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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Encíclica de São Fócio, o Grande, aos Patriarcas Orientais (867 d.C.)



São Fócio, Patriarca de Constantinopla, "o farol brilhante da Igreja", viveu durante o século IX, e veio de uma família de cristãos zelosos. Seu pai Sérgio morreu como um mártir em defesa dos santos ícones. São Fócio recebeu uma excelente educação e, como sua família estava relacionada à casa imperial, ocupou o cargo de primeiro secretário de estado no Senado. Seus contemporâneos diziam dele: "Ele se distinguiu tanto com os conhecimentos em quase todas as ciências seculares, que seria legítimo levar em conta a glória de sua idade e compará-la com os antigos".

Miguel, o jovem sucessor ao trono, e São Cirilo, o futuro Iluminador dos Eslavos, foram ensinados por ele. Sua profunda piedade cristã protegeu São Fócio de ser seduzido pelos encantos da vida da corte. Com toda a sua alma ele ansiava pelo monaquismo.

Em 857, Bardas, que governou com o Imperador Miguel, depôs o Patriarca Inácio (23 de outubro) da Sé de Constantinopla. Os bispos, conhecendo a piedade e o amplo conhecimento de Fócio, informaram ao imperador que ele era um homem digno de ocupar o trono arquipastoral. São Fócio aceitou a proposta com humildade. Ele passou por todas as posições clericais em seis dias. No dia da Natividade de Cristo, ele foi consagrado bispo e elevado ao trono patriarcal.

Logo, porém, surgiu a discórdia dentro da Igreja, estimulada pela remoção do Patriarca Inácio de seu ofício. O Sínodo de 861 foi convocado para pôr fim à agitação, no qual foi confirmado a deposição de Inácio e a posse de Fócio como patriarca.

O Papa Nicolau I, cujos enviados estavam presentes neste concílio, esperava que, ao reconhecer Fócio como patriarca, ele pudesse subordiná-lo ao seu poder. Quando o novo patriarca se mostrou insubmisso, Nicolau anatematizou Fócio em um concílio romano.

Até o final de sua vida, São Fócio foi um firme opositor das intrigas e desígnios papais contra a Igreja Ortodoxa do Oriente. Em 864, a Bulgária se converteu voluntariamente ao cristianismo. O príncipe búlgaro Boris foi batizado pelo próprio Patriarca Fócio. Mais tarde, São Fócio enviou um arcebispo e sacerdotes para batizar o povo búlgaro. Em 865, os Santos Cirilo e Metódio foram enviados para pregar sobre Cristo na língua eslava. No entanto, os partidários do Papa incitaram os búlgaros contra os missionários Ortodoxos.

A situação calamitosa na Bulgária se desenvolveu porque uma invasão dos povos germânicos os obrigou a buscar ajuda no Ocidente, e o príncipe búlgaro pediu ao Papa que enviasse seus bispos. Quando chegaram à Bulgária, os legados papais começaram a substituir os ensinamentos e costumes latinos em lugar das crenças e práticas Ortodoxas. São Fócio, como firme defensor da verdade e denunciador da falsidade, escreveu uma encíclica informando os bispos orientais sobre as ações do Papa, indicando que o afastamento da Igreja Romana em relação à Ortodoxia não se deu apenas em ritual, mas também em sua confissão de fé. Um concílio foi convocado, censurando a arrogância do Ocidente.

Em 867, Basílio, o macedônio se apoderou do trono imperial, após o assassinato do imperador Miguel. São Fócio denunciou o assassino e não permitiu que ele participasse dos Mistérios Sagrados de Cristo. Portanto, ele foi removido do trono patriarcal e preso em um mosteiro sob guarda, e o Patriarca Inácio foi restaurado à sua posição.

O Sínodo de 869 reuniu-se para investigar a conduta de São Fócio. Este concílio ocorreu com a participação dos legados papais, que exigiram que os participantes assinassem um documento (Libellus) condenando Fócio e reconhecendo a primazia do Papa. Os bispos orientais não concordaram com isso, e discutiram com os legados. Convocado ao concílio, São Fócio enfrentou todas as acusações dos legados com um silêncio digno. Somente quando os juízes lhe perguntaram se ele desejava se arrepender, ele respondeu: "Por que vocês se consideram juízes?". Após longas disputas, os oponentes de Fócio saíram vitoriosos. Embora o julgamento deles fosse infundado, eles anatematizaram o Patriarca Fócio e os bispos que o defendiam. O santo foi enviado à prisão por sete anos e, em seu testemunho, agradeceu ao Senhor por ter resistido pacientemente a seus juízes.

Durante este tempo o clero latino foi expulso da Bulgária, e o Patriarca Inácio enviou seus bispos para lá. Em 879, dois anos após a morte do Patriarca Inácio, outro concílio foi convocado (muitos o consideram o Oitavo Concílio Ecumênico), e novamente São Fócio foi reconhecido como o legítimo arquipastor da Igreja de Constantinopla. O Papa João VIII, que conhecia Fócio pessoalmente, declarou através de seus enviados que as antigas decisões papais sobre Fócio foram anuladas. O concílio reconheceu o caráter inalterável do Credo niceno-constantinopolitano, rejeitando a distorção latina ("filioque"), e reconhecendo a independência e igualdade de ambos os tronos e ambas as igrejas (ocidental e oriental). O concílio decidiu abolir os usos e rituais latinos na igreja búlgara introduzidos pelo clero romano, que terminou suas atividades lá. [1]


* * * 

Encíclica aos Patriarcas Orientais (867 d.C.)

Inúmeros têm sido os males concebidos pelo diabo ardiloso contra a raça dos homens, desde o início até a vinda do Senhor. Mas mesmo depois, ele não cessou, através de erros e heresias, de seduzir e enganar aqueles que o escutam. Antes da nossa época, a Igreja, testemunhou vários erros ímpios de Ário, Macedônio, Nestório, Eutiques, Dióscoro e uma multidão imunda de outros, contra os quais foram convocados os santos Sínodos Ecumênicos, e contra os quais os nossos santos Padres, portadores de Deus, lutaram com a espada do Espírito Santo. Mas, mesmo depois dessas heresias terem sido vencidas e a paz reinado, e a partir da Capital Imperial as correntes da Ortodoxia fluíram pelo mundo; depois que algumas pessoas que tinham sido atingidas pela heresia jacobita (monofisita) voltaram à Fé Verdadeira por causa de suas santas orações; e depois que outros povos bárbaros, como os búlgaros, passaram da idolatria ao conhecimento de Deus e da Fé Cristã: eis que o diabo ardiloso se agitou por causa de sua inveja.

Pois os búlgaros não haviam sido batizados nem mesmo por dois anos quando homens desonrosos emergiram da escuridão (isto é, do Ocidente), e caíram como granizo ou, melhor, atacaram como javalis a vinha recém plantada do Senhor, destruindo-a com cascos e presas, ou seja, por suas vidas vergonhosas e dogmas corrompidos. Pois os missionários e clero papais queriam que esses cristãos Ortodoxos se afastassem dos dogmas corretos e puros de nossa Fé irrepreensível.

O primeiro erro dos ocidentais foi impor aos fiéis o jejum aos sábados. (Menciono este ponto aparentemente pequeno porque o menor afastamento em relação à Tradição pode levar a um desdém de todos dogmas de nossa Fé). Em seguida, convenceram os fiéis a desprezar o casamento dos sacerdotes, semeando assim em suas almas as sementes da heresia maniqueísta. Da mesma forma, eles os persuadiram de que todos os que haviam sido batizados pelos sacerdotes tinham de ser novamente ungidos pelos bispos. Dessa forma, esperavam mostrar que a crisma realizada pelos sacerdotes não tinha valor, ridicularizando assim esse Mistério Cristão divino e sobrenatural. De onde vem esta lei que proíbe os padres de ungir com o Santo Crisma? De que legislador, Apóstolo, Padre, ou Sínodo? Pois, se um sacerdote não pode crismar os recém batizados, então certamente ele também não pode batizar. Ou, como pode um sacerdote consagrar o Corpo e Sangue de Cristo Nosso Senhor na Divina Liturgia se, ao mesmo tempo, ele não pode crismar com o Santo Crisma? Se essa graça, então, é subtraída dos sacerdotes, a posição episcopal é diminuída, pois o bispo está à cabeça do coro dos sacerdotes. Mas os ocidentais ímpios não cessaram a sua iniquidade nem mesmo aqui.

Tentaram com suas falsas opiniões e palavras distorcidas arruinar o santo e sagrado Símbolo [Credo] Niceno da Fé - que por decisões tanto sinodais como universais possui poder invencível - acrescentando-lhe que o Espírito Santo procede não só do Pai, como o Símbolo declara, mas também do Filho. Até agora, ninguém jamais ouviu sequer um herege pronunciar tal ensinamento. Que cristão pode aceitar a introdução de duas fontes na Santíssima Trindade; isto é, que o Pai é uma fonte do Filho e do Espírito Santo, e que o Filho é outra fonte do Espírito Santo, transformando assim a monarquia da Santíssima Trindade em uma divindade dupla?

E por que o Espírito Santo deve proceder tanto a partir do Filho como a partir do Pai? Pois se a Sua processão a partir do Pai é perfeita e completa - e é perfeita porque Ele é Deus perfeito a partir de Deus perfeito - então por que há também uma processão a partir do Filho? O Filho, além disso, não pode servir como intermediário entre o Pai e o Espírito, porque o Espírito não é uma propriedade do Filho. Se dois princípios, duas fontes, existem na divindade, então a unidade da divindade seria destruída. Se o Espírito procede tanto a partir do Pai como a partir do Filho, Sua processão, a partir do Pai somente, seria necessariamente ou perfeita ou imperfeita. Se for imperfeita, então a processão a partir de duas hipóstases seria muito mais artificiosa e menos perfeita do que a processão a partir de uma hipóstase somente. Se não é imperfeita, por que seria necessário que o Espírito procedesse também a partir do Filho?

Se o Filho participa na qualidade ou propriedade própria da hipóstase do Pai, então o Filho e o Espírito perdem suas próprias distinções pessoais. Aqui se cai no semi-sabelianismo. A proposição de que na divindade existem dois princípios, um que é independente e outro que recebe sua origem do primeiro, destrói a própria raiz da concepção cristã de Deus. Seria muito mais consistente expandir esses dois princípios em três, pois isso estaria mais de acordo com a compreensão humana da Santíssima Trindade.

Mas como o Pai é o princípio e a fonte, não pela natureza da divindade, mas pela propriedade de Sua hipóstase (e a hipóstase do Pai não inclui a hipóstase do Filho), o Filho não pode ser um princípio ou fonte. O Filioque na realidade divide a hipóstase do Pai em duas partes, ou então a hipóstase do Filho torna-se uma parte da hipóstase do Pai. Através do ensinamento do Filioque, o Espírito Santo se encontra a dois graus ou etapas afastado do Pai, e por isso tem uma posição muito mais inferior do que o Filho. Se o Espírito Santo procede a partir do Filho também, então entre as três Hipóstases Divinas, apenas o Espírito Santo tem mais de uma origem ou princípio.

Pelo ensinamento da processão a partir do Filho também, o Pai e o Filho se tornam mais próximos um do outro do que o Pai e o Espírito, pois o Filho possui não só a natureza do Pai, mas também a propriedade de Sua Pessoa [hipóstase]. A processão do Espírito a partir do Filho ou é a mesma que a do Pai, ou então ela é diferente, e nesse caso existe uma oposição na Santíssima Trindade. Uma dupla processão não se pode conciliar com o princípio de que o que não é comum às três hipóstases pertence exclusivamente a uma só das três hipóstases. Se o Espírito procede também a partir do Filho, por que, então, algo não procederia a partir do Espírito, para que se mantivesse o equilíbrio entre as Hipóstases Divinas?

Pelo ensinamento de que o Espírito procede também a partir do Filho, o Pai se mostra parcial para com o Filho. O Pai ou é uma fonte maior do Espírito do que o Filho, ou uma fonte menor. Se maior, a dignidade do Filho é ofendida; se menor, a dignidade do Pai é ofendida. Os latinos tornam o Filho maior que o Espírito, porque O consideram um princípio, colocando-O irreverentemente próximo do Pai. Ao introduzir um princípio duplo na Santíssima Trindade, como fazem, os latinos ofendem o Filho, pois, ao torná-Lo uma fonte do que já tem uma fonte, tornam-No desnecessário como uma fonte. Também dividem o Espírito Santo em duas partes: uma parte a partir do Pai e uma parte a partir do Filho. Na Santíssima Trindade, que está unida numa unidade indivisível, todas as três hipóstases são invioláveis. Mas, se o Filho contribui para a processão do Espírito, a Filiação é então prejudicada, e a propriedade hipostática sofre dano.

Se, através da geração do Filho, o poder foi assim dado ao Filho para que o Espírito Santo procedesse a partir dEle, então como não seria destruída a Sua própria Filiação quando Ele, que Ele mesmo tem uma fonte, se tornou uma fonte de Outro que é igual a Ele e é da mesma natureza que Ele? De acordo com o ensinamento Filioque, é impossível saber por que o Espírito Santo não poderia ser chamado de neto! Se o Pai é a fonte do Filho, que é a segunda fonte do Espírito, então o Pai é simultaneamente a fonte imediata e a fonte mediada do Espírito Santo! Uma fonte dupla na divindade termina inevitavelmente em um resultado duplo; assim, a hipóstase do Espírito deve ser dupla. Portanto, o ensinamento do Filioque introduz na divindade dois princípios, uma diarquia, que destrói a unidade da divindade, a monarquia do Pai.

Tendo aqui explicado apenas brevemente o entendimento latino, deixarei sua apresentação detalhada e refutação até que sejamos reunidos em concílio. Esses chamados bispos introduziram, assim, esse ensinamento ímpio, juntamente com outras inovações inadmissíveis, entre o povo búlgaro simples e recém-batizado. Estas notícias nos corta o coração. Como não lamentar quando vemos diante dos nossos olhos o fruto do nosso ventre, a criança a quem demos à luz através do Evangelho de Cristo, sendo dilacerada por feras? Aquele que pelo seu suor e sofrimento os revitalizou e aperfeiçoou na Fé, sofre uma grande dor e tristeza com a destruição de seus filhos. Portanto, pranteamos por nossos filhos espirituais, e não cessamos de prantear. Porque não daremos sono aos nossos olhos até que, na medida do nosso poder, os retornemos à Casa do Senhor.

Em relação a esses precursores da apostasia, corruptores profanos e servos do inimigo, nós, por decreto divino e sinodal, condenamo-los como impostores e inimigos de Deus. Não é como se estivéssemos agora mesmo pronunciando julgamento sobre eles, mas declaramos abertamente a condenação ordenada pelos antigos sínodos e cânones apostólicos. Se persistirem obstinadamente em seu erro, os excluiremos da comunhão de todos os cristãos.  Eles introduziram o jejum aos sábados, embora isso seja proibido pelo 64º Cânone Apostólico, que afirma: "Se algum clérigo for encontrado jejuando aos domingos ou sábados, exceto o único Grande Sábado antes da Páscoa, que seja removido das fileiras do clero, e se for leigo, que seja excomungado." Da mesma forma, pelo 56º Cânone do Santo Quarto Sínodo Ecumênico, que diz: "Como ficamos sabendo que na cidade da Velha Roma alguns, durante o Grande Jejum, em oposição à ordem eclesiástica que nos foi transmitida, mantêm o jejum mesmo aos sábados, o santo Sínodo Ecumênico ordena que na Igreja da Velha Roma o Cânone Apostólico que proíbe o jejum aos sábados e domingos deve ser observado com precisão".

Da mesma forma, há um cânone do sínodo regional de Gangra que anatematiza aqueles que não reconhecem sacerdotes casados. Isto foi confirmado pelo Santo Sexto Sínodo Ecumênico, que condenou aqueles que exigem que os sacerdotes e diáconos deixem de coabitar com suas legítimas esposas após sua ordenação. Tal costume estava sendo introduzido já então pela Igreja da Velha Roma. Esse Sínodo lembrou à Igreja da Velha Roma o ensinamento evangélico e o cânon e a constituição dos Apóstolos, e ordenou-lhe que não insultasse a santa instituição do matrimônio cristão estabelecida pelo próprio Deus. Mas mesmo que não citássemos todas essas e outras inovações dos latinos, a simples citação de sua adição da frase Filioque no Símbolo da Fé Nicena seria suficiente para submetê-los a mil anátemas. Pois essa inovação blasfema o Espírito Santo, ou mais corretamente, toda a Santíssima Trindade.

Tendo apresentado esta questão perante a nossa fraternidade no Senhor, segundo o antigo costume da Igreja, o convidamos e pedimos que venham e se juntem a nós em concílio, com o propósito de condenar estes ensinamentos imundos e ímpios. Não abandonem a ordem estabelecida pelos Santos Padres que eles, por seus atos e obras, nos transmitiram como um legado a preservar. Mas com muito zelo e boa vontade enviem seus representantes e deputados, adornados com a piedade e o sacerdócio e pela bondade de suas vidas e palavras, e por decreto sinodal comum esta recente gangrena blasfema será extirpada da Igreja. Uma vez que tenhamos erradicado essa impiedade, podemos esperar que o recém-baptizado povo búlgaro volte à Fé que aceitou inicialmente. E não só o povo búlgaro, mas também todo o povo anteriormente terrível, o chamado Rus, pois mesmo agora estão abandonando sua fé pagã e estão se convertendo ao cristianismo, recebendo de nós bispos e pastores, assim como todos os costumes cristãos. Consequentemente, se agora vos moverdes para ajudar a eliminar este mal recém iniciado, então o rebanho de Cristo aumentará ainda mais e o aprendizado apostólico chegará aos confins do mundo. Com este propósito, portanto, enviem os vossos representantes e deputados equipados com a autoridade dos tronos apostólicos que herdastes pelo Espírito Santo, para que estes e todas as outras questões possam ser levadas a julgamento por uma autoridade legítima.

Da região italiana, recebemos uma carta sinodal citando muitas questões graves contra o bispo da Velha Roma. Assim, os Ortodoxos de lá nos pedem para libertá-los da grande tirania dele, pois naquela área a lei sagrada está sendo desprezada e a ordem da Igreja pisoteada. Isso nos foi dito anteriormente por monges que vieram até nós de lá, e agora recebemos muitas cartas que nos dão notícias assustadoras sobre aquela região e nos pedem para transmitir a mensagem deles para todos os bispos e também para os Patriarcas Apostólicos. Por essa razão, comunico a vós o pedido deles por meio desta epístola. Uma vez reunido um sínodo santo e ecumênico cristão, caberá a nós, juntos, resolver todas estas questões com a ajuda de Deus e segundo as regras dos sínodos passados, para que, ao fazer isto, uma paz profunda possa novamente prevalecer na Igreja de Cristo.

Além disso, é necessário confirmar o santo Sétimo Sínodo Ecumênico, a fim de que todos os fiéis da Igreja, em todos os lugares, reconheçam e incluam esse Sínodo como Ecumênico juntamente com os outros seis. Pois ouvimos dizer que em alguns lugares ele ainda não é assim considerado, embora suas decisões sejam aceitas e honradas. Este foi o Sínodo que venceu e destruiu a grande iniquidade herética do iconoclasmo. Representantes dos outros quatro patriarcas participaram de suas sessões. Depois de todos reunidos, juntamente com nosso tio, o muito bem-aventurado Tarásio, Arcebispo de Nova Roma, este grande e ecumênico sínodo esmagou a heresia blasfema do Anticristo. Portanto, este Sínodo deve ser declarado e enumerado com os seis anteriores, a fim de mostrar a união da Igreja de Cristo e negar aos ímpios iconoclastas a afirmação de que sua heresia foi condenada por um só trono. Assim procuramos e nos propomos como um irmão aos irmãos, e suplicamos a Vossa Santidade e também pedimos que se lembrem destes pobres em tuas orações.

* * * 

Nota do tradutor: a presente tradução foi feita a partir da versão em inglês incluída no livro "On the Mystagogy of the Holy Spirit" publicada pelo Holy Transfiguration Monastery, Studion Publishers. O texto é ligeiramente diferente do mesmo disponível em outras línguas (russo, grego, romeno). 

[1] Nota do tradutor: a introdução foi retirada de https://www.antiochpatriarchate.org/en/page/st-photius-the-patriarch-of-constantinople/1332/.

Sobre São Fócio e concílio de 879 veja: 
São Fócio o Grande, o Concílio Fociano e as relações com a Igreja Católica Romana (Dr. David Ford) 



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A Encíclica Patriarcal de 1895: Uma resposta à Encíclica Papal do Papa Leão XIII





Comentário

Em 20 de junho de 1895, por ocasião do seu jubileu episcopal, o Papa Leão XIII publicou a sua encíclica "Praeclara gratulationis", dirigida aos chefes de estado e aos povos do mundo. A Igreja Ortodoxa foi convidada a unir-se ao trono papal e a reconhecer o Papa como a Cabeça Suprema da Igreja, no sentido definido pelo dogma do Concílio Vaticano I, mantendo os ortodoxos, bem entendido, as suas próprias línguas e ritos litúrgicos, bem como os seus costumes e tradições diversas.

Ao mesmo tempo, a encíclica recomendava a extensão, no Oriente ortodoxo, do Uniatismo, o envio partindo de Roma de um grande número de agentes que, sob vestes ortodoxas, converteriam, por todos os meios, os ortodoxos.

Diante desta ameaça, e para prevenir e proteger os fiéis da propaganda latina, o Patriarca de Constantinopla publicou a encíclica a seguir.

Dez são os pontos abordados:

1. O Filioque
2. A Primazia e infalibilidade papal
3. O Batismo por aspersão
4. O Pão ázimo para a Eucaristia
5. A consagração dos santos dons pelas palavras do Senhor, e não pela epiclese.
6. A Comunhão dos fiéis sem o Sangue de Cristo.
7. O Purgatório.
8. Os méritos superabundantes dos santos.
9. As indulgências
10. A retribuição e a bem-aventurança plena dos justos e dos santos imediatamente após a morte e antes da Ressurreição universal.


Encíclica 

Aos Santíssimos e Divinamente Amados Irmãos em Cristo Metropolitas e Bispos, ao seu santo e venerável Clero e a todos os leigos piedosos e ortodoxos do Santíssimo Trono Apostólico e Patriarcal de Constantinopla.
"Lembrem-se dos seus líderes, que lhes falaram a palavra de Deus. Observem bem o resultado da vida que tiveram e imitem a sua fé. Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre. Não se deixem levar pelos diversos ensinos estranhos." (Hebreus 13:7-8)
I. Toda alma piedosa e ortodoxa, que tem um zelo sincero pela glória de Deus, fica profundamente triste e abatida com grande dor ao ver que o inimigo do bem, que é um homicida desde o princípio, impelido pela inveja da salvação do homem, nunca deixa de semear continuamente o joio no campo do Senhor, a fim de pisotear o bom grão. Desta fonte, de fato, mesmo desde os primeiros tempos, brotou na Igreja de Deus os joios heréticos, que de muitas maneiras tem feito estragos, e ainda fazem estragos, na salvação da humanidade por Cristo; que, além disso, como más sementes e membros corruptos, são justamente cortados do corpo sadio da Igreja católica ortodoxa de Cristo. Mas nestes últimos tempos o maligno arrancou da Igreja ortodoxa de Cristo até mesmo nações inteiras no Ocidente, tendo inflado os bispos de Roma com pensamentos de arrogância excessiva, o que deu origem a diversas inovações ilegítimas e anti-evangélicas. E não só isso, como também os Papas de Roma, de tempos em tempos, buscando absolutamente e sem examinação modos de união de acordo com sua própria fantasia, esforçam-se por todos os meios para reduzir a seus próprios erros a Igreja católica de Cristo, que em todo o mundo caminha inabalável na ortodoxia da fé transmitida a ela pelos Padres.

II. Assim o Papa de Roma, Leão XIII, por ocasião do seu jubileu episcopal, publicou no mês de junho do ano da graça de 1895 uma carta encíclica, dirigida aos líderes e aos povos do mundo, pela qual convida ao mesmo tempo a nossa Igreja Católica e Apostólica ortodoxa de Cristo a unir-se ao trono papal, pensando que tal união só pode ser obtida reconhecendo-o como o supremo pontífice e o mais elevado governante espiritual e temporal da Igreja universal, como o único representante de Cristo na Terra e dispensador de toda a graça.

III. Sem dúvida, todo coração cristão deve estar preenchido com o desejo da união das Igrejas, e especialmente todo o mundo ortodoxo, sendo inspirado por um verdadeiro espírito de piedade, de acordo com o propósito divino do estabelecimento da Igreja pelo Deus-homem nosso Cristo Salvador, ardentemente deseja a unidade das Igrejas na única regra da fé, e sobre o fundamento da doutrina apostólica que nos foi transmitida através dos Padres, "sendo o próprio Jesus Cristo a principal pedra angular". Por isso também ela, todos os dias, em suas orações públicas ao Senhor, ora pela reunião dos dispersos e pelo retorno para o caminho reto da verdade daqueles que se desviaram, que só ele conduz à Vida de todos, ao Filho unigênito e Verbo de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. [2] De acordo, portanto, com este santo desejo, a nossa Igreja ortodoxa de Cristo está sempre pronta a aceitar qualquer proposta de união, com a condição expressa de que o bispo de Roma abandone definitiva e totalmente todas as numerosas e diversas inovações contrárias ao Evangelho que foram introduzidas na sua Igreja e que provocaram a triste divisão das Igrejas do Oriente e do Ocidente, e retornasse à base dos sete santos Concílios Ecumênicos, que, reunidos no Espírito Santo, com representantes de todas as Igrejas santas de Deus, para a determinação do justo ensinamento da fé contra os hereges, têm na Igreja de Cristo uma supremacia universal e perpétua. E isto, tanto pelos seus escritos como pelas suas cartas encíclicas, a Igreja Ortodoxa nunca deixou de pedir à Igreja Papal, dando-lhe a entender clara e firmemente que qualquer discussão de união seria vã e vazia, enquanto esta Igreja perseverar em suas inovações e enquanto a Igreja Ortodoxa permanecer fiel às tradições divinas e apostólicas do Cristianismo, que o Ocidente também seguiu em uma época em que estava unido em um mesmo espírito com as Igrejas Ortodoxas do Oriente. Por isso, até agora, temos permanecido em silêncio e recusamos levar em consideração a encíclica papal em questão, estimando que não é proveitoso falar aos ouvidos daqueles que não ouvem. Desde certo período, porém, a Igreja Papal, tendo abandonado o método de persuasão e discussão, começou, para nosso espanto geral e perplexidade, a montar armadilhas para a consciência dos cristãos ortodoxos mais simples por meio de trabalhadores dissimulados transformados em apóstolos de Cristo [3], enviando para o Oriente clérigos com vestes e hábitos de sacerdotes ortodoxos, inventando também diversos e outros meios ardilosos para obter seus objetivos proselitistas; por esta razão, acreditamos ser o nosso santo dever, publicar esta encíclica patriarcal e sinodal, para defesa da fé e piedade ortodoxas, sabendo "que a observância dos cânones verdadeiros é um dever para todo homem de bem, e muito mais para aqueles que foram considerados dignos, pela Providência, de governar os assuntos dos outros.' [4]

IV. Como já proclamamos, a Igreja Ortodoxa de Cristo, Una, Santa, Católica e Apostólica, deseja vivamente a santa união, numa só fé, com as Igrejas que se separaram dela, mas sem esta unidade na fé, a união das Igrejas é algo completamente impossível. Assim sendo, perguntamo-nos verdadeiramente como é que o Papa Leão XIII, embora ele próprio também reconheça esta verdade, cai numa simples auto-contradição, declarando, por um lado, que a verdadeira união reside na unidade da fé e, por outro lado, que cada Igreja, mesmo depois da união, pode ter as suas próprias definições dogmáticas e canônicas, mesmo quando diferem das da Igreja Papal, como o Papa declara numa encíclica anterior, datada de 30 de Novembro de 1894. Pois há uma contradição evidente quando em uma mesma Igreja alguém crê que o Espírito Santo procede do Pai, e outro crê que Ele procede do Pai e do Filho; quando um asperge, e outro batiza (mergulha) três vezes na água; um usa pão fermentado no sacramento da Santa Eucaristia, e outro pão ázimo; um distribui ao povo tanto o cálice como o pão, e o outro somente o pão sagrado; e outras coisas como estas. Mas o que esta contradição significa, se o respeito pelas verdades evangélicas da santa Igreja de Cristo e uma concessão indireta e reconhecimento das mesmas, ou algo mais, não sabemos dizer.

V. Mas seja o que for, para a realização prática do desejo piedoso da união das Igrejas, um princípio e uma base comum devem ser estabelecidos em primeiro lugar; e não pode haver um princípio e uma base comum segura a não ser o ensinamento do Evangelho e dos sete santos Concílios Ecumênicos. Voltando ao ensinamento que era comum às Igrejas do Oriente e do Ocidente até ao cisma, é necessário procurar com sincero desejo de verdade, qual era a fé da Una, Santa Igreja Católica e Apostólica, que formava então, no Oriente e no Ocidente, um só corpo, a fim de manter esta fé intacta e inalterada. Mas o que quer que tenha sido acrescentado ou removido em tempos posteriores, cada um tem um dever santo e indispensável, se ele busca sinceramente a glória de Deus mais do que a sua própria glória, que num espírito de piedade corrija isto, considerando que, continuando arrogantemente na perversão da verdade, ele está sujeito a uma pesada acusação perante o tribunal imparcial de Cristo. Ao dizer isto, não nos referimos de modo algum às diferenças em relação ao rito dos santos ofícios, aos hinos, ou às vestimentas sagradas, e afins, coisas que sempre existiram e que não prejudicam minimamente a substância e a unidade da fé; mas referimo-nos às diferenças essenciais que se referem às doutrinas divinamente transmitidas da fé, e à constituição canônica divinamente instituída do governo das Igrejas. "Nos casos em que a coisa desconsiderada não é a fé" - diz também o santo Fócio [5]  - "e não há afastamento de nenhum decreto geral e católico, diferentes ritos e costumes sendo seguidos entre diferentes povos, um homem que sabe julgar corretamente decidiria que nem os que os seguem agem erroneamente, nem os que não os receberam violam a lei". [6]

VI. Nesta perspectiva, pela santa causa de união, a Igreja de Cristo Ortodoxa e Católica no Oriente está disposta a aceitar de todo o coração tudo o que as Igrejas do Oriente e do Ocidente confessaram unanimemente antes do século IX, se ela por acaso modificou ou abandonou algo. Se os ocidentais conseguirem provar, com base nos ensinamentos dos Santos Padres e dos Concílios divinamente reunidos antes do século IX, que a então Igreja Ortodoxa de Roma, que tinha jurisdição sobre o Ocidente, antes desta data, lia o credo com a adição do Filioque, e usava o pão ázimo, aceitava a doutrina do fogo do purgatório, aspergia em vez de batizar, acreditava na concepção imaculada da sempre-virgem Maria, no poder temporal, na infalibilidade e no absolutismo do bispo de Roma, então não temos mais nada a dizer. Mas se, pelo contrário, for provado, como reconhecem certos latinos que amam a verdade, que a Igreja de Cristo Ortodoxa e Católica no Oriente guarda as doutrinas transmitidas e confessadas desde o início, que na época eram professadas em comum tanto no Oriente como no Ocidente, e que a Igreja Ocidental as perverteu por diversas inovações, então torna-se claro, mesmo para uma criança, que o meio mais simples de realizar a união é o retorno da Igreja Ocidental à sua situação doutrinal e canônica anterior, pois a fé não muda de acordo com o tempo e as circunstâncias, mas permanece sempre a mesma e em toda a parte, como escreve o apóstolo: Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós. [7]

VII. Assim, a Igreja una, santa, católica e apostólica dos sete Concílios Ecumênicos, confessa e ensina, fiel ao Evangelho, que o Espírito Santo procede do Pai. Mas no Ocidente, a partir do século IX, o santo credo composto e aprovado pelos Concílios Ecumênicos foi falsificado e a idéia de que o Espírito Santo procedia também do Filho (Filioque) foi arbitrariamente difundida. E certamente, o Papa Leão XIII sabe que seu predecessor e homônimo, o Papa ortodoxo Leão III, confessor da ortodoxia, condenou sinodicamente, no ano 809, a adição do Filioque como sendo contrária ao Evangelho e totalmente ilegítima, e que em seguida mandou gravar em duas placas de prata, em grego e latim, o santo Credo Niceno-Constantinopolitano, completo e sem qualquer adição; tendo, além disso, escrito: "Eu, Leão, preparei estas placas por amor e para a salvaguarda da fé ortodoxa." (Haec Leo posui amore et cautela fidei orthodoxa). [8]

O Papa não pode ignorar que, ao longo do século X e no início do século XI, esta adição ilegítima, contrária ao Evangelho, foi inserida no credo em Roma e que, a Igreja Romana, persistindo em inovações e recusando-se a voltar ao dogma dos Concílios Ecumênicos, é necessariamente a única responsável pelo cisma aos olhos da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica de Cristo, que guarda o que recebeu dos Padres e conserva intacto em todas as coisas o depósito da fé que lhe foi entregue, em obediência à ordem Apostólica: Guarda o bom depósito pelo Espírito Santo que habita em nós; Guarda o depósito que te foi confiado. Evite as conversas inúteis e profanas e as ideias contraditórias do que é falsamente chamado conhecimento Professando-o, alguns desviaram-se da fé. [9] 

VIII. A Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica dos primeiros Concílios Ecumênicos batizados por tripla imersão, e o Papa Pelágio disse que a tripla imersão é um "mandamento do Senhor". No século XIII, o batismo por imersão ainda prevalecia no Ocidente, e as santas fontes batismais que foram preservadas nas igrejas mais antigas da Itália são um testemunho convincente disso. Mas, em tempos posteriores, a aspersão ou efusão, sendo introduzida, veio a ser aceita pela Igreja Papal, que ainda mantém a inovação, aumentando assim também o abismo que ela cavou;  mas nós, Ortodoxos, fiéis à Tradição Apostólica e à prática da Igreja dos Sete Concílios Ecumênicos, "conservamos bem", segundo as palavras de São Basílio, "e lutamos pela confissão comum, guardando preciosamente o tesouro da fé correta legada pelos nossos Padres".[10]

IX. A Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica dos Sete Concílios Ecumênicos, seguindo o próprio exemplo do nosso Salvador, celebrou a santa e divina liturgia durante quase mil anos, tanto no Ocidente como no Oriente, com pão fermentado, como testemunham os teólogos ocidentais que amam a verdade. Mas o Papado, desde o século XI, também fez uma inovação no santo e divino sacramento da Eucaristia ao introduzir o pão ázimo.

X. A Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica dos Sete Concílios Ecumênicos sempre afirmou que os santos dons são consagrados após a oração de invocação ao Espírito Santo pela bênção do sacerdote, como podem testemunhar os antigos rituais de Roma e da Gália. Entretanto, o papado inovou nisto também, ao aceitar arbitrariamente a consagração dos dons preciosos como ocorrendo junto com a pronunciação das palavras do Senhor: "Tomai, comei, isto é o meu corpo" e "Bebei dele todos, porque isto é o meu sangue." [11]

XI. A Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica dos Sete Concílios Ecumênicos, fiel ao mandamento do Senhor "Bebei dele todos", [12] concedeu também o Santo Cálice a todos fiéis. Mas, o Papado, desde o século XI, inovou ao privar os leigos do Santo Cálice. Também transgrediu a ordem do Senhor e contrariou a prática universal da Igreja e as numerosas proibições formais dos antigos bispos ortodoxos de Roma.

XII. A Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica dos Sete Concílios Ecumênicos, seguindo os passos dos Apóstolos, da Tradição e da Sagrada Escritura, ora e invoca a misericórdia de Deus pelo perdão e descanso daqueles 'que adormeceram no Senhor.' [13] Mas a Igreja Papal, a partir do século XII, inventou e concedeu como privilégio particular ao Papa uma multidão de inovações, o fogo do purgatório, a superabundância das virtudes dos santos e sua distribuição para aqueles que necessitam delas, entre outras, até mesmo afirmando que há uma recompensa plena para os justos antes da Ressurreição e do Juízo universal.

XIII. A Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica dos Sete Concílios Ecumênicos ensina que apenas a encarnação sobrenatural do Filho Unigênito e Verbo de Deus, Sua Encarnação do Espírito Santo e de Maria, é pura e imaculada; mas a Igreja Papal, há quase quarenta anos atrás, inovou mais uma vez ao estabelecer um novo dogma relativo à concepção imaculada da Mãe de Deus e sempre-Virgem Maria, que era desconhecido pela antiga Igreja (e fortemente combatido em diferentes épocas até pelos mais distintos entre os teólogos papais).

XIV. Desconsiderando, portanto, estas sérias e substanciais diferenças entre as duas igrejas no que diz respeito à fé, diferenças que, como já foi dito, foram criadas no Ocidente, o Papa, na sua encíclica, apresenta a questão da primazia do Romano Pontífice como a principal e, por assim dizer, a única causa da dissensão, e encaminha-nos para as fontes, para que possamos fazer uma busca cuidadosa sobre o que os nossos antepassados acreditavam e sobre o que a primeira era do cristianismo nos legou. Mas tendo consultado os Padres e os Concílios Ecumênicos da Igreja dos primeiros nove séculos, estamos plenamente convencidos de que o Bispo de Roma nunca foi considerado como a suprema autoridade e a cabeça infalível da Igreja, e que cada Bispo é a cabeça e o líder da sua Igreja particular, sujeito apenas às ordenanças sinodais e às decisões da Igreja universal, a única que é infalível. O Bispo de Roma não estava de modo algum isento desta regra, como demonstra a história da Igreja. Só Nosso Senhor Jesus Cristo é o Príncipe eterno e Cabeça imortal da Igreja, pois 'Ele é a Cabeça do corpo, a Igreja' [14], que disse também aos Seus divinos discípulos e apóstolos na Sua ascensão aos céus: 'eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos' [15]. Na Sagrada Escritura, o Apóstolo Pedro, a quem os papistas, apoiando-se nos livros apócrifos do segundo século, os pseudo-Clementinos, imaginam com um propósito ser o fundador da Igreja Romana e seu primeiro bispo, discute os assuntos como um igual entre iguais no sínodo apostólico de Jerusalém, e em outro momento é severamente repreendido pelo Apóstolo Paulo, como é evidente na Epístola aos Gálatas [16]. Além disso, os próprios papistas sabem bem que a passagem do Evangelho a que o Pontífice se refere, "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" [17], é nos primeiros séculos da Igreja interpretada de forma totalmente diferente, num espírito de ortodoxia, tanto pela tradição como por todos os Padres divinos e santos sem excepção; a pedra fundamental e inabalável sobre a qual o Senhor edificou a Sua própria Igreja, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão, é metaforicamente entendida como sendo a verdadeira confissão de Pedro a respeito do Senhor, de que 'Ele é Cristo, o Filho do Deus vivo.' [18] Sobre esta confissão e fé, a pregação salvífica do Evangelho por todos os apóstolos e seus sucessores repousa inabalável. Daí também o apóstolo Paulo, que foi arrebatado ao céu, evidentemente interpretando esta passagem divina, declara a inspiração divina, dizendo:  "Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo." [19] Mas é num outro sentido que Paulo chama todos os apóstolos e profetas juntos o fundamento da edificação dos fiéis em Cristo; isto é, os membros do corpo de Cristo, que é a Igreja, [20] quando escreve aos Efésios: "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra angular." [21] Assim, sendo tal o ensinamento divinamente inspirado dos apóstolos a respeito da fundação e Príncipe da Igreja de Deus, é claro que os santos Padres, que mantiveram firmemente as tradições apostólicas, não podiam ter ou conceber qualquer idéia de uma primazia absoluta do Apóstolo Pedro e dos bispos de Roma; nem podiam dar qualquer outra interpretação, totalmente desconhecida para a Igreja, a essa passagem do Evangelho, senão a que era verdadeira e correta; nem poderiam, arbitrariamente e por si mesmos, inventar uma nova doutrina a respeito dos privilégios excessivos do Bispo de Roma como sucessor, supostamente, de Pedro; especialmente considerando que a Igreja de Roma foi fundada, não por Pedro, cuja ação apostólica em Roma é totalmente desconhecida para a história, mas pelo apóstolo dos gentios, Paulo, que foi arrebatado ao céu, através dos seus discípulos, cujo ministério apostólico em Roma é bem conhecido por todos. [22]

XV. Os divinos Padres, honrando o Bispo de Roma apenas como bispo da capital do Império, deram-lhe a prerrogativa honorária de presidência, considerando-o simplesmente como o bispo primeiro na ordem, ou seja, primeiro entre iguais; prerrogativa que também atribuíram posteriormente ao Bispo de Constantinopla, quando esta cidade se tornou a capital do Império Romano, como testemunha o XXVIII Cânon do IV Concílio Ecumênico de Calcedônia, dizendo, entre outras coisas, o seguinte "Nós também determinamos e decretamos as mesmas coisas a respeito das prerrogativas da Igreja Santíssima de Constantinopla, que é a Nova Roma. Pois os Padres deram justificadamente a prerrogativa ao trono da velha Roma, porque ela era a cidade imperial. E os cento e cinquenta bispos muito devotos, movidos pela mesma consideração, atribuíram uma prerrogativa igual ao trono santíssimo da Nova Roma". A partir deste cânon é muito evidente que o Bispo de Roma é igual em honra do Bispo da Igreja de Constantinopla e aos das outras Igrejas, e não há nenhuma alusão feita em qualquer cânon ou por qualquer dos Padres de que somente o Bispo de Roma tenha sido príncipe da Igreja universal e juiz infalível dos Bispos das outras Igrejas independentes e autogovernadas, ou sucessor do Apóstolo Pedro e vigário de Jesus Cristo na terra.

XVI. Cada Igreja particular autogovernada, tanto no Oriente como no Ocidente, era totalmente independente e autoadministrada na época dos Sete Concílios Ecumênicos. E assim como os bispos das Igrejas autogovernadas do Oriente, assim também os bispos da África, Espanha, Gália, Alemanha e Grã-Bretanha administravam os assuntos das suas próprias Igrejas, cada um através dos seus sínodos locais, não tendo o bispo de Roma o direito de interferir, e sendo ele mesmo igualmente sujeito e obediente aos decretos dos sínodos. Mas a respeito de questões importantes, que precisavam da sanção da Igreja universal, um apelo era feito a um Concílio Ecumênico, que era e é o único tribunal supremo da Igreja universal. Tal era a antiga constituição da Igreja; mas os bispos eram independentes uns dos outros e cada um totalmente livre dentro dos seus próprios limites, obedecendo apenas aos decretos sinodais, e sentavam-se como iguais uns aos outros nos sínodos. Além disso, nenhum deles jamais reivindicou direitos monárquicos sobre a Igreja universal; e se algumas vezes certos bispos ambiciosos de Roma apresentaram reivindicações excessivas a um absolutismo desconhecido para a Igreja, tais foram devidamente reprovados e censurados. Portanto, a afirmação de Leão XIII, quando diz na sua Encíclica que antes do período do grande Fócio o nome do trono romano era santo entre todos os povos do mundo cristão, e que o Oriente, assim como o Ocidente, em um só acordo e sem oposição, estava sujeito ao pontífice romano como sucessor legítimo, por assim dizer, do Apóstolo Pedro, e consequentemente vigário de Jesus Cristo na terra, revela-se imprecisa e um erro manifesto.

XVII. Durante os nove séculos dos Concílios Ecumênicos, a Igreja Ortodoxa Oriental nunca reconheceu as pretensões excessivas de primazia por parte dos bispos de Roma, nem, consequentemente, se submeteu a elas, como a história da Igreja claramente testemunha. A relação independente do Oriente com o Ocidente é demonstrada clara e manifestamente também por aquelas poucas e muito significativas palavras de Basílio o Grande, que ele escreveu numa carta ao santo Eusébio, bispo de Samosata: "Porque quando se cortejam personagens soberbos, é da sua natureza tornar-se ainda mais desdenhosos. Pois se o Senhor tem misericórdia de nós, de que outro auxílio precisamos? Mas se a ira de Deus cai repousa sobre nós, que auxílio há para nós vindo da arrogância ocidental? Homens que não conhecem a verdade nem podem suportar aprendê-la, mas prejudicados por falsas suspeitas, agem agora como faziam antes no caso de Marcellus". [23]  A celebrado Fócio, o santo Prelado e luminar de Constantinopla, portanto, defendendo esta independência da Igreja de Constantinopla depois de meados do século IX, e prevendo a iminente perversão da constituição eclesiástica no Ocidente, e a sua defecção do Oriente ortodoxo, a princípio se esforçou de forma pacífica para evitar o perigo; mas o Bispo de Roma, Nicolau I, com a sua interferência não-canônica no Oriente, para além dos limites da sua diocese, e com a tentativa que fez para subjugar a si mesmo a Igreja de Constantinopla, levou ao limiar do cisma doloroso das Igrejas. As primeiras sementes dessas pretensões de absolutismo papal foram disseminadas por torda parte nas pseudo-Clementinas, e foram cultivadas, exatamente na época desse Nicolau, nos chamados decretos pseudo-Isidorianos, que são um emaranhado de decretos reais e cartas de antigos bispos de Roma, falsificados e forjados, através dos quais, contrariamente à verdade da história e à constituição estabelecida da Igreja, foi propositadamente promulgado que, conforme eles dizem, a antiguidade cristã atribuía aos bispos de Roma uma autoridade ilimitada sobre a Igreja universal.

XVIII. Estes fatos recordamos com tristeza, na medida em que a Igreja Papal, embora agora reconheça o caráter espúrio e forjado destes decretos nos quais baseiam suas pretensões excessivas, não só se recusa obstinadamente a voltar aos cânones e decretos dos Concílios Ecumênicos, mas mesmo nos últimos anos do século XIX ampliou o abismo existente, proclamando oficialmente, para o espanto do mundo cristão, que o Bispo de Roma é até mesmo infalível. A Igreja ortodoxa oriental e católica de Cristo, com exceção do Filho e Verbo de Deus, que inefavelmente se fez homem, não conhece ninguém infalível na terra. Até o próprio apóstolo Pedro, cujo sucessor o Papa considera ser, negou três vezes o Senhor, e foi repreendido duas vezes pelo apóstolo Paulo, como não andando de acordo com a verdade do Evangelho. [24] Mais tarde o Papa Libério, no século IV, subscreveu uma confissão ariana; e igualmente Zósimo, no século V, aprovou uma confissão herética, negando o pecado original. Virgílio, no século VI, foi condenado por ter opiniões erradas pelo quinto Concílio; e Honório, tendo caído na heresia monotelita, foi condenado no século VII pelo sexto Concílio Ecumênico como um herege, e os papas que o sucederam reconheceram e aceitaram a sua condenação.

XIX. Com estes e tais fatos em vista, os povos do Ocidente, civilizados gradualmente pela difusão das letras, começaram a protestar contra as inovações e a exigir (como foi feito no século XV nos Concílios de Constança e Basiléia) o retorno à constituição eclesiástica dos primeiros séculos, à qual, pela graça de Deus, as Igrejas ortodoxas do Oriente e do Norte, as únicas que formam agora a Igreja una, santa, católica e apostólica de Cristo, coluna e fundamento da verdade, permanecem e sempre permanecerão fiéis. O mesmo foi feito no século XVII pelos doutos teólogos galicanos, e no século XVIII pelos bispos da Alemanha; e neste século atual da ciência e da crítica, a consciência cristã ergueu-se num só corpo no ano de 1870, nas pessoas dos célebres clérigos e teólogos da Alemanha, devido ao novo dogma da infalibilidade dos Papas, proclamado pelo Concílio Vaticano, cuja consequência resultou na formação das comunidades religiosas separadas dos Velhos Católicos, que, tendo rejeitado o papado, são bem independentes dele.

XX. Em vão, portanto, o Bispo de Roma nos encaminha às fontes para que busquemos cuidadosamente o que nossos antepassados acreditavam e o que o primeiro período do cristianismo nos transmitiu. Nessas fontes nós, ortodoxos, encontramos as doutrinas antigas e divinamente transmitidas, às quais guardamos diligentemente até o tempo presente, e em nenhum lugar encontramos as inovações que o Ocidente introduziu mais tarde, em tempos de indigência espiritual, e que a Igreja Papal adotou e mantém até hoje. A Igreja ortodoxa oriental gloria-se, assim, justamente em Cristo como sendo a Igreja dos sete Concílios Ecumênicos e dos primeiros nove séculos do cristianismo e, portanto, a Igreja una, santa, católica e apostólica de Cristo, "coluna e fundamento da verdade"; [25] mas a Igreja romana atual é a Igreja das inovações, da falsificação dos escritos dos Padres da Igreja, da má interpretação da Sagrada Escritura e dos decretos dos santos Concílios, pelas quais ela foi razoável e justamente repudiada, e ainda é repudiada, na medida em que permanece em seu erro. "Porque melhor é uma guerra digna de louvor do que uma paz que nos separa de Deus", como diz também Gregório de Nazianzo.

XXI. Tais são, resumidamente, as inovações sérias e arbitrárias relativas à fé e à constituição administrativa da Igreja, que a Igreja Papal introduziu e que, é evidente, a Encíclica Papal propositadamente ignora em silêncio. Estas inovações, que se referem a pontos essenciais da fé e do sistema administrativo da Igreja, e que se opõem manifestamente à condição eclesiástica dos primeiros nove séculos, tornam impossível a tão desejada união das Igrejas: e todo coração piedoso e ortodoxo se enche de inexprimível tristeza ao ver a Igreja Papal persistir desdenhosamente nelas, e não contribuindo minimamente para o propósito santo da união através da rejeição dessas inovações heréticas e do retorno à antiga condição da Igreja una, santa, católica e apostólica de Cristo, da qual ela também fazia parte naquela época.

XXII. Mas o que dizer acerca de tudo o que o Romano Pontífice escreve quando se dirige às gloriosas nações eslavas? Ninguém, de fato, jamais negou que pela virtude e pelos esforços apostólicos de São Cirilo e Metódio a graça da salvação foi concedida a muitos dos povos eslavos: mas a história testemunha que no período do grande Fócio, esses apóstolos gregos dos eslavos e amigos íntimos desse Santo Padre, saindo de Tessalônica, foram enviados para converter as tribos eslavas, não a partir de Roma, mas a partir de Constantinopla, cidade onde foram formados, vivendo como monges no mosteiro de São Policrono. É portanto totalmente incoerente o que é proclamado na Encíclica do Pontífice Romano, que, como ele diz, houve uma relação de bondade e simpatia mútua entre as tribos eslavas e os pontífices da Igreja Romana; pois mesmo que o Papa não saiba, a história ensina-nos explicitamente que os santos apóstolos dos eslavos, de quem falamos, encontraram grandes dificuldades nas suas obras e mesmo excomunhões e oposição por parte dos bispos de Roma, e foram mais cruelmente perseguidos pelos bispos papais francos do que pelos habitantes pagãos daquelas regiões. Certamente o Papa sabe bem que o bem-aventurado Metódio, tendo partido para o Senhor, duzentos dos mais distintos dos seus discípulos depois de muitas lutas contra a oposição dos Pontífices Romanos, foram expulsos da Morávia e levados pela força militar para além das suas fronteiras, de onde posteriormente foram dispersos na Bulgária e noutros lugares. E ele sabe também que com a expulsão do clero eslavo mais erudito, o rito oriental, assim como a linguagem eslava então em uso, também foram suprimidos e, pouco a pouco, todos os vestígios da ortodoxia desapareceram daquelas províncias, e todas estas coisas foram feitas com a cooperação oficial dos bispos de Roma, de uma maneira nem um pouco honrosa em relação à santidade da dignidade episcopal. Mas apesar de todo esse tratamento arrogante, as Igrejas ortodoxas eslavas, as amadas filhas do Oriente ortodoxo, e especialmente a grande e gloriosa Igreja da Rússia divinamente preservada, tendo sido conservadas isentas de danos pela graça de Deus, guardaram, e guardarão até o fim dos tempos, a fé ortodoxa e testemunharão a liberdade encontrada em Cristo. Em vão, portanto, a Encíclica Papal promete às Igrejas Eslavas prosperidade e grandeza, porque pela boa vontade do Deus mais gracioso elas já possuem essas bênçãos e permanecem firmes na ortodoxia de seus Pais e se orgulham dela em Cristo.

XXIII. Sendo estas coisas assim, e sendo provadas inquestionavelmente pela história eclesiástica, nós, desejosos como é nosso dever, nos dirigimos aos povos do Ocidente que, com credulidade, por ignorância da história verdadeira e imparcial dos assuntos eclesiásticos, tendo se deixado levar, seguem as inovações anti-evangélicas e totalmente ilegítimas do papado, tendo sido separados e continuando longe da Igreja una, católica, apostólica e ortodoxa de Cristo, que é "a Igreja do Deus vivo, coluna e terra da verdade", [26] na qual também os seus graciosos antepassados brilharam pela sua piedade e ortodoxia de fé, tendo sido membros fiéis e preciosos dela durante nove séculos inteiros, seguindo obedientemente e andando segundo os decretos dos Concílios Ecumênicos divinamente reunidos.

XXIV. Povos que amam a Cristo dos países gloriosos do Ocidente! Regozijamo-nos, por um lado, vendo que tendes um zelo por Cristo, sendo guiados por esta reta convicção, 'de que sem fé em Cristo é impossível agradar a Deus'; [27] mas, por outro lado, é evidente para qualquer pessoa sensata que a fé salutar em Cristo deve, por todos os meios, ser reta em tudo, e de acordo com a Sagrada Escritura e as tradições apostólicas, nas quais se baseiam os ensinamentos dos Padres divinos e os sete Concílios Ecumênicos santos e divinamente reunidos. Além disso, é manifesto que a Igreja universal de Deus, que mantém em seu seio esta fé salutar e única, inalterada, integral, como um depósito divino, tal como outrora foi entregue e pregada pelos Padres teóforos guiados pelo Espírito, e formulada por eles durante os primeiros nove séculos, é uma e a mesma para sempre, e não múltipla e variável com o passar dos séculos: porque as verdades do evangelho nunca são suscetíveis de alteração ou progresso no decorrer do tempo, como os vários sistemas filosóficos; 'pois Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e para sempre'.' [28] Por isso também o santo Vicente, que foi alimentado com o leite da piedade recebido dos Padres no mosteiro de Lérins, na Gália, e floresceu em meados do século V, com grande sabedoria e ortodoxia caracteriza a verdadeira catolicidade da fé e da Igreja, dizendo: "Na Igreja Católica, devemos sobretudo preocupar-nos em guardar o que tem sido crido em toda a parte, em todos os tempos e por todos. Pois isso é verdadeira e propriamente católico, em toda a força e significado da palavra, que quer dizer 'compreende tudo universalmente.'  Esta regra observaremos se seguirmos a universalidade, a antiguidade e o consentimento." [29] Mas, como já foi dito antes, a Igreja Ocidental, do século X em diante, introduziu no seu interior, através do papado, várias estranhas e heréticas doutrinas e inovações, e assim ela foi separada e afastada da verdadeira e ortodoxa Igreja de Cristo. Quão necessário, pois, é que volteis e regresseis às antigas e inalteradas doutrinas da Igreja para alcançar a salvação em Cristo, que tanto desejais, se considerardes atentamente o mandamento do apóstolo Paulo, que foi arrebatado ao céu, aos tessalonicenses, que diz: "Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa." [30] e também o que o mesmo santo apóstolo escreve aos gálatas dizendo: "Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo." [31] Mas evita tais pervertedores da verdade evangélica: 'Pois essas pessoas não estão servindo a Cristo, nosso Senhor, mas a seus próprios apetites. Mediante palavras suaves e bajulação, enganam os corações dos simples' [32] e volta agora para o seio da Igreja santa, católica e apostólica de Deus, que compreende todas as Igrejas plantadas por Deus como ricas videiras em todo o mundo ortodoxo, e que estão inseparavelmente unidas umas às outras pela fé salvífica em Cristo, na paz e no Espírito Santo, para que o venerável e magnífico Nome do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, que sofreu pela salvação do mundo, seja também glorificado entre vós.

XXV. Quanto a nós, que pela graça e vontade misericordiosa de Deus somos membros preciosos do Corpo de Cristo, isto é, da Sua Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, guardemos firmemente a piedade dos nossos Padres, tal como nos foi transmitida desde os tempos apostólicos. Cuidado com os falsos apóstolos, que, vindo até nós em pele de ovelha, tentam seduzir os mais simples entre nós com várias promessas enganosas, considerando todas as coisas como lícitas e permitindo-as em nome da união, com a única condição de que o Papa de Roma seja reconhecido como soberano supremo e infalível e soberano absoluto da Igreja universal, e único representante de Cristo na terra, e fonte de toda a graça. E especialmente nós, que pela graça e misericórdia de Deus fomos designados bispos, pastores e doutores das santas Igrejas de Deus, 'tenhamos cuidado de nós mesmos, e de todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo nos constituiu bispos, para apascentarmos a Igreja de Deus, que Ele resgatou com o Seu próprio sangue', [33] como aqueles que devem prestar contas.'Por isso, confortai-vos e edificai-vos uns aos outros'. [34] 'O Deus de toda a graça, que os chamou para a sua glória eterna em Cristo Jesus... os confirmará, lhes dará forças e os estabelecerá" [35] e que Ele faça com que todos aqueles que estão fora e afastados do rebanho uno, santo, católico e ortodoxo das Suas ovelhas razoáveis possam ser iluminados com a luz da Sua graça e com o reconhecimento da verdade. A Ele sejam a glória e o reino para todo o sempre.

Amém. 

No Palácio Patriarcal de Constantinopla, no mês de agosto do ano de graça MDCCCXCV (1895).

+ ANTIMOS de Constantinopla, amado irmão e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ NICODEMOS de Cizicos, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ FILOTEU de Nicomedia, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ JERÔNIMO de Nicéia, amado irmão e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ NATANAEL de Prusa, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ BASÍLIO de Esmirna, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ ESTEVÃO de Filadélfia, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ ATANÁSIO de Lemnos, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ BESSARIÃO de Dyrrachium, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ DOROTEU de Belgrado, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ NICODEMOS de Elasson, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ SOFRÔNIO de Cárpatos e Cassos, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

+ DIONÍSIO de Eleuterópolis, irmão amado e intercessor em Cristo nosso Deus.

Notas

1. Ef. 2:20.

2. João 14:6.

3. II Cor. 11:13.

4. Fócio Epístola. iii. 10.

5. Patriarca de Constantinopla; c. 800.

6. Fócio Epístola iii. 6.

7. Ef. 4.5-6.

8. Veja a vida de Leão III por Atanásio, presbítero e bibliotecário em Roma, em sua obra Vida dos Papas. Também o santo Fócio, fazendo menção a esta invectiva do Papa ortodoxo de Roma, Leão III, contra os detentores da doutrina errônea, em sua famosa carta ao Metropolita de Acquileia, se expressa da seguinte forma:  "Pois (sem mencionar aqueles que o antecederam) Leão mais velho, prelado de Roma, assim como Leão mais novo depois dele, mostram-se do mesmo espírito com a Igreja católica e apostólica, com os santos prelados seus predecessores, e com os mandamentos apostólicos; o primeiro tendo contribuído muito para a reunião do quarto santo Concílio Ecumênico, tanto pelos santos homens que foram enviados para representá-lo, como pela sua carta, pela qual tanto Nestório como o Eutiques foram derrotados; por essa carta ele, além disso, de acordo com os decretos sinodais anteriores, declarou que o Espírito Santo procedia do Pai, mas não também "do Filho". E da mesma forma Leão mais jovem, seu homólogo na fé, assim como no nome. Este último, de fato, que era ardentemente zeloso pela verdadeira piedade, a fim de que o padrão imaculado da verdadeira piedade não fosse de forma alguma falsificado por uma língua bárbara, publicou-o em grego, como já foi dito no início, para o povo do Ocidente, a fim de que assim glorificassem e pregassem corretamente a Santíssima Trindade. E não só por palavra e ordem, mas também, tendo-a inscrito e exposto à vista de todos em certas placas especialmente feitas, como em certos monumentos, fixou-as às portas da Igreja, para que cada pessoa aprendesse facilmente a fé incontaminada, e para que não fosse deixada qualquer possibilidade aos forjadores secretos e inovadores de adulterar a piedade de nós cristãos, e de apresentar o Filho juntamente com o Pai como uma segunda causa do Espírito Santo, que procede do Pai com honra igual à do Filho gerado. E não foram só estes dois santos homens, que brilharam intensamente no Ocidente, que preservaram a fé livre de inovações; pois a Igreja não está em tanta carência como a dos pregadores ocidentais; mas há também uma multidão deles que não pode ser facilmente contada e que agiu da mesma maneira." - Epist. v. 53.

9. III Tim. 1:14; 1 Tim. 6:20-21.

10. São Basílio, o Grande, Ep. 243, Aos Bispos da Itália e da Gália.

11. Mt. 26,26.28.

12. Mat. 26:28.

13. Mat. 26:31; Heb. 11:39-40; II Tim. 4:8; II Macc. 12:45.

14. Col. 1:18.

15. Mat. 28:20.

16. Gal. 2:11.

17. Mat. 16:18.

18. Mat. 16:16.

19. 1 Cor. 3:10, 11.

20. Cor. 1:24.

21. Ef. 2:19, 20. Cp. 1 Pd. 2:4; Apoc. 21:14.

22. Veja Atos dos Apóstolos 28.15, Rom. 15.15-16; Fil. 1:13.

23. Epístola. 239.

24. Gal. 2:11.

25. I Tim. 3:15.

26. I Tim. 3:15.

27. Heb. 11:6.

28. Heb. 13:8.

29. 'In ipsa item Catholica Ecclesia magnopere curandum est, ut teneamus, quod ubique quod semper ab omnibus creditum est. Hoc est enim vere proprieque Catholicum (quod ipsa vis nominis ratioque declarat), quod omnia fere universaliter comprehendit. Sed hoc fiet si sequimur universalitatem, antiquitatem, consensionem' (Vincentii Lirinensis Commonitorium pro Catholica fidei antiquitate et universalitate cap. iii, cf. cap. viii and xiv).

30. 1 Tess. 2:15.

31. Gal. 1:6-7.

32. Rom. 16:18.

33. Atos 20:28.

34. I Tess. 5:11.

35. I Pedro 5:10.

Nota do tradutor: A presente tradução foi baseada nas versões em inglês e espanhol da encíclica.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Encíclica dos Patriarcas Orientais: Uma resposta à Epístola do Papa Pio IX (1848)

Contexto: Em janeiro de 1848, logo após sua eleição, o Papa Pio IX (1846-78) dirigiu uma carta apostólica ao Oriente sobre o tema da unidade dos cristãos (In Suprema Petri Apostoli Sede). Segundo Aidan Nichols, esta foi "a primeira encíclica 'unionista' do papado moderno", expressando uma "preocupação papal pelo Oriente cristão de uma profundidade e urgência não vistas desde [o Concílio de] Florença".Infelizmente, foi também marcada por "uma extraordinária indelicadeza que veio prejudicar todas as relações de Pio com os Ortodoxos", uma vez que "o texto foi enviado não aos seus bispos, mas como milhares e milhares de exemplares aos fiéis Ortodoxos". [...] A hierarquia Ortodoxa respondeu à carta de Pio publicando uma encíclica própria, A Encíclica dos Patriarcas Orientais. [do livro The Papacy and the Orthodox: Sources and History of a Debate por A. Edward Siecienski]



* * * 

Encíclica dos Patriarcas Orientais (1848) 
Uma resposta à Epístola do Papa Pio IX, "ao Orientais"

Aos Bispos do mundo inteiro, amados no Espírito Santo, nossos veneráveis e queridíssimos irmãos, ao piedoso clero e a todos os diletos filhos ortodoxos da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica: saudações fraternas no Espírito Santo e todos os bens de Deus, e Salvação.

I. O santo ensinamento do Divino Evangelho da Salvação deve ser anunciado a todos em sua simplicidade original e sempre ser crido em sua pureza inalterável, o mesmo que foi revelado aos seus santos apóstolos por nosso Salvador, que, por essa mesma causa, descendo do seio de Deus Pai, "esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens" (Fp 2,7); o mesmo que os apóstolos, que foram testemunhas oculares e ouviram, como trombetas estrondosas, o que foi anunciado a todos os que estão debaixo do sol, pois “Por toda a terra correu a sua voz, e até os confins do mundo foram as suas palavras” (Rm 10,18); e, finalmente, o mesmo que muitos Padres da Igreja Católica, grandes e gloriosos, em todas as partes da terra, que ouviram as vozes apostólicas em seus ensinamentos sinodais e individuais, transmitiram a todos e em todos os lugares e até mesmo a nós. Porém, o príncipe do mal, este inimigo espiritual da salvação do homem, como antes no Éden, astuciosamente com o pretexto dum conselho proveitoso, tornou o homem um transgressor do mandamento divinamente inspirado. Assim, no Éden espiritual, a Igreja de Deus, ele tem, ao longo do tempo, enganado a muitos; e, misturando as drogas nocivas da heresia com as límpidas correntes da doutrina ortodoxa, dá de beber a muitos inocentes que vivem de maneira descuidada, não atentando “com diligência para as coisas que já temos ouvido”, (Hb 2,1), “Interroga teu pai e ele te contará; teus anciãos e eles te dirão” (Dt 32,7), de acordo com o Evangelho e com os antigos Doutores; e que, imaginando que a Palavra do Senhor pregada e escrita e os testemunhos perenes de sua Igreja não fossem suficientes para a salvação de suas almas, buscam, impiamente, inovações, do mesmo modo como mudamos nossas vestes, abraçando uma falsificação da doutrina evangélica.

II. Por isso, surgiram diversas e monstruosas heresias, as quais a Igreja Católica, desde a sua infância, revestindo-se com “a armadura de Deus” e “a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus” (Ef 6,13,17), foi obrigada a combater. Ela triunfou sobre todas elas até hoje, e triunfará para sempre, sendo manifestada com mais poder e mais digna após cada luta.

III. Dessas heresias, algumas já fracassaram completamente, outras estão em decadência. Perderam-se algumas, outras ainda prosperaram em maior ou menor grau, vigorosas até o momento de seu retorno à Fé, enquanto outras ainda se reproduzem seguindo seu curso do nascimento até a sua destruição. Por serem as cogitações miseráveis e os artifícios de homens miseráveis, uma e outra, atingidas pelo relâmpago do anátema dos sete Concílios Ecumênicos, desaparecerão, ainda que durem mil anos; pois só a ortodoxia da Igreja Católica e Apostólica, pelo Verbo vivo de Deus, permanece para sempre, segundo a promessa infalível do Senhor: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). Certamente, as bocas de homens ímpios e hereges, por mais ousadas, por mais plausíveis e eloquentes que sejam, por mais suaves que sejam, não prevalecerão contra a doutrina ortodoxa vencedora, cujo caminho é silencioso e sem barulho. Contudo, “Por que alcançam bom êxito os maus em tudo quanto empreendem? E por que razão vivem felizes os pérfidos?" (Jr 12,1). “Vi o ímpio cheio de arrogância, a expandir-se como um cedro frondoso” (Sl 36,35), por que contaminam o culto pacífico de Deus? A razão disso é misteriosa, e a Igreja, apesar de orar diariamente para que essa cruz, esse mensageiro de Satanás, afaste-se dela, sempre ouve do Senhor: “Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza". Por isso ela "se gloria de bom grado em suas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse sobre ela", para que "sejam conhecidos quais dentre vocês são aprovados" (1. Cor. 10.19).

IV. Dentre essas heresias disseminadas em grande parte do mundo, por razões conhecidas apenas pelo Senhor, houve primeiro o arianismo e, hoje em dia, existe o papismo. Esta também, assim como a primeira desapareceu, embora ainda seja próspera, não durará, mas passará e será lançada fora, e uma grande voz do céu clamará: “pois foi lançada fora" (Ap 12,10).

V. A nova doutrina que afirma que “o Espírito Santo procede do Pai e do Filho", é contrária à declaração memorável de nosso Senhor, feita enfaticamente: “que procede do Pai” (João 15,26), e contrária à confissão universal da Igreja, como testificada pelos sete Concílios Ecumênicos, que professa "que procede do Pai" (Símbolo da Fé).
i. Essa nova opinião destrói a unidade da única causa, bem como a origem diversa das Pessoas da Santíssima Trindade, ambas testemunhadas no Evangelho. 
ii. Mesmo nas divinas Hipóstases das Pessoas da Trindade, de igual poder e igualmente adoradas, ela introduz relações diversas e desiguais, com uma confusão ou uma mistura delas.
iii. Ela reprova a prévia confissão da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica como imperfeita, obscura e difícil de compreender. 
iv. Ela censura os santos Padres do primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia e do segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla, como se expressassem imperfeitamente o que diz respeito ao Filho e ao Espírito Santo, como se tivessem permanecido em silêncio a respeito da propriedade peculiar de cada Pessoa da Divindade, quando se fazia necessário que todas as suas propriedades divinas fossem expressas contra os arianos e macedônios. 
v. Ela reprova os Padres do 3º, 4º, 5º, 6º e 7º Concílios Ecumênicos, que haviam publicado no mundo um Credo divino, perfeito e completo, e que proibiram, sob terríveis anátemas e sanções, qualquer remoção, acréscimo, redução, variação ou alteração, o mínimo que fosse, por eles próprios ou por outros. Não obstante, ele foi rapidamente corrigido e ampliado e, consequentemente, toda a doutrina teológica dos Padres foi submetida à mudança, como se houvesse sido revelada uma nova propriedade acerca das três Pessoas da Santíssima Trindade. 
vi. Ela encontrou clandestinamente uma entrada inicialmente nas Igrejas do Ocidente, "um lobo em pele de ovelha", ou seja, sob o significado não de processão, segundo o sentido grego no Evangelho e no Credo, mas sob o significado de missão, como o Papa Martinho o explicou ao Confessor Máximo, e como Anastasius o Bibliotecário o explicou a João VIII. 
vii. Ela exibe incomparável astúcia, agindo sem autoridade e, forçosamente, coloca um falso selo no Credo, que é a herança comum do cristianismo.
viii. Ela introduziu enormes perturbações na paz da Igreja de Deus e dividiu as nações. 
ix. Ela foi proibida publicamente em sua primeira promulgação por dois Papas, Leão III e João VIII, o último dos quais, em sua epístola ao bem-aventurado Fócio, classifica como Judas aqueles que primeiramente introduziram a interpolação no Credo. 
x. Ela foi condenada por muitos santos Concílios dos quatro Patriarcados do Oriente cristão. 
xi. Ela foi submetida a anátema, como uma novidade e ampliação do Credo pelo 8º Concílio Ecumênico, reunido em Constantinopla para a pacificação das Igrejas do Oriente e do Ocidente. 
xii. Assim que foi introduzida nas Igrejas do Ocidente, produziu frutos nefastos, trazendo com ela, pouco a pouco, outras novidades, a maior parte contrária aos mandamentos expressos do nosso Salvador no Evangelho — mandamentos que até a entrada dela nas Igrejas eram observados cuidadosamente. Dentre essas novidades, pode-se enumerar a aspersão em vez da imersão no batismo, a negação do cálice divino aos leigos, a elevação de um único e mesmo pão partido, o uso de hóstias, o uso de pães ázimos, sem fermento, em vez de pão de verdade, o desuso da bênção nas liturgias, até mesmo da invocação ao Santíssimo e Consagrante Espírito (Epíclese), o abandono dos mistérios apostólicos da Igreja, como a não unção das crianças batizadas, ou a não recepção delas da Eucaristia, a exclusão dos homens casados ​​do sacerdócio, a infalibilidade do Papa e sua reivindicação como Vigário de Cristo, e assim por diante. Foi assim que esta interpolação conduziu à abolição do antigo padrão Apostólico de, nada menos que todos os mistérios e toda a doutrina, um padrão que a antiga, santa e ortodoxa Igreja de Roma guardava quando era a parte mais honrada da Igreja Santa, Católica e Apostólica. 
xiii. Ela impulsionou os teólogos do Ocidente, como seus defensores, uma vez que eles não tinham fundamento nem nas Escrituras nem nos Padres para aceitar ensinamentos heréticos, não apenas a deturpar as Escrituras, como não se vê em nenhum dos Padres da Santa Igreja Católica, mas também a adulterar os escritos sagrados e puros dos Padres, tanto do Oriente como do Ocidente. 
xiv. Ela parecia estranha, inédita e blasfema, mesmo para as outras comunhões cristãs, que, antes de seu aparecimento, tinham sido excomungadas há séculos pela Igreja Católica por razões justas. 
xv. Ela ainda não foi plausivelmente defendida a partir das Escrituras ou, com o mínimo de razão a partir dos Padres, das acusações movidas contra ela, apesar de todo o zelo e esforço de seus partidários. A doutrina tem todas as marcas do erro decorrentes de sua natureza e peculiaridades. Toda doutrina errônea acerca da verdade católica da Santíssima Trindade, a origem das Pessoas divinas e a subsistência do Espírito Santo, é e deve ser chamada de heresia. E os que a sustentam são chamados de hereges, de acordo com a sentença de São Damásio, Papa de Roma, que diz: "Se alguém tem razão no que diz respeito ao Pai e ao Filho, mas não tem razão no que diz respeito ao Espírito Santo, ele é um herege" (Catequeses da Confissão de fé enviada pelo Papa Damásio a Paulino, bispo de Tessalônica). Pois a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, seguindo os passos dos Santos Padres, tanto do Oriente como do Ocidente, proclamou outrora aos nossos progenitores e novamente ensina hoje sinodalmente que a referida nova doutrina do Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho é essencialmente uma heresia, e seus partidários, sejam quem forem, são hereges, de acordo com a sentença do Papa São Damásio, e que as congregações de tais também são heréticas, e que toda a comunhão espiritual dos filhos ortodoxos no culto da Igreja com estes é ilegal. Tal é a força do 6° cânon  do 3º Concilio Ecumênico.
VI. Esta heresia, que uniu a si mesma muitas inovações, como já foi dito, apareceu em meados do século VII, no início, secretamente, e logo em seguida, sob diferentes disfarces, nas províncias ocidentais da Europa, até que, arrastando-se por quatro ou cinco séculos, obteve precedência sobre a antiga ortodoxia daqueles lugares por meio da negligência dos pastores e o consentimento dos príncipes. Pouco a pouco, espalhou-se não só pelas Igrejas Ortodoxas da Espanha, mas também para as da Alemanha, França e Itália, cuja ortodoxia era conhecida por todo o mundo. Os nossos Santos Padres, como Atanásio o Grande e o divino Basílio, comunicaram frequentemente com alguns delas; a união e relação delas conosco permitiram que a doutrina da Igreja Católica e Apostólica permanecesse intacta até ao Sétimo Concílio Ecuménico. Mas com o decorrer do tempo, pela inveja do maligno, as novidades relativas à doutrina ortodoxa do Espírito Santo, cujas blasfêmias não serão perdoadas aos homens, quer neste mundo ou no outro, conforme a palavra de nosso Senhor (Mt 12,32), e outras que sucederam com relação aos mistérios divinos, particularmente o do Batismo salvífico, da Santa Comunhão, do Sacerdócio, que são nascimentos monstruosos, estenderam-se até mesmo sobre a Antiga Roma. E, assim, surgiu, pela assunção de distinções especiais na Igreja como uma insígnia e título, o Papismo. Alguns dos Bispos desta cidade, denominados papas, por exemplo Leão III e João VIII efetivamente, como já foi dito, denunciaram a inovação, e publicaram a denúncia ao mundo, o primeiro através daquelas placas de prata, o segundo através de sua carta ao santo Fócio no oitavo Concílio Ecumênico, e outra a Esphendopulcrus, pelas mãos de Metódio, Bispo da Morávia. A maior parte, porém, de seus sucessores, os Papas de Roma, seduzidos pelos privilégios anti-sinodais oferecidos a eles para a opressão das Igrejas de Deus, e encontrando neles muitas vantagens mundanas, e "muito ganho", e concebendo uma Monarquia na Igreja Católica e um monopólio dos dons do Espírito Santo, mudaram o antigo culto à vontade, separando-se por novidades da antiga política cristã que receberam. Tampouco cessaram seus esforços, por projetos ilegítimos (como a verdade histórica nos assegura), para atrair os outros quatro Patriarcas à sua apostasia em relação à Ortodoxia, e assim submeter a Igreja Católica aos caprichos e ordenanças dos homens.

VII. Nossos ilustres predecessores e pais, com esforço e conselho unidos, vendo a doutrina evangélica recebida dos Pais ser pisoteada, e o manto de nosso Salvador estendido do alto ser rasgado por mãos iníquas, e estimulado pelo amor paternal e fraterno, lamentaram a desolação de tantos cristãos pelos quais Cristo morreu. Eles exerceram muito zelo e ardor, tanto sinodal como individualmente, para que a doutrina ortodoxa da Santa Igreja Católica sendo salva, eles pudessem coser até onde pudessem o que tinha sido rasgado; e como médicos experientes eles consultaram juntos visando a segurança do membro que sofria, suportando muitas tribulações, e desprezos, e perseguições, com a única finalidade de evitar que o corpo de Cristo fosse dividido ou que as definições dos santos e divinos Concílios fossem pisoteadas. Mas a história verdadeira nos transmitiu a implacabilidade da persistência ocidental no erro. Esses homens ilustres provaram, de fato, nesse ponto, a verdade das palavras do nosso Santo Padre Basílio, o sublime, quando disse, por experiência, sobre os Bispos do Ocidente e, em especial, o Papa: "Eles não conhecem a verdade nem se esforçam por aprendê-la, lutando contra aqueles que lhes expõem sobre a verdade, e se fortalecem em sua heresia" (para Eusébio de Samosata). Assim, depois de uma primeira e segunda admoestação fraterna, conhecendo sua impenitência, sacudindo-os e evitando-os, eles se entregaram à sua mente reprovável. "A guerra é melhor do que a paz sem Deus", como disse nosso Santo Padre Gregório, referindo-se aos arianos. Desde então não tem havido comunhão espiritual entre nós e eles, pois eles cavaram com suas próprias mãos o abismo entre eles e a Ortodoxia.

VIII. No entanto, o papismo não deixou de incomodar a pacífica Igreja de Deus nesse sentido, mas enviou a todos os lugares os chamados missionários, homens de mentes reprováveis, ele atravessa a terra e o mar para fazer proselitismo, para enganar os Ortodoxos, para corromper a doutrina do nosso Senhor, para adulterar, por acréscimo, o Credo divino da nossa Santa Fé, para demonstrar o Batismo que Deus nos deu como supérfluo, a comunhão do cálice como sem eficácia sagrada, e mil outras coisas que o demônio da inovação ditou aos escolásticos ousados da Idade Média e aos Bispos da Roma velha, aventurando-se em todas as coisas pela cobiça de poder.  Os nossos bem-aventurados antecessores e pais, na sua piedade, embora provados e perseguidos pelo papismo, por muitas maneiras e meios, por dentro e por fora, direta e indiretamente, "mas confiantes no Senhor", foram capazes de salvar e transmitir-nos esta inestimável herança dos nossos pais, a qual também nós, com a ajuda de Deus, transmitiremos como um rico tesouro às gerações vindouras, mesmo até ao fim do mundo. Mas apesar disso, os Papistas não cessam até hoje, nem cessarão, segundo o costume, de atacar a Ortodoxia, uma reprovação constante que eles têm diante de seus olhos, como sendo desertores da fé de seus pais. Que fizessem essas agressões contra a heresia que se espalhou e dominou o Ocidente.  Pois, quem duvida que, se o zelo pela derrota da Ortodoxia fosse empregado no combate às heresias e novidades, isto sim, aceitável, segundo os conselhos agradáveis a Deus de Leão III e João VIII, últimos e gloriosos Papas ortodoxos, nenhum vestígio delas poderiam ser lembrado neste mundo, e estaríamos agora afirmando todos juntos a mesma fé, segundo a promessa apostólica. Porém, o zelo daqueles que os sucederam não estava voltado à proteção da fé ortodoxa, em conformidade com o zelo digno de toda a recordação que havia em Leão III, agora entre os bem-aventurados.

IX. Em certa medida, as agressões dos últimos Papas nas suas próprias pessoas tinham cessado e eram perpetuadas apenas por meio de missionários. Mas ultimamente, Pio IX, tornando-se Bispo de Roma e proclamado Papa em 1847, publicou no dia 6 de Janeiro deste ano uma Carta Encíclica dirigida aos Orientais, composta por doze páginas na versão grega, que o seu emissário divulgou, como uma praga vinda do exterior, dentro do nosso Rebanho Ortodoxo.  Nesta Encíclica, ele se dirige àqueles que em diferentes épocas deixaram de ser membros de diferentes comunhões cristãs e abraçaram o papismo, e naturalmente são favoráveis a ele. Ele então se dirige aos Ortodoxos, não especificamente ou por nome, mas referindo-se por nome aos nossos divinos e santos Padres, e proferindo mentiras manifestas tanto em relação a eles como em relação a nós, seus sucessores e descendentes. Assim, pressupõem que nossos Padres obedientemente aceitavam as ordens e decisões dos Papas, porque vieram do Papa, o suposto guia da Igreja universal. Em relação a nós, dizem que transgredimos estes exemplos e consequentemente nos acusam, perante o rebanho que Deus nos confiou, de nos termos separado dos nossos Padres e de não levarmos em conta o nosso dever sagrado e a salvação dos nossos filhos espirituais. Então, fazendo da Igreja Católica de Cristo sua propriedade pessoal sob o pretexto de que ocupa, como se vangloria, o Trono Episcopal de São Pedro, quer enganar os simples e incitá-los a renunciar à Ortodoxia, acrescentando estas palavras estranhas para qualquer um que conheça o ensino teológico(p. 10, 1.9): "Não tendes razão para não voltar ao seio da verdadeira Igreja e à comunhão com esta Santa Sé."

X. Cada um dos nossos irmãos e filhos em Cristo, que foram educados e instruídos piedosamente, sabiamente a respeito da sabedoria que Deus lhe deu, decidirá que as palavras do atual Bispo de Roma, como as de seus predecessores cismáticos, não são palavras de paz, como ele afirma (p. 7,1.8), e de benevolência, mas palavras de engano e de malícia, tendendo ao auto-engrandecimento, de acordo com a prática de seus predecessores anti-sinodais. Estamos, portanto, seguros de que agora como no futuro os Ortodoxos não se deixarão enganar. Porque a palavra de nosso Senhor é justa: Nunca seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos (João 10, 5).

XI. Por tudo isto estimamos ser nossa obrigação paternal e fraterna, e um dever sagrado, através da nossa presente admoestação de vos confirmar na Ortodoxia que tendes dos vossos antepassados e, ao mesmo tempo, apontar o vazio dos silogismos do Bispo de Roma, de que ele próprio está manifestamente consciente. Pois não é com uma confissão apostólica que ele adorna o seu Trono, mas é através do Trono apostólico que ele tenta estabelecer a sua preeminência da qual ele deriva a autoridade da sua confissão. Mas a realidade é outra: não somente a Sé de Roma, reconhecida por uma simples tradição de ter recebido o primado de São Pedro, nunca esteve numa situação de não ser julgada pelas Sagradas Escrituras e pelas decisões dos Concílios. Este direito nunca foi reconhecido nem mesmo para a Sé que, segundo as Sagradas Escrituras, foi primariamente a de São Pedro, ou seja, a Sé de Antioquia, cuja Igreja, segundo o testemunho de São Basílio (Carta 48 a São Atanásio o Grande), é chamada: "A mais importante de todas as igrejas do mundo." Mais ainda, o segundo Concílio Ecumênico, escrevendo a um Concílio do Ocidente (aos irmãos e co-servidores mais honrados e religiosos, Damásio, Ambrósio, Britto, Valeriano, e outros), testemunhou, dizendo: "A mais antiga e verdadeiramente apostólica Igreja de Antioquia, na Síria, onde primeiro foi usado o honrado nome de cristãos". Dizemos então que a Igreja Apostólica de Antioquia não tinha direito de isenção de ser julgada segundo a Escritura divina e as declarações sinodais, embora fosse verdadeiramente venerada por causa do trono de São Pedro. Mas o que dizemos? O bem-aventurado Pedro, mesmo em sua própria pessoa, foi julgado diante de todos pela verdade do Evangelho, e, como declara a Escritura, foi considerado culpável e de não caminhar retamente. Que opinião se deve formar daqueles que se gloriam e se orgulham unicamente na posse do seu Trono, tão grande aos seus olhos? Não, o sublime Basílio o grande, o Mestre Ecumênico da Ortodoxia na Igreja Católica, ao qual os Bispos de Roma são obrigados a nos referir (p. 8, 1.31), nos mostrou clara e explicitamente acima (7) qual a opinião que deveríamos ter dos julgamentos do inacessível Vaticano: "Eles não conhecem a verdade nem se esforçam por aprendê-la, lutando contra aqueles que lhes expõem sobre a verdade, e se fortalecem em sua heresia." Deste modo, esses mesmos santos Padres, que Sua Santidade cita como exemplo com justa admiração, como tendo iluminado e ensinado o Ocidente, esses santos padres nos ensinam que a Ortodoxia não deve ser julgada segundo a Sé, mas que a Sé e aquele que a ocupa deve ser julgado segundo as Sagradas Escrituras, os decretos e as decisões dos Concílios, segundo a fé confessada, em outras palavras, segundo o ensinamento eterno da Igreja. Assim os nossos Padres julgaram e condenaram Honório, Papa de Roma, e Dioscoro, Papa de Alexandria, e Macedônio e Nestório, Patriarcas de Constantinopla, e Pedro Gnafeu, Patriarca de Antioquia, entre outros. Pois se a abominação da desolação esteve no Lugar Santo (Dn 9,27 e Mt 24,15), por que não a inovação e a heresia sobre um Trono Santo? Assim, é exibido resumidamente a fraqueza e a debilidade dos esforços em favor da supremacia do Papa de Roma. Pois, se a Igreja de Cristo não foi fundada sobre a rocha inabalável da Confissão de São Pedro, "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (que foi a resposta dos Apóstolos em comum, quando lhes foi feita a pergunta: E vós, quem dizeis que Eu sou? (Mat. xvi,15) como os Padres, tanto orientais como ocidentais, interpretam a passagem), a Igreja foi construída sobre um fundamento escorregadio, mesmo sobre o próprio Cefas, para não dizer sobre o Papa, que, depois de monopolizar as Chaves do Reino dos Céus, usam-nas como bem testemunha a história.  Mas os nossos divinos Padres, de comum acordo, ensinam que o sentido da ordem tripla, "Apascenta as minhas ovelhas", não implicou nenhuma prerrogativa de São Pedro sobre os outros Apóstolos, muito menos para os seus sucessores. Foi simplesmente sua reabilitação na dignidade apostólica perdida após a também tríplice negação. O próprio São Pedro parece ter compreendido assim o sentido da pergunta tripla de nosso Senhor: «Tu amas-me mais do que estes?» (Jo 21,15), pois recordava o que ele havia dito ao Senhor: «Ainda que todos fiquem perturbados por tua causa, eu nunca me perturbarei!» (Mt 26, 33), e afligiu-se ele porque Ele disse-lhe pela terceira vez: «Amas-me?». Mas, seus sucessores, perseguindo seus interesses próprios, interpretam estas palavras no sentido que lhes seja mais favorável.

XII. Sua Santidade o Papa diz (p. viii. 1.12.) que o nosso Senhor disse a Pedro (Lc xxii. 32): "Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos". Nosso Senhor assim orou porque Satanás tentara a fé de todos os discípulos, mas o Senhor permitiu somente em relação a Pedro, principalmente porque pronunciara palavras de orgulho, e justificou-se a si acima dos demais (Mat. xxvi. 33): "Ainda que todos se ofendam, por tua causa, nunca me ofenderei". A permissão a Satanás era apenas temporária. “Começou, então, a dizer imprecações e a jurar: ‘Não conheço esse homem!’” (Mt 26,74). Tão fraca é a natureza humana, deixada por si mesma. “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41b). Sua tentação, dizemos, foi momentânea, de modo que, caindo em si e tendo purificado-se com lágrimas de arrependimento pudesse melhor confirmar seus irmãos na confissão d'Aquele a quem eles não haviam perjurado ou negado. Oh! o sábio juízo do Senhor! Quão divina e misteriosa foi a última noite do nosso Salvador na Terra! Esta mesma ceia mística se cumpre, segundo cremos, cada dia conforme a palavra do Senhor: "Fazei isto em minha memória." (Lc 22, 19) e, em outro lugar, “Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1 Cor 11,26). O amor fraterno que nos foi confiado com tanta insistência pelo Mestre de todos: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35), foi este amor que os papas foram os primeiros a quebrar, apoiando e aceitando inovações heréticas, contrárias às coisas que nos foram transmitidas e canonicamente confirmadas por nossos mestres e pais comuns. Este amor opera com poder na alma do povo cristão, e particularmente em seus líderes. Ousamos afirmar diante de Deus e dos homens, que a oração do nosso Salvador (p. ix. l.43) a Deus e Seu Pai pelo amor comum e unidade dos cristãos na Única Santa Igreja Católica e Apostólica, na qual cremos, "para que sejam um, como Nós somos Um" (João xvii. 22), opera em nós não menos do que em Sua Santidade. O nosso amor fraterno e o nosso zelo encontram o de Sua Santidade, apenas com esta diferença, que em nós opera em favor da preservação do Credo puro, imaculado, divino, irrepreensível e perfeito da fé Cristã, em conformidade com a voz do Evangelho e os decretos dos sete santos Sínodos Ecumênicos e os ensinamentos da Igreja Católica sempre existente: mas opera em Sua Santidade para ampliar e reforçar o poder e a supremacia dos que estão sentados no Trono Apostólico, e a sua doutrina inovadora.  Tal é, em poucas palavras, a realidade das dissensões e discórdia entre nós, tal é o muro de separação que, segundo a promessa divina e com a ajuda da tão renomada sabedoria de Sua Santidade, esperamos ver cair sob o seu pontificado (São João x. 16): “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16) (escutarão a verdade: “Que procede do Pai”). Voltemos ao terceiro ponto: admitindo-se, segundo as palavras de Sua Santidade, que esta oração do nosso Senhor por Pedro, que iria negá-Lo e cometer perjúrio, esteja intimamente relacionada ao Trono de Pedro, e é transmitida com poder àqueles que periodicamente se sentam sobre ele, embora, como já foi dito, nada contribui para confirmar esta opinião (como podemos ser convencidos pela leitura das Escrituras, pelo próprio exemplo de São Pedro, e isto mesmo depois da descida do Espírito Santo), ainda acreditamos firmemente, pelas palavras do nosso Senhor, de que chegará o tempo em que esta oração divina feita em antecipação do perjúrio de Pedro, "que a tua fé não desfaleça", operará também sobre um dos sucessores do seu Trono que, como Pedro, chorará amargamente, e convertendo-se um dia, nos confirmará, seus irmãos, ainda mais na Confissão Ortodoxa, que recebemos de nossos pais;- e que Sua Santidade seja este verdadeiro sucessor do bem-aventurado Pedro! A esta nossa humilde oração, o que nos impede de acrescentar o nosso sincero e fervoroso conselho em nome da Santa Igreja Católica? Não ousamos dizer, como faz Sua Santidade (p. x. 1.22), que este retorno se dê "imediatamente";  mas, pelo contrário, que isso seja feito sem pressa, após madura reflexão e, se necessário, depois de consultas aos bispos e teólogos mais sábios e mais piedosos que ainda hoje, pelos desígnios de Deus, se encontram em todas as nações do Ocidente.

XIII. Sua Santidade escreve que o Bispo de Lião, Santo Ireneu, assim se expressa em louvor à Igreja de Roma: "É indispensável que toda a Igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares do mundo, concordem com ela por causa da preeminência desta Igreja que preservou, sobretudo o que é crido por todos os fiéis, a tradição dos Apóstolos". Embora este Santo Padre diga outra coisa, diferente do que pensam os bispos do Vaticano, mesmo que admitíssemos suas conclusões, caberia lhes perguntar: E quem nega que a antiga Igreja Romana era Apostólica e Ortodoxa? Nenhum de nós questionará que era mesmo um modelo de ortodoxia. E, para maior louvor dela, citaremos ainda as palavras do historiador Sozomeno (Hist. Eccl. lib. iii. cap. 12), sobre a maneira pela qual, em outra época, preservou a ortodoxia, e que Sua santidade ignora: "Porque, como em toda parte", diz Sozomeno, "a Igreja em todo o Ocidente, guiada puramente pelas doutrinas dos Padres, está livre de toda dissensão e vã discussão". Será que algum dos Padres, ou nós mesmos, negaríamos sua primazia na ordem hierárquica, conferida pelos cânones da igreja, contanto que ela fosse guiada puramente pelas doutrinas dos Padres, caminhando pela clara regra da Escritura e dos Santos Concílios? Mas, hoje vê-se que não foi preservado nela o dogma da Santíssima Trindade de acordo com o símbolo dos Santos Padres reunidos em Niceia, e em seguida, em Constantinopla, símbolo que foi confirmado pelos cinco Concílios subsequentes, anatematizando como hereges os que alterarem, ainda que um simples "i".  Também não foi preservado o rito apostólico do Santo Batismo, nem a invocação ao Espírito Santo sobre os santos dons (epíclesis). Vê-se que a Eucaristia é conferida sem que se comungue do santo cálice (quanta profanidade!), considerado supérfluo, e muitas outras coisas estranhas, não só aos nossos santos Padres, que em todo tempo foram a regra universal e infalível da ortodoxia, como bem sublinha Sua Santidade no que se refere a verdade (p. vi), mas também aos santos Padres do Ocidente. Vemos que a primazia pela qual Sua santidade defende com tanto vigor, como fizeram seus antecessores, de uma relação fraterna com prerrogativa hierárquica foi transformada em supremacia. Então, o que deve ser pensado de suas tradições orais, se as escritas foram submetidas a tal mudança e alteração para pior? Quem é tão ousado e confiante na dignidade do Trono Apostólico a ponto de ousar dizer que se o nosso Santo Padre Irineu voltasse à vida e visse a Igreja de Roma faltar tão explicitamente com a antiga doutrina apostólica em artigos tão essenciais e universais da fé cristã, não seria ele o primeiro a opor-se às inovações e as constituições arbitrárias dessa Igreja, tão justamente elogiada por ele como guiada puramente pelas doutrinas dos Padres? Se visse, por exemplo, que a Igreja Romana, por instigação dos escolásticos, não apenas retirou de sua liturgia o antigo e apostólico rito da epíclesis, mutilando assim, lamentavelmente, o serviço divino em sua parte mais essencial, mas também que, entre outras coisas, se esforça por todos os meios em extirpá-lo das liturgias das demais Igrejas Cristãs, alegando, de um modo tão indigno da Santa Sé da qual se gloria, que este uso teria sido “introduzido após a divisão entre o Oriente e o Ocidente" (p. xi. 1.11). O que não diriam os Santos Padres a respeito dessa inovação? Irineu nos assegura que “depois da invocação do Espírito Santo de Deus (epíclesis) sobre pão terrestre, este já não é mais pão comum” (lib. IV. C. 34), entendendo com o termo “epíclesis” precisamente esta invocação pela qual se opera o mistério da Liturgia. Que esta era a fé de Santo Ireneu, atesta-nos um monge da ordem dos Irmãos Menores, Francisco Feu-Ardentio, em sua edição comentada das obras de Santo Ireneu, publicada em 1639: “Panem et calycem commixtum per invocationis verba habeas et sanguinem Christi vere fiere” (“O pão eucarístico e o vinho misturado com água, pelas palavras da invocação convertem-se, verdadeiramente, no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo”) (lib. i. c. 18, p. 114). Ou,  o que não diria sobre a inovação do vicariato de Cristo e da supremacia dos papas, pois que, por uma questão menor e quase indiferente em relação à celebração da Páscoa (Euseb. Eccl. Hist. v. 26), de forma corajosa e vitoriosa, opôs-se firmemente e derrotou a violência do Papa Victor, na Igreja livre de Cristo? Então, aquele mesmo Padre que Sua Santidade evoca como testemunho da primazia da Igreja de Roma, confirma que sua dignidade não reside na soberania nem na sua supremacia, que nunca foi exclusividade de São Pedro, mas uma precedência fraterna no seio da Igreja Universal concedida aos papas em consideração a celebridade e antiguidade de sua cidade. Assim é como o 4º Concílio Ecumênico, preservando a autonomia das Igrejas regulada pelo 3º Concílio Ecumênico, baseando-se nos princípios do 2º Concílio Ecumênico (cânon 3) que, por sua vez, apoia-se no cânone 6 do 1º Concílio Ecumênico, atribui simplesmente ao “costume” o tribunal de recurso [jurisdição de apelos] dos papas sobre as Igrejas do Ocidente, declara que “Por essa Cidade ser a Capital do Império, os Padres, com razão, deram-lhe prerrogativas" (cânon 28), e nada é dito sobre o monopólio especial do Papa da apostolicidade de São Pedro, menos ainda sobre um vicariato dos bispos de Roma e um possível pastoreio universal. Esse profundo silêncio sobre tais importantes privilégios - uma interpretação da primazia dos Bispos de Roma fundada, não nas palavras: “apascenta minhas ovelhas”, ou mesmo “sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”, mas simplesmente em um antigo costume, por ser a Capital do Império, e uma primazia concedida, não pelo Senhor, mas pelos Padres -, parecerá estranho, certamente, a alguns, tanto mais a Sua Santidade, que explica desta forma as suas prerrogativas, e que considera decisivo o testemunho do 4º Concílio Ecumênico em favor de seu Trono; e São Gregório, o eloquente, chamado o Grande (lib. i. Ep. 25), costumava referir-se aos quatro Concílios Ecumênicos (não à Sé Romana) como os quatro Evangelhos e a pedra de quatro lados sobre a qual a Igreja Católica está edificada.

XIV. Sua Santidade diz (p. Ix. 1.12) que os coríntios, por ocasião de um desacordo surgido entre eles, recorreram ao papa Clemente, o qual, depois de ter examinado e julgado este assunto, enviou-lhes uma carta que foi lida em todas as igrejas. Mas este acontecimento é um apoio muito fraco para a autoridade papal na casa de Deus. Posto que Roma era então o centro da província imperial e a principal cidade, onde viviam os imperadores, era natural que todos os problemas, ainda que de menor importância como este desacordo entre os coríntios, fosse julgado nesta cidade, principalmente se uma das partes em conflito para lá correu em busca de ajuda externa: como é feito até hoje. Os Patriarcas de Alexandria, Antioquia e Jerusalém, quando surgem dificuldades inesperadas, escrevem ao Patriarca de Constantinopla, porque esta era a sede do Império e, também, por causa de suas prerrogativas concedidas pelos Concílios. E, se por essa ajuda fraterna é corrigido o que deve ser corrigido, é bom; do contrário, o assunto é relatado para a província, conforme o sistema estabelecido. Porém, este acordo fraterno em assuntos da fé cristã jamais pode ser exercido em detrimento da liberdade das Igrejas de Deus. O mesmo deve ser a nossa resposta a propósito dos exemplos (p. Ix. 1. 6,17) apresentados por Sua Santidade, e tomados da vida dos santos Atanasio, o Grande, e João Crisóstomo; são exemplos de uma ajuda fraterna normal, derivada dos privilégios dos bispos de Roma, Júlio e Inocêncio; no entanto, seus sucessores queriam hoje que aceitássemos docilmente a adulteração que fizeram do símbolo da fé; no entanto, o próprio Júlio manifestou sua indignação contra alguns por "confundir e perturbar a ordem nas Igrejas, ao não respeitar os dogmas de Nicéia" (Soz. Hist. Ec. lib. iii. c. 7), ameaçando-os (id.) de excomunhão "se não cessassem de introduzir suas inovações". No caso dos coríntios, é importante notar que, das três sés patriarcais que existiam então, Roma era a mais próxima e a mais importante para os coríntios e, por isso, era a sé sede que deviam, conforme os cânones, recorrer. Em tudo isso não vemos nada de extraordinário nem qualquer prova do poder despótico do Papa na livre Igreja de Deus.


XV. Contudo, finalmente, sua Santidade diz (p. Ix. L.12) que o quarto Concílio Ecumênico (que por erro, sem dúvida, transfere de Calcedônia a Cartago), quando leu a epístola do Papa Leão I, clamou: "Pedro falou por Leão". De fato, foi assim. Mas Sua Santidade não deveria esquecer-se de como, e depois de que exame, nossos Padres clamaram, como eles o fizeram, em louvor a Leão. Entretanto, como Sua Santidade, com breve consulta, parece ter omitido esse ponto muito necessário, e a prova manifesta que um Concílio Ecumênico é superior em dignidade não só ao Papa, mas também ao sínodo que o cerca, explicaremos ao público a questão como ela realmente aconteceu. Dos mais de seiscentos Padres reunidos no Concílio de Calcedônia, cerca de duzentos dos mais sábios foram nomeados pelo Concílio para examinar tanto a linguagem como o sentido da epístola de Leão. Não somente isso, mas para dar por escrito e com suas assinaturas o seu próprio julgamentos, se a epístola era ortodoxa ou não. Cerca de duzentos julgamentos e resoluções sobre a epístola, encontrados principalmente na Quarta Sessão do referido Santo Concílio, afirmam nos seguintes termos: "Máximo de Antioquia, na Síria, disse: 'A epístola do São Leão, Arcebispo de Roma Imperial, concorda com as decisões dos trezentos e dezoito Santos Padres em Nicéia, e os cento e cinquenta em Constantinopla, que é a nova Roma, e com a fé exposta em Éfeso pelo Santo Bispo Cirilo: e eu a subscrevi".


E novamente:

"Teodoreto, o Bispo mais religioso de Ciro: 'A epístola do Santíssimo Arcebispo, o senhor Leão, concorda com a fé estabelecida em Niceia pelos Santos e Bem-Aventurados Padres, e com o Símbolo da Fé exposto em Constantinopla pelos cento e cinquenta e com as epístolas do abençoado Cirilo. E aceitando-a, subscrevo a referida epístola."

E assim, todos em sucessão: "A epístola corresponde", "a epístola é consoante," "a epístola concorda em sentido", e assim por diante. Depois de tão grande e rigoroso exame ao compará-la com os antigos Santos Concílios, e uma plena convicção da exatidão do sentido, e não apenas porque era a carta do Papa, clamaram, de bom grado, a exclamação em que Sua Santidade agora vangloria-se: Mas se Sua Santidade nos tivesse enviado declarações concordantes e em uníssono com os sete Santos Concílios Ecumênicos, em vez de vangloriar-se da piedade de seus antecessores, louvados pelos nossos antecessores e Padres num Concílio Ecumênico, ele poderia ter glorificado justamente sua própria ortodoxia, declarando sua própria bondade, em vez da de seus Padres. Portanto, que Sua Santidade esteja certo de que se, mesmo agora, ele nos escrevesse tais coisas que duzentos Padres, depois de investigação e inquérito, encontrassem consonância e concordância com os referidos Concílios anteriores, então, podemos dizer que ele ouvirá de nós, pecadores, hoje, não só "Pedro falou por sua boca", ou qualquer coisa de semelhante honra, mas também isto: "Seja beijada a santa mão que enxugou as lágrimas da Igreja Católica".

XVI. Certamente, temos o direito de esperar do prudente juízo de Sua Santidade, uma obra digna do verdadeiro sucessor de São Pedro, de Leão I e também de Leão III, o qual, para a segurança da Fé Ortodoxa, gravou o Credo Divino inalterado sobre placas imperecíveis — uma obra que unirá as igrejas do Ocidente à Santa Igreja Católica, na qual a principal sé canônica de Sua Santidade, e as sés de todos os Bispos do Ocidente permanecem vazias e prontas para serem ocupadas. Pois a Igreja Católica, sempre esperando a conversão dos pastores caídos com seus rebanhos, não ordena (tais ações seriam sem sentido) novos Bispos nas sedes já ocupadas por outros, a fim de não degradar o sacerdócio. Mas esperamos a "palavra de consolo", e desejamos que ele, como escreveu São Basílio a Santo Ambrósio, Bispo de Milão (Epis. B6), "trilhará novamente nos antigos passos dos dos Padres". Com grande espanto, temos lido a referida carta Encíclica aos Orientais, na qual vemos com profunda tristeza de alma Sua Santidade, renomado pela sabedoria, seguir o caminho escolhido pelos seus predecessores após a separação e usar a linguagem da corrupção, ou seja, ordenar-nos a alterar o símbolo perfeito da nossa fé fixado pelos Concílios Ecumênicos, a alterar as santas liturgias cuja composição é celestial, os nomes dos seus autores e a venerável antiguidade consagrada pelo Sétimo Concílio Ecumênico (artigo 6) que poderiam, por si só, ter feito recuar a mão sacrílega e ímpia que ousou golpear o Senhor da Glória. Podemos ver em que labirinto inextricável de erros e em que abismo de especulações falsas o papismo lançou até os bispos mais sábios e piedosos da Igreja Romana, quando, para "para preservar o infalível, e portanto obrigatório, poder vicário e primazia absoluta sobre todos os sujeitos", é forçado a tocar e atacar tudo o que é divino e intangível, mostrando, é verdade, palavras de respeito à "mais venerável antiguidade" (p. 11, 1.16), mas na realidade alimentando uma paixão implacável por inovações acerca das coisas sagradas, como vemos nestas palavras: "É necessário rejeitar das liturgias tudo o que foi adotado após a separação", espalhando assim o veneno da inovação mesmo sobre a Santa Ceia. Destas palavras, pode-se deduzir que Sua Santidade pensa que aconteceu na Igreja Ortodoxa aquilo que sabe que aconteceu na Igreja Romana, ou seja, modificações em todos os sacramentos e alteração dos mesmos por especulações escolásticas pelas quais tenta provar as imperfeições das nossas santas Liturgias, dos nossos sacramentos, dos nossos dogmas; mas ao mesmo tempo, reverencia a nossa "venerável antiguidade", e tudo isso através de uma condescendência inteiramente Apostólica! - "sem," como ele diz, "nos perturbar por quaisquer condições duras"! É da mesma ignorância dos nossos costumes apostólicos e católicos que vem esta outra afirmação: "Não pudestes guardar entre vós a unidade de doutrina e de governo eclesiástico", atribuindo-nos paradoxalmente a própria desgraça de que ele sofre em casa; do mesmo modo que, anteriormente, o Papa Leão IX, numa carta a Miguel Cerulario, de abençoada memória, acusou os gregos, desprezando a sua dignidade e a história, de terem alterado o símbolo da Igreja Católica!

Mas estamos certos de que se Sua Santidade recordar da arqueologia e da história eclesiástica, da doutrina dos Santos Padres, das antigas liturgias da Gália e da Espanha, bem como do antigo breviário da Igreja de Roma, verá então com espanto quantos outros disparates ainda existentes que o papismo deu à luz no Ocidente. Enquanto em nós, a Ortodoxia preservou a Igreja Católica como uma noiva imaculada para o Seu Esposo, embora não possuamos nenhum poder secular para nos sustentar, nem, como diz Sua Santidade, qualquer "governo eclesiástico". Não temos outro vínculo senão o de amor e zelo por nossa mãe comum, na unidade da fé "selada pelos sete selos do Espírito" (Apocalipse 5, 1), isto é, os Sete Concílios Ecumênicos, e em obediência à verdade. Sua Santidade notará, também, o quão "necessário é rejeitar os dogmas e os sacramentos do papado atual", já que são "mandamentos humanos", para que a Igreja no Ocidente, que inovou em tudo, possa aproximar-se da fé católica ortodoxa imutável dos nossos Padres comuns, pela qual (segundo as suas próprias palavras) nos esforçamos "para preservar a doutrina dos nossos antepassados"; ele também faz bem em recomendar-nos "a seguir os antigos bispos e os fiéis das dioceses orientais". Como esses antigos bispos entenderam a autoridade magisterial dos arcebispos da Roma antiga (e, portanto, que idéia devemos ter deles) e como devemos nós, filhos da Igreja Ortodoxa, receber seus ensinamentos? Eles nos deram a resposta no Concílio (Artigo 15) e o divino Basílio nos explicou claramente (Artigo 7). Quanto à supremacia, uma vez que não estamos elaborando um tratado, que o mesmo grande Basílio exponha a questão em poucas palavras: "Prefiro dirigir-me àquele que é Cabeça sobre eles".

XVII. De tudo isso, qualquer um educado na sã doutrina Católica, ainda mais Sua Santidade, deve tirar a conclusão, o quão ímpio e antissinodal é tentar alterar nossas doutrinas e liturgias e outros ofícios divinos cujas origens remontam à própria pregação cristã: razão pela qual reverência lhes foi sempre concedida, e considerados como invioláveis até pelos próprios antigos Papas ortodoxos, que então possuíam tudo em comum conosco. Como seria salutar e digno, no entanto, reparar as inovações,  cujo tempo de surgimento nos é perfeitamente conhecido; pois nossos ilustres Padres têm testemunhado, ao longo do tempo, contra cada inovação. Mas há outras razões que deveriam inclinar Sua Santidade a esta mudança. Em primeiro lugar, porque essas coisas que são nossas, outrora foram veneráveis aos Ocidentais, como os mesmos ofícios divinos e confessar o mesmo Credo. Mas as inovações não eram conhecidas por nossos Padres, e nem poderiam ser mostradas nos escritos dos Padres Ocidentais ortodoxos, tampouco como tendo sua origem na antiguidade ou catolicidade. Além disso, nem os Patriarcas nem os Concílios foram capazes de introduzir qualquer inovações entre nós, porque o guardião da fé é o próprio corpo da Igreja, ou seja, o próprio povo, que deseja preservar sua fé imutável, em conformidade com a de seus pais, como muitos Papas e Patriarcas latinizantes puderam convencer-se que, desde o cisma, nunca conseguiram levar a cabo as suas tentativas. Enquanto na Igreja do Ocidente os Papas, em vários momentos, às vezes sem dificuldades, às vezes usando violência, canonizaram muitas inovações em nome da "economia", como costumavam dizer aos nossos Padres para se justificarem, quando na realidade estavam criando confusão no corpo de Cristo; do mesmo modo, e desta vez efetivamente em nome da "economia", o Papa poderia consertar, não apenas "as costuras", mas as vestes rasgada do Salvador e restaurar as veneráveis práticas religiosas antigas, as únicas "capazes de preservar a piedade", como diz Sua Santidade (p. 11, 1.16) e pelas quais ele afirma (ibid. 1.14) ter veneração da mesma forma que seus predecessores, recordando as palavras memoráveis de um deles (Celestino, escrevendo ao Terceiro Concílio, p. 11, 1.16): "Que a inovação cesse de atacar a antiguidade." Que a Igreja Católica possa beneficiar-se destas decisões infalíveis dos Papas. Deve-se confessar, por todos os meios, que em tal tentativa, ainda que Pio IX seja eminente em sabedoria e piedade e, como ele diz, em zelo pela unidade dos cristãos na Igreja Católica, ele encontrará, dentro e fora, com dificuldades e labutas. Mas sobre este ponto devemos chamar a atenção de Sua Santidade, se ele nos permite a ousadia, para esta passagem da sua epístola (p. viii. L.32), "que nas coisas que se relacionam com a confissão de nossa religião divina, nada se deve temer, quando olhamos para a glória de Cristo, e a recompensa que nos espera na vida eterna". É portanto o dever de Sua Santidade provar diante de Deus e dos homens que, tomando a iniciativa de um empreendimento agradável a Deus, é também um zeloso defensor das verdades perseguidas do Evangelho e dos Santos Concílios e que está disposto a fazer o sacrifício dos seus próprios interesses para manifestar-se, segundo as palavras do profeta Isaías: Soberano na paz e pontífice na justiça. Assim seja! Mas até que haja este desejado retorno das Igrejas separadas ao corpo da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, da qual Cristo é a Cabeça (Ef. iv. 15), e cada um de nós "membros em particular", toda tentativa ou exortação da parte delas, que tende a alterar a fé pura transmitida por nossos Padres, deve ser considerada por nós, não só como suspeita e perigosa, mas também como ímpia e fatal para a alma, e deve ser, com toda a justiça, condenada em Concílio. A Encíclica aos Orientais do Bispo de Roma, Pio IX, está ao alcance de tal condenação e nós proclamamo-la como tal na Igreja Ortodoxa.

XVIII. Portanto, amados irmãos e cooperadores da nossa humildade, por ocasião da publicação da referida encíclica e seguindo a nossa decisão patriarcal e conciliar, pensamos agora, mais do que nunca, que é nosso dever absoluto zelar para que ninguém fique fora do vínculo sagrado da Igreja Católica Ortodoxa, nossa santa Mãe, para nos encorajarmos mutuamente e exortar-vos a que, recordando uns aos outros as palavras e exortações de São Paulo aos nossos santos antepassados quando os convocou para Éfeso, lembremos uns aos outros:  Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si. Portanto, vigiai. (Atos 20:28-31) Tendo ouvido estas admoestações divinas, nossos pais derramaram abundantes lágrimas e, lançando-se sobre pescoço de Paulo, abraçaram-no. Assim também deveríamos fazer; escutemos o seu ensinamento e nos lancemos sobre o seu pescoço com os nossos pensamentos, e com lágrimas nos olhos, e o consolemos pela nossa firme promessa de que ninguém jamais nos separará do amor de Jesus Cristo;  ninguém jamais nos separará da doutrina do Evangelho; ninguém jamais nos separará da linha traçada por nossos pais, assim como ninguém jamais conseguiu seduzi-los, apesar de todos os esforços feitos, em várias ocasiões, por homens seduzidos pelo tentador: de modo que, tendo alcançado o objetivo da nossa fé, isto é, a saúde das nossas almas e do rebanho espiritual no qual o Espírito Santo nos estabeleceu como pastores, possamos ouvir o Senhor dizer-nos: Muito bem, servo bom e fiel.

XIX. Através de vós transmitimos esta exortação apostólica a toda a sociedade ortodoxa dos fiéis, onde quer que se encontrem no mundo: aos sacerdotes, hieromonges, hierodiáconos, monges, numa palavra, a todo o clero e povo fiel; aos governantes e aos governados, aos ricos e aos pobres, aos pais e aos filhos, aos instruídos e aos não instruídos, aos senhores e aos servos, para que, fortalecendo-nos uns aos outros, possamos resistir às maquinações do diabo. Pois é isso que o santo apóstolo Pedro nos ensina a todos: "Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; Ao qual resisti firmes na fé." (1 Pedro 5:8-9)

XX. Nossa fé, irmãos, não vem dos homens, mas da revelação de Jesus Cristo proclamada pelos divinos apóstolos, reafirmada pelos santos Concílios Ecumênicos e transmitida sucessivamente pelos grandes e sábios Padres de todo o mundo e selada pelo sangue dos santos mártires. Guardemos em toda a sua pureza a confissão que recebemos de tal grande número e rejeitemos toda inovação como sugestão diabólica, pois quem admite um novo ensinamento considera imperfeita a fé ortodoxa que lhe foi dada. Tendo já sido plenamente revelada e selada, esta fé não está mais sujeita a mudanças, acréscimos ou alterações, e qualquer um que ouse realizar, aconselhar ou meditar semelhante ato já negou a fé de Cristo e se colocou sob o eterno anátema como blasfemador contra o Espírito Santo, tendo assumido que Ele falou nas Escrituras e nos Concílios Ecumênicos de forma imperfeita. Este terrível anátema, irmãos e filhos amados em Cristo, não é um anátema que pronunciamos hoje, mas foi o Salvador quem o pronunciou pela primeira vez: "Se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro”, Mateus (12:32). E o divino Paulo disse: “Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas ainda que nós ou um anjo do céu pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja anátema." (Gálatas 1:6-9)  Os Sete Concílios Ecumênicos, assim como o coro dos Padres Teóforos proclamaram o mesmo. Assim, todos os inovadores, sejam papas, patriarcas, clérigos ou fiéis, que inventam uma heresia ou um cisma, vestem-se voluntariamente, segundo o salmista, "uma maldição como uma roupa" (Salmo 108,18). Mesmo que ele seja um anjo do céu, que seja anátema se ele vos pregar um evangelho diferente daquele que recebestes. Assim pensavam os nossos pais, pensando nas palavras salutares de Paulo; por isso, permaneceram firmes e inabaláveis na fé que lhes foi transmitida por sucessão, preservando-a imutável e pura no meio de tantas heresias, e transmitindo-a intacta e inalterada como havia saído da boca dos primeiros servos do Verbo. Pensando da mesma forma que eles pensaram, nós a transmitiremos como a recebemos, sem alteração, para que as gerações futuras também possam falar sem vergonha ou reprovação da fé de seus antepassados.

XXI. "Agora que purificaram as vossas almas pela obediência à verdade..." (1 Pedro 1:22), "convém-nos atentar com mais diligência para as coisas que já temos ouvido, para que em tempo algum nos desviemos delas." (Hebreus 2:1) A fé que confessamos é irrepreensível. É ensinada nos Evangelhos pela própria boca do Senhor, testemunhada pelos santos apóstolos e pelos sete santos Concílios Ecumênicos, proclamada em todo o mundo, testemunhada até mesmo pelos seus inimigos que, antes de se separarem da Ortodoxia para se lançarem nas heresias, confessaram-na, diretamente ou pelos seus pais e antepassados. A história testemunha que esta mesma fé sempre derrotou as heresias que sempre a atacaram e, como pode-se constatar, continuam a atacar até aos dias de hoje. Nossos predecessores, os Santos e Divinos Pais que se sucederam dos apóstolos e aqueles que os apóstolos estabeleceram para suceder-lhes até hoje, formam uma cadeia ininterrupta e constituem um recinto sagrado, do qual Jesus Cristo é a porta, dentro do qual todo o rebanho ortodoxo é alimentado nos pastos férteis do Éden místico, e não, como diz Sua Santidade, "no deserto inóspito e acidentado". Nossa Igreja mantém o infalível e genuíno depósito das Sagradas Escrituras, do Antigo Testamento uma versão verdadeira e perfeita, do Novo o próprio original divino. Os ritos dos Mistérios sagrados, e especialmente os da Liturgia divina, são os mesmos ritos gloriosos e comoventes, transmitidos pelos Apóstolos. A nossa Igreja guarda intactos e inalterados os textos da Sagrada Escritura, do Antigo Testamento numa tradução precisa e fiel, e quanto ao Novo Testamento, temos o texto original; os ritos dos Santos Mistérios, e especialmente os da Liturgia divina, são os mesmos ritos gloriosos e comoventes, transmitidos pelos Apóstolos. Nenhum outro povo, nenhuma comunhão cristã, pode orgulhar-se de liturgias como as de Tiago, Basílio, Crisóstomo; os sete Concílios Ecumênicos, estas sete colunas da casa da Sabedoria, foram convocados nela e nossa Igreja guarda os originais de seus santos decretos. Seus pastores, o honorável clero e a ordem monástica preservam a primitiva e pura dignidade dos primeiros séculos do cristianismo, nas opiniões, no estilo de vida e até mesmo na simplicidade de suas vestes.  Sim! Verdadeiramente, os "lobos ferozes" têm atacado constantemente este santo rebanho, e estão atacando-o agora, como vemos por nós mesmos, segundo a previsão do Apóstolo, que mostra que os verdadeiros cordeiros do grande Pastor estão reunidos nele; Mas essa Igreja sempre cantou e continuará a cantar este hino: "Cercaram-me por todos os lados, mas em nome do Senhor eu as derrotei" (Salmos 117:11)  Lembremo-nos ainda de uma circunstância que, embora dolorosa, nos permitirá esclarecer e confirmar a verdade de nossas palavras. Todos os povos cristãos que hoje confessam uma fé no nome de Cristo, incluindo o Ocidente e Roma, como vemos na lista dos primeiros Papas, foram todos instruídos na verdadeira fé de Cristo pelos nossos santos pais e predecessores. Mas então, infelizmente, surgiram homens pérfidos entre os quais numerosos sacerdotes e bispos ousaram, por lamentáveis razões e opiniões heréticas, pisotear a Ortodoxia destes povos, tal como o apóstolo Paulo tinha predito e como a verdadeira história nos ensina.

XXII. Estejamos, pois, conscientes, irmãos e filhos espirituais, de quão grande é a graça concedida por Deus à nossa fé, assim como à sua Igreja una, santa, católica e apostólica que, de maneira fiel ao seu Esposo, nos educa a estar "sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês." (1 Pedro 3,15). Mas o que devemos nós, pecadores, dar ao Senhor por tudo o que Ele nos tem dado? Inesgotável em benefícios, nosso Senhor e Deus, que nos redimiu pelo seu próprio Sangue, nada exige de nós a não uma devoção de todo nosso coração e espírito à fé irrepreensível e santa dos nossos pais, um sacrifício e um amor pela Igreja Ortodoxa que nos regenerou, não por uma aspersão inventada recentemente, mas pela imersão divina do batismo apostólico, que nos nutre, segundo o eterno testamento de nosso Senhor, com o Seu precioso Corpo e que sacia abundantemente a nossa sede, como uma verdadeira mãe, com o Seu precioso Sangue derramado para a nossa salvação e a de todo o universo. Abracemo-la, pois, com o nosso espírito (como os pequenos pássaros fazem à sua mãe), onde quer que nos encontremos, no Norte, no Sul, no Oriente ou no Ocidente; fixemos o nosso olhar e os nossos pensamentos no seu rosto divino e resplandecente e na sua bondade; agarremo-nos com ambas as mãos às vestes luminosas que o seu Esposo, resplandecente de bondade, a revestiu com as suas mãos puríssimas quando a libertou da escravidão do pecado e a fez sua Esposa para a eternidade. Sintamos em nossas almas o sentimento doloroso do amor mútuo de uma mãe por seus filhos, quando se vê que raptores insolentes e mal-intencionados zelosamente planejam como podem levá-la cativa, ou arrancar os cordeiros de suas mães. Sejamos fortalecidos neste sentimento, clero e leigos, especialmente quando o inimigo espiritual da nossa salvação, apresentando facilidades enganosas (p. 11, 1. 2-25), usa todos os meios em seu poder e vagueia em busca de uma presa para devorar, segundo as palavras de São Pedro, e especialmente agora que ele está no caminho onde caminhamos pacificamente e inocentemente, e tenta estender suas pérfidas armadilhas.

XXIII. Que o "Deus de paz, que ressuscitou dentre os mortos o grande Pastor das ovelhas" (Hebreus 13:20), que não dorme e não dormirá na guarda de Israel, guarde os vossos corações e os vossos pensamentos e oriente os vossos passos para toda boa ação. Permaneçam saudáveis e regozijem-se no Senhor!

No sexto dia de Maio do ano de 1848

Acrescentaram sua assinatura:

ANTIMO, pela graça de Deus, arcebispo de Constantinopla, nova Roma, e patriarca ecumênico, teu amado irmão em Cristo.

HIEROTEO, pela graça de Deus, patriarca de Alexandria e de todo o Egito, teu amado irmão em Cristo, que reza a Deus por ti.

METÓDIO, pela graça de Deus, patriarca da teopolis de Antioquia e de todo o Oriente, teu amado irmão em Cristo, que reza a Deus por ti.

CIRILO, pela graça de Deus, patriarca de Jerusalém e de toda a Palestina, teu amado irmão em Cristo, que reza a Deus por ti.:

O Santo Sínodo em Constantinopla:

Paísio de Cesaréia, Anthimus de Éfeso, Dionísio de Heraclea, Joachim de Cyzicus, Dionísio de Nicodemia, Hierotheus de Calcedônia, Neófitos de Derci, Gerásimo de Adrianópolis, Cirilo de Neocaesarea, Theocletus de Berea, Melécio da Pisídia, Atanásio de Smyrna, Dionysius de Melenicus, Paisius de Sophia, Daniel de Lemnos, Panteleimon de Deyinopolis, Joseph de Ersecium, Anthimus de Bodeni

O Santo Sínodo em Antioquia

Zacharias de Arcádia, Methodios de Emesa, Joannicius de Trípoli, Artemius de Laodicea

O Santo Sínodo em Jerusalém

Meletius de Petra, Dionysius de Bethlehem, Philemon de Gaza, Samuel de Neapolis, Tadeu de Sebaste, Joannicius de Philadelphia, Hierotheus de Tabor

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Nota do tradutor: A presente tradução é uma versão revisada e aprimorada da antiga tradução feita pelo Matheus Begas (disponível no site ecclesia) tomando como base as versões em inglês e espanhol da encíclica.