - não percebem que, abandonam o próprio Deus, o Criador de Todos. Infeliz é a blasfêmia e loucura deles.

Inquiridor: Por que os santos, então, se são realmente capazes, não suplicam a Deus por nossa salvação? Por exemplo, Abraão não teve nenhum desejo de suplicar a Deus em favor do homem rico e impiedoso. Foi talvez porque ele não pediu insistentemente?

Ancião Cleopa: Abraão não intercedeu pelo homem rico porque durante o tempo de sua vida o homem rico nunca procurou a ajuda dos santos, nem mesmo elevou sua mente para Deus. Nos Atos dos Apóstolos, vemos que o Apóstolo Pedro se opôs à adoração que Cornélio lhe prestou, visto que ele é apenas um homem. (Atos 10:25-26) O centurião romano havia se familiarizado com a noção de Deus desde que se afastou dos ídolos. Consequentemente, era bastante natural para ele acreditar que Pedro, como um homem enviado por Deus, fosse como Deus ou certamente como um homem superior aos outros ou como um semideus que não merecia reverência, mas adoração como aos deuses. Por esta razão, Pedro rejeitou a adoração que Cornélio procurou oferecer a ele.

Em uma passagem dos Atos dos Apóstolos (Atos 14:3-15), os Apóstolos Paulo e Barnabé repreenderam aqueles que lhes ofereciam adoração pela mesma razão dada acima, visto que os consideravam deuses e estavam se preparando para adorá-los. A partir destas passagens, vemos que os habitantes da cidade de Listra, maravilhados com a cura milagrosa que Paulo realizou do homem coxo desde seu nascimento, clamaram a uma só voz: "Deuses em figura de homens baixaram a nós! Chamavam a Barnabé Zeus e a Paulo Hermes, porque era este quem dirigia a palavra." (Atos 14:8-12) Assim, é fácil entender a rejeição dos Apóstolos a serem adorados como deuses, pois eles pregavam contra os falsos deuses e conduziam todos à adoração do único Deus. "Apesar dessas palavras, eles tiveram dificuldade para impedir que a multidão lhes oferecesse sacrifícios." (Atos 14:18) Em outra passagem (Apocalipse 19:10), o anjo que explica o sonho apocalíptico rejeita a adoração que o Apóstolo e Evangelista João lhe oferece, fundamentando assim: "Eu sou teu companheiro servo..." Isto é, "sou como tu, servo de Deus, como tu és. Estamos em uma relação de igualdade e não devo receber a adoração de você sobretudo, pois você também está aqui, não no corpo, mas no espírito (Apocalipse 1:10) - isto é, num estado angélico; nisso, você é como eu com o "espírito de profecia" que procura dar testemunho de Cristo".

Motivos adicionais para recusa são encontrados representados pelas palavras do anjo: "Adora a Deus". Deus estava no meio deles e o anjo revelador O teria ofendido se tivesse recebido a adoração de João para si mesmo. Mesmo entre os homens, é ofensivo prestar muito respeito a um alto funcionário de um líder de um país, quando esse líder está presente. De fato, quando ele está presente, a cortesia e a honra em todas as coisas é atribuída a ele, que é superior aos outros. No entanto, isto não significa que aqueles ao seu redor não sejam também dignos de honra.

Além disso, em uma passagem posterior (Apocalipse 22:8-9), o anjo expressa - desta vez mais claramente - sua igualdade com o apóstolo João e a negligência e impiedade que ele teria demonstrado se tivesse recebido a adoração.

Assim, a invocação das passagens acima por alguns para justificar seus falsos ensinamentos, a saber, a renúncia de prestar veneração aos santos e anjos, mostra-se como sendo uma interpretação inteiramente deles e de sua própria autoria. Os apóstolos Pedro, Paulo e Barnabé proibiram o povo de adorá-los como deuses porque, como homens santos, só era apropriado que eles recebessem uma veneração de honra e reverência de outros homens. Da mesma forma, o anjo revelador recusou a veneração de João em virtude da igualdade que ele partilhava com ele, já que João também era um servo de Deus. Não é difícil demonstrar em muitas passagens das Escrituras a honra e a reverência manifestadas pelos homens aos santos e anjos de Deus, assim como a aceitação destes últimos de tal veneração.

Similar ao primeiro exemplo, relatamos o seguinte: O rei Acazias enviou um terceiro capitão de cinquenta com seus cinquenta homens para ajoelhar-se diante de Elias e implorar-lhe. Quando chegaram a ele, o capitão falou com ele e lhe disse: "Peço-te, ó homem de Deus, que a minha vida tenha algum valor aos teus olhos e a destes cinqüenta homens teus servos." (2 Reis 1:13) E um pouco mais tarde: "...os filhos dos profetas que estavam defronte em Jericó... vieram-lhe ao encontro, e se prostraram (επροσκύνησαν)  diante dele em terra." (2 Reis 2:15) Mais uma vez, em outro lugar: "Então o rei Nabucodonosor caiu sobre a sua face, e prestou honra (επροσκύνησε) a Daniel." (Daniel 2:46) Também testemunhamos que Balaão, inclinando seu rosto, venerou (επροσκύνησε) o anjo do Senhor: "Então o Senhor abriu os olhos a Balaão, e ele viu o anjo do Senhor, que estava no caminho e a sua espada desembainhada na mão; pelo que inclinou a cabeça, e prostrou-se sobre a sua face." (Números 22:31) O anjo do Senhor aceitou a veneração de Ló. (Gênesis 19:1) O anjo do Senhor recebeu a veneração de Manoá e sua esposa, que caíram em terra sobre seus rostos (επροσκύνησαν), enquanto o anjo do Senhor ascendia na chama do altar. (Juízes 13:18-21) O anjo do Senhor recebeu a veneração de Davi e dos sacerdotes do povo. (1 Crônicas 16-18) E também o anjo do Senhor aceitou a veneração do profeta Daniel. (Daniel 10:9-15)

Eis que, em tudo o que lhe respondi, em tudo o que você teve dificuldade de crer, os santos e os anjos de Deus não recebem adoração (λατρεία) dos homens. Leia com cuidado as passagens relevantes das Sagradas Escrituras e você entenderá claramente que tanto os santos de Deus como Seus anjos recebem honra dos homens sem que esta honra desperte qualquer ira em Deus. Pois como é possível que Deus fique irado ao ver Seus preciosos e amados amigos sendo magnificados em Seu Nome, quando Ele mesmo os glorificou (Romanos 2:10), os dotou com poder de maravilhas e lhes concedeu dons espirituais excepcionais?

Inquiridor: Quais são esses dons espirituais e poderes excepcionais com os quais Deus honrou Seus santos? 

Ancião Cleopa: Desde o início, Ele lhes deu o poder de realizar milagres, como está escrito: "Maravilhoso é Deus em Seus santos, o Deus de Israel" (Salmo 67:36) e "Nos santos que estão em Sua terra, o Senhor tem sido maravilhoso; Ele tem feito neles todos os Seus desejos". (Salmo 15:3) Certamente, com a mão do profeta Moisés, Deus não feriu o Egito, [Êx. 10:12] transformou água em sangue, [Êx. 7:20-21] trouxe rãs, [Êx. 8:6] mosquitos, [Êx. 8:12] pestilência para os animais, [Êx. 9:3] úlceras, saraiva e fogo, [Ex. 9:9,18,23] gafanhotos, [Êx. 10:4-6] escuridão, [Êx. 10:21] morte para os primogênitos, [Êx. 12:29-30] passagem dos israelitas através do Mar Vermelho, [Êx. 14:16] destruiu o Faraó e seu exército, [Êx. 14:27] e levou a derrota de Amaleque, [Êx. 17] adoçou as águas de Mara, [Êx. 15] e jorrou água da rocha em Horebe, [Êx. 17:6] fez a terra engolir Corá e Datã, [Nm 16:28,31] enviou uma cura através da serpente de bronze, [Nm. 21] e fez a água brotar da rocha em Cades? [Nm. 20]

Em seguida, com Josué, o filho de Nun, Ele fez estes milagres: a contenção das águas do Jordão [Josué 3:11-17], o colapso dos muros de Jericó. [Josué 6:6-20] E com Gideão: a destruição dos habitantes de Midiã. Com Sansão: o despedaçamento do leão e a derrubada da casa do deus Dagom. [Juízes 14,16:28-31] E com Samuel: os relâmpagos e os trovões com a ceifa na hora da colheita [1 Samuel 12:16-18]. Com o profeta Elias: a grande seca, [1 Reis 17:1] a farinha e o óleo da viúva, [1 Reis 17:4] a ressurreição do filho da viúva em Sarepta, [1 Reis 17:17-23] fogo do céu sobre o sacrifício, [1 Reis 18:36-38] a abertura do céu e a grande chuva. [1 Reis 18:41-46]

Além disso, vemos a punição de Acazias com a morte [2 Reis 1:16], a separação das águas do Jordão com o manto de Elias. Então, com Eliseu temos: a separação das águas do Jordão, [2 Reis 2:14] a purificação das águas de Jericó, [2 Reis 2:19-22] os filhos de Betel despedaçados por duas ursas, [2 Reis 2: 23] a ressurreição do filho da Sunamita, [2 Reis 4:32-35] a cura de Naamã, [2 Reis 5:10-14] Geazi atingido pela lepra, [2 Reis 5:20-27] a ressurreição de um homem através dos ossos de Eliseu. [2 Reis 13:21] e com Isaías: a cura de Ezequias. [2 Reis 20:1-7] Os Doze Santos Apóstolos dão testemunho de que eles realizaram várias curas. [Mateus 10:1; Marcos 3:14-15; Marcos 6:7-13; Lucas 9:1-6]. Assim também os Setenta Apóstolos realizaram diversos milagres. [Lucas 10:9,17] Ainda mais, inumeráveis milagres são mencionados como realizados pelos Apóstolos [Marcos 16:20; Atos 2:43; Atos 5:12-16] - como a cura do homem coxo desde nascimento, [Atos 3:2-8] a morte de Ananias e Safira, [Atos 5:1-10] a cura dos doentes, [Atos 5:16] a cura do acamado Enéas, [Atos 9: 34] a ressurreição de Tabita, [Atos 9:36-41] a recuperação da visão de Saulo Paulo, [Atos 9:17-18] a cegueira de Elimas o Mago, [Atos 13:11] a ressurreição do jovem Êutico, [Atos 20:9-12] a cura do pai de Públio, [Atos 28:8] e muitos outros inúmeros milagres, sinais e maravilhas dos quais não há espaço aqui para recontá-los todos.

Observa, meu irmão, com que poder e dons cheios de graça Deus dotou Seus santos, tanto no Antigo como no Novo Testamento! Portanto, agora, no fundo de sua mente, a respeito dos milagres dos santos de Deus, reveja o que foi dito pelo Espírito Santo: "Maravilhoso é Deus em Seus santos, o Deus de Israel". [Salmo 67: 35]

Se também honrarmos os anjos de Deus da mesma maneira em relação a Seus santos, devemos confessar que Deus tem mostrado ao mundo muitos milagres extraordinários através de Seus santos anjos. Temos muitos exemplos: o anjo do Senhor que conduziu os israelitas para fora do Egito, [Êx. 14:19, 23:20, 32:34, 33:2; Nm. 20:16] a destruição de Sodoma e Gomorra, que foi efetuada por anjos, [Gn. 19:13] a peste em Jerusalém, [1 Cr. 21:14-16] a destruição do exército dos assírios, [2 Reis 19: 35] Herodes atingido pela morte, [Atos 12: 23] o anúncio do anjo do nascimento de Jesus Cristo [Mt. 1,20-21] e João Batista, [Lc. 1: 31] da Ressurreição de Cristo, [Mt. 28: 5-7] e da Ascensão e Segunda Vinda de Cristo. [Atos 1:10] Além disso, os anjos ministraram ao próprio Jesus Cristo, [Mt 4: 11, Mc 1: 13] eles anunciaram aos pastores Seu nascimento, [Lc 2: 9] e separarão os justos dos injustos no Dia do Juízo. De fato, inúmeros sinais e maravilhas milagrosas aconteceram através dos santos anjos de Deus, estão sendo realizados, e ainda serão mostrados até o fim dos tempos.

Estas obras do amor de Deus são realizadas por Ele através do serviço de Seus santos anjos. (2 Pe. 2:11) Portanto, temos o dever de honrar os santos anjos, pois, com amor e obediência, eles servem à obra de nossa salvação. (Jd 1:9; Sl 67:17, 90:11, 102:21 etc.)

Traduzido a partir da versão em inglês. Capítulo 4 do livro The Truth of Our Faith

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

A Santíssima Trindade na Teologia Palamita (Pe. John Meyendorff)

Historiadores do pensamento cristão, assim como teólogos de todos contextos confessionais preocupados com problemas de unidade cristã, reconhecem unanimemente que já no século IV, a formulação da doutrina trinitária, que pode ser definida como uma apresentação da Trindade "Capadócia" e uma apresentação Ocidental da Trindade 'Agostiniana', são dois sistemas de pensamento que determinaram os desenvolvimentos posteriores de teologia no Oriente e no Ocidente. Em termos gerais, a teologia agostiniana latina toma por certo a unidade essencial de Deus e depois procede mostrando que Deus também é três Pessoas. O pensamento grego, entretanto, começa com as provas da Divindade do Logos e do Espírito - a principal preocupação da literatura patrística anti-Ariana aceitando como evidente que elas são pessoas distintas (não apenas πρόσωπα, mas ύποατάαεις: um termo forte que indica existência distinta). Ocasionalmente os Pais Capadócios foram até acusados de triteísmo, de modo que Gregório de Nissa escreveu seu conhecido tratado, Para Ablabius, provando que "não há três deuses", já que o Pai, o Filho e o Espírito têm apenas uma energia, manifestando a unidade da natureza divina. Por outro lado, os defensores da Trindade Agostiniana foram vistos algumas vezes como modalistas, e Fócio, no início da controvérsia do Filioque, fala dos ocidentais como "semi-Sabelianos" porque eles desvalorizam a singularidade das características pessoais e hipostáticas das Pessoas Divinas, reduzindo-as apenas ao nível das relações mútuas.

São Gregório Palamas

Os teólogos Ortodoxos em geral concordariam hoje que a tradição patrística grega encontra sua plenitude na teologia de São Gregório Palamas, o hesicasta Athonita do século XIV, que mais tarde se tornou Arcebispo de Tessalônica e que formulou a teologia trinitária em termos da distinção em Deus entre a Essência transcendente, as três hipóstases e as energias incriadas. A teologia de Palamas foi oficialmente aprovada por uma série de concílios locais realizados em Constantinopla (1341, 1347, 1351, 1368), recebidos pela Igreja Ortodoxa como um todo e incluídos nos livros e práticas litúrgicas da Igreja. Entretanto, entre os estudiosos ocidentais, o problema de saber se o "palamismo" se encontra em real continuidade com a tradição patrística continua sendo um ponto debatido, que claramente envolve não apenas a história da doutrina, mas também a questão de sua relação com a tradição ocidental - agostiniana e tomista.

No início deste século [XX], as obras dos teólogos franceses, S. Guichardan [1] e particularmente, Μ. Jugie [2], denunciou o palamismo com base em uma crítica estritamente tomista. Antes da obra deles, o próprio nome de Palamas era amplamente ignorado no Ocidente. Entre os Ortodoxos, porém, um reavivamento de interesse nos Pais estava acontecendo, o que inevitavelmente envolveu a teologia bizantina, incluindo Palamas; este reavivamento incluía teólogos gregos [3], russos [4], e romenos [5]. Todos eles tomaram por certo que o pensamento de São Gregório Palamas era a expressão legítima da tradição Ortodoxa e implicitamente criticaram a influência escolástica ocidental que era predominante nos livros textos de teologia sistemática utilizados nas várias - e recém-estabelecidas - faculdades e academias por todo o mundo Ortodoxo no século XIX.

No Ocidente, o caráter patrístico e tradicional do palamismo foi veementemente afirmado por vários autores Ortodoxos cujos escritos ainda hoje são populares. [6] Em 1958, o presente autor defendeu uma dissertação sobre Palamas em Sorbonne, utilizando os escritos ainda não publicados do teólogo bizantino. [7] Desde aquela época, as publicações acadêmicas sobre o significado histórico e doutrinário do palamismo somam centenas. [8] Muito apropriadamente, a Universidade de Tessalônica, onde Palamas tinha sido arcebispo, produziu uma equipe de estudiosos trabalhando no pensamento palamita e seus esforços resultaram na publicação dos escritos não-editados de Palamas até então. [9]

Interessantemente, porém, a antiga questão levantada por Guichardan e Jugie sobre a incompatibilidade entre palamismo e tomismo foi recentemente levantada novamente por um grupo de teólogos Católicos Romanos em uma edição do periódico francês Istina. [10] O principal ponto levantado pelos autores é que a distinção real entre essência, pessoa e energia em Deus é própria de Palamas, mas não da grande tradição dos Padres gregos e que, consequentemente, a posição tomista que nega a distinção por destruir a noção da "simplicidade" de Deus é realmente mais consistente com a católica, como expressa particularmente por Máximo, o Confessor, do que o palamismo. O argumento é feito com uma certa virulência. Os teólogos Ortodoxos contemporâneos são acusados de ter reinventado o palamismo (que de outra forma teria sido esquecido não só no Ocidente, mas também no Oriente) simplesmente porque tiveram que responder ao ataque da Jugie contra sua Igreja, mas eles não são capazes de responder aos argumentos básicos de Jugie: o palamismo, em sua afirmação da distinção entre essência e energia, revive uma concepção neoplatônica de participação em Deus, adota uma idéia falsa da transcendência de Deus, e é até acusado de mono-energismo.

O caráter bastante incisivo desses ataques contra o palamismo - mesmo que de alguma forma estejam cobertos de jargões acadêmicos e ecumênicos - contrasta fortemente com a compreensividade prevalecente e contundente da teologia Católica Romana contemporânea. Não é notável que, de todas as coisas, o palamismo provocaria tais paixões numa época em que tantos membros da Igreja Católica Romana iriam a qualquer distância para atender às preocupações de praticamente todos sob o céu? É verdade que, também do lado Ortodoxo, sentimentos fortes também são expressos neste preciso ponto. Para Christos Yannaras, por exemplo, a rejeição da deificação real (deificação implícita no palamismo) "teve como resultados inevitáveis a separação antitética rigorosa entre o transcendente e o imanente, o "banimento" de Deus para o reino do empiricamente inacessível, o divórcio esquizofrênico da fé do conhecimento, as sucessivas ondas de rebelião no homem ocidental contra os pressupostos teológicos de sua própria civilização, o rápido desvanecimento da religião no Ocidente e a aparência do niilismo e do irracionalismo como categorias existenciais fundamentais do homem ocidental." [11] Da mesma forma, ainda que mais moderado, Georges Barrois escreve: "As duas versões da soteriologia, a versão da escolástica ocidental e a versão do palamismo, são incompatíveis ... Temos que fazer uma escolha . . . ." No caso de uma opção 'ocidental', "teremos que enfrentar o múltiplo hiatus que quebra o fluxo do pensamento teológico ocidental: como passar de um deitas abstrato para o Deus vivo? Como libertar o Actus Purus, um prisioneiro de sua própria transcendência? Como fazer a ponte entre a teologia natural dos tratados De Deo Uno e o dogma da Trindade de Pessoas? Como relacionar o natural com o sobrenatural e ao mesmo tempo preservar a unidade do plano divino? Como conectar a ordem de criação e a ordem de redenção? Como articular dogmática, ética e experiência mística, individual e coletiva?"[12]

Discutindo as mesmas opções e também rejeitando a crítica ao palamismo apresentada pelos polemicistas de Istina, uma voz Católica Romana autoritativa, a de André de Halleux da Universidade de Lovaina, afirma categoricamente a consistência de Palamas com a tradição dos Pais Gregos; para ele, no entanto, as tradições orientais e ocidentais, embora conceitualmente opostas, representam no entanto duas expressões igualmente válidas do Evangelho Cristão na Una Sancta. [13]

Indubitavelmente, citações e referências poderiam ser facilmente multiplicadas, mostrando que o debate toca uma verdade básica do cristianismo: a própria natureza das relações Deus-homem. Eu me referi a estes debates recentes para mostrar que a questão permanece acesa, e que, ao discutir esta noite um de seus aspectos - o caráter trinitário da experiência cristã - não se discute uma tecnicidade teológica, mas o próprio foco da revelação cristã.


Essência, pessoas e energias em São Gregório Palamas

O pensamento de São Gregório Palamas é mais geralmente identificado por sua distinção entre essência e energia em Deus. A motivação inicial e mais decisiva que levou Palamas à formulação de sua teologia foi sua preocupação em afirmar a possibilidade e, de fato, a realidade da comunhão com o próprio Deus. Seu oponente, Barlaão o Calabrês, estava reduzindo o conhecimento de Deus ao nível de uma dialética, ou então a uma "iluminação da mente" extraordinária e irracional, no caso de experiências místicas extraordinárias. [14] No primeiro caso, os conceitos sobre Deus eram apenas racionalizações; no segundo caso - o da experiência mística - a mente humana estava adquirindo um 'estado' ("habitus criado" do latim) que a tornava receptiva à Verdade divina. Em nenhum dos dois casos havia uma verdadeira comunhão com a existência divina. Barlaão, o Calabrês, foi particularmente severo ao negar a afirmação dos monges bizantinos, conhecidos como hesicastas, de ver a própria luz divina; as visões deles, disse ele, eram na melhor das hipóteses visões de uma luz física centrada em Deus, e na pior das hipóteses alucinações demoníacas.

Para Palamas, ao contrário, a experiência dos hesicastas não era nem uma visão de apenas uma luz criada, nem mesmo uma iluminação extraordinária reservada aos místicos; ela era a própria realidade da vida divina, tornada manifesta e real nas pessoas dos santos, membros do Corpo de Cristo. Sendo divina, esta luz é 'incriada'. "Aquele que vê [escreve Palamas,] não pode distinguir nem os meios, nem o fim, nem a essência, mas só está consciente de ser luz e de ver uma luz distinta de qualquer coisa criada". [15]

No entanto, a deificação e união com Deus, acessível ao homem, não implica qualquer diminuição da transcendência absoluta de Deus. Seguindo estritamente a tradição de São Gregório de Nissa e Pseudo-Dionísio, Palamas vê a essência divina como absolutamente incomunicável às criaturas e a experiência da alteridade de Deus, de Sua transcendência, como um aspecto essencial e paradoxalmente positivo da visão dada aos santos: "Na própria visão espiritual, a luz transcendente de Deus aparece apenas mais completamente escondida." [16] A distinção real entre a essência transcendente de Deus e as energias incriadas através das quais Ele se comunica às criaturas é a forma palamita de afirmar que tanto a transcendência quanto a comunhão são reais.  Deus é totalmente transcendente e incognoscível em Sua essência, mas revela e comunica a Si mesmo em Suas energias.

Esta distinção bem conhecida - que é vista como o conceito básico palamita - só é totalmente compreensível quando é vista no âmbito de uma estrutura pessoa-energia. Uma discussão do palamismo que ignora o fato de que o Deus de Palamas é um Deus pessoal e trinitário inevitavelmente levará a um beco sem saída.

Repetidamente nos escritos de São Gregório Palamas encontra-se a expressão que as energias divinas - ou a luz incriada - são 'hipostáticas' (υποστατικόνφως) [17] ou 'en-hipostáticas' (ενυπόστατον). [18] Na maioria das vezes, esta expressão ocorre em citações tomadas dos escritos de Pseudo-Macário, um escritor espiritual particularmente apreciado pelos hesicastas bizantinos por causa de sua doutrina deificação, que ele vê como um encontro consciente com o Deus vivo. Refere-se frequentemente à concretude e realidade da visão da luz.  Afirma simplesmente que 'hipostática' no sentido de 'substancial', que não é um conceito da mente, nem um produto da imaginação do homem, nem um fantasma criado. Barlaão, o Calabrês, estava ciente deste uso e se indignou com isso. Ele também interpretou isso como significando que a luz divina, vista pelos hesicastas, é uma pessoa distinta de Deus: "Eles afirmam ver [ele escreveu,] uma luz inteligível e imaterial, existindo em sua própria hipóstase". [19] E de fato, a palavra hipóstase, cujo significado aristotélico original certamente se refere a nada mais do que 'substância' ou 'realidade', adquiriu na teologia cristã o significado indelével de 'pessoa'. Este significado, firmemente estabelecido durante as controvérsias trinitárias e cristológicas dos séculos IV, V e VI, foi certamente e inevitavelmente implicado também nos debates teológicos em Bizâncio no século XIV. Palamas, naturalmente, negou a acusação de Barlaão segundo a qual os hesicastas viam na luz incriada uma hipóstase separada: "[A vida divina] é 'enhipostasiada' não porque possui uma hipóstase própria (ένυπόστατός γε μήν, ούχ ώς αύθυπdστατος), mas na medida em que o Espírito a envia de uma hipóstase para outra, é nesta última que ela pode ser vista". [20] O que este texto implica é que a graça da salvação e da deificação é a própria vida divina que pertence propriamente - naturalmente - às Pessoas da Trindade, mas que também é concedida à hipóstase humana na unidade do Corpo de Cristo. Em última análise, o Reino de Deus é uma comunhão interpessoal.  Nas palavras de um pesquisador recente sobre este ponto particular do pensamento de Palamas: "O conceito de energia enhipostasiada, ou personalizada, permitiu Gregório afirmar que a atividade incriada e eterna que flui da essência divina é possuída, utilizada e manifestada pelas pessoas divinas e pode ser comunicada a nossas pessoas para que tenhamos uma comunhão pessoal com Deus sem uma mistura das naturezas divina e humana". [21]

Na realidade, a distinção entre essência e energia em Deus seria totalmente impossível se não tivermos um conceito claro das hipóstases em Deus. A energia é de fato distinta da essência e 'causada' por ela. Ela está, em certo sentido, 'enraizada' na essência. Mas é somente porque Deus é pessoal que Sua existência não está limitada à essência, mas está realmente presente na criação através de Suas energias, ou atos.

A encarnação do Verbo é a chave básica para a compreensão do problema. O Verbo, ou seja, uma hipóstase única e divina, se fez carne e assumiu a natureza humana. No nível desta única hipóstase, Deus se fez homem, experimentou crescimento, mudança, desenvolvimento e, por fim, morreu na cruz. Em sua natureza divina, Deus não muda. Não há Nele nenhum 'devir' e certamente nenhuma morte. Mas, ao assumir a natureza humana, a hipóstase do Logos tornou-se o sujeito dessas mudanças e experiências humanas, incluindo a própria morte.  Deus não permaneceu afastado em Sua transcendência, mas "amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito". Ele não permaneceu restrito pelos atributos e propriedades de sua essência - imutabilidade, incorruptibilidade, simplicidade, etc. - mas pessoalmente mudou, morreu e assumiu a complexidade envolvida na vida histórica individual de um homem. É no nível de Sua pessoalidade, ou hipóstase (não Sua natureza divina imutável) que o Logos aceitou a kenosis, o auto-esvaziamento envolvido ao tomar a 'forma de um servo'.

Entretanto, precisamente porque Ele permaneceu imutável em Sua natureza divina, o Logos tornou-se para nós a fonte daquelas energias que nos dão imortalidade, que nos salvam da corrupção e que comunicam à natureza humana criada aquelas propriedades (ou energias) que naturalmente pertencem somente a Deus. Estas energias divinas não são a essência divina porque, mesmo em Cristo, as criaturas não podem compartilhar a essência de Deus, mas elas são manifestações reais, incriadas, daquilo que é propriamente de Deus, e em Cristo se torna também nosso. Mudando em Sua pessoa, o Logos nos concede a vida imutável própria Dele como Deus.

Não vamos multiplicar aqui citações dos escritos de Palamas, que refletem esta visão da Encarnação como a chave para a compreensão de sua doutrina da hipóstase e das energias. [22] É nesta visão geral, herdada em seus princípios básicos da teologia bizantina pós-Calcedônia e de São Máximo o Confessor, que a verdadeira dimensão da noção de hipóstase se torna aparente. Como o jovem teólogo grego Christos Yannaras demonstrou recentemente em um livro bastante notável, [23] a verdadeira existência ontológica da pessoalidade é revelada através de um extasis auto-esvaziante em direção ao outro. As energias divinas representam a existência de Deus, Seu amor transbordante fora de Sua essência, isto é, na criação. Elas são, portanto e de forma muito proeminente, a manifestação de Deus como três Pessoas, ou hipóstases.  "Não pense [escreve São Gregório Palamas] que Deus Se deixa ver em Sua essência supra-essencial, mas sim de acordo com Seu dom deificante e de acordo com Sua energia, de acordo com a graça da adoção, a deificação incriada, a iluminação enhipostasiada." [24] Mas se o ser de Deus, como três Pessoas, se revela ad extra através das energias, como existência em direção aos outros, ele também é expressado na vida interna de Deus pelas relações das três Pessoas divinas em direção umas às outras. Portanto, a doutrina das energias incriadas não é apenas uma manifestação do ser pessoal de Deus ad extra. Ela seria impossível e sem sentido se Deus não fosse Amor em Si mesmo, se Ele não fosse Trindade

Deus, como Trindade 

No início deste artigo mencionamos a oposição tradicional entre o esquema patrístico trinitário grego e o ocidental, associado a Santo Agostinho. De acordo com esse esquema, os Pais gregos eram fundamentalmente personalistas, ao passo que a concepção de Santo Agostinho era baseada sobre - e limitada por - uma visão essencialista de Deus, na qual as distinções entre as Pessoas eram identificadas com 'relações'. Este esquema, entretanto, foi recentemente desafiado no âmbito de um renascimento do antipalamismo iniciado pelo grupo de dominicanos franceses cujas obras também mencionamos anteriormente.  [25] De acordo com esse grupo de teólogos, os Pais Capadócios, e não Santo Agostinho, são na verdade culpados de "essencialismo". Eles são os que abandonaram o esquema trinitário herdado do Novo Testamento e da tradição pré-nicena. Este esquema original não conhecia distinção entre a Trindade 'essencial' e a Trindade 'econômica'; a 'ordem' entre o Pai, o Filho e o Espírito é plenamente manifestada na missão do Filho e do Espírito; o Filho e o Espírito são, portanto, as verdadeiras 'energias' de Deus.

Os Capadócios, por sua vez, dominados por sua preocupação com o homoousios niceno, substituíram a antiga 'ordem' das pessoas pelo princípio abstrato de uma Trindade de pessoas iguais, agindo através de uma energia única e comum, procedendo de sua essência comum e transcendente. O palamismo foi então um resultado natural do pensamento Capadócio com sua doutrina das energias causadas pela essência comum. Santo Agostinho, por sua vez, longe de encorajar a abordagem essencialista e filosófica do mistério trinitário, pelo contrário, restaurou, com sua famosa analogia psicológica, algum personalismo na teologia trinitária: a alma humana reflete a vida intrapessoal de Deus, e não existe mais uma lacuna absoluta entre a Trindade em Si mesma e Sua ação na criação.

Esta abordagem totalmente nova do problema trinitário, como surge no Oriente e no Ocidente e é formulada por teólogos Ortodoxos e Católicos Romanos, está longe de receber aceitação universal. [26] Pessoalmente, acredito que os teólogos Ortodoxos deveriam levar a sério suas críticas no caso de Santo Agostinho. No pensamento trinitário de Santo Agostinho existe sem dúvida uma tensão entre o essencialismo filosófico e o personalismo de sua própria - e da Igreja - experiência religiosa. Mas a crítica ao esquema trinitário Capadócio e ao palamismo, como sua sequência inevitável, se baseia em uma incompreensão da pessoalidade divina tal como é expressa em Palamas e no grande pensamento patrístico em geral. Pode haver alguma verdade na afirmação de que os Pais Capadócios - particularmente São Gregório de Nazianzo - em sua preocupação preponderante por uma definição correta da divindade essencial para cada uma das três hipóstases, nem sempre foram consistentes em suas definições do conceito de essência-energia, mas a ênfase deles muito clara quanto à identidade hipostática de cada Pessoa divina é bastante óbvia. [27] Não foram eles acusados de triteísmo por causa disso?

No pensamento de São Gregório Palamas, em todo caso, há de fato um equilíbrio na formulação do ser de Deus como tanto pessoal (tri-hipostático) quanto ativo ('enérgico'). 

Desde a época dos Capadócios, o pensamento patrístico adotou a díada aristotélica natureza-energia. Em outras palavras, a natureza divina (ou essência) é vista como a origem e causa da ação divina. Assim, a propriedade de ser o Criador - e não uma criatura - pertence a Deus em Sua natureza única, comum às três Pessoas divinas. A criação do mundo é um ato da Trindade, não um ato de uma das Pessoas. Da mesma forma, a díada natureza-energia é consistentemente aplicada à cristologia por São Máximo, o Confessor: Cristo tem duas naturezas e duas energias, ou vontades, porque a energia expressa a existência da natureza e Cristo não seria Deus e homem se não tivesse possuído tanto energias divinas quanto energias humanas.

No entanto, particularmente em Palamas, a díada aristotélica natureza-energia não é vista como inteiramente adequada, ou suficiente para expressar o ser de Deus precisamente, porque a ação divina, ou energia, não é simplesmente "causada" pela essência divina, mas é também um ato pessoal. Assim, o ser de Deus é expresso na teologia palamita pela tríade essência-hipóstase-energia.

A síntese encontrada nos escritos de São Gregório Palamas foi na realidade preparada muito antes do século XIV, não apenas pelos Pais Capadócios e São Máximo o Confessor, mas também por alguns dos debates que aconteceram na Bizâncio no século XII. Nos concílios realizados em 1156 e 1157 o teólogo Sotirichos Pauteugenos foi condenado porque considerou que o sacrifício da Eucaristia é oferecido ao Pai somente; e não à Santíssima Trindade. A decisão deste concílio pode aparecer superficialmente como um caso extremo de 'essencialismo'. Pode parecer que elimina o fato óbvio de que a oração eucarística é sempre - e sempre foi - dirigida ao Pai. Na realidade, porém, a decisão afirma de forma extraordinariamente clara a doutrina da hipóstase, o mistério da pessoalidade de Cristo.

Como proclama a oração de ofertório bizantina, dirigida a Cristo: "Tu és a oferenda e o ofertado, o receptor e o recebido". A mesma idéia também é encontrada em um hino pascal: "Ó Cristo indescritível! Tu preencheste todas as coisas: no túmulo corporalmente, no Hades com Tua alma enquanto Deus; no Paraíso com o ladrão, e no trono com o Pai e o Espírito Santo." [28] A hipóstase do Logos, através da qual a vida divina se abre à criação, adquire o caráter da humanidade para além de suas propriedades divinas naturais, e assim - nesta abertura pessoal - se torna a fonte da vida, deificação e comunhão divina para a humanidade e todo o cosmos.  O sacrifício eucarístico é sempre aceitável para o Pai, porque o Filho está tanto do lado que recebe como do que oferece e porque o Espírito habita eternamente no Filho.

É, portanto, bastante apropriado descrever as energias como originando na natureza divina, mas a natureza divina é tri-hipostática, e a energia se manifesta sempre pessoalmente: "Do Pai através do Filho no Espírito". [29] Na manifestação e revelação de Deus às criaturas, não é um Deus impessoal, uma Essência divina, que é revelado através das energias, mas as Três Pessoas divinas em sua  co-inerência (περιχώρησις), isto é, em sua existência sempre mútua, sem a qual a Trindade cristã seria de fato uma forma de politeísmo. [30] Esta "mutualidade" e esta "co-inerência" é tão total e transcendentemente perfeita que as Três Pessoas são de fato um só Deus. "Pai [escreve Palamas] é a designação própria de uma única hipóstase, mas manifesta-se em todas as energias... E o mesmo se aplica às designações Filho e Espírito... Assim, uma vez que Deus em Sua plenitude está totalmente encarnado, Ele uniu-se imutavelmente a toda a humanidade ... a natureza divina e todo seu poder e energia em uma das hipóstases divinas. Assim também, através de cada uma de Suas energias o homem participa na totalidade de Deus... o Pai, o Filho e o Espírito Santo." [31]

Enquanto mantém esta unidade de essência, sua absoluta transcendência e incomunicabilidade, Palamas localiza a "abertura" de Deus, o sujeito de Suas ações na criação, redenção, santificação e transfiguração do mundo na Pessoalidade do Pai, do Filho e do Espírito. Nenhuma das energias manifesta Uma das Pessoas com exclusão das Outras (por causa de sua unidade consubstancial e de sua moeda pessoal), mas cada uma revela o envolvimento pessoal das Três.  Isto não significa, entretanto, que certas ações de Deus não sejam mais propriamente e mais pessoalmente hipostáticas - por exemplo, ações do Espírito Santo - mas estas energias são revelações do Único Deus e conduzem as criaturas à comunhão Trinitária. [32] "Vemos a realização de cada uma das três pessoas, [escreve Palamas] do Pai, do Filho e do Espírito Santo; mas toda a criação é uma só obra das três." [33]

O milagre de Pentecostes é, talvez, o único caso da relação entre a Pessoa divina e as energias, que é discutido com mais frequência nos escritos palamitas. Em Pentecostes não houve encarnação da hipóstase do Espírito; também não houve comunicação da essência de Deus aos homens. Mas a energia de Deus, revelando o papel particular e pessoal do Espírito na economia da salvação, foi manifestada no mundo, uma energia que Palamas vê como procedente eternamente do Pai através do Filho.

Se examinarmos a teologia palamita com o interesse de compará-la ao trinitarismo latino, não podemos evitar mencionar uma passagem onde Palamas, ao descrever o mistério trinitário, usa uma analogia psicológica obviamente similar ao famoso modelo psicológico de Santo Agostinho. "O Espírito do Verbo supremo [ele escreve] é como um amor misterioso (οίον τις ερως) do Pai para com o Verbo misteriosamente gerado; e foi o mesmo amor que o Verbo e Filho amado do Pai tem por aquele que o gerou. Este amor vem do Pai junto com o Filho e naturalmente repousa sobre o Filho". [34]

Quer Palamas estivesse ou não familiarizado com o modelo psicológico de Santo Agostinho, é claro que o contexto geral do pensamento trinitário palamita é muito diferente daquele do Ocidente latino.  Para Palamas, o modelo psicológico poderia ter apenas um significado casual e, nas próprias passagens em que ocorre, está entrelaçado com a analogia patrística muito comum de verbo-sopro. Claramente, para Palamas, figuras e expressões deste tipo têm apenas um significado muito subsidiário na expressão da co-inerência (περιχώρησις) das Pessoas divinas. Elas também são obviamente baseadas na doutrina da imagem de Deus no homem, permitindo uma possibilidade cautelosamente limitada de falar de Deus a partir da analogia do homem. Mas o modelo psicológico usado por Palamas para descrever as relações hipostáticas da Trindade também mostra que é incorreto atribuir aos Pais Capadócios ou aos palamitas a admissão de uma lacuna total entre 'teologia' e 'economia', pois a ordem e a co-inerência das Pessoas divinas são manifestadas nas energias. [35] Entre 'teologia' e 'economia' não há nenhuma 'lacuna', mas há certamente uma distinção real sem a qual a Essência de Deus se tornaria imanente à ordem criada. Neste ponto, descobre-se provavelmente a diferença real e última entre o palamismo e a tradição latina que culminou no tomismo. [36]

Quanto ao modelo psicológico utilizado pela Palamas, ele se baseia no conceito de hipóstase que já descrevemos anteriormente: A pessoalidade de Deus se manifesta na auto-abertura, na auto-revelação, no amor ao Outro. É isto que são as "energias" em relação à criação. Mas é também o que elas são eternamente no eterno "Concílio da Trindade" que transcende a criação e do qual o homem descobre um vislumbre ao contemplar a imagem de Deus encontrada em seu próprio ser. [37] Se Palamas realmente tomou emprestada a imagem psicológica a partir dos escritos de Santo Agostinho que poderiam ter-lhe sido acessíveis, isto só mostraria sua preocupação cristã com a construção de pontes, seu desejo de não limitar suas críticas ao filioque latino a argumentos puramente negativos, mas também de encontrar a experiência religiosa comum que, apesar de todas as diferenças, continua a unir os santos do Oriente e do Ocidente.

Conclusão

A discussão dos problemas que surgem na teologia trinitária ao longo dos séculos envolve inevitavelmente aspectos técnicos nos quais apenas os especialistas encontram sentido e substância. A tarefa da teologia hoje, no entanto, é poder expressar para o benefício de toda a Igreja e do mundo que está sedento por um testemunho cristão articulado e autêntico, a verdadeira doutrina de Deus.

A maior dificuldade que enfrentamos a este respeito, particularmente na América, é a predominância - em todos os níveis da vida religiosa - de uma espécie de deísmo vago, que quase automaticamente relega a Trindade para o reino da especulação pura.  Deus, se Ele existe, é o Único Pai Celestial. Ele não é a Trindade de Pessoas, transcendente em Sua essência, mas revelando-se como Amor, como o Modelo das relações entre os seres humanos, como o Protótipo não apenas do homem individual, mas também do homem e da mulher em suas responsabilidades pessoais e sociais, como a Fonte da deificação, como o Modelo da Igreja. Ele pode ser tudo isso apenas como Trindade.

É minha convicção que desde os escritos do Novo Testamento, ao longo de toda a tradição patrística (particularmente bem consagrada na liturgia da Igreja) e passando por Palamas e seus sucessores, encontra-se uma experiência consistente da Trindade.

Nossa tarefa hoje não consiste simplesmente em repetir fórmulas patrísticas, mas em desenvolver um trinitarismo cristão também consistente com essa Tradição enquanto enfrentamos os desafios de nosso tempo. Não há como entender a pessoalidade humana sem referi-la a seu modelo divino. Não há como realizar a conciliaridade sem lembrar que a Igreja é uma 'comunidade de deificação' (κοινωνία θεώσεως). Os Pais certamente não esgotaram em seus escritos todas as potencialidades e implicações da teologia. Mas quanto mais se penetra na profundidade da experiência deles do Deus Trino, mais implicações se descobre para a solução de nossos próprios problemas.

Oriente e Ocidente adotaram frequentemente soluções divergentes tanto na teologia quanto na prática. Não tenho dúvida de que algumas dessas divergências estão enraizadas em diferenças na doutrina da Trindade. No entanto, uma vez que, como Ortodoxos e Católicos Romanos, ambos nos identificamos com a tradição patrística antiga, acredito que ela deve nos ajudar decisivamente a encontrar maneiras de confessar nossa responsabilidade comum pela fé trinitária cristã no mundo secular contemporâneo.

Capítulo do livro Trinitarian Theology East and West por Michael A. Fahey e John Meyendorff

Notas

1. Le probleme de la simplicite divine en Orient et en Occident aux ΧIVe et XVe siecle: Gregoire Palamas, Duns Scot, Georges Scholarios (Lyon, 1933).
2. Veja particularmente Palamite (Controverse) em Vacant-Mangenot, Dictionnaire de theologie catholique, ΧI, cols. 1735-1776; e Theologia Dogmatica Christianorum, Orientalium ab Ecclesia Catholica dissidentium, I(Paris, 1926), 436-451; II (Paris, 1933), 47-183.
3. G. Papamikhael, Ο ΑΓΙΟΣ ΓΡΗΓΟΡΙΟΣ Ο ΠΑΛΑΜΑΣ (St. Petersburg, Alexandria, 1911).
4. Aleksii, Vizantiiskie tserkovny e mistiki XIV-go veka (Kazan, 1906).
5. D. Stanilaae, Viatsa si invatsatura sf. Grigorie Palama (Sibiu, 1938).
6. Veja particularmente Basil Krivocheine, "The Ascetic and Theological Teaching of St. Gregory Palamas," The Eastern Churches Quarterly 3 (1938-1939); V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (Crestwood, New York: St. Vladimir's Press, 1976; publicado primeiro em francês em 1944).
7. J. Meyendorff, lntroduction à l'etude de Gregoire Palamas (Paris, 1959), [Tradução para inglês, Α Study of Gregory Palamas (London, 1964; second edition, 1974) ] ; cf. também pelo mesmo autor, Gregoire Palamas: Defense des saints hesychastes, 2. vols. (Louvain, 1959; second edition, 1975).
8. Cf. D. Stiernon, "Bulletin sur le palamisme," Revue des etudes byzantines 30 (1972) 231-337; esta revisão bibliográfica da literatura sobre palamismo entre 1959 e 1972 inclui 303 títulos.
9. ΠΑΛΑΜΑ ΣΥΓΓΡΑΜΜΑΤΑ, I-III, (Thessalonike, 1962-1970).
10. Νο. 3 (Ju illet-Septembre 1974); artigos por J. Ph. Houdret, "Palamas et les Cappadociens"; J. Μ. Garrigues, "L'energie divine et la grace chez Maxime le Confesseur"; J. S. Nadel, "La critique par Akindynos de l'herme­neutique patristique de Palamas"; e Μ. J. Le Guillou, "Lumiere et charite dans la doctrine palamite de la divinisation."
11. "The Distinction Between Essence and Energies and its lmportance for Theology," St. Vladimir's Theological Quarterly 19.4 (1975), 244.
12. "Palamism Revisited," ibid., p. 229.
13. "Palamisme et scholastique," Revue theologique de Louvain 4 (1973) 409-422; "Palamisme et Tradition," Irenikon 48.4 (1975) 479-93.
14. Sobre o pensamento de Barlaão veja, pelo presente autor, Α Study of Gregory Palamas (Londres e Nova Iorque, 1974, segunda edição), pp. 116ff.; e Byzantine Hesychasm: Historical, Theological and Social Problems (London, 1974) V, 905-14.
15. Tr. 11, 3, 36; J. Meyendorff (ed.), Gregoire Palamas: Defense des saints hesychastes. Introduction, texte critique, traduction et notes, 11 (seconde edition, Louvain, 1973) [Spicilegium Sacrum Lovaniense, 31], 461.
16. Ibid., II.3.31, p. 449.
17. Ibid., I.3.7, p. 123.;
18. Ibid., III.1.18, pp. 591-93.
19. Citado em Palamas, ibid., II.3.6, p. 396.
20. Ibid., III.1.9, p. 573.
21. Μ. Edmund Hussey, "The Persons-Energy Structure in the Theology of St. Gregory Palamas," St. Vladimir's Theological Quarterly 18.1 (1974) 27.
22.  cf. nosso Study of Gregory Palamas, particularmente o capítulo sobre "Christ and deified humanity," pp. 157-84.
23. ΤΟ ΠΡΌΣΩΠΟ ΚΑΙ Ο ΕΡΩΣ (Pessoa e Eros), Athens, 1976.
24. Triads III.1.29; ibid., p. 613.
25. Veja particularmente Μ. J. Le Guillou, Ο.Ρ., Le mystère du Père (Paris, 1973); também J. Μ. Garrigues, "Procession et ekporese du Saint Esprit," Istina 17 (1972) 345-66.
26. Cf. particularmente a crítica de Α. de Halleux, 'Όrthodoxie et Catholicisme: du personnalisme en pneumatologie," Revue theologique de Louvain 6 (1975) fasc 1, 3-30.
27. Cf. nosso próprio estudo "La procession du Saint Esprit chez les Pères orien­taux," Russie et Chretienté 3-4 (1950) 158-78.
28. Sobre os debates em torno dos ensinamentos de Sotirichos, veja nosso Byzantine Theology: Historical Trends and Doctrinal Themes (New York: Fordham Uni­versity Press, 1976), pp. 187-88; também Christ in Eastern Christian Thought (New York: St. Vladimir's Seminary Press, 1975), pp. 197-99. 
29. Cf. uma boa apresentação deste ponto em Μ. Edmund Hussey, pp. 28-43. 
30. O termo περιχώρησις usado por São Máximo o Confessor para descrever a relação entre a natureza divina e a natureza humana de Cristo é também aplicado às relações interpessoais das Pessoas divinas em São João de Damasco e, é claro, em Palamas; veja G. L. Prestige, God in Patristic Thought (London, 1952), pp. 257-60; cf. também nosso Byzantine Theology, pp. 185-86.
31. Antirrhetics against Akindynos 5, 27; ed. Khrestou, ΠΑΛΑΜΑ ΣΥΓΓΡΑΜΜΑΤΑ, III (Thessalonike, 1970), 373.
32. Sobre este ponto, veja particularmente Αμφιλόχιος Ράντοβιτς, ΤΟ ΜΥΣΤΗΡΙΟΝ ΤΗΣ ΑΓΙΑΣ ΤΡΙΑΔΟΣ ΚΑΤΑ ΤΟΝ ΑΓΙΟΝ ΓΡΗΓΟΡΙΟΝ ΠΑΛΑΜΑΝ (Thessalonike, 1973), pp. 119-26; 201-13.
33. Cap. Phys. 112; Migne, Patrologia graeca 150, col. 1197.
34. Cap. Phys. 36, PG 150, col. 1144D - 1145Α. Uma tradução completa em inglês do Capp. Phys. 35-37, e um comentário muito pertinente pode ser encontrado em Μ. Edmund Hussey, "The Palamite Trinitarian Models," St. Vladimir's Theo­logical Quarterly 16.2 (1972) 83-89.
35. Μ . J. Le Guillou, que, como vimos acima, considera que a admissão da "lacuna" é a principal deficiência da teologia Capadócia (e do palamismo), atribui a Palamas uma redescoberta do trinitarismo pré-niceno, que existe também (segundo Le Guiliou) em Agostinho. Sua prova é precisamente o Cap. Phys. 37 com seu modelo psicológico (Le mystère du Père, pp. 105-106). Não nos parece, entretanto, que tal "redescoberta" fosse necessária, pois a doutrina das energias pressupõe sempre a revelação do ser hipostático de Deus.
36. A melhor e mais objetiva tentativa de comparar as duas posições foi realizada pelo Cardeal Journet em uma longa resenha do meu livro sobre Palamas, "Palamisme et thomisme. Α propos d'un livre recente", Revue thomiste 60 (1960) 430-53.
37. Cf. Α. Ράντοβιτς, pp.170-71.

sábado, 7 de novembro de 2020

Resposta oficial da Ortodoxia ao Calvinismo - A Confissão de Dositheus (1673)

A Igreja Ortodoxa formulou duas grandes respostas à Reforma Protestante. A primeira resposta foi ao Luteranismo quando os teólogos luteranos de Tübingen e o Patriarca Jeremias II de Constantinopla trocaram cartas de 1573 a 1581.  A troca de cartas terminou em um impasse devido a diferenças teológicas irreconciliáveis. Veja "Diálogo Luterano Ortodoxo no Século XVI". A segunda resposta foi à tradição Reformada quase um século depois, em 1672, quando um sínodo de bispos se reuniu em Jerusalém para responder à Confissão Calvinística de Cirilo Lucaris de 1629. O concílio rejeitou categoricamente a Teologia Reformada e redigiu uma declaração formal conhecida como a Confissão de Dositheus. Ela logo adquiriu o status de ser a posição definitiva da Ortodoxia sobre a Teologia Reformada.

Neste artigo, examinarei a Confissão de Dositheus para entender por que o Calvinismo foi rejeitado e a razão para estas rejeições. O Sínodo de Jerusalém elaborou longas respostas a três questões: (1) sola scriptura, (2) dupla predestinação, e (3) ícones e orações aos santos. Além disso, elaborou respostas mais curtas: (1) sola fide, (2) governo da igreja, (3) os sacramentos, e (4) orações pelos mortos. Para ajudar o leitor, algumas partes dos trechos citados foram enfatizadas.

Cirilo Lucaris

Cirilo Lucaris (1572-1638) nasceu em Creta, que na época estava ocupada pela República de Veneza. Sua formação foi muito abrangente. Ele estudou em Veneza, Pádua, Wittenberg e Genebra, onde encontrou a fé reformada. Durante um breve período de tempo foi professor na Academia Ortodoxa de Vilnus, Lituânia. Ele foi ordenado sacerdote sob o patriarcado de Alexandria. Mais tarde ele serviu como Patriarca de Alexandria de 1601 a 1620. Depois, de 1620 até sua morte em 1638, serviu como Patriarca de Constantinopla. O período de Cirilo como Patriarca de Constantinopla foi tumultuoso, marcado por ter sido deposto e reeleito várias vezes para o patriarcado. Seu mandato instável reflete as intrigas do domínio turco e os esforços do Catolicismo Romano para expandir sua influência na Rússia e no Império Otomano. Em 1638, o Sultão ordenou a execução de Cirilo por medo de que ele incitasse os cossacos contra ele.

Cirilo Lucaris

A Confissão de Cirilo

Em 1629, a Confissão de Cirilo foi publicada em latim em Genebra. Nos anos seguintes, ela viria a ser traduzida para o francês, o alemão e o inglês. A Confissão de Cirilo gerou considerável controvérsia entre os Ortodoxos. Entre 1638 e 1691, seis concílios locais a condenaram (Ware p. 96). Em 1638, um sínodo em Constantinopla declarou: "Anátema a Cirilo, o novo ímpio iconoclasta!" (Pelikan p. 285) A adesão de Cirilo ao Calvinismo pode ser atribuída a três fatores: (1) o atrativo da teologia reformada, (2) a falta de precisão até então em certos pontos da teologia Ortodoxa (Pelikan p. 283), e (3) a vantagem de conseguir apoio dos Protestantes contra o Catolicismo Romano.

A Confissão de Cirilo também foi controversa de outras formas. Havia quem acreditasse que a Confissão de Cirilo foi uma falsificação. Deve-se notar, entretanto, que a Confissão estava em circulação há cerca de nove anos antes da morte de Cirilo, em 1638. Além disso, não há evidência de Cirilo ter repudiado sua Confissão por escrito. Em seu favor estava o fato de que Cirilo não foi deposto por um sínodo de bispos, mas pelo sultão turco.

Uma avaliação recente sobre Cirilo Lucaris pode ser encontrada no livro Rock and Sand do Pe. Josiah Trenham (2015). Como graduado do Seminário Westminster (Escondido, CA), Seminário Teológico Reformado (Jackson, MS; Orlando, FL), e tendo recebido seu doutorado sob a supervisão de Andrew Louth na Universidade de Durham, Inglaterra, o Pe. Josiah está em boa posição para avaliar a controvérsia sobre as inclinações teológicas de Cirilo Lucaris. Ele escreveu:

Os historiadores têm divergido quanto à autenticidade desta confissão, alguns afirmando a autoria de Lucaris, e outros observando que temos um grande corpo de livros e cartas do Patriarca em que ele não defende posições calvinistas e é um defensor da Santa Ortodoxia. Não há dúvida de que os jesuítas estavam procurando prejudicar Lucaris e rotulá-lo como um Calvinista e um traidor da Sagrada Ortodoxia de modo que sua corajosa oposição às intrigas latinas fosse enfraquecida... Embora se diga que o Patriarca Lucaris tenha repudiado oralmente a autoria da Confissão em várias ocasiões, isto nunca foi feito por escrito.

Há uma certa ambivalência quanto ao status póstumo de Cirilo na Ortodoxia. O Patriarcado de Alexandria o reconheceu como santo e mártir, mas as outras jurisdições Ortodoxas ainda não aceitaram este julgamento sobre Cirilo. Encontrei várias tentativas complicadas de provar que Cirilo foi falsamente acusado de ser um Protestante. À luz da ausência de provas de que a Confissão de Cirilo foi uma falsificação juntamente com a ausência de qualquer prova de que Cirilo tenha negado a Confissão, inclino-me no sentido da Confissão de Cirilo de 1629 como uma prova genuína de que Cirilo adotou a fé Reformada. Também acho digno de nota que dois proeminentes estudiosos - o metropolita Kallistos Ware e o professor de Yale Jaroslav Pelikan - assumiram Cirilo como o autor da Confissão de 1629. Entretanto, o foco principal deste artigo será a resposta do Sínodo 1672 à teologia Reformada, e não o status das crenças de Cirilo Lucaris.

A Confissão de Dositheus

O Sínodo de Jerusalém foi convocado em 1672 para responder à controvérsia gerada pela Confissão de Cirilo. Ele se reuniu 108 anos após a morte de Calvino e não muito depois da tradição Reformada ter elaborado duas grandes declarações doutrinárias: os Cânones de Dort (1619) e a Confissão de Westminster (1646). Em outras palavras, o Sínodo estava se dirigindo ao Calvinismo em uma época em que ele havia atingido uma expressão madura. O Sínodo de Jerusalém publicou a Confissão de Dositheus que condenava explicitamente os ensinamentos de João Calvino. O documento recebeu seu nome a partir de Dositheus Notaras, o Patriarca de Jerusalém que presidiu o Sínodo.

A Confissão de Dositheus consiste em: um parágrafo inicial, dezoito decretos, quatro questões, e um epílogo. A Confissão em termos claros denunciou João Calvino e a tradição Reformada. 

. . mas seria a Igreja dos perversos {Psalm 25:5} como é óbvio que é sem dúvida a igreja dos hereges, e especialmente a de Calvino, que não têm vergonha de aprender com a Igreja, e depois repudiá-la de forma ímpia. (Decreto 2; Leith p. 487)

Aqui o sínodo Ortodoxo reconheceu a familiaridade de Calvino com os Pais da Igreja e depois o criticou por ter abandonado o consenso patrístico. Ainda mais marcante é a linguagem forte usada para descrever a tradição Reformada como a "igreja dos hereges". Também é notável a especificidade da linguagem do documento.  Cirilo Lucaris é mencionado pelo nome três vezes: no Decreto 10 (Leith p. 492), Questão 4 (Leith p. 515) e no Epílogo (Leith p. 516). Calvino é mencionado pelo nome uma vez no Decreto 2 (Leith p. 487), e os Calvinistas duas vezes: no Decreto 10 (Leith p. 492) e na Questão 4 (Leith p. 513).

Sola Scriptura

Protestantes Conservadores e Evangélicos ficarão felizes ao descobrir que no Decreto 2, a Igreja Ortodoxa afirma a inspiração divina e a infalibilidade da Escritura. No entanto, eles descobrirão que o Sínodo repudiou o princípio Protestante da sola scriptura (somente a Bíblia), insistindo que a Bíblia deve ser entendida à luz de como a Igreja interpretou a Bíblia.
Cremos que as Escrituras Divinas e Sagradas são ensinadas por Deus; e, portanto, devemos crer na mesma sem duvidar; no entanto, não de forma diferente daquela que a Igreja Católica tem interpretado e entregue a mesma. (Leith p. 486)

O Sínodo advertiu que sem a autoridade de ensino da Igreja, as consequências serão homens interpretando a Bíblia a partir de sua própria perspectiva, abrindo assim o caminho para a heresia, a fragmentação teológica e o denominacionalismo.

Pois [caso aceitássemos as Escrituras] de outra forma, cada homem mantendo a cada dia um sentido diferente a respeito delas, a Igreja Católica [isto é, a Igreja Ortodoxa] não permaneceria, pela graça de Cristo, como Igreja até os dias de hoje, mantendo a mesma doutrina de fé, e sempre crendo de forma idêntica e firme. Mas, ao contrário, ela ficaria dividida em inumeráveis partidos, e sujeita a heresias.  (Leith p. 486) 

Como mencionado anteriormente, os Protestantes conservadores e Evangélicos ficarão felizes ao saber que a Ortodoxia afirma a infalibilidade da Escritura. Entretanto, eles precisarão se esforçar para lidar com a afirmação de que, assim como o Espírito Santo inspirou a Bíblia, assim também Ele inspirou a Igreja. A frase final do Decreto 2 afirma que tanto a Bíblia quanto a Igreja Ortodoxa são infalíveis.

. . é impossível que ela [a Igreja] erre de qualquer maneira, ou que engane, ou seja enganada; mas tal como as Sagradas Escrituras, ela é infalível, e tem autoridade perpétua.

Ao contrário do Catolicismo Romano que situa a infalibilidade no papado, a Ortodoxia entende que a infalibilidade é o resultado do Espírito Santo guiando toda a Igreja Ortodoxa para a verdade (veja João 16:13). O magisterium (autoridade de ensino) da Igreja Ortodoxa é estruturado pela Santa Tradição, por exemplo, o Credo Niceno, os Sete Concílios Ecumênicos, a Divina Liturgia, os Pais da Igreja, etc. O Decreto 12 explica com mais detalhes como o Espírito Santo através dos Pais da Igreja mantém a Igreja Ortodoxa livre de erros. (Leith p. 496) 

O Sínodo encorajou todos os cristãos Ortodoxos a ouvir a Bíblia, uma referência à leitura das Escrituras durante a Liturgia. Entretanto, na Questão 1, desencorajou a leitura privada da Escritura, a menos que alguém tivesse sido devidamente treinado na interpretação e significado das Escrituras. (Leith pp. 506-507) A Questão 2 refuta a doutrina Protestante da perspicuidade das Escrituras, afirmando que certas partes das Escrituras são difíceis de entender. (Leith p. 507) Na Questão 3, a canonicidade dos livros deuterocanônicos (também conhecidos como Apócrifos) - os quais muitos Protestantes não reconhecem - é defendida. Tudo isso evidencia como a Ortodoxia entende e aborda as Escrituras de forma diferente do Protestantismo. (Leith pp. 507-508)

Dupla Predestinação

A teologia reformada é bem conhecida por sua doutrina de dupla predestinação. Verificamos que a Igreja Ortodoxa tem uma compreensão diferente da predestinação. A sentença inicial do Decreto 3 afirmou que Deus predestina as pessoas, mas rejeita explicitamente a doutrina da dupla predestinação.
Cremos que o bom Deus predestinou desde a eternidade para a glória aqueles que Ele escolheu, e que consignou à condenação aqueles que Ele rejeitou; mas não de forma que Ele justifique alguns, e consigne e condene outros sem causa. (Decreto 3)
Poder-se-ia perguntar como a Ortodoxia pode afirmar os decretos eternos de Deus e ao mesmo tempo rejeitar a dupla predestinação. A resposta é que, ao contrário do Calvinismo que ensina a eleição incondicional, a Ortodoxia acredita que a humanidade manteve a capacidade para o livre arbítrio após a Queda e que Deus, em sua onisciência, anteviu como cada pessoa exerceria seu livre arbítrio.
Mas, como Ele anteviu que uns fariam um uso correto de seu livre-arbítrio, e os outros um uso incorreto, Ele predestinou uns, ou condenou os outros. (Decreto 3)

Assim [ele ainda tem] a mesma natureza em que foi criado, e o mesmo poder de sua natureza, isto é, o livre arbítrio, vivendo e operando, de modo que ele é capaz por natureza de escolher e fazer o que é bom, e de evitar e odiar o que é mau. (Decreto 14)

A declaração do Decreto 3 de que Deus não justificaria ou condenaria "sem causa" - uma referência à doutrina Calvinista da eleição incondicional - pode ser entendida como ensinando a eleição condicional, ou seja, dependente das escolhas morais que alguém faz.

É altamente instrutivo notar como o Sínodo de Jerusalém entendeu o livre arbítrio humano como a base para a doutrina da sinergia (cooperação humana com a graça divina). Além disso, a sinergia está atuando em todas as pessoas com dois resultados diferentes: salvação ou condenação. 

E entendemos assim o uso do livre arbítrio, que a graça Divina e iluminadora, e que chamamos de graça preventiva [ou, preveniente], sendo, como uma luz para aqueles que se encontram nas trevas, pela bondade Divina transmitida a todos, para aqueles que estão dispostos a obedecê-la - pois ela é útil apenas para os dispostos, não para os não dispostos - e cooperar com ela, naquilo que ela requer como necessário para a salvação, consequentemente, é concedida uma graça particular. Esta graça coopera conosco e nos capacita e nos faz perseverar no amor de Deus, isto é, em realizar aquelas coisas boas que Deus quer que façamos, e que Sua graça preventiva nos admoesta que devemos fazer, nos justifica e nos faz predestinados. Mas aqueles que não obedecem, e cooperam com a graça; e, portanto, não observam as coisas que Deus quer que façamos, e que abusam o livre arbítrio a serviço de Satanás, que receberam de Deus para realizar voluntariamente o que é bom, são consignados à condenação eterna. (Decreto 3)

O entendimento Ortodoxo é que, mesmo depois da Queda, o homem mantém o livre arbítrio e que Deus concede a graça preventiva a todas as pessoas: "pela bondade Divina transmitida a todos".  Além disso, ele entende que a graça preventiva "coopera conosco" indicando o entendimento sinérgico da salvação em Cristo. A aplicação da doutrina da sinergia aos salvos e aos não-salvos pode ser vista nas duas frases paralelas "aqueles que estão dispostos a obedecer" e "aqueles que não obedecem, e cooperam com a graça". Assim, toda a humanidade recebeu em alguma medida a graça de Deus, e escolheu ou responder positivamente à graça de Deus ou recusá-la.

A afirmação do livre arbítrio do Decreto 3 desafia uma das premissas fundamentais da soteriologia reformada: o monergismo, o ensinamento de que Deus é a única fonte e único determinante de nossa salvação. Isto é, se somos salvos, é porque Deus assim escolheu nos salvar, e se somos condenados, é porque Deus em sua inescrutável sabedoria escolheu este destino para nós. Não há espaço para o livre arbítrio ou sinergismo no paradigma monergista da salvação encontrado na teologia reformada.

Lendo ainda mais o Decreto 3, encontramos o tom de indignação e consternação dos Pais do Sínodo de Jerusalém diante da crueldade insensível implícita na doutrina reformada da dupla predestinação. Em termos claros, eles condenaram este ensinamento como sendo ímpio e blasfemo.
Mas então, afirmar que a Vontade Divina é, portanto, unicamente e sem causa, o autor da condenação deles, que maior difamação pode ser dirigida a Deus? E que maior injúria e blasfêmia pode ser oferecida ao Altíssimo?

Mas quanto à punição eterna, à crueldade, à impiedade e à desumanidade, nós nunca, nunca dizemos que Deus é o autor, que nos diz que há alegria no céu por um de um pecador que se arrepende.

Sola Fide

No Decreto 13, a Confissão de Dositheus rejeita o núcleo da doutrina Protestante sola fide (justificação pela fé somente):

Cremos que um homem não é simplesmente justificado pela fé somente, mas pela fé que opera através do amor, ou seja, através da fé e das obras. (Leith p. 496)

Eles explicaram que as boas obras são uma manifestação ou fruto da fé, algo bem diferente da compreensão Católica Romana medieval de boas obras como meritórias.
Mas consideramos as obras não como testemunhas que certificam nosso chamado, mas como sendo frutos em si mesmas, através dos quais a fé se torna eficaz, e como em si mesmas meritórias, através das promessas Divinas {cf. 2 Coríntios 5:10} de que cada um dos fiéis pode receber o que é feito através de seu próprio corpo, seja bom ou mau.
A breve resposta do Sínodo de Jerusalém ao sola fide aqui reflete muito provavelmente os Luteranos dando maior ênfase ao sola fide do que os Calvinistas.

Ícones e a Veneração dos Santos

Na Questão 4, o Sínodo de Jerusalém formulou uma longa refutação ao iconoclasmo dos reformados. (Leith pp. 508-516). Em resposta aos Calvinistas que citavam o Segundo Mandamento como fundamento para a rejeição de imagens, o Sínodo de Jerusalém observou que o Segundo Mandamento foi mais tarde seguido por Deus instruindo Moisés a fazer representações dos querubins, bois e leões que deveriam ser colocados no Templo. Ao colocar o Segundo Mandamento no contexto mais amplo, o sínodo de Jerusalém fez algo que os Calvinistas daquela época e ainda hoje não conseguem fazer. 

Portanto, quando contemplamos o próprio Deus dizendo em um momento: "Não farás para ti nenhum ídolo ou semelhança; nem os adorarás, nem os servirás;" {Êxodo 20:4,5; Deuteronômio 5:8,9} e em outro, ordenando que sejam feitos querubins; {Êxodo 25:18} e ainda, que bois e leões {1 Reis 7:29} foram colocados no Templo, não consideramos precipitadamente a seriedade destas coisas. Pois a fé não está em segurança; mas, como já foi dito, considerando a ocasião e outras circunstâncias, chegamos à interpretação correta da mesma; e concluímos que, "Não farás para ti nenhum ídolo, ou semelhança", é o mesmo que dizer: "Não adorarás deuses estranhos", {Êxodo 20:4} ou ainda, "Não cometerás idolatria". (Leith p. 510)

O Sínodo concluiu que o Segundo Mandamento é melhor entendido, não como uma condenação de representações visuais em lugares de culto, mas sim a adoração de falsos deuses.

O Sínodo de Jerusalém defendeu a veneração dos ícones observando que era uma prática antiga que remontava ao tempo dos Apóstolos e que foi afirmada pelo Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia 787). 

E quanto aos santos que eles [os Calvinistas] apresentam como dizendo que não é lícito adorar ícones, concluímos que eles antes nos ajudam, já que eles em suas acirradas disputas, contra aqueles que adoram os santos ícones com latria [do grego: adoração], bem como contra aqueles que trazem os ícones de seus parentes falecidos falecidos para a Igreja.  Eles submeteram a anátema aqueles que fazem isso, mas não contra a adoração correta, seja dos Santos, seja dos santos Ícones, seja da preciosa Cruz, ou de outras coisas que foram mencionadas, especialmente desde que os santos Ícones têm estado na Igreja, e têm sido venerados pelos Fiéis mesmo desde os tempos dos Apóstolos. Isto é registrado e proclamado por muitos com quem e após quem o Sétimo Santo Sínodo Ecumênico envergonha toda a impudência herética. (Leith p. 510)

Relacionada à veneração dos ícones está a veneração dos santos.

Os Santos sendo, e reconhecidos pela Igreja Católica como sendo, intercessores, como foi dito no Oitavo Decreto, é hora de dizer que os honramos como amigos de Deus, e como orando por nós ao Deus de todos. 

A compreensão Ortodoxa da ressurreição de Cristo influenciou fortemente sua compreensão de que existe algum tipo de comunhão entre a Igreja Militante na terra e a Igreja Triunfante no céu, e que os santos estão presentes diante do trono de Deus. Isto contrasta fortemente com a prática geral dos Calvinistas e outros Protestantes de darem pouca atenção aos mortos após seu sepultamento.

Outras diferenças

A tradição Reformada favoreceu o sistema de governo presbiteriano, uma forma de governo eclesiástico tipificada pelo regulamento das assembleias de presbíteros (anciãos). Isto é contrário ao episcopado histórico, no qual a autoridade do bispo repousava no fato de ele fazer parte da cadeia da sucessão apostólica. Por esta razão, o Sínodo de Jerusalém sentiu-se obrigado a defender o episcopado histórico (Decreto 10).

Os decretos 15 a 17 tratam dos sacramentos em geral, e do batismo e da Eucaristia em particular. O sínodo de Jerusalém afirmou a necessidade do batismo infantil e rejeitou a noção de rebatismo. A presença real de Cristo na Eucaristia é afirmada. O que é interessante notar é que a doutrina da consubstanciação de Lutero é rejeitada e a presença real é definida em termos muito parecidos com a doutrina Católica Romana da transubstanciação. Esta semelhança pode ser vista no uso de categorias aristotélicas de substância e acidentes. (Decreto 17, Leith p. 503; veja também Ware p. 97) A Confissão enfatizou que a presença real não é algo que pode ser explicado. (Leith, p. 504) Insiste que as únicas eucaristias válidas são aquelas celebradas por um sacerdote Ortodoxo autorizado por um bispo canônico Ortodoxo. (Leith, p. 505)

No que diz respeito à vida após a morte, o Sínodo de Jerusalém ensinou que depois da morte a alma parte para o regozijo ou para o sofrimento e que este é um estado temporário até a ressurreição, quando a alma será reunida ao corpo (Decreto 18; Leith p. 505). Também afirmou a eficácia de orar pelos mortos - uma prática que a maioria dos Protestantes evita.

Resumo e Conclusão

Quer Cirilo Lucaris tenha sido ou não um Calvinista, a Confissão de Dositheus deixa claro em termos nítidos que ela rejeitou a teologia Reformada. Ele repudiou o coração da soteriologia Reformada através de sua rejeição da dupla predestinação, eleição incondicional, e por sua afirmação do livre arbítrio humano após a Queda juntamente com o entendimento sinérgico da salvação (Decreto 3). Além disso, ela rejeitou outras doutrinas Protestantes fundamentais: sola fide (Decreto 13), sola scriptura (Decreto 2). Com relação às práticas de culto, o iconoclasmo reformado é rejeitado (Questão 4).

À luz de sua recepção universal pela Ortodoxia, a Confissão de Dositheus pode ser considerada a resposta dogmática definitiva da Igreja Ortodoxa à teologia Reformada. O Metropolita Kallistos Ware em seu livro The Orthodox Church observou:
Enquanto as decisões doutrinárias dos Concílios Gerais são infalíveis, as de um concílio local ou de um bispo individual estão sempre suscetíveis de erro; mas se tais decisões são aceitas pelo resto da Igreja, então elas vêm a adquirir autoridade Ecumênica (ou seja, uma autoridade universal semelhante àquela possuída pelas declarações doutrinárias de um Concílio Ecumênico). (pp. 202-203)
Assim, a Confissão de Dositheus representa a resposta oficial e definitiva da Ortodoxia ao Calvinismo. A rejeição pelo Concílio de Jerusalém de tantas doutrinas centrais do Protestantismo (sola fide e sola scriptura), bem como da soteriologia e eclesiologia características da tradição Reformada, significa que existem diferenças irreconciliáveis entre as duas tradições. Assim, embora as duas tradições possam compartilhar pontos em comum com respeito à Trindade e à cristologia, elas estão bastante afastadas em relação a tantas outras doutrinas.

As simpatias pró-Reforma de Cirilo Lucaris na Confissão de 1629 tiveram uma influência positiva na Ortodoxia. Forçou a Igreja Ortodoxa a lidar com muitas de suas crenças implicitamente mantidas, levando-a a reafirmá-las com maior clareza e precisão. Jaroslav Pelikan observa:
Quando Cirilo Lucaris compôs sua Confissão Oriental da Fé Cristã, ele se esforçou para aderir à ortodoxia oficial em relação aos dois dogmas básicos e usar o silêncio oficial da igreja em outras questões como uma ordem para enxertar o Protestantismo em sua Ortodoxia Oriental. O resultado da controvérsia sobre sua confissão mostrou que o Oriente na realidade acreditava e ensinava muito mais do que confessava, mas foi forçado a tornar seus ensinamentos confessionalmente explícitos em resposta ao desafio. (p. 283)

Assim, a Confissão de Dositheus é imensamente útil para as pessoas que desejam comparar e contrastar a Ortodoxia contra o Calvinismo (a tradição Reformada). É também muito útil para os cristãos Ortodoxos que desejam defender sua religião contra seus críticos Reformados.

Fonte: Robert Arakaki - Orthodoxy’s Official Response to Calvinism — The Confession of Dositheus (1673)


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

A Forma de Recepção dos Católicos Romanos Convertidos na Igreja Ortodoxa (Pe. George Dragas)

 A Forma de Recepção dos Católicos Romanos Convertidos na Igreja Ortodoxa

com especial referência às decisões dos Sínodos de 1484 (Constantinopla), 1755 (Constantinopla), e 1667 (Moscou) [1] 



1. Introdução: Os cânones antigos

A forma de recepção dos heterodoxos na Igreja Ortodoxa foi especificada por vários cânones antigos, [2] que foram incorporados ao Direito Canônico da Igreja Ortodoxa. Estes incluem os cânones apostólicos 46, 47, e 50, os cânones 8 e 19 do 1º Sínodo Ecumênico, Cânone 7 do 2º Sínodo Ecumênico, Cânon 95 do 6º Sínodo Ecumênico, Cânon 66 do Sínodo Local de Cartago e Cânones 1, 5, e 47 de São Basílio. Cânone 7 do Segundo Concílio Ecumênico (381) [3] e o Cânon 95 do Quinto-Sexto Concílio Ecumênico (691) são particularmente importante. [4]

De acordo com esses cânones, há três formas de receber os heterodoxos na Igreja:

a) por re-batismo (na verdade, batismo), quando a celebração do batismo heterodoxo é considerado deficiente ou inválido por causa de fé e/ou prática deficiente,

b) por Crisma e assinatura de um Libellus apropriado de renúncia da heresia particular que os convertidos anteriormente mantinha, e 

c) através da simples assinatura de um Libellus ou Confissão de Fé apropriado, onde os erros de heterodoxia da pessoa recebida são devidamente denunciadas e a fé Ortodoxa é plenamente abraçada.

A recepção dos Católicos Romanos nas Igrejas Orientais, que ocorreram após o grande Cisma de 1054, foi realizada em qualquer uma das três formas acima mencionadas. A prática variou de acordo com os tempos e as circunstâncias. A questão chave para determinar a forma de recepção foi a percepção Ortodoxa do batismo Católico Romano. Esta percepção mudou por várias razões, incluindo a prática Católica Romana, e parece que tal mudança se tornou um fator importante na determinação da forma de recepção dos Católicos Romanos na Ortodoxia.

A aceitação de alguma validade do batismo Católico Romano significava que os convertidos Católicos Romanos seriam recebidos pela economia do Crisma, onde o que faltou no batismo Católico Romano seria fornecido pela graça do Espírito Santo. A não aceitação de tal validade, por outro lado, significava que a akribeia dos cânones tinham que ser aplicada, ocasião em que os convertidos Católicos Romanos foram (re-)batizados. O que, entretanto, tornou o batismo Católico Romano parcialmente válido ou inválido nem sempre foi claramente explicitado, embora tenha sido implicitamente sugerido.

Já na época do grande Cisma (1054), o batismo dos latinos foi submetido a severas críticas. O Patriarca Ecumênico Miguel Cerulário escreveu naquela ocasião ao Patriarca Pedro de Antioquia, sobre os desvios da Igreja Ocidental em relação à antiga tradição e incluiu neles "a administração ilegítima do Batismo." [5] O problema era a prática Católica Romana de imersão única, que havia sido condenada pelos cânones antigos, e o uso de novos costumes estranhos como o uso do sal.[6] É interessante notar aqui a anatematização da Igreja Oriental pelo Cardeal Humbert devido à prática do Patriarca Cerulário de re-batizar os latinos que entraram na Igreja Grega, que lembra a prática ariana.[7]

O renomado canonista Teodoro Balsamon, que em 1193 argumentou, com base no cânon 7 do Segundo Concílio Ecumênico, que os batismos latinos, baseados em uma única imersão, deveriam ser considerados inválidos porque o caso deles era semelhante ao dos eunomianos, compartilhou a posição de Cerulário. [8]

Que os Ortodoxos rebatizaram os Católicos Romanos após o Cisma de 1054 também é confirmado pelo 4º Cânon do IV Concílio Ocidental de Latrão, que foi convocado em 1215 pelo Papa Inocêncio III. [9] No século XIII, especialmente após o saque de Constantinopla pelos cruzados em 1204, a prática de rebatizar os convertidos ocidentais para a Ortodoxia foi intensificada. O Metropolita Germanos de Ainos apontou que a razão para esta prática rigorosa era a agressão violenta, que a Igreja Ocidental mostrou em relação à Igreja Oriental naquela época. Parte dessa agressão foi a tentativa de proselitismo contra os Ortodoxos, usando vários artifícios desonestos, incluindo a declaração da união das duas Igrejas através de um pseudo-sínodo. [10]  Em 1222 o (legítimo) Patriarca de Constantinopla, Germanos II, que estava localizado em Nicéia por causa do saque da Cidade Real pelos cruzados, escreveu um tratado [11] que identifica três tipos de Batismo Ocidental: o autêntico e Apostólico, que é aceitável para os Ortodoxos, o Batismo de imersão única, e o Batismo por efusão ou aspersão, que são altamente questionáveis. Na época de Miguel Palaiologos (1261), Melécio o Confessor expôs a invalidade do Batismo Latino que se baseava na imersão única e sugeriu por implicação o re-batismo dos convertidos latinos.[12]

Durante o século XIII, o rebatismo dos convertidos latinos era uma prática universal na Rússia e deve ter sido transferida da Igreja Grega para lá. Assim, o Papa Honório ΙΙΙ (1216-1227) e o Papa Gregório ΙΧ (1241) acusam os russos de práticas de re-batismo. [13]

Na primeira metade do século XIV (por volta de 1335) Matthaios Vlastaris ressalta o mesmo problema. [14] Em 1355, o Patriarca Kallistos de Constantinopla (1350-4, 1355-63) escreve ao clero de Trnovo que os latinos que foram batizados por imersão única devem ser rebatizados.[15] No final do século XIV, porém, Makarios de Ancyra afirma que os latinos convertidos à Ortodoxia devem ser recebidos apenas por Crisma, de acordo com o cânon 7 de Constantinopla I (381). [16]

No século XV, o Metropolita Marcos de Éfeso informou aos Ortodoxos que os latinos têm dois tipos de batismo, um com tripla imersão e outro com efusão. [17] Gregório Mammas (1469) mostrou que São Marcos favorecia o Crisma. [18] Constantino Oikonomos, no entanto, acredita que São Marcos estava usando "economia". Isto explica porque a prática Ortodoxa de receber convertidos latinos variou: aqueles que tiveram o batismo apostólico (tripla imersão) foram crismados, enquanto aqueles que foram batizados por efusão foram rebatizados. Esta diferenciação explica o comentário de Vryennios que é citado por Syropoulos de que os latinos são "não-batizados."[19]

2. A Decisão do Grande Sínodo de Constantinopla, em 1484. 

Este Sínodo foi convocado na sagrada Igreja de Pammakaristos pelo Patriarca Simeão (1472-75, 1482-1485) em 1482 e novamente em 1484. Na primeira etapa, emitiu um Horos denunciando o Concílio de Ferrara-Florença (1438) e sua doutrina do Filioque, e na segunda, publicou um Acolouthy para a recepção dos convertidos latinos na Igreja Ortodoxa. Este Sínodo se chamou Ecumênico presumivelmente porque todos os quatro Patriarcas Orientais estavam presentes. Ele denunciou o Concílio de Florença e decidiu que "os convertidos latinos à Ortodoxia deveriam ser recebidos na Igreja apenas pelo Crisma e pela assinatura de um Libellus de fé apropriado que incluiria a denúncia dos erros latinos".

O texto básico do Sínodo de 1484 é o Acolouthy (Ofício) para a Recepção de Latinos que é o seguinte (minha tradução do original grego) [20]:

ACOLOUTHY (OFÍCIO)

para a Recepção de Latinos na Igreja Ortodoxa 

Publicado pelo mesmo santo e grande Sínodo, para aqueles que retornam vindos da heresia latina à Igreja ortodoxa e católica de Constantinopla, mas também para os três patriarcas mais santos do Oriente, isto é, os de Alexandria, Antioquia e Jerusalém.

Este Acolouthy foi publicado em Constantinopla no ano de 1484, durante o patriarcado do Patriarca Santíssimo Senhor Simeão. Que se saiba também que este Sínodo, sendo ecumênico, é o primeiro, com a ajuda de Deus, a derrubar e invalidar aquele Sínodo tão ilegítimo que foi convocado em Florença, como um Sínodo que procedeu de forma maléfica e inconstitucional; e como um Sínodo que não seguiu os Sínodos santos e ecumênicos que o precederam; portanto, incluímos a Declaração (Horos) deste nosso Sínodo Ortodoxo e Santo, i. e. aquele de Constantinopla, no atual códice sagrado da santa e grande Igreja de Cristo, uma vez que foi convocado durante nossos dias.

O Sumo Sacerdote, ou um Sacerdote que foi ordenado pelo primeiro, veste uma estola, e diz: "Bendito é o nosso Deus...", de pé diante dos Portões da Santa Bema. Então, começamos imediatamente com: "Glória a Ti, nosso Deus, glória a Ti". "Rei Celestial...". O "Triságio". A "Trindade Santíssima...". “. O "Pai Nosso...". “. O "Kyrie Eleison" (12 vezes). O " Vinde, adoremos...". O "Salmo 50". E então, depois destas coisas terem sido ditas, eles trazem a pessoa que retorna à Ortodoxia proveniente do Catolicismo Romano diante dos santos portões da Bema e o Sacerdote lhe pergunta com a cabeça descoberta, como a seguir:

Pergunta: Tu queres, ó homem, tornar-te Ortodoxo e renuncias a todos os dogmas vergonhosos e estranhos dos latinos, isto é, a respeito da processão do Espírito Santo, nomeadamente que eles pensam e declaram erroneamente que Ele também procede do Filho; e além disso, a respeito dos ázimos que eles usam na liturgia, e do resto dos costumes da Igreja deles, que não estão de acordo com a Igreja Católica e Ortodoxa do Oriente?

O latino: Sim, ó santo Mestre, eu faço isto de todo o meu coração. 

Pergunta: Tu aceitas nosso santo Símbolo da Fé, e tu o manténs inalterado, e sem qualquer adição ou subtração? [o Símbolo da Fé] como foi escrito pelos santos e grandes Concílios Ecumênicos, aquele que foi reunido primeiro em Nicéia, em Bitínia, e aquele que foi convocado em Constantinopla, o segundo Ecumênico, e foi posteriormente afirmado e ratificado por todos os Concílios Ecumênicos? 

Resposta: Sim, santo Mestre, isto é o que amo de todo o meu coração e o mantenho inalterado.

Pergunta: Tu submetes a um anátema, como fizeram nossos santos e divinos Pais, aqueles que ousaram dizer o Credo com algum tipo de adição e que balbuciam que o Espírito Santo procede do Filho como procede do Pai?

Resposta: Confesso que isto é necessário de todo o meu coração e submeto a um anátema estes [que dizem o Credo com alteração]. 

Pergunta: Tu rejeitas e consideras nulo e sem efeito o Sínodo, que foi convocado anteriormente em Florença da Itália e aquelas coisas fraudulentas, que este Sínodo abraçou erroneamente contra a Igreja católica? 

Resposta: Eu rejeito este Sínodo, meu Mestre, e o considero como se ele não tivesse sido convocado ou realizado. 

Pergunta: Tu afastas-te completamente das reuniões dos latinos em suas igrejas, ou mesmo daqueles que são de mentalidade latinizante, e daqueles que usam ázimos de forma judaica, ou celebra estes [mistérios] de forma apolinarista, considerando-os como hereges?

Resposta: Sim, meu Mestre, e eu faço isto de todo o meu coração. 

Pergunta: Tu prometes que de agora em diante, pela graça de Deus, permanecerás firme até o fim de tua vida nesta Fé Ortodoxa de nossa Santa Igreja, imóvel e inabalável, não importa o que possa acontecer contigo? 

Resposta: Sim, honorável Mestre, eu prometo isto com a ajuda de Deus. 

O Sumo Sacerdote ou o Sacerdote: Confesse, portanto, o santo Símbolo (Credo) de nossa fé sem nenhum acréscimo. Ele então confessa em voz alta: "Creio em um só Deus..." e ele diz isto até o fim. Então, quando ele completa o Símbolo inteiro, o sacerdote o unge com o santo e grande Myrhon (Crisma) da Igreja. O sacerdote inscreve uma cruz na testa e também nas orelhas, no queixo, nas mãos, assim como no peito e nos joelhos, dizendo ao ungir cada um dos sentidos: "O Selo do dom do Espírito Santo, Amém". Após a unção com o Crisma, o Sacerdote oferece acima da cabeça da pessoa que foi ungida com o Crisma a seguinte oração:

Oremos ao Senhor, Senhor nosso Deus, que inclinou os céus e peregrinou com os da terra pela infinita misericórdia, que ensinou os seres humanos a confessar a verdadeira e imaculada confissão, o conhecimento da Trindade consubstancial e co-eterna, e o Espírito venerável e todo-poderoso, tendo pronunciado por Tua boca infalível que procede e deve sua hipóstase a Teu Pai e Deus que não tem começo, Tu, ó Mestre, recebe, como misericordioso e compassivo, teu servo _____ que retorna a partir da heresia latina à verdade de teu Evangelho e de tua boca infalível, e à teologia exata da piedade de teus santos Apóstolos e mestres, congregando-o e unindo-se aos verdadeiros dogmas de tua Igreja santa, católica e apostólica, tornando-o digno do reino infinito e eterno dos céus através do conhecimento e da declaração dos dogmas da piedade. Deixai de lado, então, como compassivo e misericordioso qualquer transgressão que ele cometeu em sua vida em conhecimento ou na ignorância; assegurai-lhe que permaneça firme na fé ortodoxa e na confissão de Ti; ampliai-lhe a boca para que ele possa extrapolar contra as heresias dos portões do inferno e do resto da impiedade; abre-lhe bem os olhos da mente para que ele possa compreender Tuas maravilhas; ensina-lhe a buscar a santidade no temor diante de Ti; não te lembres das iniquidades dele; purifica a alma dele das brumas heréticas e de qualquer outro tipo de impiedade; reúne-o através de nós enquanto ele se dirige ao Teu rebanho ortodoxo; pois a Ti pertence toda glória, honra e adoração juntamente com Teu Pai, que não tem começo, e com Teu Espírito, todo santo e bom e vivificante, agora e sempre e nos séculos dos séculos, AMEN.

Então, ele diz o Salmo: "Eu te exaltarei, ó meu Deus, meu Rei"... Depois, "Glória..., tanto Agora...". "Mais venerávelque os querubins...". "Que Deus tenha piedade de nós ...". 

Em seguida, os Ektenes e as Despedidas.

LIBELLUS 

que os convertidos latinos são solicitados a produzir por escrito 

Como fomos solicitados por nosso Santíssimo Mestre ou Sumo Sacerdote__________ , a produzir uma confissão pura no códice da Igreja, que é mantida pela Igreja Católica dos Gregos, já de acordo com sua ordem divina e de adoração, retornamos nosso presente libellus escrito, por meio do qual confessamos plenamente que aceitamos tudo o que foi pronunciado e aceito pelos cânones divinos e santos, os cânones apostólicos e os dos sete santos concílios ecumênicos, e aqueles particulares que são plenamente confessados pela santa Igreja dos gregos, rejeitando todos os costumes inaceitáveis dos latinos e toda outra inovação sacrílega; pelo qual nossa presente confissão escrita foi entregue à grande Igreja católica e apostólica de Constantinopla, no mês de _______, do indiciado ___________, do ano _______.

O que é particularmente importante observar nesse Acolouthy é a oração que segue o Crisma, que difere da utilizada no segundo Sacramento da Iniciação. Fica claro que esta é uma ação extraordinária do Espírito, que domestica, por assim dizer, a pessoa que ingressa na Igreja. A ausência de qualquer referência ao batismo ou ao rebatismo não implica em validade ou invalidez. Há talvez uma referência velada a ele na rejeição dos "costumes inaceitáveis dos latinos" e das "outras inovações sacrílegas", mas, de alguma forma, há aqui uma assimetria entre o batismo e este ato de Crismação.

Alguns autores assumiram que esta nova política foi devida às novas circunstâncias que a queda de Constantinopla provocou. A Igreja queria evitar um agravamento ainda maior das relações com o Ocidente. Ao aceitar esta economia, porém, a Igreja não endossou a prática ilegítima latina de imersão única, mas simplesmente aceitou o batismo latino como válido por economia. [21] Assim, em 1575 o Patriarca Jeremias II (1572-1594) criticou explicitamente em sua correspondência com os teólogos luteranos de Tübingen o Batismo de imersão única ou Batismo por aspersão, mas não o declarou como inválido. [22] Mas em 1715 Dositheos de Jerusalém declarou que os latinos que não são batizados por tripla imersão correm o risco de serem considerados como não-batizados. [23] Em 1708 o Patriarca Kyprianos (1708-1709) considera o Batismo dos Latinos válido por economia. Em 1718, o Patriarca Jeremias III (1716-1726) foi questionado pelo czar Pedro o Grande da Rússia sobre o batismo dos ocidentais. Em sua carta ao Czar de 31 de agosto de 1718, o Patriarca se referiu a uma decisão sinodal de seu antecessor, Kyprianos (1708-1709), que estipulava que o Crisma deveria ser o meio de receber luteranos e calvinistas na Ortodoxia após sua renúncia de seus erros.[24]

Com o passar do tempo, porém, e as condições mudaram na vida e relações das Igrejas no Oriente e no Ocidente, a prática litúrgica também mudou. A agressão ocidental no Oriente exigiu uma nova política. Em 1722 um Sínodo em Constantinopla, no qual Atanásio de Antioquia (+1724) e Chrysanthos de Jerusalém (1707-1731) participou, decidiu pelo rebatismo dos latinos como retaliação pelo cisma que os missionários latinos causaram na Síria. [25] Esta retaliação atingiu seu auge em 1755, devido à contínua agressão latina em Antioquia e, em geral, no Oriente. Um Sínodo convocado em Constantinopla produziu uma Declaração (Horos) que exigiu o rebatismo dos latinos.

3. A decisão do Sínodo de Constantinopla em 1755 [26].

O patriarca Cirilo V que ascendeu ao trono de Constantinopla pela primeira vez em 1748 tendo sido Metropolita da Nikomedia convocou este Sínodo.[27] As circunstâncias, que o ditaram, foram muito provavelmente as tentativas dos latinos de converter os Ortodoxos no Oriente Médio e em outros lugares, declarando que não havia diferenças substanciais entre gregos e latinos. Esta situação de proselitismo desonesto, especialmente no Oriente Médio, é claramente exposta pelos historiadores Makraios e Hypsilantes.[28] A ocasião surgiu em 1750, quando Cirilo recebeu vários latinos, rebatizando-os. Os políticos ocidentais residentes em Constantinopla ficaram profundamente descontentes e conspiraram contra o Cirilo alcançando eventualmente o afastamento dele do trono de Constantinopla (1751). Paisios II, seu sucessor, que retornou ao Trono Ecumênico pela quarta vez, não rebatizou os latinos, mas isso provocou sua queda, porque o povo se opôs a ele como sendo de mentalidade latinizante. [29] Isto ocorreu através de um certo monge Auxentios [30] que afirmou ter recebido uma visão celestial confirmando sua visão sobre o rebatismo dos latinos e apoiando Cirilo V. Cirilo V retornou ao trono quinze meses após a queda de Paisios II, em 1752, por aclamação popular. O conflito que se seguiu entre ele e os latinos que viviam na Cidade e alguns dos Hierarcas "de mentalidade latinizante" que estavam alinhados com eles o levou a convocar um Sínodo em 1775 que decidiu rebatizar os convertidos latinos que desejavam entrar para a Igreja Ortodoxa. Este Sínodo emitiu um Horos (Declaração) que revela a perspectiva do Patriarca Cirilo e seus seguidores; isto é, uma perspectiva que já havia sido expressa em um livro de Christophoros Aitolos, um contemporâneo apoiador de Cirilo, intitulado Uma denúncia da Aspersão. O texto do Horos é o seguinte: [31]

HOROS

da Santa e Grande Igreja de Cristo

sobre o Batismo dos Convertidos vindos do Ocidente

Já que muitos são os meios pelos quais somos feitos dignos de alcançar nossa salvação, e alguns deles estão interligados e formam uma sequência uns com os outros de forma semelhante a uma escada, por assim dizer, todos visando a um mesmo fim. Primeiro de tudo, então, é o batismo, que Deus entregou aos santos Apóstolos, de tal forma que, sem ele, os demais são ineficazes. Pois é dito: "Aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus" (João 3:5). O primeiro modo de geração trouxe o homem para esta existência mortal. Era, portanto, imperativo, e necessariamente assim, que outra forma mais mística de geração fosse encontrada, não começando na corrupção nem terminando nela, onde seria possível para nós imitar o autor de nossa salvação, Jesus Cristo. Pois a água do batismo na fonte toma o lugar do ventre, e há nascimento para aquele que nasce, como diz Crisóstomo (PG 59:153); enquanto o Espírito que desce sobre a água tem o lugar de Deus que molda o embrião. E assim como ele foi colocado no túmulo e ao terceiro dia retornou à vida, assim também aqueles que creem, indo debaixo da água em vez de debaixo da terra, em três imersões representam em si mesmos a graça dos três dias da ressurreição (Gregório de Nissa PG 46: 585), sendo a água santificada pela descida do Espírito Santo, para que o Corpo possa ser iluminado pela água que é visível, e a alma possa receber a santificação pelo Espírito que é invisível. Pois assim como a água em um caldeirão participa do calor do fogo, assim também a água na fonte é transmutada, pela ação do Espírito que é invisível (Cirilo de Alexandria, PG 73:245). Ela purifica aqueles que são assim batizados e os torna dignos de adoção como filhos. Não é assim, porém, com aqueles que são iniciados de maneira diferente. Em vez de purificação e adoção, ela os torna impuros e filhos da escuridão.

Apenas três anos atrás, surgiu a questão: Quando os hereges chegam até nós, seus batismos são aceitáveis, dado que são administrados contrariamente à tradição dos santos Apóstolos e divinos Pais, e contrariamente aos costumes e ordenanças da Igreja Católica e Apostólica? Nós, que por misericórdia divina fomos criados na Igreja Ortodoxa e que aderimos aos cânones dos santos Apóstolos e dos divinos Pais, reconhecemos apenas uma Igreja, nossa santa Igreja católica e apostólica. São seus sacramentos, e consequentemente seu batismo, que nós aceitamos. Por outro lado, abominamos, por determinação comum, todos os ritos não administrados como o Espírito Santo ordenou aos santos Apóstolos, e como a Igreja de Cristo realiza até os dias de hoje. Pois eles são invenções de homens depravados, e os consideramos estranhos e alheios a toda a tradição apostólica. Por isso, recebemos aqueles que vêm até nós vindos deles como profanos e não-batizados. Nisto seguimos nosso Senhor Jesus Cristo que ordenou a seus próprios discípulos que batizassem, "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mateus 28: 19); seguimos os santos e divinos Apóstolos que nos ordenam a batizar os aspirantes com três imersões e emersões, e em cada imersão dizer um nome da Santíssima Trindade (Cânon Apostólico 50); seguimos o santo Dionísio, semelhante dos Apóstolos, que nos manda "mergulhar o aspirante, despojado de cada veste, três vezes em uma fonte contendo água e óleo santificados, tendo proclamado em voz alta as três hipóstases da Divina Beatitude, tendo selado o recém-batizado com o crisma mais divinamente potente, e depois fazer dele um participante da eucaristia super-sacramental (Sobre as Hierarquias Eclesiásticas, II: 7, PG 3:396); e seguimos o Segundo (cânon 7) e Penthekte (Cânon 95) santos Concílios Ecumênicos, que nos ordenam receber como não-batizados aqueles aspirantes à Ortodoxia que não foram batizados com três imersões e emersões, e em cada imersão não invocaram em voz alta uma das três hipóstases, mas foram batizados de alguma outra forma.

Nós também seguimos, portanto, estes decretos divinos e sagrados, e rejeitamos e abominamos os batismos pertencentes aos hereges. Pois eles discordam e são alheios ao divino ditame apostólico. Eles são águas inúteis, como disseram Santo Ambrósio e Santo Atanásio, o Grande. Eles não dão nenhuma santificação a tais que os recebem, nem servem de nada para lavar os pecados. Recebemos aqueles que vêm à fé Ortodoxa, que foram batizados sem serem batizados, como não-batizados, e sem perigo os batizamos de acordo com os cânones apostólicos e sinodais, nos quais a santa e apostólica e católica Igreja de Cristo, a Mãe comum de todos nós, se apoia firmemente.

Juntamente com esta nossa determinação e declaração conjunta, selamos este nosso Horos, estando de acordo com os ditames Apostólicos e Sinodais, e o certificamos por nossas assinaturas. 

No ano da salvação de 1755, 

+CIRILO, pela misericórdia de Deus, Arcebispo de Constantinopla 

+MATEUS, pela misericórdia de Deus, Papa e Patriarca da grande cidade de Alexandria e Juiz da Oecumene 

+PARTHENIOS, pela misericórdia de Deus, Patriarca da Cidade Santa de Jerusalém e de toda a Palestina.

Está claro a partir deste Horos que a principal objeção ao batismo Católico Romano foi sobretudo a maneira pela qual era celebrado. Há aqui referências claras por nuance à ausência da tripla imersão e à inovação ocidental de celebrar o batismo por aspersão, que foi sancionada pelo Concílio de Trento. O historiador Sergios Makraios enfatiza particularmente este ponto. [32] Os Kollyvades do Monte Athos, Eustratios Argenti e, no século XIX, o estudioso e erudito padre Constantino Oikonomos também mantiveram esta objeção. O ilustre professor contemporâneo da Universidade de Atenas, Protopresbítero George Metallinos, produziu uma defesa sustentada desta posição. Seu livro, Eu Confesso Um Só Batismo..., [33] também publicado recentemente em tradução inglesa pelo Mosteiro de São Paulo da Montanha Santa (1994) é extremamente valioso para a concepção canônica rigorosa (ou concepção akribeia) sobre a recepção de convertidos para a Ortodoxia. A única fraqueza deste livro reside em sua falha em analisar cuidadosamente os argumentos a favor da concepção canônica leniente (ou concepção econômica) que utiliza o Crisma para a recepção dos convertidos para a Ortodoxia junto com a confissão da Fé Ortodoxa e a denúncia dos erros heterodoxos. O Pe. Metallinos teria fornecido um argumento totalmente convincente, se ele tivesse produzido uma análise cuidadosa da visão dos "opositores", por assim dizer, de Cirilo V e do Sínodo de 1755 e se ele tivesse exposto a deficiência canônica da mesma (isto é, a unilateralidade).

A oposição latina a Cirilo V intensificou-se após suas decisões sinodais de 1755 e assim sua segunda queda aconteceu em 1757. [34] Kallinikos III ou IV [35] (anteriormente Metropolita de Proilavou) o substituiu, mas ele também foi derrubado pelo povo como "um Franco" e "de mentalidade latinizante" e substituído por Serafim, anteriormente de Philippoupolis. As opiniões de Kallinikos foram expostas em um tratado, que foi escrito em 1753, quando a controvérsia sobre a rebatização dos convertidos latinos para a Ortodoxia estava em seu auge. Este tratado foi publicado a partir do Cod. 122 da Biblioteca de Zagora em 1931, e é importante analisá-lo aqui a fim de obter um panorama real da visão dos adversários de Cirilo V. [36]

O texto está dividido em duas seções: uma que trata dos armênios e da forma como eles sempre foram recebidos na Igreja Ortodoxa e a outra, que trata dos latinos e como estes também foram recebidos na Ortodoxia. Ele argumenta que o Crisma e a Confissão, ou a assinatura de um Libellus (Declaração) de fé, foram as principais normas para a aceitação de convertidos para o rebanho Ortodoxo em ambos os casos. Particularmente interessante é a discussão sobre o batismo latino por aspersão, que incluía selar com saliva e colocar sal na boca do candidato ao batismo. Kallinikos explica que Tomás de Aquino introduziu pela primeira vez estes costumes no Ocidente na época do Imperador Ioannis Vatatzis, ou seja, cerca de 530 anos que esta inovação começou. Simão de Tessalônica, diz Kallinikos, já havia criticado os latinos por não utilizarem uma tripla imersão. As objeções então, levantadas contra o batismo Ocidental não eram algo relativamente novo, mas tinham raízes mais antigas. Por que antes a Igreja do Oriente tolerava tais práticas ocidentais, pergunta Kallinikos, e agora as considera intoleráveis?

A decisão do Sínodo de 1755, entretanto, continuou a ser normativa em muitos casos, mas não sem exceções: Em 1760 Ioannikios III permitiu a Ananias de Pringipos receber na Igreja Ortodoxa um armênio somente através do Crisma. [37] Em 1786, o Patriarca Prokopios emitiu um Regulamento Canônico para Gerasimos, anteriormente de Raska, dando-lhe o direito de batizar o uniata Narkissos que, de boa vontade e sem qualquer pressão externa, procurou entrar para a Igreja Ortodoxa.38 Um regulamento semelhante foi emitido em 1803 pelo Patriarca Kallinikos, antigo Metropolita de Nicéia, que observou que o batismo Católico Romano não traz salvação. [39] Constantino Oikonomos, escrevendo a seu amigo Alexander Strouzas na Rússia em 1846, refere-se à recepção de dois sacerdotes latinos pelo Patriarca Germanos em 1844 através do rebatismo. [40] Em 1846, porém, o Patriarca Anthimos VI, anteriormente Metropolita de Éfeso, recebeu Makarios de Amida (Djarbekir) e muitos outros Católicos Romanos pela assinatura de um libellus de fé apropriado. [41] Um ano depois, o Patriarca Anthimos VI recebeu um certo latino chamado Atanásio, que era amigo próximo de Makarios de Amida pela assinatura de um libellus. [42] Em 1860, sob o Patriarca Ioakim II de Constantinopla (1860-3, 1873-8) o Trono Antioquino recebeu 50.000 mil Católicos Romanos e Melquitas por Crisma e a assinatura de um libellus apropriado, datado:  Constantinopla, 26 de novembro de 1860 e assinado por Oikonomos Jean Habib e Gabriel Pjibaras. [43] 

Todos estes exemplos indicam claramente que a decisão de 1755 não se tornou uma norma universal. Isto foi formalmente reconhecido em 1875, quando uma Decisão Patriarcal e Sinodal foi enviada a todos os Bispos em todos os lugares, onde a forma de recepção dos convertidos latinos foi entregue ao julgamento dos Bispos locais. [44] Em 1878, entretanto, outra Epístola Sinodal (datada de 24 de abril de 1878) estipula que não meramente o Crisma, mas também o rebatismo deve ser a norma para receber latinos na Ortodoxia. [45] Em 1879, [46] 1880 [47] e 18[??] [48] outras Decisões Sinodais adotam a economia de receber latinos convertidos somente pelo Crisma e a assinatura de um libellus. [49] No entanto, os rebatismos dos latinos convertidos não desapareceram. Eles foram praticados especialmente na Terra Santa e na Síria.[50]

Acredito que a coleta e análise cuidadosa destes documentos sinodais patriarcais expõe a verdadeira natureza do "problema" e abre o caminho para uma solução adequada. A meu ver, existe aqui uma espécie de assimetria que lida de uma forma ou / ou com o paradoxo eclesiológico do cisma e da heresia, que não pode ser explicada ou racionalizada de uma forma que uma solução de uma única via tende a promover. O documento que tem atraído minha atenção mais do que qualquer outro a este respeito é a Encíclica Patriarcal e Sinodal de 1875.[51] Acredito que ela tenha compreendido toda a questão da maneira mais responsável e realista. Sua força reside no fato de reconhecer a verdadeira natureza do problema e se abster de fornecer uma solução precisa. Isto implica sensibilidade, maturidade e carisma que elevam a Grande Igreja de Cristo ao pedestal, que lhe pertence por tradição sagrada e favor divino.

CARTA PATRIARCAL E SINODAL (26 DE MAIO DE 1875) 

Tendo considerado em sínodo o assunto em discussão, a saber, o batismo dos latinos, isto é, se o mesmo pode ser considerado válido ou não, vimos claramente nos fatos históricos e nas promulgações eclesiásticas de várias épocas, que este assunto traz muitos prós e contras e tem tido muitos defensores e opositores, o que certamente não escapou a Vossa Excelência. Pois mesmo antes do Cisma, o Patriarca Cerulário costumava batizar os latinos que se convertiam à Ortodoxia, como é dito no Pittakion que Humbert, o Exarca de Leão IX deixou na Mesa de Santa Sofia contra o Patriarca Miguel, e numa epístola deste Patriarca ao Patriarca Pedro de Alexandria e a partir do fato de que este ato de Cerulário parece ter encontrado muitos imitadores com o passar do tempo. De fato, o Sínodo de Latrão de 1215 criticou os Ortodoxos por rebaptizar os latinos, ou seja, os convertidos provenientes da Igreja Latina.  Depois do Cisma, no entanto, temos, entre muitos outros, Marcos Eugenikos, que declara que devemos apenas ungir os latinos com Myrhon, e além disso, há decisões sinodais, como a convocada em 1207, e a convocada em 1484 sob o Patriarca Simeão, nas quais os outros três Patriarcas estavam presentes, na qual o conhecido Acolouthy foi composto, e também outro em 1600 convocado na cidade real e outro em Moscou pelo Patriarca Ioasaph de Moscou em 1667 na qual estavam presentes outros dois Patriarcas do Oriente, Paisios de Alexandria e Makarios de Antioquia. Todos estes declararam que somente com Myrhon (Crisma) deveríamos aperfeiçoar os convertidos provenientes da Igreja Ocidental. Por outro lado, temos a Decisão tomada em Moscou em 1622 pelo Patriarca Filareto da Rússia e o Horos que foi emitido sob Cirilo V, Patriarca de Constantinopla em 1755 e que se tornou aceito por todos os então Patriarcas, o que indica que eles [os convertidos latinos] deveriam ser batizados. Assim, o batismo dos ocidentais, às vezes foi considerado válido, porque era feito em nome da Santíssima Trindade e era referido ao batismo apropriado, e às vezes como inválido, por causa das muitas irregularidades de forma com as quais era revestido com o passar do tempo pelo constante aumento do estudo vão da Igreja Ocidental. Assim, a Santíssima Igreja Russa, partindo de razões óbvias, faz uso das decisões do mais novo Sínodo de Moscou sob o Patriarca Ioasaph de Moscou, discernindo que elas contribuem para o benefício da Igreja naquele lugar, enquanto as Igrejas do Oriente consideram necessário para o benefício da Ortodoxia seguir o Horos que havia sido emitido sob Cirilo V. Como estas coisas são assim, é deixado ao discernimento espiritual de Vossa Excelência e dos demais membros sinodais aceitar ou rejeitar o uso da economia que outra Igreja tem mantido por mais de dois séculos sem oscilar, se, como ela escreve, esta economia implica muitos benefícios para a Igreja de lá e a protege dos perigos invasores. Quando, então, as Igrejas ortodoxas locais forem capazes de se reunirem, então, com a ajuda de Deus, ocorrerá o acordo desejado sobre este assunto, assim como com outros também. [52]

No documento acima, o Santo Sínodo aponta para o futuro visando uma solução Ortodoxa unânime para o "problema" da recepção de convertidos provenientes da Igreja Ocidental para a Ortodoxia. Acredito que a solução já está ali. Não é a uniformidade, mas a liberdade, que caracteriza a posição Ortodoxa. Tal posição põe em evidência o ato do Espírito Santo que aperfeiçoa (teleioi) em nós tudo o que o Senhor realizou para nós objetivamente.

4. Os Sínodos russos do século XVII: especialmente os de 1620 e 1667. [53]

A norma mais antiga na Rússia para o recebimento de cristãos ocidentais, primeiro Católicos Romanos e depois Protestantes, na Igreja Ortodoxa era o (re)batismo. [54] Ao fazer isto, a Igreja Russa estava em sintonia com a Igreja de Constantinopla. Os Papas Honório III (1216-1227) e Gregório IX (1227-1241) reprovaram os russos por re-batizarem os latinos. Esta posição foi oficialmente e sinodicamente instituída por um Sínodo convocado em Moscou pelo Patriarca Filareto Nikititch em 1620. Este Sínodo estipulou o rebatismo dos latinos, dos uniatas e dos Ortodoxos da Pequena Rússia (Ucrânia) que haviam sido batizados por sacerdotes uniatas. Outro Sínodo convocado em Moscou pelo mesmo Patriarca, em 1621, reiterou a mesma posição. Os principais argumentos para esta posição foram os seguintes:

1) O Cânon 95 de Trullo especifica que os hereges devem ser rebatizados para entrarem na Igreja. 

2) Os latinos são hereges e como tal devem ser re-batizados. 

3) O rebatismo dos hereges é especificamente ordenado pelos cânones apostólicos 46 e 47. 

4) Todos os bispos Ortodoxos russos têm seguido a prática de rebatizar os convertidos latinos. 

5) Todos os Patriarcas Ecumênicos têm concordado com esta prática.

Estas decisões foram baseadas na akribeia dos cânones antigos, mas também na agressão dos poloneses Católicos Romanos contra os Ortodoxos Russos que reforçou a visão de que os Católicos Romanos eram hereges. De fato, tamanha era a agressão latina contra os Ortodoxos que os russos acreditavam que os latinos eram hereges totalmente corruptos e até mesmo ateus. As decisões sinodais de 1620 e 1621 foram questionadas pela primeira vez pelos sínodos convocados em Moscou em 1655 e 1656, quando Macário de Antioquia argumentou que os Católicos Romanos não eram hereges, mas sim cismáticos e como tal deveriam ser recebidos por economia. Esta opinião prevaleceu no Sínodo de Moscou de 1667, que contou com a presença do Patriarca Macário de Antioquia e Paisios de Alexandria.

O Sínodo de Moscou de 1667 realmente reverteu as decisões do Sínodo de 1620. A prática de rebatizar os latinos que retornaram à Ortodoxia foi abandonada e a recepção por Crisma foi adotada. Precursores a isto foram os Sínodos de 1655 e 1656, assim como a publicação do Trebnik (Livro de Oração) de Pedro Moghila em 1646, que aceitou os Católicos Romanos por Crisma. Os decretos deste Sínodo foram publicados em Pravoslanny Sobieseidnik [55] e podem ser resumidos como se segue:

1) Os latinos batizam não por uma imersão, mas por tripla infusão e por invocação da Santíssima Trindade. 

2) O cânon 7 do Segundo Concílio Ecumênico (381) e o cânon 95 do Concílio de Trullo aceitam o batismo de hereges que cometeram erros muito mais graves do que os latinos. 

3) Os antigos cânones apostólicos são aplicáveis àqueles que não têm verdadeiro batismo. Os latinos, no entanto, guardam um verdadeiro batismo. 

4) A Igreja Oriental aceitou o batismo latino em 1484 como verdadeiro. Assim, eles ordenaram que os erros latinos fossem eliminados e corrigidos através de uma confissão de fé apropriada e Crisma.

De acordo com Constantino Oikonomos, as medidas adotadas por este Sínodo de Moscou não foram tão surpreendentes quanto parecem. Em primeiro lugar, estavam em consonância com o resto da Igreja Oriental, que não desejava agravar as relações Oriente/Ocidente. Em segundo lugar, elas foram exigidas pelas circunstâncias particulares. A prudência política não exigiu nenhum confronto excessivo com os poloneses. O Patriarca Filareto havia optado em 1620 por uma posição baseada na exatidão teológica (akribeia). Neste momento histórico, porém, o czar Alexis Mikhailovich (1645-1676) queria uma decisão baseada na leniência (synkatabasis, oikonomia). Ele queria persuadir os latinos à Ortodoxia. [56]

Também é interessante lembrar aqui o caso dos Protestantes convertidos que foram diferenciados dos latinos nestes Sínodos e foram tratados de uma maneira diferente. Isto durou até 1718, quando Pedro o Grande perguntou ao Patriarca Ieremias II de Constantinopla sobre o batismo Protestante (Luterano-Calvinista) e foi-lhe dito que poderia receber os Protestantes convertidos através de uma confissão apropriada de fé e Crisma. O caso da recepção dos Protestantes convertidos surgiu pela primeira vez em 1644-5 quando Irina, filha do czar Michael Feodorovich, estava para se casar com Valdemarus, o filho do rei Cristiano IV dos dinamarqueses. Valdemarus foi rebatizado porque o batismo luterano foi considerado inaceitável naquele período, pelas seguintes razões:

1) Era por infusão e não por imersão e, como tal, não podia incorrer no perdão dos pecados. 

2) Não havia sacerdote para celebrá-lo porque os luteranos não tinham o verdadeiro sacerdócio. 

3) Era o batismo de hereges. 

4) Não era o verdadeiro batismo especificado pelos cânones antigos. [57]

Além disso, Pedro Moghila (um latinizador) certificou-se de que o Patriarca Ecumênico Parthenios havia concordado em fazer com que o Valdemarus fosse re-batizado. 

O rito litúrgico para receber latinos e Protestantes por confissão de fé e Crisma apareceu pela primeira vez em 1757. Foi reimpresso muitas vezes e atingiu sua forma final no Trebnik de 1895. [58]

5. Conclusões

A análise dos eventos e documentos acima mostra claramente que o uso do batismo ou do crisma para aceitar os latinos na Igreja Ortodoxa tem sido uma questão determinada por diferentes aplicações dos cânones antigos devido à variedade de circunstâncias históricas nas relações entre a Ortodoxia e o Catolicismo Romano e às práticas oscilantes dos latinos no que diz respeito à administração do batismo. Isto, creio, de forma alguma minimiza ou compromete a integridade canônica ou a consistência da Igreja Ortodoxa. Os dois princípios de akribeia e oikonomia, que claramente estão por trás das diferentes aplicações, não são inconsistentes um com o outro, sugiro que eles são assimétricos um ao outro, embora o resultado que eles produzem seja o mesmo. A decisão pelo emprego de um, ou do outro, cabe à Igreja de cada vez, que age através de suas estruturas legítimas de autoridade. O Metropolita Crisóstomo de Éfeso tem se concentrado recentemente nestes dois princípios canônicos de akribeia e oikonomia ao tratar do reconhecimento dos sacramentos dos heterodoxos nas relações diacrônicas entre a Ortodoxia e o Catolicismo Romano.[59] Estes são os dois pulmões canônicos da prática ortodoxa, que têm sido e estão sendo usados pela autoridade governante da Igreja. Para ilustrar isto, ele cita Dositheos de Jerusalém, Cirilo IV de Constantinopla e São Nikodemos, o Hagiorita. Dositheos escreveu: "os assuntos eclesiásticos são vistos de duas maneiras, no modo de akribeia e no modo de oikonomia; sempre que não podem ser tratados no modo de akribeia eles são tratados no modo de oikonomia".[60] Cirilo IV, escrevendo aos Patriarcas de Antioquia e Jerusalém, especificou mais claramente que "a oikonomia é usada de tempos em tempos... de uma maneira óbvia... sempre que, isto é, a perda ou o perigo da alma se segue por necessidade". Por fim, São Nikodemos salienta em seu Pedalion "que dois tipos de administração e correção são mantidos na Igreja de Cristo, um é chamado akribeia e o outro oikonomia e condescendência; é por estes dois que os ministros (oikonomoi) do Espírito regulam a salvação das almas, usando às vezes um e às vezes o outro." [61]

Notas

1. Este artigo foi preparado e lido no Diálogo Ortodoxo / Católico Romano (EUA) em 1998. 

2. Todos estes podem ser encontrados em O Leme (Pedalion), ed. de Agapios o Hieromonge e Nikodemos o Monge, tradução da edição grega de 1908 de D. Cummings e publicado pela Sociedade Ortodoxa de Educação Cristã em Chicago Illinois em 1957, que também contém comentários elaborados e esclarecedores (cf. especialmente pp. 68-76, 217-220 e 400-402).

3. O cânone 7 do Segundo Concílio Ecumênico diz o seguinte: "Aqueles que abraçam a Ortodoxia e se juntam ao número daqueles que estão sendo salvos, nós recebemos segundo os seguintes ritos e costumes: Arianos, Macedônios, Sabatianos, Novacianos, aqueles que se chamam Cátaros e Aristeri, Quartodecimanos ou Tetraditas, Apolinaristas - estes recebemos quando entregam declarações e anatematizam toda heresia que não mantém as mesmas crenças que a santa Igreja católica e apostólica de Deus. Eles são primeiro selados ou ungidos com o santo Crisma na testa, olhos, narinas, boca e ouvidos. Enquanto os selamos, dizemos: O Selo do dom do Espírito Santo. Mas os eunomianos, que são batizados em uma única imersão, os montanistas (aqui chamados frigios), os Sabelianos, que ensinam a identidade do Pai e do Filho e fazem outras coisas intoleráveis, e todas as outras seitas - já que há muitos aqui, em especial de quem vem do país dos Gálatas - recebemos todos os que desejam deixá-los e abraçar a ortodoxia como fazemos com os gregos [pagãos]. No primeiro dia fazemos deles cristãos; no segundo catecúmenos; no terceiro os exorcizamos soprando três vezes em seus rostos e ouvidos; e assim os catequizamos e os fazemos permanecer na igreja e ouvir as escrituras; e depois os batizamos". 

4. "Aqueles que vêm dos hereges para a Ortodoxia e para o número daqueles que deverão ser salvos, nós recebemos de acordo com a seguinte ordem e costume: Arianos, Macedônios, Novacianos, que se chamam Cathari, Aristeri, e Tesareskaidecatitae, ou Tetraditae, e Apolinaristas, recebemos por sua apresentação de certificados [libelli] e por sua anátematização de toda heresia que não é sustentada pela Santa Igreja Católica e Apostólica de Deus: primeiro os ungimos com o Santo Crisma na testa, olhos, narinas, boca e ouvidos; e enquanto os selamos, dizemos: O selo do dom do Espírito Santo. Mas em relação aos Paulicianos que depois voltaram para a Igreja Católica, foi estabelecida uma regra de que eles devem, definitivamente, ser rebatizados. Os Eunomianos também, que batizaram com uma imersão, e os Montanistas, que aqui são chamados frigios; e os Sabelianos, que consideram o Filho idêntico ao Pai, e são culpados de fazer certas outras coisas graves, e todas as outras heresias, pois há muitos hereges aqui, especialmente aqueles que vêm da região dos Gálatas, todos eles desejosos de vir à Ortodoxia, nós recebemos como gregos [pagãos]. E no primeiro dia os fazemos cristãos, no segundo catecúmenos, depois no terceiro dia os exorcizamos, depois de soprar três vezes em seus rostos e ouvidos; e assim os catequizamos, e os fazemos permanecer na igreja e ouvir as Escrituras; e depois os batizamos. E aqueles que vêm dos Maniqueus, e dos Valentianos e dos Marcionitas e de todas as heresias semelhantes, nós os rebatizamos recebendo-os como gregos [pagãos]. Quanto aos Nestorianos, Eutiquianos e Severianos, e aqueles de outras heresias semelhantes, eles precisam entregar certificados e anatematizar sua heresia e Nestório e Eutiques e Dioscóro e Severo e os demais Exarcas de tais heresias e aqueles que pensam juntamente com eles, e todas as heresias acima mencionadas, e assim eles se tornam participantes da Sagrada Comunhão". Para o grego original veja, Vlasios Phidas, Ieroi Kanones, Atenas 1997, s. 176.

5. PG 104:744. 

6. Veja Acta et Scripta quae de controversiis Ecclesiae graecae et latinae [de Will], Lipsiae 1861, p. 182: to theion baptisma epitelontes, tou baptizomenou baptizontes eis mian kata dusin, to onoma tou Patros kai tou Hyiou kai tou agiou Pneumatos epilegontes, alla kai alatos pros toutô ta tôn baptizomenôn plêrousi stomata, See also, Oikonomou K., Ta sôzomena... tom. 1, (1862) s. 490. 

7. Veja Migne PG 104: 744: “hôs oi areianoi anabaptizousi tous en onômati tês agias Triados bebaptizomenous kai malista tous Latinous”. Cf. also PG 120:793 (A carta de Cerulário a Pedro de Antioquia) e PL 143:1003 (a Bula Papal de Excomunhão).

8. Ralli-Potle, Syntagma... Kanonôn, vol. 2, p. 10.

9. Veja Mansi, Sacrorum Conciliorum... Collectio, tom. 22, p. 1082 Em cl. 990 lemos: “Baptizatos etiam a Latinis et ipsi Graeci rebaptizare ausu temerario praesumebant: et adhuc, sicut acceptimus, quidam opere hoc non verentur”.

10. Cf. Germanos de Ainos, Peri tou kyrous... bibliografia abaixo (1952), p. 303. 

11. Isto é mencionado por Leão Allatius em seu De Concessione..., p.712: "De azymis, purgatorio, et de tribus modis administrandi baptisma". Constantino Oikonomos cita esta referência e acrescenta que o batismo latino por efusão (kat' epichusin) deve ser repetido (p. 465). Veja também Miklosich-Mueller, Acta et Diplomatica Patriarchatus Constantinopolitani, tom. ii (1862) p. 81.

12. PG 144: 22. Germanos de Ainos, Peri tou kyrous... bibliografia abaixo (1952) p. 304. 

13. Cf. M. Jugie, Theologia Dogmatica... bibliografia abaixo (1930), p. 92. 

14. Patriarca Dositheos, Tomos Katallagês..., p. 144. Citado por Germanos de Ainos, op. cit., p. 144.

15. "Ele chama o batismo por uma só imersão de muito impróprio e cheio de impiedade (pragma atopôtaton kai dussebeian anameson). Sua visão se baseia nos cânones apostólicos que afirmam claramente que os batizados por uma só imersão (eis mian katadusin) não são batizados (hôs mh baptisthentas) e devem ser rebatizados (anabaptêzesthai parakeleuontai)". Veja Miklosich-Mueller, Acta et Diplomatica patriarcharum..., I (1860) p. 439. Cf. Kattenbusch, Lehrbuch der vergleichenden Confessionskunde, Freiburg 1892, p.404. 

16. Em Constantine Oikonomos, Ta sôzomena..., tomo I (1862) p. 468. Também Dositheos, Tomos Katallagês ss. 203-204. 

17. Dositheos, Tomos Agapês, Iassi 1698, p. 582, 584.

18. Gregory Mammas (1469) mostrou que São Marcos era a favor do Crisma (PG 160: 137). Constantino Oikonomos acreditou que "São Marcos estava usando a economia". 

19. Seção 9, cap. 9. Joseph Vryennios, um monge Estudita e mestre de Marcos Eugenicos, condena o batismo por uma imersão em seu tratado, Dialexis peri tês tou agiou Pneumatos ekporeuseôs meta tou latinophronos Maximou tês taxeôs tôn kêrykôn. Ele se baseia para isso nos Cânones dos Apóstolos e na autoridade de São Basílio e São João Crisóstomo. Ele também observa que os latinos erroneamente fazem isso (eis mian katadusin baptizousi, hôs mê ophelon): Iôsêf Bryenniou ta Eurethênta, editado por Eugenios Voulgaris, Leipzig 1768, vol. 1, pp. 418-9. Vryennios também se refere a uma obra sem título Kephalaia Heptakis Hepta, que expõe a confusão latina sobre o batismo. "Alguns usam a imersão tripla, repetindo os nomes em cada imersão e imergindo sucessivamente primeiro os pés, depois o corpo, e por último a cabeça. Eles também olham para o Oeste:" lbid. vol. III (1781) p.106.

20. Veja Dositheos de Jerusalém, Tomos Agapês, Iassi 1698; ou Ralli e Potli, Syntagma Ierôn Kanonôn, tom. 5, pp. 143-147; ou M. Gedeon, Kanonika Diataxeis, tom. 2, Constantinopla 1889, pp. 65-69. Karmires, Ta Dogmatika kai Symbolika Mnêmeia, vol. ii, pp. 987-991. Para uma tradução francesa deste Acolouthy veja, L. Petit, Ichos d' Orient, 2 (1899) pp. 130-131.

21. Cf. Oikonomos, op. cit. p.406. 

22. Veja Mesolôras, Symbolika, Athens 1883, p. 226. 

23. Veja seu Istoria peri tôn en Ierosolymois Patriarcheuontôn, 1715, p. 525

24. Veja Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit., tom. 1, p.148 onde é feita menção a esta decisão, mas nenhum texto é fornecido. Gedeon relata que o texto foi publicado em tradução russa na Coleção de Leis do Império Russo, vol. 5, arte. 3225. O autor uniata A Palmieri publicou o texto em russo em seu artigo "La Rebaptisation des Latins chez les Grecs", Revue de l'Orient Chretien, 7 (1902) p. 640. Para o texto grego, veja Nea Sion, 19 (1924) 258-259. De acordo com Oikonomos, esta decisão foi simplesmente uma questão de "economia" (Veja seu Ta sôzomena..., tom. i, Atenas 1862, p. 509. Cf. também pp. 431 e 476). 

25. Veja Gedeon, Patriarchikoi Pinakes, p.626. Cf. também a obra de Neale, History of the Eastern Church: The Patriarchate of Antioch, Londres 1873, pp. 184-186.

26. Para as Atas deste Sínodo veja, Johannes Dominicus, "Synodi Constantinopolitanae de iterando baptismo a Latinis collato 1755 a mense ianuario ad iulium", em seu Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio, tom. xxxviii (1908) cls. 575-585. 

27. Veja Gedeon Patriarchikoi Pinakes. 1888, e 2ª edição, bibliografia abaixo (1996). Cf. também os ensaios na bibliografia abaixo de Savrames (1933) e Gritsopoulos (1959).

28. Veja Bibliografia abaixo: Paranikas (1875), Sathas (1885), Hypsilantes (1872), Georgiades (1882) e Alexandros Lavriotes (1900). 

29. Veja o relato do historiador Makraios em Sathas, bibliografia (1885).

30. Sobre o monge Auxentios veja especialmente Dapontes, bibliografia para (1766), Georgiades (1882) e Germanos Ainou (1952); também os historiadores Makraios e Hypsilantes citados acima. Veja também DM Paschali, "Auxentios o asceta da ilha de Andros...". Theologia II (1933) 302-318. [em grego]. 

31. Para o texto original, veja Eustratios Argenti, Rantismos Stêliteusis, 1756. Também Kanonika Diataxeis, de Gedeon, op. cit. tom. i (1888) pp. 252-255. A tradução fornecida aqui é baseada no livro Eu Confesso um só Batismo...; op. cit. na bibliografia abaixo (1984); com algumas alterações.

32. Veja o texto de Makraios em Sathas, op. cit. na bibliografia abaixo (1885). 

33. Op. cit. Bibliografia (1983) e (1994). 

34. Veja Makraios op. cit. e bibliografia Savrames (1933) e Gritsopoulos (1959). 

35. Além dos relatos de Makraios e Hypsilantes, veja Dyovounites, bibliografia (1915). 

36. Veja Kallinikos Proilavou, bibliografia (1931).

37. Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit., tom. 2, p. 256. 

38. Cf. Ekklesiastike Aletheia 1906, p.47. Citado por Germanos de Ainos, op. cit., p. 2, p. 256. 

39. Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit., tom. 2, p. 88. 

40. Citado por Germanos de Ainos, op. cit., p. 375.

41. Germanos de Ainos, op. cit., p. 315. Veja mais detalhes sobre isto em L. Petit, op. cit., pp. 132ff. 

42. Ibid. p.315. Também Delikanes Patriarchika Eggrapha ii, (1904) pp. 323-327. 

43. Veja. L Petit, op. cit. pp.133f, onde o texto do Libellus é apresentado em tradução francesa. Veja também ZN Matha, Atenas 1884, p. 182. Para o documento original grego do Memorando Patriarcal e Sinodal para esta ocasião, veja Karmires, Ta Dogmatika kai Symbolika Mnêmeia, vol. ii, pp. 993-998.

44. Theotokas, Nomologia, bibliography (1897) p. 369, citado por Germanos de Ainos, p. 316. 

45. Theotokas, Ibid. p. 370. 

46. Theotokas, Ibid. p. 370. 

47. Theotokas, Ibid. p. 371. 

48. Theotokas, Ibid. p. 371. 

49. Theotokas, Ibid. p. 316. 

50. Veja, L. Petit, op. cit. p. 135. 

51. Para este texto veja, MJ Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit. tom. ii (1889) pp. 365-373. Cf. também M.G. Theotokas, Nomologia...  e Agathangelos de Calcedônia, bibliografia (1931).

52. O texto foi extraído do Memorando do Metropolita Agathangelos de Calcedônia a Sua Santidade Patriarca Ecumênico Fócio, publicado em Orthodoxa, 6:66 (1931) pp. 418-9.  A tradução é minha. Outra edição está em Karmiris, Ta dogmatika kai Symbolika Mnêmeia, vol. ii, pp. 977f.

53. Veja Pravoslavny Sobieseidnik 1 (1884) pp. 153-180 e 3 (1863) 348-351. 

54. Veja L.Petit, op. cit., p.135. Também M Jugie, Theologia Dogmatica, Bibliografia (1930), pp. 92, 107.

55. Op. cit. vol. 3 (1863) 348-351. 

56. Cf. sua declaração: "Hina tous Latinous dia tês oikonomias exêmer?sê roV ?nôsin robib?zousa". op. cit. p.508.

57. Cf. Pravoslavny Sobieseidnik, vol. 2 (1861) 241-276, 391-418. 

58. Para uma tradução francesa, veja L Petit, op. cit., pp. 136-137. 

59. Veja minha resenha deste livro, "The Recognition of the Sacraments of the heterodox in the diachronic relations of Orthodoxy and Roman Catholicism", Edições Epektasi, Katerini 1995, que foi escrito para o Diálogo Internacional Ortodoxo Católico Romano, no Greek Orthodox Theological Review, 42:3-4 (1997), 569-572. 

60. Veja seu livro recente, p. 222.

61. Veja Pêdalion (O Leme)... Agapiou kai Nikodêmou, ekd. 2, Atenas 1841, s. 30.