Mostrando postagens com marcador David Bradshaw. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador David Bradshaw. Mostrar todas as postagens

domingo, 7 de junho de 2020

O Conceito das Energias Divinas (David Bradshaw)

Se passou mais de meio século desde que o Pe. Georges Florovsky, Vladimir Lossky e o Pe. John Meyendorff começaram a chamar a atenção do mundo ocidental para São Gregório Palamas (1296-1359).[2] Em linhas gerais, suas afirmações em seu favor enquadram-se em três tópicos: eclesiástico, histórico e teológico. No nível eclesiástico, eles mantiveram que o pensamento de Palamas não era meramente algo bizantino tardio arcano de interesse apenas para os estudiosos, mas que representava o ensinamento autêntico e afirmado autoritativamente da Igreja Ortodoxa Oriental. Do ponto de vista histórico, mantiveram que o pensamento de Palamas está em plena continuidade com o dos Padres Gregos, incluindo Santo Atanásio, os Padres Capadócios, São Dionísio o Areopagita (embora o Pe. Meyendorff tivesse reservas a este ponto), São Máximo o Confessor, São João de Damasco, e São Simeão o Novo Teólogo. Por fim, no nível teológico eles mantiveram que o ensinamento de Palamas assim entendido - ou seja, como o culminar da tradição patrística grega - é de valor essencial hoje, representando a melhor e mais convincente forma de entender a relação de Deus com o mundo.

Essas três afirmações tiveram destinos muito diferentes. A primeira ganhou aceitação praticamente unânime; a segunda ganhou ampla aceitação, embora longe de unanimidade, e continua sendo objeto de debate acadêmico; e a terceira não recebeu muita atenção, para não falar de concordância, para além dos limites da Ortodoxia. Raramente se encontra Palamas sendo mencionado dentro das discussões populares ou semi-populares do cristianismo, ou em obras de estudiosos fora da teologia acadêmica. Dentro dos meus próprios dois campos, a história da filosofia e a filosofia da religião, ele permanece virtualmente desconhecido. Isso não acontece porque os filósofos não se interessam pela tradição cristã; o mesmo período tem visto análises filosóficas abundantes do pensamento de Agostinho, Anselmo, Aquino, Scotus e outros. Isso ocorre porque, para a maioria dos estudiosos ocidentais, a tradição cristã permanece quase que exclusivamente a tradição cristã ocidental. Apesar de seu considerável valor, a obra de Florovsky, Lossky e Meyendorff não conseguiu fazer muita diferença diante dessa predominante predileção.

Quais são as razões por não terem conseguido? Acredito que houve duas causas primárias. Os defensores de Palamas não conseguiram colocar seu pensamento dentro da história da filosofia ocidental, da forma como Agostinho, Aquino e os demais luminares que mencionei podem ser colocados dentro dela; e não conseguiram explicá-lo diretamente em relação às suas fontes bíblicas. Certamente, essas duas exigências podem parecer funcionar com propósitos diferentes, pois a primeira nos faria chegar a Palamas via Platão, Aristóteles e Plotino, e a segunda nos faria lê-lo diretamente sob a luz da Escritura. Mas é importante lembrar que a Bíblia e a filosofia grega não são dois âmbitos de discurso separados e distintos. Uma vez que tratam do mesmo assunto - Deus e a alma, como disse Agostinho - e trabalham na mesma língua (grego) com grande parte da mesma bagagem de conceitos, cada uma lança luz sobre a outra. Isto é especialmente evidente no caso do conceito das energias divinas, que é tão central ao pensamento de Palamas. Energeia é um termo cunhado por Aristóteles e de grande importância para a filosofia grega, mas é também proeminente nos escritos paulinos, ocorrendo ali (como substantivo ou o verbo correspondente, energein) vinte e seis vezes. Para compreender o uso que os Padres Gregos fizeram desse conceito, e particularmente Palamas, é preciso levar em conta essas duas fontes sobrepostas e interligadas.

No que segue eu tentarei introduzir o conceito das energias divinas, apresentando-o em relação às suas fontes filosóficas e bíblicas. Inevitavelmente terei que deixar passar muitos pontos de interesse, e de fato a história como contarei aqui meramente resume em detalhes a obra que apresentei em outro lugar.[3] Falarei relativamente pouco sobre o próprio Palamas, pois os pontos básicos do conceito das energias divinas surgiram muito antes de Palamas nos Padres Capadócios do século IV. No entanto, embora Palamas só entra em cena próximo do fim, espero fornecer o pano de fundo essencial à luz do qual sua obra deve ser compreendida e avaliada.


Como já mencionei, o termo energeia foi cunhado por Aristóteles. Suas primeiras obras o utilizam para significar o exercício ativo de uma capacidade, como o da visão ou do pensamento, distinto da mera posse da capacidade. É fácil ver como desde esse início ele passou a ser utilizado de duas formas, de outra forma não relacionadas, para a atividade e para a atualidade. (Seu termo correlato dunamis também tem dois significados, capacidade e potencialidade). Estes dois sentidos, que nos parecem bastante distintos, às vezes se reconvergem. Em Metafísica ix.6 Aristóteles distingue energeia e movimento - ou mudança (kinēsis) -  com base no fato de que um movimento ou mudança é ordenado para algum fim extrínseco - como a construção de casas tem como objetivo uma casa - ao passo que uma energeia é o seu próprio fim.  Os exemplos que ele apresenta são ver, pensar, entender, viver bem e felicidade [eudaemonia]. Evidentemente são atividades, mas são atividades que são plenamente atuais no sentido de que elas contêm seu próprio fim e, portanto, são plenamente completas a cada momento de sua existência, ao invés de exigirem um período de tempo para sua conclusão. Aristóteles ilustra essa diferença com o chamado "teste do tempo verbal", ou seja, que a cada momento que alguém vê (ou pensa, ou assim por diante) ele também "viu", ao passo que a cada momento que alguém constrói uma casa, ele também não construiu uma casa.

A aplicação mais interessante da energeia neste sentido se encontra na teoria de Aristóteles sobre o Primeiro Motor. O  Primeiro Motor é um ser cuja substância (ousia) é energeia (Met. xii.6 1071b20). Isto é verdade em três sentidos distintos, mas relacionados. Primeiro, como o Primeiro Motor é utilizado para explicar o movimento, ele mesmo não pode estar sujeito ao movimento e, portanto, ele é pura atualidade, no sentido de não ter potencialidade para mudar ou ser agido. Segundo, pelo fato de sua atividade de causar movimento ter de ser contínua e eterna, ele não pode ter capacidades não-realizadas para agir; tudo o que ele pode fazer já faz e tem feito desde toda a eternidade, tudo de uma vez e como um todo. Também neste sentido ele é pura atualidade.

Para o terceiro sentido, devemos considerar mais de perto o que o Primeiro Motor faz. Aristóteles percebeu que a noção de uma causa que move os outros sem ela mesma ser movida ou mudada é bastante intrigante. Sua explicação inicial de como isto é possível é que o Primeiro Motor move os outros como um "objeto de pensamento e desejo" (Met. xii.7 1072a26). Esta explicação está longe de ser satisfatória, pois não deixa claro porque o Primeiro Motor deve agir para causar movimento, como todo o argumento pressupôs desde o início. Assim, Aristóteles desenvolve essa idéia com sua famosa teoria de que o Primeiro Motor é um pensamento auto-pensante, um ser cujo "pensamento é pensamento de pensamento" (Met. xii.9 1075b34). Precisamente como isto esclarece de que forma o Primeiro Motor é uma causa de movimento é uma questão controversa que não precisamos entrar aqui.4 Para nossos propósitos o importante é que isto implica que há um terceiro sentido no qual o Primeiro Motor é energeia, desta vez no sentido de atividade ao invés de atualidade: ou seja, a substância do Primeiro Motor nada mais é do que a atividade auto-subsistente do pensamento.

Evidentemente isso não significa que o Primeiro Motor não pensa em nada exceto em si mesmo e, portanto, tem uma mente bastante empobrecida. Pelo contrário, seu pensamento, de alguma forma, abrange todo o conteúdo inteligível possível; afinal, se não o fizesse, haveria um tipo de pensar no qual poderia engajar-se, mas não o faz, e a esse respeito deixaria de ser plenamente atual. Ao dizer que o Primeiro Motor 'pensa a si mesmo', o que Aristóteles quer dizer é que, precisamente porque seu ato de pensar é plenamente atual, esse ato é idêntico ao seu objeto, pois não há nada além do objeto - nenhuma potência não-realizada - constituindo o ato como aquilo que ele é. A compreensão de Aristóteles sobre o Primeiro Motor é, a este respeito, semelhante à visão de Hume de que o eu é um conjunto de impressões e idéias. (Quanto ao pensamento humano, Aristóteles diria que nossos eus são distintos do nosso pensamento atual, pois incluem uma vasta gama de potências não-realizadas; no caso do Primeiro Motor, entretanto, essa distinção desaparece). Dada a identidade do pensamento do Primeiro Motor com seu objeto, um resultado notável segue: o Primeiro Motor não só pensa todo o conteúdo inteligível possível, ele é todo conteúdo inteligível possível, existindo tudo de uma só vez como uma única substância eterna e plenamente atual. Aristóteles não extrai essa conclusão explicitamente, mas comentadores posteriores, a começar por Alexandre de Afrodísia, o fizeram, e ele se tornou um ingrediente fundamental na síntese de Platão e Aristóteles realizada pelos Neoplatonistas.

Meu interesse aqui não está no Primeiro Motor como tal, mas no que tudo isso implica sobre o significado de energeia. No Primeiro Motor temos um ser que tanto pensa como é todo o conteúdo inteligível possível, existindo como um único todo eterno e imutável. A estrutura inteligível das coisas, porém, é o que faz com que elas sejam o que são. (Esta é a doutrina aristotélica conhecida que forma é substância, articulada particularmente em Metafísica vii.17).  Assim, pode-se igualmente dizer que o Primeiro Motor está presente em todas as coisas, conferindo [transmitindo] - ou melhor, constituindo - a estrutura inteligível delas, e, portanto, o ser delas. Diante de tudo isso, quando dizemos que o Primeiro Motor é pura energeia, como devemos traduzir esse termo? Atividade? Atualidade? Simplesmente, a resposta é ambos - e, portanto, nenhum dos dois. Parece-me que o mais próximo que podemos chegar em inglês é dizer que é pura energia. Especificamente, tenho em mente o sentido deste termo dado no American Heritage Dictionary como um "poder exercido com vigor e determinação", e ilustrado com a frase, "devotar as próprias energias a uma causa digna". Mas é claro que nenhuma ilustração extraída de objetos ordinários será adequada à noção de um ser que é pura energia, uma energia que constitui o ser de outras coisas.

Ao mesmo tempo, observemos que Aristóteles assume que pode-se falar de forma sensível sobre como é ser o Primeiro Motor. Por exemplo, ele afirma que seu modo de vida é "como o melhor do qual desfrutamos ..., pois sua energia (energeia) também é deleite", e acrescenta que ele "está sempre naquele bom estado em que às vezes nós estamos" (Met. xii.7 1072b14-25). Para que não pensemos na identificação do Primeiro Motor com a energia como uma espécie de redução fisicalística, devemos lembrar que ele é um ser com estados mentais em algum sentido análogos aos nossos. Que existe tal analogia é pressuposto na identificação de sua atividade como pensamento (noēsis), pois pensar é algo em que nós também nos engajamos, embora de forma incomparavelmente mais parcial e limitada.

A relevância de tudo isso para a teologia patrística torna-se mais clara quando vemos como isso foi adaptado e retrabalhado dentro do Neoplatonismo. Para tal, devemos levar em conta uma maneira bem diferente de pensar sobre o primeiro princípio, que se desenvolveu ao lado daquela de Aristóteles e representa uma alternativa radical a ela. Sem dúvida, muitas críticas podem ser feitas à teologia de Aristóteles, mas uma das mais importantes é que ela não tem espaço para um senso apropriado do mistério do divino. Afinal, se o Primeiro Motor é a soma de todo conteúdo inteligível, então o que ele é pode, em princípio, ser compreendido pelo ato de pensar (noēsis), por mais longe que o nosso próprio pensar fique aquém desse ideal.  A exortação de Aristóteles, perto do fim de sua obra Ética a Nicômaco, para que nos tornemos como Deus, engajando-nos na contemplação (x.7 1177b32-35) é uma ilustração de como, a seu ver, a atividade intelectual humana é capaz de nos levar ao isomorfismo parcial com a própria essência de Deus.

Basta nos dirigirmos a Platão para ver que uma maneira radicalmente diferente de pensar sobre o primeiro princípio é possível. Como essa alternativa veio a tomar forma dentro do Neoplatonismo, ela é a síntese de três elementos distintos. O primeiro é a famosa afirmação na República de que o Bem é "além do ser" (509b). Esta afirmação só adquire todo o seu peso quando considerada à luz da associação, que era tradicional na filosofia grega pelo menos desde Parmênides, entre o ser e a inteligibilidade. Se é verdade, como diz Parmênides, que "o mesmo é tanto pensar quanto ser" (Frag. 3), então, se o Bem é além de ser, também deve ser além da inteligibilidade. A força de atração para essa conclusão foi tão forte que os Neoplatonistas a adotaram sem hesitação, ignorando silenciosamente outros aspectos na República que sugerem que o Bem é um objeto inteligível.

O segundo elemento é a descrição do Uno na Primeira Hipótese de Parmênides. Nesta seção do diálogo, Parmênides oferece a interpretação mais rigorosa possível para a noção de unidade. Ele conclui que o Uno não tem limites ou forma, não se encontra em repouso nem em movimento, não é semelhante nem dessemelhante a qualquer outra coisa nem mesmo a si mesmo e, por fim, que não participa do ser, não tem nome e não é objeto de conhecimento, percepção ou opinião (Parm. 137c-142a). Tomada isoladamente, essa descrição totalmente negativa pode parecer não passar de uma reductio dialética da interpretação parmenidiana da unidade. Havia, no entanto, um terceiro elemento no pensamento de Platão, que levou os neoplatonistas a ver nele algo em vez de uma forma de gesticular, totalmente por negação, em direção a uma realidade inefável. Esse terceiro elemento foi a descrição do Uno nas doutrinas não escritas de Platão. Aristóteles nos diz em Metafísica que Platão apresentou um Uno que, em conjunto com a Diáda Indefinida, é a fonte das Formas (Met. i.6). Ele também observa que alguns na Academia identificaram este Uno com o Bem (Met. xiv.4 1091b13-14). É bastante plausível ver o próprio Platão como estando entre este grupo, pois afinal o Bem na República é também a fonte das Formas, na medida em que ele é a causa do ser e da verdade das mesmas. [5] Intérpretes posteriores, juntando estes vários fragmentos, concluíram que o Uno das doutrinas não escritas, o Uno de Parmênides, e o Bem na República são um só e o mesmo.

Aqui temos, então, um primeiro princípio bem diferente do de Aristóteles: incognoscível, inominável, a fonte do ser para outras coisas, enquanto ele mesmo "além do ser". Mas, por ser também o Bem, todas as coisas de alguma forma incipiente o buscam. A grande conquista de Plotino foi harmonizar essa concepção platônica do primeiro princípio com a de Aristóteles. Plotino identificou o Uno (ou Bem) como o primeiro princípio último, e o Primeiro Motor de Aristóteles renomeou como Intelecto (nous), a primeira hipóstase após o Uno.  O Uno é uma não-coisa, não é um ser em particular, porque é a fonte de todo ser em particular. No transbordamento de sua bondade ele dá origem ao Intelecto, que é todas as coisas na medida em que ele está presente em todas como seu ser, inteligibilidade, vida e outras perfeições.  O objeto do pensamento do Intelecto é de certa forma o Uno, mas como o Intelecto não pode apreender o Uno em sua unidade, ele o refrata em uma vasta gama de objetos inteligíveis separados (noēta), que são as Formas. Um aspecto importante desta síntese plotiniana é seu cuidadoso equilíbrio entre os modos apófático e catafático de descrição. O Uno é primariamente (embora não apenas) descritível apofaticamente, em termos do que ele não é; o Intelecto é primariamente (embora não apenas) descritível catafaticamente, em termos do que ele é.

Para nossos propósitos, claro, o ponto mais importante é o uso que Plotino fez do conceito de energeia. Eu argumentei anteriormente que o Primeiro Motor é pura energia, uma energia que constitui o ser de outras coisas. É natural perguntar se esta concepção é verdadeiramente coerente; isto é, se uma energia que não é a energia de alguma coisa, algum agente ativo que não é ele mesmo simplesmente idêntico à energia, realmente faz sentido. Plotino responde a esta pergunta com a chamada "teoria dos dois atos". O Intelecto emana do Uno precisamente como seu ato ou energia externa, o que Plotino chama de energeia ek tēs ousias, a energia que emana da substância. Até aqui, portanto, a resposta é que o Intelecto, como uma energia, é dependente do Uno. No entanto, Plotino estava demasiado imerso em Aristóteles para pensar que a substância não é em si uma espécie de energeia (ponto enfatizado em Metafísica viii.2). Assim, ele também apresenta uma energeia tēs ousias, um ato ou energia interna constituindo a substância, da qual o ato externo é uma espécie de imagem. Sua ilustração favorita é o fogo, que tem um calor interno que constitui sua substância e um calor externo que ele emite para o mundo, mas a distinção deve ser perfeitamente geral.

Em última análise, resulta que o ato interno de todas as coisas, que não o Uno, é alguma forma de contemplação, pois todas as coisas, que não o Uno, são o que são ao contemplar o seu anterior na cadeia da emanação. Se o próprio Uno possui um ato interno é um ponto sobre o qual Plotino hesitou. Creio que ele concluiu que a resposta é sim, e identificou esse ato com uma autoconsciência plenamente direta e não mediada.[6] Este é um ponto que teve pouca influência dentro da tradição patrística grega, no entanto, a menos que haja um eco dele na declaração de Gregório de Nissa de que "a vida do Ser Supremo é amor."[7]

II 

Tal, em linhas gerais, é a tradição filosófica grega relativa a energeia. Agora passemos a São Paulo. Na interpretação dos usos paulinos de energeia é importante estar atento aos desenvolvimentos sutis do significado do termo durante a época helenística. Como uma ajuda para a clarificação, observemos primeiro a amplitude do significado do termo inglês 'energy'. Aqui está o verbete para 'energy' no American Heritage Dictionary:
1. a. Vigor ou poder em ação. b. Vitalidade e intensidade de expressão. 2. A capacidade de ação ou de realização: faltou-lhe energia para terminar o trabalho. 3. (Geralmente plural) Poder exercido com vigor e determinação: devotar as próprias energias a uma causa digna. 4. (Física) O trabalho que um sistema físico é capaz de realizar na mudança do seu estado atual para um estado de referência especificado.
Podemos deixar de lado o sentido 4 por ser irrelevante para o período antigo. Para mostrar que energeia significa energia em um autor antigo, deve-se mostrar que seu sentido corresponde a um dos sentidos de 1-3. Já sugeri que dentro da discussão de Aristóteles sobre o Primeiro Motor, ele ocorre aproximadamente no sentido 3. Entretanto, esta utilização por Aristóteles teve pouco impacto durante o período helenístico, quando os tratados técnicos de Aristóteles, incluindo Metafísica, aparentemente não estavam em circulação.[8] Mais frequentemente em autores helenísticos energeia significa ou 'atividade' ou 'atividade característica, operação'. Há também passagens ocasionais em Polybius e Diodorus Siculus onde seu significado corresponde ao de 'energia' no sentido 1, um desenvolvimento aparentemente impulsionado por algumas passagens ambíguas na Retórica de Aristóteles.[9]

São Paulo
Quando nos voltamos para São Paulo em contraste com este pano de fundo helenístico, o primeiro ponto que chama a atenção é que Paulo reserva energeia e energein (a forma ativa do verbo correspondente) para a ação de agentes espirituais - Deus, Satanás, ou demônios.[10] Isso foi algo sem precedentes. Fontes anteriores tinham usado ambos os termos livremente de várias maneiras, inclusive para a ação de objetos materiais, seres humanos e os elementos naturais, bem como de seres espirituais. Isto é verdade até mesmo para duas fontes que, em outros aspectos, frequentemente fornecem precedentes importantes para o uso paulino, a Septuaginta e Filo de Alexandria.[11]

A restrição de Paulo de energeia e energein à ação sobrenatural foi tão marcante que aparentemente estabeleceu um precedente para a literatura cristã subsequente. As doze ocorrências dos dois termos nos Padres Apostólicos se referem todas às ações de Deus, Cristo, anjos, ou demônios. Por exemplo, no Pastor de Hermas pureza, santidade e contentamento são energeiai do anjo da justiça que acompanha todo homem, e raiva, amargura, gula, luxúria e orgulho são energeiai do anjo da iniquidade.(12) A Epístola de Barnabé refere-se a Satanás simplesmente como ho energōn, "o ativo", e Primeiro Clemente fala de como Deus manifesta as estruturas eternas do mundo pela ação que realiza (tōn energoumenōn).(13) O mesmo padrão existe nos Apologistas Gregos.  Em Justino Mártir energein é praticamente um termo técnico para a atividade dos demônios, sendo utilizado assim em dezenove de suas vinte ocorrências. Justino da mesma forma utiliza energeia exclusivamente em relação aos agentes sobrenaturais -  quatro vezes em relação aos demônios, uma vez em relação a Deus e outra em relação a Cristo. Atenágoras (em Legatio) e Teófilo, juntos, usam as duas palavras vinte e duas vezes, todas em referência a Deus, demônios ou ídolos (que eles consideram como demônios sob outro nome). [14]
Esta associação entre energeia/energein e agência sobrenatural não foi desprovida de efeito sobre o significado dos dois termos. A energeia de um agente sobrenatural, quando ela está presente em um ser humano, é mais prontamente entendida como um poder ou capacidade para certos tipos de ação.  Assim, encontramos energeia mudando para o significado de uma "capacidade de ação ou de realização" ('energia' no sentido 2), e energein mudando para o significado de "ser ativo de uma maneira que transmite uma energia". Até que ponto essas mudanças aconteceram dentro de uma determinada passagem é muitas vezes difícil de se determinar, mas em geral me parece que elas já são aparentes nos Apologistas Gregos. Assim Justino diz que Moisés "pela inspiração e energia (energeian) de Deus, pegou bronze e fez uma figura de cruz", e que Simão Mago foi capaz de realizar atos de magia "pela habilidade dos demônios energizantes" (dia tēs tōn energountōn daimonōn technēs).[15] Teófilo relata que demônios expulsos pelo exorcismo se vangloriaram de terem outrora transmitido energia ativamente em Homero, Hesíodo e outros poetas pagãos (eis ekeinous energēsantes). [16] Atenágoras semelhantemente afirma que os profetas proferiram o que foi energizado dentro deles pelo Espírito Santo (ha enērgounto exephōnēsan).[17] Reconhece-se que, na maioria dos casos, se considerarmos energeia como atividade ou operação, e energein como ser ativo ou operar, teremos um sentido aceitável (embora menos vívido). Mas no terceiro século há claramente passagens onde energia no sentido 2 é o único significado possível. Por exemplo, nas Constituições Apostólicas, o autor, falando como um dos Apóstolos, afirma que no Pentecostes "o Senhor Jesus nos enviou o dom do Espírito Santo, fomos preenchidos com Sua energia (eplēsthēmen autou tēs energeias) e falamos com novas línguas".[18] Traduzir esta afirmação como "fomos preenchidos com Sua atividade (ou operação)" fracassaria em expressar sua clara importância, que é que o Espírito Santo estava ativamente presente nos apóstolos, transmitindo uma nova capacidade de ação.

Até que ponto o uso do próprio São Paulo se encaixa neste padrão? Esta pergunta não admite uma resposta simples, pois o uso de São Paulo é sutil e variado. Uma razão pela qual a maioria dos estudiosos tem sido hesitante em ver nisso algo mais do que os significados tradicionais dos dois termos é que (ao contrário dos Padres Apostólicos e dos Apologistas Gregos) ele aparentemente não reserva a forma média/passiva de energein, energeisthai, para os agentes espirituais. Tomando esse verbo como médio, como ele é normalmente traduzido, os sujeitos dos quais ele é usado incluem "os movimentos do pecado", conforto, morte, fé, poder, a energeia divina, a palavra de Deus e o "mistério da iniquidade".[19] É certamente estranho que Paulo use o substantivo e a forma ativa do verbo com consistência programática, ao passo que usa a forma média de maneira aparentemente tão aleatória.

Na verdade, pode ser demonstrado que energeisthai na antiguidade nunca é médio, mas apenas passivo, e além disso, que o uso do termo por Paulo foi uniformemente considerado como passivo pelos Padres da Igreja. Assim entendido, o significado de energeisthai se enquadra como correlativo à energein, significando (dependendo do contexto) ou "ser atuado" ou "ser tornado efetivo, ser energizado". Que energeisthai é passivo já foi reconhecido em torno da virada do século passado por dois eminentes estudiosos do Novo Testamento, Joseph B. Mayor e J. Armitage Robinson. [20] Infelizmente o trabalho deles foi ignorado pela maioria dos tradutores e lexicógrafos subsequentes, como acontece, por exemplo, no artigo sobre energein no Dicionário Teológico do Novo Testamento. A principal causa deste equívoco parece ser o legado da Reforma.

A principal causa deste descuido parece ser o legado da Reforma. Um dos principais textos sobre a questão do sola fide é Gálatas 5:6, "Estar circuncidado ou incircunciso de nada vale em Cristo Jesus, mas sim a fé di’ agapēs energoumenē". Se tomarmos energoumenē aqui como médio, então o significado é (como traduzido pela A.V.) "fé que opera pelo amor". Se tomarmos energoumenē como passivo, então o significado ou é "fé que se torna [tornada] efetiva pelo amor", ou, mais pontualmente, "fé energizada pelo amor". Obviamente um adepto do sola fide deve insistir na primeira destas interpretações, e é isso que Lutero faz em seu comentário sobre Gálatas.[21] Por uma ironia da história, os polemicistas Católicos também tiveram que aceitar esta interpretação, pois a frase é traduzida na Vulgata como fidem quae per caritatem operatur, e a Vulgata foi confirmada como a tradução Católica Romana oficial pelo Concílio de Trento.  (De fato, a Vulgata, de forma consistente, traduz tanto energein quanto energeisthai como operatur, irremediavelmente confundindo qualquer tentativa de distingui-los.) [22] O resultado foi que ambos os lados tiveram um importante papel na manutenção da visão tradicional.

Não vou repetir aqui a evidência de que energeisthai é passivo, simplesmente observando que me parece tão sólido quanto tal caso poderia ser.[23] Uma vez que o verdadeiro significado desta palavra é reconhecido, o uso de Paulo nos versículos anômalos acaba se encaixando no padrão predominante, pois o agente não expresso em praticamente todos os casos é Deus ou Satanás. Eu revisei em outro lugar todas as passagens relevantes em detalhe.[24] Aqui vou mencionar apenas algumas que parecem especialmente significativas. Uma é Colossenses 1:29, onde Paulo se refere a si mesmo como "esforçando-se segundo a operação (ou energia, energeia) de Cristo, que é tornada efetiva (ou energizada, energoumenēn) em mim" (Colossenses 1:29).  Este versículo traz bem à tona a tendência sinérgica do pensamento de Paulo. Por um lado, a energia divina está operando [agindo] dentro de Paulo, transformando-o, de modo que, a partir deste ponto de vista, ele é o objeto da atividade de Deus; por outro, ela encontra expressão na própria atividade de Paulo, de modo que a livre agência [ação] de Paulo e a de Deus coincidem. De fato, não só as ações a que Paulo alude nesta passagem exibem pleno engajamento e autocontrole, elas assim o fazem mais do que as suas ações anteriores à sua conversão. Como a história é contada em Atos, Saulo ficou preso no auto-engano até que Deus o libertou no caminho de Damasco. Agora a energia divina que opera nele também é sua, mais verdadeiramente do que qualquer coisa que ele fez foi sua antes de ele parar de "recalcitrar contra os aguilhões" (Atos 9:5).

Outras passagens também evidenciam o que acredito que podemos chamar, sem exagero, a ontologia sinérgica de Paulo. Uma de particular clareza é Filipenses 2:12-13: "De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai (katergazesthe) a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós (ho energōn en humin) tanto o querer como o efetuar [fazer] (energein), por sua boa vontade." Aqui a exortação para agir é acompanhada de um lembrete de que é Deus quem está agindo. Nenhum dos dois nega o outro; os filipenses são ao mesmo tempo agentes livres responsáveis pela sua própria salvação, e a arena em que Deus opera para realizar essa salvação. Tendo esta dualidade em mente, poderíamos legitimamente traduzir, "Deus é o que transmite energia em vós tanto o querer como o efetuar, por sua boa vontade", onde "efetuar" se refere tanto à ação dos filipenses como à ação de Deus como ela é expressa neles. Esta tradução ajuda a mostrar por que para Paulo não há contradição em exortar os filipenses a fazer algo que ele também entende como a obra [ação] de Deus. A natureza peculiar da atividade de Deus é que ela transmite a energia para fazer a Sua vontade, embora essa energia tenha de ser livremente expressa ou "trabalhada" [operada] para ser eficaz.

Por fim, observemos uma passagem que foi de suma importância para os Padres Gregos, a descrição dos dons do Espírito em I Coríntios 12.
Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo. Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.E há diversidade de operações (energēmatōn), mas é o mesmo Deus que opera (ho energōn) tudo em todos.... Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; e a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; e a outro a operação de milagres; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito opera (energei) todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer. (12:3-11)
Esta passagem começa com a afirmação de que mesmo uma ação tão ordinária e voluntária como dizer que Jesus é o Senhor requer a cooperação do Espírito. Segue listando uma variedade de dons espirituais, cada um deles um energēma (algo realizado) do Espírito. Eles incluem não só dons extraordinários como a operação de milagres, mas também qualidades mais comuns, como a fé e a "palavra de sabedoria". Mais uma vez, não há uma linha divisória entre o natural e o divino. Qualquer crente é chamado a uma vida de cooperação contínua com o Espírito, uma cooperação que pode se manifestar de inúmeras maneiras, tanto excepcionais como mundanas.

Falar de sinergia poderia ser equivocado se isso indicasse um quadro de dois agentes iguais que simplesmente optam por trabalhar juntos. Evidentemente, como nesses casos um é o Criador e o outro uma criatura, a ação do último depende, para sua realidade, do apoio ativo do primeiro. Considero que Paulo interpreta esta noção à luz da experiência comum (que ele partilhou vividamente) de sentir que as ações de cada um não eram verdadeiramente suas enquanto a pessoa estava mergulhada no pecado e no auto-engano. Na sua concepção, a sinergia, a cooperação de Deus e do homem, não é uma relação simétrica nem é uma relação em que o poder divino suplanta e substitui o humano. É, ao invés disso, uma em que o humano se torna plenamente humano ao abraçar o divino. Esta não é uma idéia radicalmente nova; de fato, é um tema proeminente no Antigo Testamento.[25] O que é novo é o uso do vocabulário de energeia para expressá-lo.
III

Estamos agora em condições de ver o uso que os Padres Gregos fizeram dessas idéias. Para ser breve, vou focar na controvérsia eunomiana de meados do século IV. Eunômio era um ariano filosoficamente sofisticado que tinha um simples argumento de que o Filho não é Deus. O argumento era que Deus é ingênito ou não-gerado, e, mais ainda, isso não é apenas um atributo privativo ou uma concepção humana, mas a própria essência divina (ousia). Uma tal ousia não pode ser compartilhada com outro através da geração; assim, o Filho, que é gerado do Pai, não pode ser de uma só essência (homoousion) com o Pai. Quanto a termos como "vida", "luz", e "poder", que no Novo Testamento são usados tanto em relação ao Pai como ao Filho, Eunômio argumentou que eles devem ser entendidos de forma diferente nos dois casos. Uma vez que a essência divina é inteiramente simples, "cada palavra usada para significar a essência do Pai é equivalente em força de significado a 'o ingênito' (para agennēton)". [26] Ditas a respeito do Pai tais palavras significam a essência divina; ditas a respeito do Filho elas significam uma criatura.

A tarefa de responder a Eunômio coube a São Basílio de Cesaréia. Basílio se opôs tanto à premissa de que a ousia divina pode ser conhecida quanto à de que, por causa da simplicidade divina, todos os termos não-privativos ditos a respeito de Deus são idênticos em significado. Ele escreve:
Dizemos que conhecemos a grandeza de Deus, Seu poder, Sua sabedoria, Sua bondade, Sua providência sobre nós, e a justiça de Seu julgamento, mas não Sua própria essência (ousia)... "Mas Deus," diz ele [Eunômio], "é simples, e qualquer atributo d'Ele que você tenha considerado como cognoscível pertence à Sua essência." Os absurdos envolvidos neste sofisma são inumeráveis. Quando todos esses sublimes atributos são enumerados, todos eles são nomes de uma essência? E há a mesma força mútua em Sua magnitude e Sua bondade, Sua justiça e Seu poder criador, Sua presciência e Sua concessão de recompensas e punições, Sua majestade e Sua providência? Ao mencionar qualquer um destes, estamos declarando Sua essência?
A questão, então, é como caracterizar a distinção entre aquilo que em Deus não pode ser conhecido (a ousia divina) e aquilo que pode ser conhecido, como o poder, a sabedoria e a bondade divinas. A resposta de Basílio emerge na continuação da passagem:
As energias são várias, e a essência simples, mas dizemos que conhecemos nosso Deus através de Suas energias, mas nós não pretendemos nos aproximar de Sua essência. Suas energias descem até nós, mas Sua essência permanece além do nosso alcance. [27]
Como eu o entendo, Basílio está aqui aplicando ao Deus cristão a distinção entre ousia e energeia encontrada na tradição filosófica, e particularmente em Plotino.

O fato dele fazer isso levanta pelo menos duas questões distintas. Uma é a da relação ontológica entre a essência e as energias. Em Plotino o ato externo do Uno emana como a hipóstase distinta do Intelecto. Algo semelhante é verdadeiro aqui em Basílio? A outra questão é a da liberdade divina, ou, mais precisamente, da capacidade de fazer algo diferente. Em Plotino, o Uno não poderia fazer algo diferente do que produzir o Intelecto. Obviamente, Plotino vê este fato não como uma deficiência, mas como uma expressão da liberdade do Uno, pois nada além da própria natureza do Uno o determina a agir como ele age. Em contraste, na tradição cristã Deus é considerado suficientemente semelhante a uma pessoa e, pelo menos em alguns casos, como a criação do mundo, Ele poderia fazer algo diferente. Deveríamos então dizer que Suas energias poderiam ser diferentes do que são?

Quanto à primeira questão, claramente para Basílio as energias não são uma hipóstase separada ou uma série de hipóstases; antes, elas são atos que Deus realiza. Muitos estudiosos prefeririam, na realidade, traduzir energeia na passagem que citei como 'operação', e considerar Basílio como dizendo apenas que as operações de Deus descem até nós. Creio que toda a história da distinção entre ousia divina e energeia, tanto no pensamento pagão como no cristão, argumenta contra tal posição. Encontro apoio neste ponto em um interessante argumento semântico apresentado pelo irmão de Basílio, São Gregório de Nissa. Gregório adota a concepção, que era difundida na antiguidade, de que um nome é de alguma forma indicativo da forma ou das características intrínsecas da coisa nomeada. Como Deus não tem forma, Ele não tem nome no sentido próprio. Ao invés disso, termos como "deus" (theos) denominam a energeia divina de supervisão ou governança.[28] (Gregório deriva theos de theaomai, contemplar/observar). Aqui é claro que, por energeia, Gregório tem em mente uma operação. Entretanto, não pode ser apenas uma operação, pois então ao falar de Deus estaríamos falando de uma operação de Deus - ou seja, uma operação de uma operação, e assim por diante em uma regressão infinita. De alguma forma, por energeia, Gregório e Basílio parecem entender tanto aquilo que Deus é, quanto aquilo que Deus realiza.

Acredito que isto é perfeitamente inteligível à luz da história que temos percorrido. Desde a época de sua introdução por Aristóteles, energeia sempre indicou a energia que Deus tanto é como age. Plotino refinou este quadro ao distinguir entre o ato interno e o externo, mas não o derrubou. Basílio e Gregório, por sua vez, corrigem Plotino ao rejeitar a distinção de hipóstase entre o Intelecto e o Uno. Para eles a distinção relevante é, antes, aquela entre Deus como Ele existe em Si mesmo e é conhecido apenas por Ele mesmo, e Deus como Ele se manifesta aos outros. O primeiro é a ousia divina, o segundo, as energias divinas. É importante notar que ambos são Deus, mas concebidos de forma diferente: Deus como incognoscível e como cognoscível, como inteiramente além de nós e como ao nosso alcance.

Ao colocar a distinção desta maneira, porém, não devemos supor que a essência e as energias estejam separadas por um limite fixo e permanente. Os Capadócios pensam, ao invés disso, naquilo que é incognoscível em Deus como uma espécie de horizonte retrocedente. Precisamente o fato de não podermos conhecer Deus, como Ele próprio conhece a Si mesmo, nos leva a procurar conhecê-Lo cada vez mais profundamente. São Gregório Nazianzeno expressa vivamente esse sentimento de anseio que está sempre sendo satisfeito e buscando satisfação:
Em Si mesmo [Deus] reúne e contém todo o ser, não tendo princípio no passado nem fim no futuro; como um grande mar de ser, ilimitado e incontido, transcendendo todo pensamento, tempo e natureza. Ele é apenas esboçado pela mente, e isso de forma muito limitada e insuficiente - não das coisas que Lhe dizem respeito diretamente, mas das coisas ao Seu redor; uma imagem (phantasias) é obtida de uma fonte e outra de outra, e são combinadas em algum tipo de representação (indalma) da verdade, que nos escapa antes de ser capturada, e que nos foge antes de ser compreendida. Ela ilumina a faculdade diretiva em nós, mesmo quando esta está purificada, e sua aparência é como um relâmpago rápido que não permanece. Parece-me que, na medida em que é compreensível, o divino nos atrai para si mesmo [...]. No entanto, admiramos o incompreensível, e desejamos mais intensamente o objeto de admiração, e sendo desejado, ele purifica, e purificando nos torna deiformes [semelhantes a Deus]. [29]
As "coisas ao redor de Deus" são, entendo, outro nome para as energias divinas.[30] Dois pontos nesta passagem são especialmente dignos de nota. Um é a necessidade do jogo das imagens, "uma imagem é obtida de uma fonte e outra de outra", a fim de formar algo como uma concepção adequada de Deus. Aqui encontramos a fundamentação filosófica subjacente à imensa variedade da poesia litúrgica e da expressão iconográfica dentro da tradição cristã oriental. O outro ponto é a sequência que vai da admiração, ao desejo, à purificação, e finalmente a homoiōsis theōi, à semelhança com Deus. Um leitor filosófico não pode deixar de notar os ecos nisto de Platão e Aristóteles: por exemplo, da famosa afirmação de Aristóteles de que a filosofia começa com um senso de admiração, e da ênfase platônica na necessidade da purificação da alma, e do tema encontrado em ambos os autores de que o telos humano é alcançar uma semelhança com Deus.

No entanto, a distinção fundamental entre Deus como Ele é conhecido por Si mesmo e como Ele é conhecido por nós foi derivada pelos Capadócios não de fontes filosóficas, mas da Bíblia. Mais obviamente, ela foi inspirada pelo encontro de Moisés com Deus no Monte Sinai, em Êxodo 33. Ali Deus adverte Moisés "não poderás ver a minha face, pois nenhum homem poderia me ver e continuar a viver". Entretanto, ele continua: "E acontecerá que, quando a minha glória passar, pôr-te-ei numa fenda da rocha, e te cobrirei com a minha mão, até que eu haja passado. E, havendo eu tirado a minha mão, me verás por detrás; mas a minha face não se verá" (Êxodo 33:22-23). Gregório Nazianzeno toma esta passagem como um modelo para entender sua própria experiência. Ao fazer isso ele faz uma distinção muito parecida com aquela que vimos em Basílio entre Deus como Ele é conhecido por Ele mesmo e como Ele "chega até nós":
O que é isso que aconteceu comigo, ó amigos iniciados e caros amantes da verdade? Eu estava correndo para alcançar [compreender] Deus, e assim subi ao monte, e afastei a cortina da nuvem, e entrei afastado da matéria e das coisas materiais, e até onde pude me recolhi dentro de mim. E então, quando olhei para cima, eu dificilmente vi as partes detrás de Deus, embora eu estivesse protegido pela rocha, a Palavra que se fez carne por nós. E quando olhei um pouco mais de perto, eu vi, não a natureza primeira e pura, conhecida por si mesma - conhecida pela própria Trindade, quero dizer; não aquela que permanece dentro do primeiro véu e é escondida pelos Querubins, mas apenas aquela parte dela que está na extremidade e chega até nós. E esta é, tanto quanto posso dizer, a majestade, ou como o santo David a chama, a glória que se manifesta entre as criaturas, que ela produziu e governa. Pois estas [isto é, a majestade e a glória] são as partes detrás de Deus, que Ele deixa para trás como sinais de si mesmo, como as sombras e reflexos do sol na água, que mostram o sol aos nossos olhos frágeis, porque não podemos olhar para o próprio sol. [31]
Mais amplamente, os Capadócios consideraram todas as teofanias bíblicas - incluindo, a mais famosa, a sarça ardente de Êxodo 3 - como indicando uma distinção semelhante. Em tais eventos Deus é conhecido precisamente como incognoscível; é a própria extremidade de Sua condescendência em aparecer e se fazer conhecido que sublinha o abismo profundo entre o Seu modo de ser e o nosso.[32]

À luz deste fundo bíblico, a noção de theōsis ou deificação pode parecer uma importação exterior. É neste ponto que o uso paulino do conceito de energeia se torna de importância crucial. Como mencionei anteriormente, uma passagem especialmente importante foi I Coríntios 12. Basílio em Sobre o Espírito Santo se baseia nesta passagem para desenvolver uma compreensão dos dons do Espírito como uma forma de energia divina. Ele escreve:
Assim como é o poder da visão no olho sadio, também é a energia (energeia) do Espírito na alma purificada. . . . E assim como a habilidade naquele que a adquiriu, assim é a graça do Espírito sempre presente no receptor, embora não continuamente ativa (energousa). Pois como a habilidade está potencialmente no artesão, mas somente em operação quando ele está trabalhando de acordo com ela, assim também o Espírito está presente com aqueles que são dignos, mas trabalha (energei) como a necessidade exige, nas profecias, ou nas curas, ou em alguma outra realização (energēmasin) de Seus poderes.[33]
Esta passagem é quase aristotélica em sua distinção entre um estado permanente da alma (em termos aristotélicos, primeira atualidade) e sua expressão ativa (segunda atualidade). Mas para Basílio estas são duas formas diferentes de energia, uma latente e outra ativa. Basílio entende a participação na energia divina como um estado contínuo da alma que encontra expressão, conforme a necessidade, em atos particulares. É isto que se entende por deificação na tradição patrística grega: uma participação contínua e progressivamente crescente nas energias divinas.[34]

É interessante observar como esse entendimento de participação no divino evita um certo beco sem saída presente no neoplatonismo pagão. Para Plotino não tanto participamos no Intelecto - muito menos no Uno - mas redescobrimos nossa verdadeira identidade como o Intelecto. Somos cada um, em nosso cerne mais verdadeiro, um intelecto não-caído (nous) que participa na unidade-em-multiplicidade do Intelecto, assim como a luz de cada lâmpada em uma sala participa na luz da sala, ou cada teorema de uma ciência participa no significado integral do todo. Ao redescobrirmos nossa verdadeira identidade como nous, deixamos para trás os acidentes da memória e da personalidade que nos individuam aqui abaixo, a fim de nos fundirmos na clareza prístina da atividade noética perfeita. Neoplatonistas posteriores, como Jâmblico e Proclo, se mostraram insatisfeitos com essa concepção fortemente impessoal do fim humano e tentaram de várias formas mitigá-la. Para os Capadócios, porém, tal problema nem mesmo surge. A distinção da essência e da energia os permite entender a comunhão humano-divina como ocorrendo dentro da esfera da atividade pessoal conjunta. Ao sermos deificados, participamos progressivamente na atividade de Deus, mas sem perder nossa identidade distinta. De fato, assim como São Paulo, eles crêem que só alcançamos plenamente nossa própria identidade quando tornamos nossa atividade a de Deus. Tal sinergia é, segundo eles, uma forma de conhecer Deus que não é inferencial, nem é noética no sentido aristotélico, nem é simplesmente uma questão de sentimento ou intuição. É o conhecimento que vem através da participação ativa na operação [atividade] do outro, conhecendo assim o outro como o autor daquela operação.

A partir de tudo isso, fica claro como a segunda das nossas duas questões, a de saber se as energias divinas podem ser diferentes do que são, deve ser respondida. A partir de tudo isso, fica claro como a segunda das nossas duas questões, a de saber se as energias divinas podem ser diferentes do que são, deve ser respondida. Se elas são a esfera da ação pessoal da maneira que descrevi, então pelo menos algumas delas poderiam ser diferentes; caso contrário, elas seriam uma espécie de emanação, ao invés dos atos livres de um Criador livre. No entanto, a mesma restrição significa que há limites para as maneiras que elas poderiam ser diferentes. O intervalo de atos que constituiriam uma expressão legítima do meu caráter é bastante grande, mas confio que pelo menos alguns atos, tais como assassinato, adultério ou traição, estão fora dele. Da mesma forma, se as energias divinas devem manifestar a ousia divina, então, embora elas possam variar enormemente, elas devem estar dentro do intervalo que está propriamente relacionado com a ousia divina (seja ele qual for!) como expressão da fonte. Por exemplo, Deus não precisa ter criado, e tendo em conta que Ele criou, Ele poderia ter criado o mundo de forma diferente do que Ele criou; além disso, mesmo tendo em conta que Ele criou este mundo, Ele poderia agir dentro dele de forma diferente, por exemplo, distribuindo diferentes dons espirituais. Assim, muitas das energias divinas, incluindo as de criação, providência e presciência, bem como os dons do Espírito, poderiam ser diferentes ou poderiam não existir sequer. Por outro lado, se Ele age, Sua ação é necessariamente boa. Portanto, se há energias, a bondade está entre elas. O mesmo pareceria ser verdade em relação à sabedoria, ao ser, ao poder, à vida, ao amor, à santidade, à beleza, à virtude, à imortalidade, à eternidade, ao infinito e à simplicidade, todas as quais os Capadócios, ou outros Padres da Igreja depois deles, listam entre as energias divinas.

Para saber se essas energias são necessárias, então, devemos perguntar se é possível que Deus não aja de modo algum - ou seja, se Ele poderia ser inteiramente sem energia (anenergēton). Até onde sei, esta questão não foi levantada em tais termos. No entanto, uma questão muito próxima - a de saber se haveria energias divinas mesmo à parte da criação - esteve no centro da famosa controvérsia hesicasta no século XIV que motivou a obra de Gregório Palamas. Certos monges conhecidos como hesicastas afirmaram ter tido uma visão do que eles chamavam de luz incriada. Se é possível que exista tal luz, e se assim é, qual é a sua natureza, tornou-se o foco de intenso debate. Por fim, decidiu-se que existe uma luz incriada e que ela é simplesmente a forma visível da energia divina.[35]

Isto significa que a energia divina está presente de alguma forma com a divindade desde toda a eternidade, muito independentemente do ato da criação. E isso, por sua vez, implica que a energia divina não é (como alguém poderia ser tentado a pensar) simplesmente a maneira pela qual Deus se manifesta às criaturas. É isso, com certeza, mas mesmo sem as criaturas ainda haveria uma auto-manifestação eterna dentro da divindade. Dentro de um contexto cristão é natural entender isso como o amor mútuo e a auto-revelação das pessoas da Trindade. Há indícios de tal concepção entre os primeiros Padres Gregos, a começar por Gregório de Nissa, mas infelizmente o debate sobre as energias divinas no século XIV não logrou tornar explícitas essas conexões.[36] Uma vez que elas são explicitadas, torna-se claro como pode haver energias divinas incriadas que não são 'emanações', como foi denunciado pelos críticos de Palamas.

IV

Que relevância essas idéias têm hoje em dia? Parece-me que a distinção patrística grega entre a essência e as energias em Deus tem uma série de vantagens sobre a teologia tradicional ocidental. Em primeiro lugar, ela consegue incorporar a abordagem apofática de Deus de uma maneira que a teologia ocidental não consegue. A ousia divina está além de qualquer ato de nomeação ou pensamento conceitual, conhecida apenas pela participação ativa em sua expressão energética. Tal concepção está de acordo tanto com as teofanias bíblicas quanto com o conceito de sinergia do Novo Testamento. Ela é também filosoficamente bem fundamentada, pois como Plotino viu, se Deus é a fonte da forma, Ele próprio não deve possuir forma alguma. Mas se Ele é a fonte da forma, Ele também deve estar presente nas coisas como a forma delas, a estrutura inteligível que faz delas o que elas são. Estes são os dois primeiros princípios clássicos: o Bem de Platão e o Primeiro Motor de Aristóteles. Enquanto Plotino os mantém separados como hipóstases distintas, os Pais Gregos os consideram duas maneiras de entender o único Deus.

Eu tenho constatado que é muitas vezes neste ponto que aqueles treinados dentro da tradição teológica ocidental se sentem mais desconfortáveis. Se não temos conceito ou 'nome' para a ousia divina, então como podemos falar de Deus de forma significativa? Com que fundamentos a Igreja pode articular doutrina e rejeitar heresias? E - talvez a preocupação mais forte - o que podemos realmente nos sentir confiantes de que sabemos sobre Deus? Poderia a ousia de Deus ser tão radicalmente diferente de Sua manifestação nas energias divinas que poderíamos ser enganados, mesmo numa afirmação tão básica como a de que Deus é bom?

Tais preocupações derivam, creio eu, de uma atenção inadequada à relação entre a essência e as energias. As energias divinas não são atos quaisquer, mas atos que manifestam o caráter divino; portanto, não pode haver a possibilidade de Deus de alguma forma se esconder atrás de uma fachada de energias falsas, parecendo ser bom ou benevolente quando Ele não o é. Ao dizer que Deus está "além" das perfeições que Ele confere às criaturas, o que se quer dizer não é que Ele não possui essas perfeições, mas que as possui de uma maneira que está fundamental e permanentemente além de nossas capacidades de apreensão. Como uma analogia, podemos considerar as capacidades dos Flatlanders (na encantadora fábula de E.A. Abbott, Flatland) de apreender as qualidades dos objetos tridimensionais. Quando uma esfera passa pelo mundo deles, eles a apreendem primeiro como um ponto, depois como um círculo que cresce, depois como um círculo que encolhe, e por fim novamente como um ponto. Eles apreendem corretamente que ela é redonda, mas ao mesmo tempo reconhecem que a maneira como ela é redonda supera em muito tudo o que eles podem compreender.  Que melhor forma poderia haver para eles reconhecerem essa dualidade do que dizerem que a esfera é ao mesmo tempo redonda e além da redondeza? Ambas as afirmações são verdadeiras, mas cada uma precisa da outra para evitar que sua própria verdade possa induzir ao erro.

Os Padres Gregos têm uma apreciação semelhante e cautelosa tanto da necessidade da linguagem quanto de sua capacidade  de induzir ao erro. Como observa Gregório Nazianzeno, nosso pensamento e discurso sobre Deus consiste em "uma imagem obtida de uma fonte e outra de outra, e combinadas em algum tipo de representação da verdade, que nos escapa antes de ser capturada, e que nos foge antes de ser compreendida." [37] O termo preferido pelos Capadócios para as concepções que formamos de Deus é epinoia. Uma epinoia é uma concepção formada pela reflexão em cima da experiência, fazendo uso de operações mentais como a analogia, associação, comparação, extrapolação, negação e análise. Usando os exemplos apresentados por Basílio, um único corpo pode ser analisado em epinoia em cor, forma, solidez, tamanho e assim por diante, e o trigo pode ser identificado sob diferentes epinoiai como fruto, semente e alimento.[38] Não há nada de errado em formar várias epinoiai de Deus, e de fato devemos fazer isso se quisermos falar significantemente sobre Ele. No entanto, não devemos esquecer que tais epinoiai são em parte moldadas por nossas próprias operações mentais.

A formação das epinoiai deve ser contrastada com noēsis, o tipo de pensamento que apreende a estrutura ontológica do objeto conhecido. De fato, segundo Aristóteles noēsis é plenamente isomórfico com o objeto conhecido, consistindo na própria forma do objeto passando a estar presente na mente. Para os Padres Gregos (como para os Neoplatonistas), como Deus não tem forma, Ele não é um objeto de noēsis.   Eles consideram o fato de estarmos limitados às epinoiai ao pensarmos nEle não como uma causa de desespero, mas de admiração; faz parte do que sempre nos atrai adiante para buscar conhecê-Lo mais. As afirmações dogmáticas têm um lugar necessário como orientação nessa busca, mas elas nunca devem ser confundidas com a aquisição da real experiência de Deus, que está além tanto das concepções humanas (epinoiai) quanto da noēsis.

Assim os Padres Gregos apropriaram-se de Plotino tanto o modo apofático quanto o catafático de discurso, considerando ambos igualmente necessários para a articulação da crença cristã. Poder-se-ia esperar que Agostinho, com seu conhecimento de Plotino, tivesse seguido um caminho semelhante. Mas na realidade ele não seguiu. Agostinho pensa caracteristicamente em Deus como Verdade, a Verdade que está presente em nossa mente e que nos capacita a conhecer. Em consonância com a identificação clássica do pensar e do ser, ele também descreve Deus como ipsum esse, o ser em si mesmo. Estas duas descrições juntas resultam no que é em essência o entendimento plotiniano do Intelecto. Agostinho não faz uso do outro lado de Plotino, o entendimento de Deus como além de ser e além do intelecto. Certamente, ele reconhece que nesta vida não podemos conhecer a essência divina, mas isso é uma limitação da nossa existência corporal atual. Moisés e São Paulo são para Agostinho paradigmas de pessoas que, por um breve período de tempo, foram arrebatadas de seus corpos, desfrutando de uma visão direta da essência divina. Os bem-aventurados no céu, estando por fim afastados desta vida, desfrutarão de tal visão por toda a eternidade. Aquino adota essa idéia e a integra dentro de seu próprio quadro aristotélico. Ele argumenta que como ato puro Deus deve ser intrinsecamente inteligível, por mais que nossas limitações atuais nos impeçam de compreendê-Lo. Baseando-se no Livro X da Ética a Nicômaco, assim como Agostinho, ele identifica o telos da existência humana como a apreensão intelectual da essência divina.[39]

Essas diferenças em relação ao apofatismo apontam para uma segunda grande área de diferença, os papéis que as duas tradições atribuem à atividade pessoal. Eu salientei como os Padres gregos se basearam no conceito paulino de sinergia para entender o telos humano como uma participação cada vez mais profunda nas energias divinas. Tal participação começa nesta vida presente e envolve tanto o corpo quanto a alma. Nesta concepção, nossos presentes atos de obediência a Deus, buscando-O em oração e participando em Sua vida através da adoração e dos sacramentos são o tipo de coisa que, em última análise, são constitutivos de nossa bem-aventurança final. Nosso estado final será mais puro e mais rico, claro, mas será reconhecidamente em continuidade com essas formas presentes de conhecer a Deus. É duvidoso que o mesmo possa ser dito a respeito da concepção agostiniano-tomista. Segundo Aquino, na vida após a morte Deus infundirá os bem-aventurados com a lumen gloriae, a 'luz da glória' que os capacitará a apreender a essência divina.  Todos os nossos presentes atos são concebidos para nos levar até esse ponto. O corpo não tem papel real na visão beatífica e, de fato, Aquino afirma explicitamente que a ressurreição do corpo não é necessária para a beatitude e nada faz para aumentar sua intensidade. [40] Até onde eu posso ver, o mesmo se aplica à nossa memória e outras características pessoais.  Na longa discussão sobre a visão beatífica na Summa Contra Gentiles, a única concessão feita às diferenças pessoais é que o grau em que uma pessoa apreende a essência divina dependerá da virtude dessa pessoa nesta vida (III, 58). Isto em nada diminui o ponto básico de que a visão beatífica é estritamente um ato do intelecto. Como tal, não é mais um ato pessoal do que a theōria aristotélica, sobre a qual ela é modelada.

Por fim, tratarei brevemente uma terceira área de diferença, uma que é grande e merece uma exploração mais cuidadosa do que a que eu posso oferecer aqui. Grande parte da teologia natural tradicional é construída em torno do conceito da simplicidade divina. Agostinho e Aquino têm formas diferentes de abordar este ponto, mas concordam que todos os predicados não-relacionais e não-privativos ditos a respeito de Deus são formas diferentes de significar a essência divina. Parte do que isso implica é que a vontade de Deus é idêntica à Sua essência.[41] Das muitas dificuldades a que tal concepção dá origem, citarei duas. A primeira diz respeito à liberdade divina. Se Deus é livre - na maneira tradicionalmente aceita no cristianismo - Ele poderia querer de forma diferente do que Ele quer. Isso significa que, nesse caso, Sua essência seria diferente? E, se assim for, quão diferente ela poderia ser? Presumindo-se que há pelo menos algum aspecto da essência que nunca poderia ser diferente - digamos, a bondade divina - então deve haver uma distinção dentro da essência entre o que poderia ser diferente e o que não poderia. Porém, se algo é contrário à simplicidade divina, certamente é a presença de tal distinção dentro da essência divina! Agostinho e Aquino lidaram com esse problema de maneiras diferentes. A concepção considerada por Agostinho parece ter sido a de que Deus não poderia de fato agir diferente do que Ele age, pelo menos no que diz respeito à Sua criação deste mundo e tudo o que nele existe.[42] Apesar da autoridade enorme de Agostinho, esta concepção foi condenada (sem reconhecer suas credenciais agostinianas) no Concílio de Sens, em 1140. Assim, Aquino afirma que Deus tem o liberum arbitrium e poderia agir diferente do que Ele age. Mas como ele concilia esta afirmação com a simplicidade divina permanece profundamente obscuro.[43]

A segunda dificuldade diz respeito à reciprocidade entre Deus e as criaturas. Se a vontade divina é idêntica à essência divina, pareceria que a vontade divina não pode, de modo algum, ser uma resposta à iniciativa própria das criaturas, pois, nesse caso, as criaturas contribuiriam para determinar a essência divina. Aquino reconhece este problema, se ele é um, e vai em frente: sua posição é que a vontade de Deus não é, de forma alguma, uma resposta às criaturas, mas ela é determinada unicamente por Deus. É difícil ver como a prática religiosa mais tradicional, incluindo a oração peticionária, o sacrifício e até mesmo o simples desejo de agradar a Deus, pode fazer sentido em tal posição. De fato, como reconhece Aquino, nessa concepção a interpretação agostiniana da predestinação não apenas é verdadeira, mas é necessariamente verdadeira, pois Deus não poderia criar criaturas capazes de afetar - de qualquer maneira -  Seus julgamentos a respeito da salvação e da condenação.[44] No entanto, a posição agostiniana começou precisamente como a tentativa de exaltar a vontade divina sobre toda necessidade. Tais são os emaranhados a que alguém é conduzido pela simplicidade divina. 

São problemas como estes que levaram Pascal a exclamar que o Deus dos filósofos não é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó. Evidentemente, precisa haver alguma outra forma de entender a simplicidade divina, que não envolva essas limitações inaceitáveis. Tal forma é proporcionada pela distinção da essência e das energias divinas. Os Padres Gregos pensam na simplicidade como uma energia divina, uma das formas pelas quais Deus se manifesta em Sua atividade. Assim como qualquer energia, Deus é tanto a simplicidade em si quanto além-da-simplicidade como sua fonte. Tal como o sol é simples e ainda assim possui uma infinidade indefinida de raios, também nada a respeito da simplicidade divina impede Deus de possuir uma infinidade indefinida de energias. Da mesma forma, nada impede que essas energias sejam afetadas pelas criaturas. As energias são precisamente o âmbito da reciprocidade, no qual Deus se comunica às criaturas e as convoca a se oferecerem a Ele.

Sem dúvida muitas questões ainda faltam ser respondidas. Espero ter dito o suficiente, no entanto, para mostrar que temos aqui uma maneira de pensar sobre Deus que é ao mesmo tempo profundamente tradicional e digna de atenção séria.

Retirado do livro Divine Essence and Divine Energies: Ecumenical Reflections on the Presence of God in Eastern Orthodoxy

Notas

1. Este artigo é reproduzido aqui a fim de fornecer um contexto no qual a maioria das contribuições fará mais sentido. Foi publicado anteriormente em Philosophy and Theology, 18 (2006): pp. 93-120.

2. Veja Georges Florovsky, 'St. Gregory Palamas and the Tradition of the Fathers', Greek Orthodox Theological Review, 5 (1959): pp. 119-31, reimpresso em Georges Florovsky, The Bible, Church, and Tradition: An Eastern Orthodox View (Belmont, MA, 1972); John Meyendorff, A Study of Gregory Palamas (Crestwood, NY, 1974, 2ª ed.), publicado originalmente como Introduction à l'étude de Grégoire Palamas (Paris, 1959); St. Grégoire Palamas et la mystique Orthodoxe (Paris, 1959); Vladimir Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (Crestwood, NY, 1976), publicado originalmente como Essai sur la Theologie Mystique de l'Eglise d'Orient (Paris, 1944); The Vision of God (Crestwood, NY, 1983).

3. David Bradshaw, Aristotle East and West: Metaphysics and the Division of Christendom (Cambridge, 2004); ‘The Divine Energies in the New Testament’, St. Vladimir’s Theological Quarterly, 50/3 (2006): pp. 189–223; ‘The Divine Glory and the Divine Energies’, Faith and Philosophy, 23 (2006): pp. 279–98.

4. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 22–44.

5. Há também informações incompletas de uma palestra pública sobre o Bem na qual Platão supostamente fez essa identificação; veja Konrad Gaiser, ‘Plato’s Enigmatic Lecture “On the Good”, Phronesis, 25 (1980): pp. 5-37.

6. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 85–91.

7. Sobre a Alma e a Ressurreição (NPNF vol. 5, p. 450); cf. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 170–171.

8. Eles reentraram em circulação na edição de Andrônico de Rodes em meados do século I a.C., mas mesmo por algum tempo depois parecem ter sido pouco conhecidos (como ainda é verdade, por exemplo, em Clemente de Alexandria).

9. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 51–5.

10. Veja I Cor. 12:6, 10-11, Gal. 2:8, Ef. 1:11, 19-20, 2:2, 3:7, 4:16, Fil. 2:12-13, 3:21, Col. 1:29, 2:12, II Tess. 2:9, 2:11. Assumo, por uma questão de simplicidade, que Paulo foi, de fato, o autor de todos os escritos paulinos. Aqueles que duvidam disso podem, se quiserem, substituir as minhas referências a Paulo por uma circunlocução como "Paulo e seus imitadores".

11. Veja Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 51–60, e ‘The Divine Energies in the New Testament’, p. 198.

12. Pastor de Hermas, Mandato 6.1-2.

13. Epístola de Barnabé 2.1.

14. Veja Bradshaw, 'The Divine Energies in the New Testament', pp. 198-9. Eu incluí nestas estatísticas as ocorrências passivas de energein.

15. Justino Mártir, I Apologia 26.60.

16. Teófilo, Ad Autolycum II.8.

17. Atenágoras, Legatio 9.

18. Constituições Apostólicas V.20.49. Esta obra é baseada no material de c. 200-20, embora compilada posteriormente.

19. Veja Rom. 7:5, II Cor. 1:6, 4:12, Gal. 5:6, Ef. 3:20, Col. 1:29, I Tess. 2:13, e II Tess. 2:7, respectivamente.

20. Joseph B. Mayor, The Epistle of St. James. The Greek Text with Introduction, Notes, and Comments (London and New York, 1892), pp. 177–9,  e J. Armitage Robinson, St. Paul's Epistle to the Ephesians: A Revised Text and Translation with Exposition and Notes (Londres e Nova York, 1903), pp. 244-7. Ambas as obras têm sido frequentemente reimpressas.

21. Martinho Lutero, Luther's Works, eds J. Pelikan e W.A. Hansen (St. Louis, 1964), vol. 27, p. 28. Para exemplos mais recentes desta perspectiva veja Gerhard Kittel, Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, 1964), vol. 2, p. 654; F.F. Bruce, The Epistle to the Galatians: A Commentary on the Greek Text (Grand Rapids, 1982), p. 232; Ronald Fung, The Epistle to the Galatians (Grand Rapids, 1988), pp. 228-30.

22. Somando-se à confusão, também traduz ergazetai e katergazetai por operatur, de modo que não pode haver esperança, para qualquer um que leia apenas a Vulgata, de reconhecer energeia/energein/energeisthai como um grupo de palavras distinto. Vale ressaltar que as epístolas paulinas não foram traduzidas por São Jerônimo, de modo que a versão na Vulgata é essencialmente o texto Latino Antigo. Nos perguntamos como Jerônimo poderia ter corrigido esta situação.

23. Bradshaw, ‘The Divine Energies in the New Testament’, pp. 201-8.

24. Veja ibid.; também Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 121-2, do qual me baseio neste e nos próximos parágrafos.

25. Por exemplo, no Salmo 1, e nos salmos do arrependimento, como o Salmo 51.

26. Eunômio, Apologia 19, trad. Richard Paul Vaggione, Eunomius: The Extant Works (Oxford, 1987), p. 59.

27. Basílio, Epístola 234, trad. NPNF, vol. 8, p. 274, modificada. Veja também a passagem similar em Basílio, Contra Eunômio i.8.

28. Veja Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 161-4, e James Le Grys, ‘Names for the Ineffable God: St. Gregory of Nyssa’s Explanation’, The Thomist, 62 (1988): pp. 333-54.

29. Gregório Nazianzeno, Orações 38.7, trad. NPNF, vol. 7, pp. 346-7.

30. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 166-7.

31. Gregório Nazianzeno, Orações 28.3, trad. NPNF, vol. 7, p. 289.

32. Veja mais Bradshaw, 'The Divine Glory and the Divine Energies'.

33. Basílio, Sobre o Espírito Santo XXVI, 61, trad. NPNF, vol. 8, p. 38.

34. Veja mais em Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 172-8, 193-201, e Norman Russell, The Doctrine of Deification in the Greek Patristic Tradition (Oxford, 2004).

35. Veja Meyendorff, A Study of Gregory Palamas; Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 229-42.

36. Veja Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 214-20, 242, 273-4.

37. Gregório Nazianzeno, Orações 38.7, trad. NPNF, vol. 7, p. 346.

38. Contra Eunômio I.6; cf. G.C. Stead, 'Logic and the Application of Names to God', em Lucas F. Mateo-Seco e Juan L. Bastero (eds), El "Contra Eunomium I" en la Produccion Literaria de Gregorio de Nisa (Pamplona, 1988), pp. 303-20, para um estudo útil sobre o contexto helenístico deste conceito.

39. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 222-9, 254-7.

40. Veja Summa Theologiae I-II, q. 4, art. 5.

41. Agostinho, Confissões xi.10.12; xii.15.18; Aquinas, Summa Contra Gentiles I.73; Summa Theologiae I, q. 3, art. 3-4 e q. 19, art. 1.

42. Veja Roland Teske, 'The Motive for Creation according to Saint Augustine', The Modern Schoolman, 65 (1988): pp. 245-53. Como observa Teske, em Sobre a Livre Escolha da Vontade 3.9.24 Agostinho parece admitir que até mesmo a criação por Deus de criaturas que Ele anteviu que seriam eternamente condenadas era necessária, pois de outra forma Deus teria sido "invejoso" ao deixar de criar tudo o que Ele era capaz de criar (p. 251). Eu suspeito que Agostinho aqui estava seguindo Plotino, que da mesma forma mantém que o Uno deve produzir tudo o que ele é capaz de produzir (Enneads iv.8.6, v.5.12.45-8).

43. Bradshaw, Aristotle East and West, pp. 247-50, 259-62.

44. Veja Summa Theologiae I, q. 19, art. 5-6 e q. 23, art. 4–5.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A Recuperação da Deificação pelo Ocidente Cristão (Paul L. Gavrilyuk)

Como um arcaísmo antes desprezado se tornou um desideratum ecumênico

No início do século XX, a noção de deificação (theōsis, theopoiesis) representava tudo o que era geralmente considerado exótico e equivocado em relação à teologia ortodoxa. Em sua magnum opus História do Dogma, Adolf von Harnack, um importante historiador protestante da época, lamentou a direção errada que a teologia cristã adotou no século II: “Quando a religião cristã foi representada como a crença na encarnação de Deus e como a esperança segura da deificação do homem, uma especulação que originalmente esteve apenas na margem do conhecimento religioso foi transformada no ponto central do sistema e o conteúdo simples do Evangelho foi obscurecido”. [1] Para Harnack, a idéia de deificação era um sintoma de um mal mais grave, a saber, a helenização, que provocou a distorção e obscurecimento da simples mensagem bíblica da "Paternidade de Deus e da irmandade dos homens" pela metafísica grega. A conclusão do historiador alemão foi típica do seu tempo. [2]

Do outro lado do espectro teológico protestante, Karl Barth [3] também foi igualmente indiferente. Aceitar a divinização, sustentava Barth, era encorajar uma conversa muito abstrata sobre a natureza humana de Cristo e mudar o "centro cristológico" da soteriologia para a esfera nebulosa de uma "antropologia desagradável". [3] Os principais alvos da crítica sinuosa de Barth são os projetos de apoteose de Hegel e Feuerbach, [4] e que Barth viu como “a ameaça, no luteranismo, de uma divinização da natureza humana de Jesus Cristo e uma paralela des-divinização de sua divindade” [5]. A impressão geral é que Barth foi muito propenso a tornar a theosis culpada por associação, especialmente quando ele lista “a deificação da criatura” entre “as características da cristologia ebionita” [6] (uma verdadeira pirueta de imaginação histórica) e considera a (deplorável) devoção católica ao coração de Jesus como um exemplo de deificação. [7] Aparentemente, a desenvoltura polêmica às vezes liberta os teólogos da desanimadora responsabilidade de verificar a evidência histórica.

Parcialmente em reação a esse tipo de crítica, tornou-se comum os teólogos ortodoxos insistirem que a doutrina da deificação representa uma abordagem caracteristicamente “ortodoxo” do mistério da salvação e contrastarem essa doutrina com as teorias de redenção (na opinião deles, deficiente) que foram desenvolvidas por teólogos ocidentais do segundo milênio. [8] [...] É notável que, apesar de seu status exaltado, o conceito de deificação não seja mencionado explicitamente nas definições dogmáticas dos primeiros Sete Concílios Ecumênicos. A falta de precisão dogmática contribuiu para a considerável fluidez do conceito.

O final do século XX testemunhou uma mudança dramática na atitude dos teólogos ocidentais em relação ao conceito de deificação. A noção que antes era percebida pela maioria dos observadores ocidentais como estranha, através dos esforços conjuntos de numerosos estudiosos da última geração, está gradualmente sendo arrastada para o interior da tradição teológica ocidental. Agora é dito que um número crescente de teólogos ocidentais - Agostinho, Anselmo de Cantuária, [10] Tomás de Aquino, [11] João da Cruz, [12] Martinho Lutero, [13] João Calvino, [14] Lancelote Andrewes, [15] João e Carlos Wesley, [16] Jonathan Edwards, [17] até os Reformadores Radicais e assim por diante - ensinaram uma versão de deificação. [A] Esta é uma reversão formidável do destino, especialmente à luz das acusações de obscurecimento, idolatria e heresia contra a deificação em tempos menos ecumênicos. Embora seja prematuro falar em aceitação universal - e é improvável que alguns dos opositores convictos sejam convencidos [18] - vale a pena repetir que um número crescente de mentes teológicas ocidentais consideram a doutrina profundamente atraente. Este artigo discutirá alguns exemplos representativos dessa tendência e os fatores que explicam a crescente popularidade da doutrina.

Os primeiros críticos usualmente construíam a noção patrística de deificação como sendo apenas uma melhoria insignificante em relação à apoteose pagã, seguindo o modo dos antigos heróis gregos e imperadores romanos. Nessa leitura, não há muita diferença entre a observação do imperador Vespasiano, prematuramente morrendo de diarreia excessiva - “Eu acho que estou prestes a me tornar um deus” [19] - e a fórmula de permuta antiga, que aparece em  Irineu de Lyon: o Filho de Deus "tornou-se o que somos para nos tornar o que ele é" (Adv. Haer. 5. Praef.). Para o crédito deles, a maioria dos críticos atuais da deificação reconhece que a apoteose pagã e a theosis cristã não são exatamente a mesma coisa.

Em um estudo pioneiro, La divinization du chrétien d'aprés les pères grecs (1938, tradução inglesa publicada em 2002), Jules Gross argumentou que, ao desenvolver a doutrina da deificação, os Padres gregos utilizaram dos recursos filosóficos e religiosos do helenismo e transcenderam seu contexto pagão. A noção de que a felicidade humana consiste em alcançar semelhança com Deus (homoiose theō) era amplamente compartilhada na antiguidade tardia. Mas a teologia cristã transformou essa expectativa comum colocando-a no contexto da metafísica trinitária, tornando a encarnação fundacional para alcançar a semelhança divina, e insistindo que, qualquer que seja o significado de deificação, a noção não implica que um ser criado possa se tornar incriado.

Respondendo a Harnack e outros, Gross afirmou que, longe de ser uma instância de rendição intelectual ao helenismo pagão, a deificação foi um desenvolvimento legítimo das idéias bíblicas de filiação divina e incorporação em Cristo. A Deificação é “participar da natureza divina” (2 Pedro 1: 4), entendido como conformidade com as perfeições divinas, particularmente incorruptibilidade e imortalidade, e tornando-se pela graça o que Deus é por natureza. Gross concluiu que “a partir do quarto século a doutrina da divinização é fundamental para a maioria dos Padres gregos. Forma uma espécie de centro de sua soteriologia ”. [20]

A obra de Norman Russell, The Doctrine of Deification in the Greek Patristic Tradition (2004), baseia-se no estudo de Gross, superando-o em escopo e precisão metodológica. Russell oferece uma cuidadosa análise textual do vocabulário de deificação e contextualiza as contribuições de autores patrísticos individuais, considerando problemas teológicos mais amplos que eles tiveram que confrontar. Ele distingue o uso da linguagem de deificação em nominal (deificação como um título de honra), analógica (humanos tornam-se pela graça o que os Filho de Deus é por natureza), ética (imitação dos atributos morais de Deus), e realista (enfatizando transformação e participação em Deus) em várias fontes, mostrando como, por volta do quarto século, esses usos são integrados em uma visão amadurecida. [21] Com Gross, Russell vê o século IV como um período durante o qual a noção de deificação tornou-se um tema central na soteriologia patrística. Ao contrário de Gross, que conclui seu tratamento com João de Damasco, Russell propõe que a teologia de Máximo, o Confessor, é um ponto culminante no desenvolvimento da doutrina da deificação. O estudioso britânico também fornece um breve tratamento de autores bizantinos posteriores, como Simeão o Novo Teólogo e Gregório Palamas. Sendo amplamente expositivo, o importante trabalho de Russell não aborda explicitamente a crítica da deificação na teologia moderna não-ortodoxa. Essa tarefa é realizada em vários estudos históricos aos quais nos voltamos agora.

Em The Ground of Union: Deification em Aquinas e Palamas (1999), Anna Williams [B] compara dois pensadores, cujos projetos teológicos passaram a simbolizar a divisão dos caminhos entre o Ocidente e o Oriente. Mais especificamente, o método teológico escolástico de Aquino é comumente contrastado com a dependência de Palamas na experiência religiosa; a insistência de Palamas de que as energias divinas são incriadas parece contradizer a suposição de que a graça é criada; por fim, o otimismo de Aquino de que o intelecto beatificado pode "ver" a essência de Deus é improvável de ter sido compartilhado por Palamas, que insiste que a essência divina, ao contrário das energias incriadas, permanece incognoscível até mesmo no eschaton.

Williams argumenta que os sistemas teológicos de Tomás de Aquino e Palamas não estão tão distantes como se pensava anteriormente, e que a “base da união” entre eles reside precisamente na doutrina da deificação. Embora Williams admita que Tomás de Aquino raramente menciona a deificação pelo nome, ela, apesar disso, acha a ideia de deificação implícita não apenas no ensino de Aquino sobre virtudes e hábitos, e na santificação, mas também na estrutura geral da Summa Theologiae. [22] De acordo com Williams, os projetos de Aquino e Palamas convergem em uma tentativa comum de defender os dois pólos da doutrina da deificação: a transcendência de Deus e a participação da criatura em Deus. Williams sustenta que as diferenças entre Aquino e Palamas resultam do fato de que, no processo de elaborar suas respectivas visões, um teólogo se inclina demais em um pólo, enquanto negligencia o outro. [23] Na maioria dos casos, como ela argumenta, as diferenças são questões de ênfase e semântica, ao invés de discordância substancial. 

Introduzindo seu estudo, Williams reconhece que sua abordagem histórica é impulsionada por uma preocupação ecumênica para reverter a tendência de colocar Tomás de Aquino contra Palamas. [24] O projeto de Williams parece mais uma tentativa de um teólogo sistemático para aprimorar as teologias de Tomás de Aquino e Palamas, criando um domínio mais elevado no qual suas diferenças poderiam ser reconciliadas. Este domínio, como Williams argumenta de maneira convincente, é a metafísica participativa. É difícil ver, no entanto, como as diferenças substanciais nos projetos de Tomás de Aquino e Palamas poderiam ser reduzidas a questões de semântica. Por exemplo, os comentários de Palamas sobre a natureza do conhecimento teológico não chegam perto do rigor especulativo da cientia aristotélica de Aquino. É igualmente pouco convincente que a distinção essência / energia de Palamas seja puramente nocional e não real: afinal, as pessoas deificadas, mesmo no eschaton, participam da realidade das energias divinas, mas não na realidade da essência divina. Pode ser inteiramente legítimo interpretar a descrição de virtudes e hábitos de Tomás de Aquino como analogias de perfeição divina à luz da deificação - mas o próprio Tomás de Aquino não faz essa conexão. Lendo Aquino, Williams utiliza a mais ampla definição de deificação possível - participação em Deus - e então encontra vários exemplos dessa ideia na teologia de Tomás. Como o leitor verá, esse ampliamento do conceito de deificação é característico não apenas do estudo de Williams, mas também de outros trabalhos que buscam descobrir os pontos de contato entre os Padres Orientais e os teólogos ocidentais do segundo milênio.

Esse ampliamento do conceito [da theosis] é legítimo ou ele deveria ser definido de forma mais restritiva? Quanto do contexto de crenças e práticas concretas associadas à deificação nos Padres Gregos deve ser mantido? A maioria dos primeiros autores patrísticos nos deixa apenas com alusões dispersas sobre o significado da deificação. Somente no começo do século VI, Pseudo-Dionísio, o Areopagita, dá o que parece ser a mais antiga definição explícita na Hierarquia Eclesiástica 1. 3: “deificação é a obtenção da semelhança de Deus e a união com ele na medida do possível.” [25] Aqui o autor do Corpus Dionysiacum identifica a deificação com o apogeu da ascensão divina, a união mística. Mas outros autores (e Pseudo-Dionísio em outros lugares) tratam a deificação de forma mais expansiva, e incluem não apenas a união mística, mas todas as etapas do processo que leva a tal união como parte da theosis.

Parece ser relativamente incontroverso que os conceitos ontológicos de participação, semelhança divina e união com Deus sejam constitutivos da noção de deificação. Uma definição minimalista, assumida por Williams e outros, sustenta que a deificação é a participação em Deus.[26] Um corolário dessa definição, sob o pressuposto da metafísica participativa, é que todas as coisas são deificadas em um grau não especificado: participando do ser, todas as coisas existentes participam em Deus. Sendo tão central a noção de participação para entender a deificação, é necessário uma maior precisão no uso do termo.

Minha discussão sobre uma definição viável da deificação até agora careceu de uma referência cristológica explícita. É geralmente aceito que a fórmula de permuta “Deus se tornou homem para que o homem pudesse se tornar deus” (e suas numerosas versões) fundamenta a deificação na encarnação. Deve-se notar que o significado da fórmula de permuta, quaisquer que sejam seus méritos retóricos, está longe de ser auto-evidente. No contexto da controvérsia ariana, a fórmula de permuta pretendia expressar a crença de que na encarnação o Filho de Deus, permanecendo inteiramente Deus, assumiu a natureza humana; conseqüentemente, esse ato divino permitiu que os seres humanos, permanecendo seres criados, se tornassem semelhantes a Deus pela graça. Há também um conjunto de noções e práticas que esclarecem várias dimensões da deificação. A lista de tais noções inclui adoção filial, libertação, batalha espiritual, libertação do poder do demoníaco, purificação, perdão, justificação, reconciliação, iluminação, perfeição, cura, santificação, transfiguração, glorificação, regeneração, imitação de Cristo, incorporação em Cristo, comunhão, segunda criação, eleição, consumação escatológica, recapitulação, deiformidade, apropriação, sofianização, união mística e assim por diante. Em alguns contextos, a deificação funciona como um termo abrangente que cobre a maioria dessas noções, enquanto em outros contextos a deificação é colocada lado a lado com essas noções como algo completamente distinto delas. No entanto, é comum que os teólogos não-ortodoxos contemporâneos simplesmente reduzam a deificação em uma dessas categorias. Em um artigo recente, Roger Olson questiona este movimento: “É confuso encontrar 'deificação' sendo usada como algo que por muito tempo tem sido chamado 'santificação' ou 'união com Cristo', ou 'comunhão com Deus', ou mesmo 'estar pleno de Deus '. Por que agora adotar a terminologia da deificação se alguém não está disposto a assumir o antigo significado de elevação acima da humanidade na bondade criada através das energias divinas?” [27] [C] Olson segue Vladimir Lossky e Georgios Mantzaridis na suposição de que uma doutrina adequada da deificação deve incluir a distinção essência / energia de Palamas como seu elemento constitutivo. [28]

Para complicar ainda mais as coisas, o contexto patrístico mais amplo da theosis pressupõe também certos pressupostos e práticas antropológicas conducentes à deificação. Autores patrísticos comumente assumem que a luta ascética e a participação na vida sacramental da Igreja são pré-requisitos da deificação. Tal suposição, por sua vez, depende da compreensão sinérgica da operação da graça e do livre arbítrio, bem como de uma visão “elevada” dos sacramentos. Na maioria das discussões sobre deificação nos autores ocidentais, essas suposições antropológicas e sacramentais são convenientemente ignoradas.

Consideremos, por exemplo, a sensacional reinterpretação da doutrina de justificação de Lutero à luz da deificação proposta por um grupo de estudiosos finlandeses chefiados por Tuomo Mannermaa. [29] É revelador que esta linha de interpretação surgiu como resultado da participação de Mannermaa no diálogo ecumênico entre os representantes da Igreja Evangélica Luterana da Finlândia e da Igreja Ortodoxa Russa. [30] De acordo com Mannermaa, a theosis “como expressão de uma estrutura fundamental na teologia de Martinho Lutero” era “improvável até como uma linha de questionamento” uma geração atrás, e “é de fato um tipo extremo de formulação”. [31] Deve ser observado que Mannermaa exagera um pouco o caráter revolucionário de sua descoberta, já que, como o leitor pode recordar, a presença da noção no vocabulário da teologia luterana causou a ira de Karl Barth no início do século.

Os estudiosos finlandeses - mais notavelmente, Mannermaa, Risto Saarinen e Simo Peura - argumentam que Lutero defendia uma versão da metafísica participativa e que a justificação para ele envolvia uma transformação ontológica do fiel como resultado da união com Cristo na fé. É relativamente incontestável que, especialmente em seus primeiros escritos, Lutero recorreu ao conceito de deificação. No entanto, as confissões luteranas posteriores encontraram muito pouco lugar para essa noção. Ainda é um assunto de debate nos estudos sobre Lutero o quão essencial essas noções são para a explicação de Lutero da justificação e se a postura filosófica de Lutero era consistentemente realista.

Está além do escopo deste artigo argumentar a favor ou contra a interpretação finlandesa. Em vez disso, gostaria de voltar à questão metodológica de como o significado da deificação é tanto ampliado quanto deslocado nesta discussão. Consistente com fontes patrísticas, duas idéias são consideradas constitutivas da theosis: participação em Deus e a habitação de Cristo. [32] A extensão da noção de deificação leva a dois problemas.

Primeiro, a deificação é subordinada a um conceito mais geral de justificação - algo que não é feito por nenhum dos autores patrísticos. De fato, na maioria dos tratamentos patrísticos da theosis, a justificação não desempenha nenhum papel. À luz da definição da theosis como a participação em Deus, o segundo ponto parece ser um engano de categoria embaraçoso: todas as coisas participam em Deus, mas somente os seres racionais podem ser justificados. Parece, portanto, que a noção de justificação não pode abranger a deificação (como definida anteriormente).

Em segundo lugar, “a deificação pela graça somente através da fé somente” tem muito pouco valor na Ortodoxia. A maioria dos autores patrísticos simplesmente se recusam a interpretar “obras” como se estivessem em competição causal com a graça. A primazia soteriológica e a necessidade da graça não são enfraquecidas pelo fato de que a aceitação humana da ajuda divina envolve muita luta e esforço ascético. Mas a insistência de Lutero na aceitação passiva da graça não deixa muito espaço para o paradoxo patrístico da passividade humana e a cooperação ativa do livre-arbítrio com a graça - um ponto no qual as antropologias patrística e luterana gregas se separam. Da mesma forma, a ênfase na fé, embora presente em alguns tratamentos patrísticos da deificação, nunca deve excluir a importância de outras virtudes. Para os Padres Gregos, a deificação envolve uma batalha espiritual ao longo da vida, a superação dos vícios e a subida da escada das virtudes (comumente avançada na linguagem que permite uma leitura tanto agostiniana quanto pelagiana). Os pressupostos e práticas antropológicas associadas à deificação em Lutero estão em uma categoria própria. Por mais ecumênico que a discussão sobre a theosis na versão de Lutero da metafísica participativa possa ser, a profunda mudança no significado da deificação não deve ser ignorada.

Em Calvin, Participation and the Gift (2007), Todd Billings explora a possibilidade de que a teologia de Calvino também possa conter um tema de deificação. O ponto central do Billings é semelhante ao de Williams e Mannermaa, já que ele também foca no entendimento de Calvino sobre a participação humana em Deus. No entanto, ao contrário de Williams e Mannermaa, Billings argumenta que poderia haver uma maneira distinta, porém legítima, de falar sobre deificação no Ocidente, que não segue o Oriente Bizantino em detalhes. [33] Billings corretamente adverte que a presença dos temas de união, participação e adoção em um dado autor da Reforma não é suficiente para atribuir ao autor uma doutrina da theosis similar àquela encontrada entre os Padres Gregos.[34] Billings reconhece que a rejeição de Calvino ao sinergismo da graça e do livre arbítrio, assim como a insistência de Calvino na imputação da justiça de Cristo ao fiel, torna a consideração do Reformador sobre a deificação bastante distinta daquela dos Padres Gregos. Eu também acrescentaria que a teologia sacramental de Calvino, apesar de todas as suas complexidades e ambiguidades, carece da ênfase distintiva da teologia patrística na Eucaristia como principal veículo da deificação.

Uma importante coleção de ensaios, co-editada por Michael Christensen e Jeffrey Wittung sob o título Partakers of the Divine Nature: The History and Development of Deification in the Christian Tradition (2007) é baseada nos artigos entregues em uma conferência realizada na Drew University em maio de 2004. [35] Este volume historicamente estruturado, de autoria conjunta de dezoito colaboradores, abrange fontes bíblicas selecionadas (epístolas Paulinas e Petrinas), material patrístico (incluindo Efraim e o autor sírio e copta-árabe Bulus al Bushi), bem como Anselmo, Lutero, Calvino, João Wesley, Sergius Bulgakov e Karl Rahner. Embora vários períodos recebam cobertura desigual - por exemplo, a discussão dos teólogos medievais ocidentais é limitada principalmente a Anselmo - o volume supera todos os trabalhos publicados anteriormente sobre deificação no âmbito histórico. Os contribuintes para o volume baseiam-se nos estudos discutidos anteriormente e também se aventuram em campos antes inexplorados.

Infelizmente, as considerações de espaço permitem-me discutir apenas duas contribuições para este importante volume. Refletindo sobre o lugar da deificação na teologia ortodoxa, Andrew Louth propõe que para a Ortodoxia, a theosis não é um theologoumenon isolado (ou seja, opinião teológica), mas um tema de significado estrutural, um fio condutor presente nas doutrinas da encarnação, cosmologia, escatologia, antropologia e soteriologia. À luz da deificação como o telos da criação, a encarnação se torna mais do que uma operação de resgate divina destinada a reverter as conseqüências da Queda. A deificação fornece o contexto para recuperar o significado cósmico da encarnação: a união das naturezas divina e humana em Cristo torna-se o fundamento da união escatológica de todos os seres criados em Deus. [36]

Examinando o estado atual das pesquisas sobre deificação nos autores ocidentais, Gösta Hallonsten oferece uma nota de cautela que há muito precisava ser dita. O autor observa que há uma falta de definição clara da theosis no trabalho de Williams sobre Tomás de Aquino. A deificação é identificada de forma variada com participação em Deus, união com Deus e santificação. No entanto, como Hallonsten observa corretamente, a presença da doutrina da santificação em Aquino, mesmo que compatível com alguns aspectos da doutrina ortodoxa da theosis, não implica que Tomás de Aquino tenha uma doutrina de deificação.[37] Hallonsten expressa reservas semelhantes no caso da compreensão de Lutero sobre a incorporação em Cristo. Hallonsten propõe uma distinção útil entre tema e doutrina da theosis. A deificação como tema pode envolver noções tais como participação na natureza divina, adoção filial, união com Deus e assim por diante. A doutrina da theosis, insiste Hallonsten, precisa ser definida com mais precisão. A doutrina propriamente dita deve incluir certos pressupostos antropológicos e uma visão soteriológica completa.[38] A valiosa distinção de Hallonsten entre tema e doutrina foi adotada por Billings em seu trabalho sobre Calvino.

A recuperação da deificação em autores ocidentais empreendida por estudiosos contemporâneos segue duas linhas: alguns enfatizam que o significado da deificação em um determinado autor ocidental é fundamentalmente idêntico ou contínuo ao uso patrístico do conceito (Williams, Mannermaa); enquanto outros falam mais cautelosamente de uma distinta reinterpretação ocidental do tema da deificação (Hallonsten, Billings, Olson). A segunda interpretação é mais plausível historicamente, embora talvez menos atraente ecumenicamente.

Além da distinção de Hallonsten entre tema e doutrina da deificação, deve-se também acrescentar a tipologia útil de Norman Russell de usos nominais, analógicos, éticos e realistas da linguagem da deificação. A definição mais ampla da deificação inclui ideias como participação em Deus, semelhança de Deus e união com Cristo, juntamente com a fórmula de permuta. Uma compreensão consideravelmente mais desenvolvida da deificação inclui a antropologia sinérgica, o realismo sacramental e a distinção essência / energia.

De acordo com os estudos históricos pesquisados anteriormente, o consenso sobre a deificação entre Palamas, Aquino, Lutero e Calvino equivale à proposição de que cada teólogo adotou uma versão da metafísica participativa. [39] Assim, o consenso é alcançado apenas para a mais ampla definição possível da deificação e não para a definição mais desenvolvida. Às vezes, esses quatro teólogos recorrem às mesmas imagens bíblicas em suas respectivas soteriologias. Deve-se enfatizar, entretanto, que as diferenças em suas pressuposições antropológicas, em suas compreensões da operação da graça e em suas teologias sacramentais não podem ser reduzidas à semântica.

A recuperação atual do tema da deificação em um número impressionante de autoridades teológicas ocidentais não pode ser atribuída simplesmente ao diligente trabalho de escavação histórica. É provavelmente mais preciso descrever a recuperação da deificação como um feito teológico disfarçado de teologia histórica. Por exemplo, a insistência de Mannermaa de que a theosis é uma "estrutura fundamental" na teologia de Lutero, quaisquer que sejam os méritos históricos de tal afirmação, teve o impacto de lançar uma luz muito diferente, talvez até mesmo incoerente, na doutrina luterana da justificação forense. Portanto, a descoberta da theosis em Lutero não deve ser interpretada incorretamente como um exercício ecumênico benigno. É uma tentativa corajosa de revisar a doutrina “sobre a qual a igreja [luterana] fica de pé ou cai”. Duas coisas acontecem no processo: a explicação padrão da soteriologia de Lutero sofre uma alteração e o significado da deificação muda consideravelmente. A justificação não é mais uma "ficção legal"; a theosis é agora uma espécie de justificação. Tais movimentos envolvem uma constante ida e vinda entre a exposição histórica dos escritos de Lutero e a teologia construtiva. Embora as conseqüências de se falar de theosis em Aquino, ou em alguns teólogos anglicanos e nos Wesleys, sejam menos sísmicas, o tamanho do ampliamento conceitual que tal movimento exige coloca os estudos recentes em uma categoria mista de exposições-históricas-que-se-tornaram-propostas-ecumênicas.

Surge uma pergunta: o que explicaria tal apelo transconfessional da idéia de deificação hoje? Minhas respostas a essa pergunta serão reconhecidamente parciais e provisórias. Obviamente, há agora um interesse mais sistemático entre os teólogos ocidentais na herança do cristianismo do oriente. As rejeições simplistas das distintas afirmações teológicas da tradição ortodoxa, tão comuns no tempo de Harnack, são raras hoje em dia. As acusações retóricas de que a doutrina da deificação é uma heresia ou um absurdo poético estão ausentes das discussões contemporâneas.

Há fortes indícios de que estamos vivendo uma nova onda de ressourcement. Ao contrário da primeira onda, que produziu a nouvelle théologie no catolicismo romano, esta nova onda é transconfessional, envolvendo estudiosos da Igreja Católica Romana, Evangélica, Protestante e Anglicana. O resultado é uma reformulação do campo da teologia sistemática, informada por um envolvimento mais profundo com recursos patrísticos e maior sensibilidade ecumênica. Nesse sentido, Deification and Grace (2007), de Daniel Keating, publicado como parte da série “Introduções à Doutrina Católica” é uma exposição bem informada e lúcida das riquezas da noção patrística da deificação, que, como Keating argumenta, deveria ser totalmente possuída pelo Ocidente. [40] Na teologia católica romana, os predecessores de Keating, que também procuraram recuperar a noção de deificação, incluem Teilhard de Chardin, Hans von Balthasar e Catherine Mowry LaCugna. Entre os luteranos, os resultados controversos da pesquisa finlandesa foram adotados por Carl Braaten e Robert Jenson. Em outras comunhões cristãs, o interesse em nosso tema é igualmente forte. [41]

A deificação oferece uma visão de redenção que move a discussão para além dos opostos tradicionais de, digamos, teorias de substituição penal e influência moral da expiação. Certamente, a ênfase no caráter transformador dos dons da graça, característica do movimento carismático, pode ser melhor adaptado em categorias terapêuticas, como a deificação, do que em categorias jurídicas. Além disso, a linguagem da deificação tende a promover o uso de categorias ontológicas mais abrangentes na soteriologia, e não apenas categorias jurídicas e morais. Quando a noção de participação da criatura em Deus é colocada no coração da teologia - seja como pressuposição, ou como meta, ou ambos - a relação entre as ordens natural e sobrenatural, teologia natural e revelada, liberdade e graça, esferas secular e sagrada, é reconcebida.

Como um exemplo de tal reconceituação, considere o seguinte manifesto teológico: “O arcabouço teológico central da ortodoxia radical é a participação desenvolvida por Platão e reelaborada no cristianismo, porque qualquer configuração alternativa forçosamente reserva um território independente de Deus. Este último pode levar apenas ao niilismo (embora em diferentes formas). A participação, no entanto, recusa qualquer reserva de território criado, ao passo que permite às coisas finitas sua própria integridade.” [42] Embora seja duvidoso se a metafísica participativa é a única ontologia que evita as armadilhas do niilismo, não se pode duvidar que essa ontologia é incompatível com a pressuposto moderno da esfera auto-enclausurada, autoexplicativa e autoperpetuadora do secular.

O renascimento do tema da theosis na teologia sistemática contemporânea é uma medida da disposição dos teólogos ocidentais de se engajar construtivamente com uma idéia tipicamente “oriental”. Claramente, a noção de theosis não é mais “propriedade” do Oriente cristão, se tal propriedade unilateral fosse alguma vez uma possibilidade histórica. Como enfatizei neste artigo de revisão, nas discussões ecumênicas o significado da deificação é freqüentemente ampliado indefinidamente. Se eu puder arriscar uma previsão condicional, a deificação, desde que suas implicações completas sejam realizadas, funcionará como uma bomba-relógio no devido tempo produzindo uma "destruição criativa" das visões soteriológicas desenvolvidas pelas Igrejas da Reforma. Se a idéia terá o poder de aproximar essas igrejas ao Oriente cristão em outros aspectos, por exemplo, desenvolvendo uma compreensão sacramental do mundo ou uma antropologia sinérgica, o tempo mostrará.

Paul L. Gavrilyuk - The retrieval of Deification: How a once-despised archaism became an ecumenical desideratum 


NOTAS


[A] Nota do tradutor. Acrescento aqui um comentário pertinente do teólogo ortodoxo Andrew Louth: 
A doutrina da deificação deixou de ter um papel central na teologia ocidental a partir do século XII, embora tenha tido um lugar continuado entre os místicos. Tal abandono implicou sua marginalização, e suspeita, e também fascinação. (Embora ainda seja importante no místico Bernardo de Claraval, está ausente em Pedro Lombardo, e Aquino só usa a linguagem da deificatio em relação à natureza humana de Cristo, não dos seres humanos.) Não faz mais parte do padrão da teologia católica ou protestante contemporânea; nas tentativas ocidentais de compreendê-la, consequentemente, assimilaram-na a um quadro estranho, e não surpreendentemente, ela se encaixa ali de maneira muito desajustada. (Andrew Louth, “The Place of Theosis in Orthodox Theology”) 

[B] Nota do tradutor. 

Sobre o livro The Ground of Union: Deification in Aquinas and Palamas da A.N. Williams que tenta conciliar o pensamento de Tomás de Aquino e São Gregório Palamas acrescento duas críticas. A primeira feita pelo David Bradshaw, autor do livro Aristotle East and West. A segunda pelo teólogo católico romano Gösta Hallonsten. Esse teólogo faz uma importante distinção entre o tema da theosis e a doutrina da theosis, pois, como foi dito no artigo acima: "a deificação como tema pode envolver noções tais como participação na natureza divina, adoção filial, união com Deus e assim por diante. A doutrina da theosis, insiste Hallonsten, precisa ser definida com mais precisão. A doutrina propriamente dita deve incluir certos pressupostos antropológicos e uma visão soteriológica completa."

David Bradshaw - The Ground of Union: Deification in Aquinas and Palamas por A.N. Williams. Journal of the History of Philosophy 38 (2000), 586-88.
A importância de Palamas para a história da filosofia reside no fato de que ele apresenta uma versão do pensamento cristão que é profundamente enraizado na tradição, e totalmente ortodoxo, mas não deve nada ao escolasticismo ocidental. Uma rápida comparação com Aquino revela vários pontos de divergência. (1) Enquanto Aquino mantém  que todos os atributos e atividades divinas são idênticos à essência divina, sendo as distinções entre eles meramente quoad nos, Palamas mantém que a distinção entre a ousia (essência) divina e energeia não é apenas imposta por nossa perspectiva, mas é verdadeiramente presente em Deus. (2) Enquanto Aquino pouco fala sobre deificação e explicitamente reserva a visão da essência divina para a vida após a morte, Palamas insiste que a deificação é possível nesta vida e que a condição daqueles que a experimentam é similar (embora, claro, não idêntica) a dos bem-aventurados após a ressurreição. (3) Enquanto que Aquino permite que os bem-aventurados, em última análise, alcancem uma visão da essência divina, Palamas mantém que a ousia (essência) divina é intrinsecamente incognoscível para as criaturas. [...] 
The Ground of Union: Deification in Aquinas and Palamas por A.N. Williams, é a primeira comparação de tamanho de livro dessas duas figuras fundamentais. É uma revisão da tese de doutorado da autora, e tem uma certa rigidez característica do gênero; no entanto, é claro e bem informado, e Williams deve ser elogiada por sua tentativa de compreender ambos autores com simpatia. Sua tese geral é que Aquino e Palamas são muito mais próximos do que parecem à primeira vista. Em particular, Tomás de Aquino possui uma doutrina de deificação, embora raramente use o termo, e a distinção de Palamas entre ousia (essência) e energeia é "nominal" em vez de "real". 
Eu não acho que a tentativa de reconciliação seja um sucesso. É verdade que, para Aquino, a graça é "uma participação da natureza divina" e, portanto, um meio de deificação. Mas isso não apaga as diferenças consideráveis entre os dois autores em sua compreensão do que é a deificação e como ela ocorre. Aquino distingue incisivamente entre as operações inferenciais da razão natural e da fé e a visão direta da essência divina (S.T. I Q. 12, art. 11-13; S.C.G.III.39-40, 47). Nesta vida presente há apenas o primeiro; qualquer conhecimento mais direto de Deus só pode ocorrer num estado de êxtase que abandona os sentidos e é "separado desta vida mortal". Para Palamas, em contraste, a luz incriada pode ser vista com olhos corporais, e essa percepção elevada é a condição normal e duradoura daqueles que a alcançaram. Subjacente a essas diferenças está outra: para Palamas, com sua ênfase ascética e monástica, a deificação é uma transformação tanto da carne como da alma. É surpreendente que Williams diga quase nada sobre as diferentes atitudes de Tomás de Aquino e Palamas em relação ao corpo e aos sentidos, pois esta é certamente uma das diferenças cruciais entre eles. 
A ideia de que a distinção da ousia (essência) e energeia é meramente nominal também não se mantém após um exame cuidadoso. Williams defende essa ideia baseando-se na relutância de Palamas em falar da energeia como uma "realidade" que é distinta da mesma forma que a essência divina é distinta das três hipóstases. Mas falar assim apenas distrai o leitor da questão importante; a questão importante é se Palamas pensa que a distinção existe independentemente do pensamento humano ou é meramente quoad nos. A resposta é claramente a primeira (ou seja, é uma distinção independente do pensamento humano). Ele não apenas afirma uma relação causal entre a ousia e as energeiai (até mesmo seguindo Máximo, o Confessor, falando das energeiai como "obras" de Deus), ele também dá as energeiai atributos que não poderiam pertencer à ousia, como de ser plural e de vir a ser e passar no tempo.
Gosta Hallonsten  - Theosis in Recent Research: A Renewal of Interest and a Need for Clarity (Theosis em Pesquisas Recentes: Uma Renovação de Interesse e uma Necessidade de Clareza)
A monografia de A. N. Williams oferece referências mais extensas às doutrinas patrísticas e ortodoxas da deificação, mas ela nunca define expressamente o que ela quer dizer com doutrina da theosis. Ela freqüentemente usa essa terminologia como uma caracterização não apenas da teologia de Gregório Palamas, mas também da de São Tomás. Ela admite, no entanto, que o próprio Thomas raramente fala sobre theosis expressis verbis. Além disso, embora o título do livro pareça equiparar a deificação à união com Deus, às vezes a autora, quase de passagem, define a theosis como santificação. Embora essas duas doutrinas não sejam mutuamente exclusivas, a doutrina da theosis tradicionalmente inclui a santificação e é, de fato, muito mais abrangente. Se encontrarmos em Tomás uma doutrina de santificação que é compatível com o conceito de santificação incluído na doutrina ortodoxa da theosis, isso não significa que a doutrina da santificação em São Tomás necessariamente implique uma doutrina da theosis. [...]

Devemos também considerar aqui o que exatamente se entende por doutrina da deificação no sentido ortodoxo. A escola finlandesa, assim como Williams e muitos outros estudiosos contemporâneos, parecem pensar que o cerne da doutrina da deificação é a participação na vida divina. Essa conclusão parece óbvia, uma vez que se toma como ponto de partida o tema da theosis, que de fato lida principalmente com o objetivo em termos de participação na vida divina. Além disso, isso é sugerido pelas duas principais referências das escrituras. No entanto, se a doutrina da theosis de acordo com os Padres Gregos ou a teologia ortodoxa atual é examinada, será percebido que a deificação como doutrina não é apenas sobre o objetivo final, mas é concebida como uma doutrina abrangente envolvendo toda a economia da salvação. [...] 
Referindo-se à comparação de Williams entre Tomás de Aquino e Palamas, o mais surpreendente é que ela deixa de lado todo esse problema. Sua tese é que ambos os pensadores têm uma doutrina de participação dos seres humanos na vida de Deus, o que é verdade. Como foi dito anteriormente, o simples fato de ter uma doutrina de participação de qualquer tipo, junto com o uso de palavras como deificação, participação da natureza divina, adoção e filiação, para Williams equivale a ter uma doutrina de deificação. O que falta em seu livro é uma discussão real das diferenças entre os dois tipos de participação que Aquino e Palamas ensinam, respectivamente. Esta é uma conseqüência inevitável, tanto quanto eu posso ver, de falta de compreensão da doutrina integral da theosis de acordo com a tradição oriental. [...] Eu acho que a discussão da deificação poderia ser beneficiada com a idéia de que há três nomes diferentes para ela, ou mais precisamente, que a theosis pode se referir a três fenômenos diferentes, que podem estar interconectados - mas nem sempre. Eles são os seguintes: 
1. Primeiro, há o tema da theosis, que na maioria das vezes está relacionado com temas escriturais similares, como adoção e filiação. Embora o tema da theosis seja certamente encontrado na maioria dos escritores cristãos ao longo das eras, isso não deve, entretanto, nos induzir ao erro de falar sobre uma doutrina da theosis. Por uma questão de clareza, gostaria de salientar aqui que o tema da theosis inclui o tema da "permuta feliz"; o admirável commercium.  
2. Segundo, a theosis está conectada a uma certa antropologia, freqüentemente baseada na distinção entre imagem e semelhança e sempre teleologicamente orientada de maneira dinâmica em relação ao protótipo. Este protótipo, a verdadeira imagem de Deus, é Cristo. Assim, a importância da Encarnação como ponto central na economia da salvação. Essa antropologia, além disso, baseia-se ou implica uma visão da relação entre a criação e seu Criador, que é caracterizada pela causalidade formal e implica a presença e ação contínuas da graça ou das energias de Deus desde o início até o fim. 
3. Terceiro, a theosis é uma doutrina abrangente que envolve toda a economia da salvação. Todo o plano de Deus e sua realização da criação através da encarnação, salvação, santificação e o eschaton estão incluídos nesta visão abrangente.. 
Os pontos 2 e 3 estão intimamente juntos, enquanto o ponto 1 é mais independente. Não há dúvida de que existem outras classificações, pois a abrangência desse tópico é um tanto elusiva. No entanto, espero que meu ponto principal leve a uma discussão mais aprofundada, a saber, que uma distinção deve ser feita entre o tema e a doutrina da theosis, e que o rótulo “doutrina da theosis” deveria preferencialmente ser reservado para a doutrina integral da deificação apresentada pela tradição ortodoxa. Promover a compreensão cristã mútua é uma coisa boa. Nós não alcançamos esse objetivo, no entanto, simplesmente por meio da interpretação de similaridades como identidades.

[C] Nota do tradutor. "Bondade criada" não tem a ver com a deificação. O autor citado aqui, Roger Olson, aparentemente se engana. O homem participa nas energias incriadas (incluindo a bondade) de Deus. A definição de deificação utilizada aqui já uma versão diluída se o autor de fato pensa que a bondade é criada. 

1   Adolf von Harnack, History of Dogma, trans. Neil Buchanan (Boston, MA: Little, Brown, and Company, 1901), Vol. 2, p. 318. Como Fergus Kerr observa, “basta apenas rastrear as referências à deificação no índice do ótimo trabalho de Hamack para ver como o tema o deixa irritado.” Veja Fergus Kerr, After Aquinas: Versions of Thomism (Oxford: Blackwell, 2002), p. 155.

2 Veja Stephen Finlan e Vladimir Kharlamov, eds. Theosis: Deification in Christian Theology (Eugene, OR: Pickwick Publications, 2006), p. 8 n. 20, 21.

3   Karl Barth, Church Dogmatics, W. 2. The Doctrine of Reconciliation, editado por G. W. Bromiley
e T. F. Torrance, (Edinburgh: T. & T. Clark, 1958), §64, pp. 81-82. 

4 Karl Barth, CD, I.2. §22, p. 759.

5 Karl Barth, CD, W. 2. §64, p. 68; IV. 1. §59, 181.

6 Karl Barth, CD, I. 2. §1, p. 19.

7 Karl Barth, CD, I. 2. §15, p. 138.

8 Veja Vladimir Lossky, “Redemption and Deification,” em In the Image and Likeness of God, editado por John H. Erickson e Thomas E. Bird,(Crestwood, NY: St Vladimir’s Seminary Press, 1974/2001), p. 99, onde a deificação é nitidamente contrastada com a teoria da satisfação de Anselmo. Mais recentemente, veja Robert G. Stephanopoulos, “The Doctrine of Theosis,” em The New Man: an Orthodox and Reformed Dialogue (New Brunswick, NJ: Agora Books, 1973), pp. 149-161; Daniel B. Clendenin, “Partakers of Divinity: The Orthodox Doctrine of Theosis,” Journal of the Evangelical Theological Society 37/3 (September, 1994), pp. 365-379; at p. 365.

9 Veja, e.g., Emil Bartos, Deification in Eastern Orthodox Theology (Eugene, OR: Wipf & Stock, 1999); Georgios I. Mantzaridis, The Deification of Man (Crestwood, NY: St Vladimir’s Semi­nary Press, 1984).

10 N. R. Kerr, “St Anselm: Theoria and the Doctrinal Logic of Perfection,” em M. J. Christensen e Jeffrey A. Wittung, eds., Partakers of the Divine Nature: The History and Development of Deification in the Christian Traditions (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2007).

11  A. N. Williams, The Ground of Union (Oxford: Oxford University Press, 1999).

12 David B. Hart “The Bright Morning of the Soul: John of the Cross on Theosis,” Pro Ecclesia 12/3 (Summer, 2003), pp. 324-344.

13 Carl E. Braaten and Robert W. Jenson,eds., Union With Christ: The New Finnish Interpretation of Luther (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1998).

14  J. Todd Billings, Calvin, Participation, and the Gift: The Activity of Believers in Union with Christ
(Oxford: Oxford University Press, 2008).

15 A. M. Allchin, Participation in God: A Forgotten Strand in Anglican Tradition (Wilton, CT: Morehouse-Barlow, 1984).

16 S. T. Kimbrough, “Theosis in the Writings of Charles Wesley”, St Vladimir’s Theological Quarterly 52 (2008), pp. 199-212.

17   Richard B. Steele, “Transfiguring Light: The Moral Beauty of the Christian Life According to
Gregory Palamas and Jonathan Edwards,” St Vladimir’s Theological Quarterly 52 (2008), pp. 403-439.

18   Por exemplo, Professor Bruce McCormack do Princeton Theological Seminary chamou a idéia de deificação “idólatra” numa palestra pública dada no Providence College como parte do simpósio “Divine Impassibility and the Mystery of Human Suffering” em Março 30-31, 2007.

19  Suetonius, Life of Vespasian, 23.4.

20  Jules Gross, The Divinization of the Christian According to the Greek Fathers, trans. Paul A. Onica (Anaheim, CA: A & C Press, 2002), p. 271.

21  Russell, The Doctrine of Deification, p. 9.

22  Williams, The Ground of Union, pp. 158-159.

23  Williams, The Ground of Union, pp. 173-174.

24  Williams, The Ground of Union, pp. 8-27.

25  Russell, The Doctrine of Deification, p. 1.

26 Cf. Williams, The Ground of Union, p. 32: “Primeiro, podemos dizer com segurança que, onde encontramos referências à participação humana na vida divina, certamente temos uma afirmação específica da theosis.”

27 Roger E. Olson, “Deification in Contemporary Theology,” Theology Today 64/2 (July, 2007), pp. 186-200; at p. 193.

28  Vladimir Lossky, Mystical Theology of the Eastern Church (Crestwood, NY: Saint Vladimir’s
Seminary Press, 1976/ 1998); Georgios I. Mantzaridis, The Deification of Man (Crestwood, NY: Saint Vladimir’s Seminary Press, 1984); Olson, “Deification in Contemporary Theology,” p. 199.

29 Os resultados desta pesquisa, que tem sido realizada desde 1970, são convenientemente resumidos pelos principais contribuidores em Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, eds., Union With Christ (1998).

30  Tuomo Mannermaa, The Christ Present in Faith: Justification and Deification; la contribution to the Ecumenical Dialog, (Hannover, 1989) [Trad. inglesa The Christ Present in Faith: Luther’s View of Justification, trans. Thomas S. Obersat (Minneapolis, MN: Fortress Press, 2005.]; “Why is Luther So Fascinating? Modem Finnish Luther Research,” em Union with Christ: The New Finnish Interpretation of Luther, p. 1.

31 Tuomo Mannermaa, “Theosis as a Subject of Finnish Luther Research,” Pro Ecclesia 4/1 (Winter, 1994), pp. 37-47; at p. 37.

32 Tuomo Mannermaa, “Theosis as a Subject of Finnish Luther Research”, p. 42.

33 J. Todd Billings, “John Calvin: United to God through Christ,” in Partakers of the Divine Nature: The History and Development of Deification in the Christian Tradition, p. 201.

34 J. Todd Billings, Calvin, Participation and the Gift, p. 55.

35 Dois contribuidores para o volume, Stephen Finlan e Vladimir Kharlamov, coeditaram simultaneamente sua própria coleção: Theosis: Deification in Christian Theology (Eugene, OR: Pickwick Publications, 2006). Esta coleção, contendo contribuições de sete estudiosos, é mais modesta em escopo e de menor qualidade do que Partakers of the Divine Nature. O volume inclui uma introdução bem documentada, um capítulo dedicado ao Antigo Testamento, um capítulo sobre 2 Pedro, os próximos seis capítulos sobre autores patrísticos e os dois últimos capítulos dedicados a T. F. Torrance e Vladimir Soloviev.

36 Andrew Louth, “The Place of Theosis in Orthodox Theology,” in Partakers of the Divine Nature, editado por Michael J. Christensen and Jeffery A. Wittung, (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008), p. 43.

37 Gösta Hallonsten, “Theosis in Recent Research: a renewal of interest and a need for clarity,” pp. 282-283.

38 Ibid., p. 287.

39 Minha conclusão se baseia na valiosa discussão em William T. Cavanaugh, “A Joint Declaration? Justification as Theosis in Aquinas and Luther,” The Heythrop Journal 41/3 (July, 2000), pp. 265-280.

40 Daniel A. Keating, Deification and Grace (Naples, FL: Sapientia Press, 2007).

41 Veja Olson, “Deification in Contemporary Theology,” pp. 188-189. As listas abrangentes de Olson incluem também um teólogo anglicano A. M. Allchin, o teólogo reformado Jürgen Moltmann e teólogos evangélicos como Clark Pinnock, Stanley Grenz, Robert Rakestraw, Daniel Clendenin e Veli-Matti Kärkkäinen.

42 John Milbank, Graham Ward and Catherine Pickstock, “Introduction”, in J. Milbank et al. (eds.) Radical Orthodoxy (London: Routledge, 1999), p. 3.