sábado, 18 de janeiro de 2020

Encíclica dos Patriarcas Orientais: Uma resposta à Epístola do Papa Pio IX (1848)

Contexto: Em janeiro de 1848, logo após sua eleição, o Papa Pio IX (1846-78) dirigiu uma carta apostólica ao Oriente sobre o tema da unidade dos cristãos (In Suprema Petri Apostoli Sede). Segundo Aidan Nichols, esta foi "a primeira encíclica 'unionista' do papado moderno", expressando uma "preocupação papal pelo Oriente cristão de uma profundidade e urgência não vistas desde [o Concílio de] Florença".Infelizmente, foi também marcada por "uma extraordinária indelicadeza que veio prejudicar todas as relações de Pio com os Ortodoxos", uma vez que "o texto foi enviado não aos seus bispos, mas como milhares e milhares de exemplares aos fiéis Ortodoxos". [...] A hierarquia Ortodoxa respondeu à carta de Pio publicando uma encíclica própria, A Encíclica dos Patriarcas Orientais. [do livro The Papacy and the Orthodox: Sources and History of a Debate por A. Edward Siecienski]



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Encíclica dos Patriarcas Orientais (1848) 
Uma resposta à Epístola do Papa Pio IX, "ao Orientais"

Aos Bispos do mundo inteiro, amados no Espírito Santo, nossos veneráveis e queridíssimos irmãos, ao piedoso clero e a todos os diletos filhos ortodoxos da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica: saudações fraternas no Espírito Santo e todos os bens de Deus, e Salvação.

I. O santo ensinamento do Divino Evangelho da Salvação deve ser anunciado a todos em sua simplicidade original e sempre ser crido em sua pureza inalterável, o mesmo que foi revelado aos seus santos apóstolos por nosso Salvador, que, por essa mesma causa, descendo do seio de Deus Pai, "esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens" (Fp 2,7); o mesmo que os apóstolos, que foram testemunhas oculares e ouviram, como trombetas estrondosas, o que foi anunciado a todos os que estão debaixo do sol, pois “Por toda a terra correu a sua voz, e até os confins do mundo foram as suas palavras” (Rm 10,18); e, finalmente, o mesmo que muitos Padres da Igreja Católica, grandes e gloriosos, em todas as partes da terra, que ouviram as vozes apostólicas em seus ensinamentos sinodais e individuais, transmitiram a todos e em todos os lugares e até mesmo a nós. Porém, o príncipe do mal, este inimigo espiritual da salvação do homem, como antes no Éden, astuciosamente com o pretexto dum conselho proveitoso, tornou o homem um transgressor do mandamento divinamente inspirado. Assim, no Éden espiritual, a Igreja de Deus, ele tem, ao longo do tempo, enganado a muitos; e, misturando as drogas nocivas da heresia com as límpidas correntes da doutrina ortodoxa, dá de beber a muitos inocentes que vivem de maneira descuidada, não atentando “com diligência para as coisas que já temos ouvido”, (Hb 2,1), “Interroga teu pai e ele te contará; teus anciãos e eles te dirão” (Dt 32,7), de acordo com o Evangelho e com os antigos Doutores; e que, imaginando que a Palavra do Senhor pregada e escrita e os testemunhos perenes de sua Igreja não fossem suficientes para a salvação de suas almas, buscam, impiamente, inovações, do mesmo modo como mudamos nossas vestes, abraçando uma falsificação da doutrina evangélica.

II. Por isso, surgiram diversas e monstruosas heresias, as quais a Igreja Católica, desde a sua infância, revestindo-se com “a armadura de Deus” e “a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus” (Ef 6,13,17), foi obrigada a combater. Ela triunfou sobre todas elas até hoje, e triunfará para sempre, sendo manifestada com mais poder e mais digna após cada luta.

III. Dessas heresias, algumas já fracassaram completamente, outras estão em decadência. Perderam-se algumas, outras ainda prosperaram em maior ou menor grau, vigorosas até o momento de seu retorno à Fé, enquanto outras ainda se reproduzem seguindo seu curso do nascimento até a sua destruição. Por serem as cogitações miseráveis e os artifícios de homens miseráveis, uma e outra, atingidas pelo relâmpago do anátema dos sete Concílios Ecumênicos, desaparecerão, ainda que durem mil anos; pois só a ortodoxia da Igreja Católica e Apostólica, pelo Verbo vivo de Deus, permanece para sempre, segundo a promessa infalível do Senhor: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). Certamente, as bocas de homens ímpios e hereges, por mais ousadas, por mais plausíveis e eloquentes que sejam, por mais suaves que sejam, não prevalecerão contra a doutrina ortodoxa vencedora, cujo caminho é silencioso e sem barulho. Contudo, “Por que alcançam bom êxito os maus em tudo quanto empreendem? E por que razão vivem felizes os pérfidos?" (Jr 12,1). “Vi o ímpio cheio de arrogância, a expandir-se como um cedro frondoso” (Sl 36,35), por que contaminam o culto pacífico de Deus? A razão disso é misteriosa, e a Igreja, apesar de orar diariamente para que essa cruz, esse mensageiro de Satanás, afaste-se dela, sempre ouve do Senhor: “Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza". Por isso ela "se gloria de bom grado em suas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse sobre ela", para que "sejam conhecidos quais dentre vocês são aprovados" (1. Cor. 10.19).

IV. Dentre essas heresias disseminadas em grande parte do mundo, por razões conhecidas apenas pelo Senhor, houve primeiro o arianismo e, hoje em dia, existe o papismo. Esta também, assim como a primeira desapareceu, embora ainda seja próspera, não durará, mas passará e será lançada fora, e uma grande voz do céu clamará: “pois foi lançada fora" (Ap 12,10).

V. A nova doutrina que afirma que “o Espírito Santo procede do Pai e do Filho", é contrária à declaração memorável de nosso Senhor, feita enfaticamente: “que procede do Pai” (João 15,26), e contrária à confissão universal da Igreja, como testificada pelos sete Concílios Ecumênicos, que professa "que procede do Pai" (Símbolo da Fé).
i. Essa nova opinião destrói a unidade da única causa, bem como a origem diversa das Pessoas da Santíssima Trindade, ambas testemunhadas no Evangelho. 
ii. Mesmo nas divinas Hipóstases das Pessoas da Trindade, de igual poder e igualmente adoradas, ela introduz relações diversas e desiguais, com uma confusão ou uma mistura delas.
iii. Ela reprova a prévia confissão da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica como imperfeita, obscura e difícil de compreender. 
iv. Ela censura os santos Padres do primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia e do segundo Concílio Ecumênico de Constantinopla, como se expressassem imperfeitamente o que diz respeito ao Filho e ao Espírito Santo, como se tivessem permanecido em silêncio a respeito da propriedade peculiar de cada Pessoa da Divindade, quando se fazia necessário que todas as suas propriedades divinas fossem expressas contra os arianos e macedônios. 
v. Ela reprova os Padres do 3º, 4º, 5º, 6º e 7º Concílios Ecumênicos, que haviam publicado no mundo um Credo divino, perfeito e completo, e que proibiram, sob terríveis anátemas e sanções, qualquer remoção, acréscimo, redução, variação ou alteração, o mínimo que fosse, por eles próprios ou por outros. Não obstante, ele foi rapidamente corrigido e ampliado e, consequentemente, toda a doutrina teológica dos Padres foi submetida à mudança, como se houvesse sido revelada uma nova propriedade acerca das três Pessoas da Santíssima Trindade. 
vi. Ela encontrou clandestinamente uma entrada inicialmente nas Igrejas do Ocidente, "um lobo em pele de ovelha", ou seja, sob o significado não de processão, segundo o sentido grego no Evangelho e no Credo, mas sob o significado de missão, como o Papa Martinho o explicou ao Confessor Máximo, e como Anastasius o Bibliotecário o explicou a João VIII. 
vii. Ela exibe incomparável astúcia, agindo sem autoridade e, forçosamente, coloca um falso selo no Credo, que é a herança comum do cristianismo.
viii. Ela introduziu enormes perturbações na paz da Igreja de Deus e dividiu as nações. 
ix. Ela foi proibida publicamente em sua primeira promulgação por dois Papas, Leão III e João VIII, o último dos quais, em sua epístola ao bem-aventurado Fócio, classifica como Judas aqueles que primeiramente introduziram a interpolação no Credo. 
x. Ela foi condenada por muitos santos Concílios dos quatro Patriarcados do Oriente cristão. 
xi. Ela foi submetida a anátema, como uma novidade e ampliação do Credo pelo 8º Concílio Ecumênico, reunido em Constantinopla para a pacificação das Igrejas do Oriente e do Ocidente. 
xii. Assim que foi introduzida nas Igrejas do Ocidente, produziu frutos nefastos, trazendo com ela, pouco a pouco, outras novidades, a maior parte contrária aos mandamentos expressos do nosso Salvador no Evangelho — mandamentos que até a entrada dela nas Igrejas eram observados cuidadosamente. Dentre essas novidades, pode-se enumerar a aspersão em vez da imersão no batismo, a negação do cálice divino aos leigos, a elevação de um único e mesmo pão partido, o uso de hóstias, o uso de pães ázimos, sem fermento, em vez de pão de verdade, o desuso da bênção nas liturgias, até mesmo da invocação ao Santíssimo e Consagrante Espírito (Epíclese), o abandono dos mistérios apostólicos da Igreja, como a não unção das crianças batizadas, ou a não recepção delas da Eucaristia, a exclusão dos homens casados ​​do sacerdócio, a infalibilidade do Papa e sua reivindicação como Vigário de Cristo, e assim por diante. Foi assim que esta interpolação conduziu à abolição do antigo padrão Apostólico de, nada menos que todos os mistérios e toda a doutrina, um padrão que a antiga, santa e ortodoxa Igreja de Roma guardava quando era a parte mais honrada da Igreja Santa, Católica e Apostólica. 
xiii. Ela impulsionou os teólogos do Ocidente, como seus defensores, uma vez que eles não tinham fundamento nem nas Escrituras nem nos Padres para aceitar ensinamentos heréticos, não apenas a deturpar as Escrituras, como não se vê em nenhum dos Padres da Santa Igreja Católica, mas também a adulterar os escritos sagrados e puros dos Padres, tanto do Oriente como do Ocidente. 
xiv. Ela parecia estranha, inédita e blasfema, mesmo para as outras comunhões cristãs, que, antes de seu aparecimento, tinham sido excomungadas há séculos pela Igreja Católica por razões justas. 
xv. Ela ainda não foi plausivelmente defendida a partir das Escrituras ou, com o mínimo de razão a partir dos Padres, das acusações movidas contra ela, apesar de todo o zelo e esforço de seus partidários. A doutrina tem todas as marcas do erro decorrentes de sua natureza e peculiaridades. Toda doutrina errônea acerca da verdade católica da Santíssima Trindade, a origem das Pessoas divinas e a subsistência do Espírito Santo, é e deve ser chamada de heresia. E os que a sustentam são chamados de hereges, de acordo com a sentença de São Damásio, Papa de Roma, que diz: "Se alguém tem razão no que diz respeito ao Pai e ao Filho, mas não tem razão no que diz respeito ao Espírito Santo, ele é um herege" (Catequeses da Confissão de fé enviada pelo Papa Damásio a Paulino, bispo de Tessalônica). Pois a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, seguindo os passos dos Santos Padres, tanto do Oriente como do Ocidente, proclamou outrora aos nossos progenitores e novamente ensina hoje sinodalmente que a referida nova doutrina do Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho é essencialmente uma heresia, e seus partidários, sejam quem forem, são hereges, de acordo com a sentença do Papa São Damásio, e que as congregações de tais também são heréticas, e que toda a comunhão espiritual dos filhos ortodoxos no culto da Igreja com estes é ilegal. Tal é a força do 6° cânon  do 3º Concilio Ecumênico.
VI. Esta heresia, que uniu a si mesma muitas inovações, como já foi dito, apareceu em meados do século VII, no início, secretamente, e logo em seguida, sob diferentes disfarces, nas províncias ocidentais da Europa, até que, arrastando-se por quatro ou cinco séculos, obteve precedência sobre a antiga ortodoxia daqueles lugares por meio da negligência dos pastores e o consentimento dos príncipes. Pouco a pouco, espalhou-se não só pelas Igrejas Ortodoxas da Espanha, mas também para as da Alemanha, França e Itália, cuja ortodoxia era conhecida por todo o mundo. Os nossos Santos Padres, como Atanásio o Grande e o divino Basílio, comunicaram frequentemente com alguns delas; a união e relação delas conosco permitiram que a doutrina da Igreja Católica e Apostólica permanecesse intacta até ao Sétimo Concílio Ecuménico. Mas com o decorrer do tempo, pela inveja do maligno, as novidades relativas à doutrina ortodoxa do Espírito Santo, cujas blasfêmias não serão perdoadas aos homens, quer neste mundo ou no outro, conforme a palavra de nosso Senhor (Mt 12,32), e outras que sucederam com relação aos mistérios divinos, particularmente o do Batismo salvífico, da Santa Comunhão, do Sacerdócio, que são nascimentos monstruosos, estenderam-se até mesmo sobre a Antiga Roma. E, assim, surgiu, pela assunção de distinções especiais na Igreja como uma insígnia e título, o Papismo. Alguns dos Bispos desta cidade, denominados papas, por exemplo Leão III e João VIII efetivamente, como já foi dito, denunciaram a inovação, e publicaram a denúncia ao mundo, o primeiro através daquelas placas de prata, o segundo através de sua carta ao santo Fócio no oitavo Concílio Ecumênico, e outra a Esphendopulcrus, pelas mãos de Metódio, Bispo da Morávia. A maior parte, porém, de seus sucessores, os Papas de Roma, seduzidos pelos privilégios anti-sinodais oferecidos a eles para a opressão das Igrejas de Deus, e encontrando neles muitas vantagens mundanas, e "muito ganho", e concebendo uma Monarquia na Igreja Católica e um monopólio dos dons do Espírito Santo, mudaram o antigo culto à vontade, separando-se por novidades da antiga política cristã que receberam. Tampouco cessaram seus esforços, por projetos ilegítimos (como a verdade histórica nos assegura), para atrair os outros quatro Patriarcas à sua apostasia em relação à Ortodoxia, e assim submeter a Igreja Católica aos caprichos e ordenanças dos homens.

VII. Nossos ilustres predecessores e pais, com esforço e conselho unidos, vendo a doutrina evangélica recebida dos Pais ser pisoteada, e o manto de nosso Salvador estendido do alto ser rasgado por mãos iníquas, e estimulado pelo amor paternal e fraterno, lamentaram a desolação de tantos cristãos pelos quais Cristo morreu. Eles exerceram muito zelo e ardor, tanto sinodal como individualmente, para que a doutrina ortodoxa da Santa Igreja Católica sendo salva, eles pudessem coser até onde pudessem o que tinha sido rasgado; e como médicos experientes eles consultaram juntos visando a segurança do membro que sofria, suportando muitas tribulações, e desprezos, e perseguições, com a única finalidade de evitar que o corpo de Cristo fosse dividido ou que as definições dos santos e divinos Concílios fossem pisoteadas. Mas a história verdadeira nos transmitiu a implacabilidade da persistência ocidental no erro. Esses homens ilustres provaram, de fato, nesse ponto, a verdade das palavras do nosso Santo Padre Basílio, o sublime, quando disse, por experiência, sobre os Bispos do Ocidente e, em especial, o Papa: "Eles não conhecem a verdade nem se esforçam por aprendê-la, lutando contra aqueles que lhes expõem sobre a verdade, e se fortalecem em sua heresia" (para Eusébio de Samosata). Assim, depois de uma primeira e segunda admoestação fraterna, conhecendo sua impenitência, sacudindo-os e evitando-os, eles se entregaram à sua mente reprovável. "A guerra é melhor do que a paz sem Deus", como disse nosso Santo Padre Gregório, referindo-se aos arianos. Desde então não tem havido comunhão espiritual entre nós e eles, pois eles cavaram com suas próprias mãos o abismo entre eles e a Ortodoxia.

VIII. No entanto, o papismo não deixou de incomodar a pacífica Igreja de Deus nesse sentido, mas enviou a todos os lugares os chamados missionários, homens de mentes reprováveis, ele atravessa a terra e o mar para fazer proselitismo, para enganar os Ortodoxos, para corromper a doutrina do nosso Senhor, para adulterar, por acréscimo, o Credo divino da nossa Santa Fé, para demonstrar o Batismo que Deus nos deu como supérfluo, a comunhão do cálice como sem eficácia sagrada, e mil outras coisas que o demônio da inovação ditou aos escolásticos ousados da Idade Média e aos Bispos da Roma velha, aventurando-se em todas as coisas pela cobiça de poder.  Os nossos bem-aventurados antecessores e pais, na sua piedade, embora provados e perseguidos pelo papismo, por muitas maneiras e meios, por dentro e por fora, direta e indiretamente, "mas confiantes no Senhor", foram capazes de salvar e transmitir-nos esta inestimável herança dos nossos pais, a qual também nós, com a ajuda de Deus, transmitiremos como um rico tesouro às gerações vindouras, mesmo até ao fim do mundo. Mas apesar disso, os Papistas não cessam até hoje, nem cessarão, segundo o costume, de atacar a Ortodoxia, uma reprovação constante que eles têm diante de seus olhos, como sendo desertores da fé de seus pais. Que fizessem essas agressões contra a heresia que se espalhou e dominou o Ocidente.  Pois, quem duvida que, se o zelo pela derrota da Ortodoxia fosse empregado no combate às heresias e novidades, isto sim, aceitável, segundo os conselhos agradáveis a Deus de Leão III e João VIII, últimos e gloriosos Papas ortodoxos, nenhum vestígio delas poderiam ser lembrado neste mundo, e estaríamos agora afirmando todos juntos a mesma fé, segundo a promessa apostólica. Porém, o zelo daqueles que os sucederam não estava voltado à proteção da fé ortodoxa, em conformidade com o zelo digno de toda a recordação que havia em Leão III, agora entre os bem-aventurados.

IX. Em certa medida, as agressões dos últimos Papas nas suas próprias pessoas tinham cessado e eram perpetuadas apenas por meio de missionários. Mas ultimamente, Pio IX, tornando-se Bispo de Roma e proclamado Papa em 1847, publicou no dia 6 de Janeiro deste ano uma Carta Encíclica dirigida aos Orientais, composta por doze páginas na versão grega, que o seu emissário divulgou, como uma praga vinda do exterior, dentro do nosso Rebanho Ortodoxo.  Nesta Encíclica, ele se dirige àqueles que em diferentes épocas deixaram de ser membros de diferentes comunhões cristãs e abraçaram o papismo, e naturalmente são favoráveis a ele. Ele então se dirige aos Ortodoxos, não especificamente ou por nome, mas referindo-se por nome aos nossos divinos e santos Padres, e proferindo mentiras manifestas tanto em relação a eles como em relação a nós, seus sucessores e descendentes. Assim, pressupõem que nossos Padres obedientemente aceitavam as ordens e decisões dos Papas, porque vieram do Papa, o suposto guia da Igreja universal. Em relação a nós, dizem que transgredimos estes exemplos e consequentemente nos acusam, perante o rebanho que Deus nos confiou, de nos termos separado dos nossos Padres e de não levarmos em conta o nosso dever sagrado e a salvação dos nossos filhos espirituais. Então, fazendo da Igreja Católica de Cristo sua propriedade pessoal sob o pretexto de que ocupa, como se vangloria, o Trono Episcopal de São Pedro, quer enganar os simples e incitá-los a renunciar à Ortodoxia, acrescentando estas palavras estranhas para qualquer um que conheça o ensino teológico(p. 10, 1.9): "Não tendes razão para não voltar ao seio da verdadeira Igreja e à comunhão com esta Santa Sé."

X. Cada um dos nossos irmãos e filhos em Cristo, que foram educados e instruídos piedosamente, sabiamente a respeito da sabedoria que Deus lhe deu, decidirá que as palavras do atual Bispo de Roma, como as de seus predecessores cismáticos, não são palavras de paz, como ele afirma (p. 7,1.8), e de benevolência, mas palavras de engano e de malícia, tendendo ao auto-engrandecimento, de acordo com a prática de seus predecessores anti-sinodais. Estamos, portanto, seguros de que agora como no futuro os Ortodoxos não se deixarão enganar. Porque a palavra de nosso Senhor é justa: Nunca seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos (João 10, 5).

XI. Por tudo isto estimamos ser nossa obrigação paternal e fraterna, e um dever sagrado, através da nossa presente admoestação de vos confirmar na Ortodoxia que tendes dos vossos antepassados e, ao mesmo tempo, apontar o vazio dos silogismos do Bispo de Roma, de que ele próprio está manifestamente consciente. Pois não é com uma confissão apostólica que ele adorna o seu Trono, mas é através do Trono apostólico que ele tenta estabelecer a sua preeminência da qual ele deriva a autoridade da sua confissão. Mas a realidade é outra: não somente a Sé de Roma, reconhecida por uma simples tradição de ter recebido o primado de São Pedro, nunca esteve numa situação de não ser julgada pelas Sagradas Escrituras e pelas decisões dos Concílios. Este direito nunca foi reconhecido nem mesmo para a Sé que, segundo as Sagradas Escrituras, foi primariamente a de São Pedro, ou seja, a Sé de Antioquia, cuja Igreja, segundo o testemunho de São Basílio (Carta 48 a São Atanásio o Grande), é chamada: "A mais importante de todas as igrejas do mundo." Mais ainda, o segundo Concílio Ecumênico, escrevendo a um Concílio do Ocidente (aos irmãos e co-servidores mais honrados e religiosos, Damásio, Ambrósio, Britto, Valeriano, e outros), testemunhou, dizendo: "A mais antiga e verdadeiramente apostólica Igreja de Antioquia, na Síria, onde primeiro foi usado o honrado nome de cristãos". Dizemos então que a Igreja Apostólica de Antioquia não tinha direito de isenção de ser julgada segundo a Escritura divina e as declarações sinodais, embora fosse verdadeiramente venerada por causa do trono de São Pedro. Mas o que dizemos? O bem-aventurado Pedro, mesmo em sua própria pessoa, foi julgado diante de todos pela verdade do Evangelho, e, como declara a Escritura, foi considerado culpável e de não caminhar retamente. Que opinião se deve formar daqueles que se gloriam e se orgulham unicamente na posse do seu Trono, tão grande aos seus olhos? Não, o sublime Basílio o grande, o Mestre Ecumênico da Ortodoxia na Igreja Católica, ao qual os Bispos de Roma são obrigados a nos referir (p. 8, 1.31), nos mostrou clara e explicitamente acima (7) qual a opinião que deveríamos ter dos julgamentos do inacessível Vaticano: "Eles não conhecem a verdade nem se esforçam por aprendê-la, lutando contra aqueles que lhes expõem sobre a verdade, e se fortalecem em sua heresia." Deste modo, esses mesmos santos Padres, que Sua Santidade cita como exemplo com justa admiração, como tendo iluminado e ensinado o Ocidente, esses santos padres nos ensinam que a Ortodoxia não deve ser julgada segundo a Sé, mas que a Sé e aquele que a ocupa deve ser julgado segundo as Sagradas Escrituras, os decretos e as decisões dos Concílios, segundo a fé confessada, em outras palavras, segundo o ensinamento eterno da Igreja. Assim os nossos Padres julgaram e condenaram Honório, Papa de Roma, e Dioscoro, Papa de Alexandria, e Macedônio e Nestório, Patriarcas de Constantinopla, e Pedro Gnafeu, Patriarca de Antioquia, entre outros. Pois se a abominação da desolação esteve no Lugar Santo (Dn 9,27 e Mt 24,15), por que não a inovação e a heresia sobre um Trono Santo? Assim, é exibido resumidamente a fraqueza e a debilidade dos esforços em favor da supremacia do Papa de Roma. Pois, se a Igreja de Cristo não foi fundada sobre a rocha inabalável da Confissão de São Pedro, "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (que foi a resposta dos Apóstolos em comum, quando lhes foi feita a pergunta: E vós, quem dizeis que Eu sou? (Mat. xvi,15) como os Padres, tanto orientais como ocidentais, interpretam a passagem), a Igreja foi construída sobre um fundamento escorregadio, mesmo sobre o próprio Cefas, para não dizer sobre o Papa, que, depois de monopolizar as Chaves do Reino dos Céus, usam-nas como bem testemunha a história.  Mas os nossos divinos Padres, de comum acordo, ensinam que o sentido da ordem tripla, "Apascenta as minhas ovelhas", não implicou nenhuma prerrogativa de São Pedro sobre os outros Apóstolos, muito menos para os seus sucessores. Foi simplesmente sua reabilitação na dignidade apostólica perdida após a também tríplice negação. O próprio São Pedro parece ter compreendido assim o sentido da pergunta tripla de nosso Senhor: «Tu amas-me mais do que estes?» (Jo 21,15), pois recordava o que ele havia dito ao Senhor: «Ainda que todos fiquem perturbados por tua causa, eu nunca me perturbarei!» (Mt 26, 33), e afligiu-se ele porque Ele disse-lhe pela terceira vez: «Amas-me?». Mas, seus sucessores, perseguindo seus interesses próprios, interpretam estas palavras no sentido que lhes seja mais favorável.

XII. Sua Santidade o Papa diz (p. viii. 1.12.) que o nosso Senhor disse a Pedro (Lc xxii. 32): "Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos". Nosso Senhor assim orou porque Satanás tentara a fé de todos os discípulos, mas o Senhor permitiu somente em relação a Pedro, principalmente porque pronunciara palavras de orgulho, e justificou-se a si acima dos demais (Mat. xxvi. 33): "Ainda que todos se ofendam, por tua causa, nunca me ofenderei". A permissão a Satanás era apenas temporária. “Começou, então, a dizer imprecações e a jurar: ‘Não conheço esse homem!’” (Mt 26,74). Tão fraca é a natureza humana, deixada por si mesma. “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41b). Sua tentação, dizemos, foi momentânea, de modo que, caindo em si e tendo purificado-se com lágrimas de arrependimento pudesse melhor confirmar seus irmãos na confissão d'Aquele a quem eles não haviam perjurado ou negado. Oh! o sábio juízo do Senhor! Quão divina e misteriosa foi a última noite do nosso Salvador na Terra! Esta mesma ceia mística se cumpre, segundo cremos, cada dia conforme a palavra do Senhor: "Fazei isto em minha memória." (Lc 22, 19) e, em outro lugar, “Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1 Cor 11,26). O amor fraterno que nos foi confiado com tanta insistência pelo Mestre de todos: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35), foi este amor que os papas foram os primeiros a quebrar, apoiando e aceitando inovações heréticas, contrárias às coisas que nos foram transmitidas e canonicamente confirmadas por nossos mestres e pais comuns. Este amor opera com poder na alma do povo cristão, e particularmente em seus líderes. Ousamos afirmar diante de Deus e dos homens, que a oração do nosso Salvador (p. ix. l.43) a Deus e Seu Pai pelo amor comum e unidade dos cristãos na Única Santa Igreja Católica e Apostólica, na qual cremos, "para que sejam um, como Nós somos Um" (João xvii. 22), opera em nós não menos do que em Sua Santidade. O nosso amor fraterno e o nosso zelo encontram o de Sua Santidade, apenas com esta diferença, que em nós opera em favor da preservação do Credo puro, imaculado, divino, irrepreensível e perfeito da fé Cristã, em conformidade com a voz do Evangelho e os decretos dos sete santos Sínodos Ecumênicos e os ensinamentos da Igreja Católica sempre existente: mas opera em Sua Santidade para ampliar e reforçar o poder e a supremacia dos que estão sentados no Trono Apostólico, e a sua doutrina inovadora.  Tal é, em poucas palavras, a realidade das dissensões e discórdia entre nós, tal é o muro de separação que, segundo a promessa divina e com a ajuda da tão renomada sabedoria de Sua Santidade, esperamos ver cair sob o seu pontificado (São João x. 16): “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16) (escutarão a verdade: “Que procede do Pai”). Voltemos ao terceiro ponto: admitindo-se, segundo as palavras de Sua Santidade, que esta oração do nosso Senhor por Pedro, que iria negá-Lo e cometer perjúrio, esteja intimamente relacionada ao Trono de Pedro, e é transmitida com poder àqueles que periodicamente se sentam sobre ele, embora, como já foi dito, nada contribui para confirmar esta opinião (como podemos ser convencidos pela leitura das Escrituras, pelo próprio exemplo de São Pedro, e isto mesmo depois da descida do Espírito Santo), ainda acreditamos firmemente, pelas palavras do nosso Senhor, de que chegará o tempo em que esta oração divina feita em antecipação do perjúrio de Pedro, "que a tua fé não desfaleça", operará também sobre um dos sucessores do seu Trono que, como Pedro, chorará amargamente, e convertendo-se um dia, nos confirmará, seus irmãos, ainda mais na Confissão Ortodoxa, que recebemos de nossos pais;- e que Sua Santidade seja este verdadeiro sucessor do bem-aventurado Pedro! A esta nossa humilde oração, o que nos impede de acrescentar o nosso sincero e fervoroso conselho em nome da Santa Igreja Católica? Não ousamos dizer, como faz Sua Santidade (p. x. 1.22), que este retorno se dê "imediatamente";  mas, pelo contrário, que isso seja feito sem pressa, após madura reflexão e, se necessário, depois de consultas aos bispos e teólogos mais sábios e mais piedosos que ainda hoje, pelos desígnios de Deus, se encontram em todas as nações do Ocidente.

XIII. Sua Santidade escreve que o Bispo de Lião, Santo Ireneu, assim se expressa em louvor à Igreja de Roma: "É indispensável que toda a Igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares do mundo, concordem com ela por causa da preeminência desta Igreja que preservou, sobretudo o que é crido por todos os fiéis, a tradição dos Apóstolos". Embora este Santo Padre diga outra coisa, diferente do que pensam os bispos do Vaticano, mesmo que admitíssemos suas conclusões, caberia lhes perguntar: E quem nega que a antiga Igreja Romana era Apostólica e Ortodoxa? Nenhum de nós questionará que era mesmo um modelo de ortodoxia. E, para maior louvor dela, citaremos ainda as palavras do historiador Sozomeno (Hist. Eccl. lib. iii. cap. 12), sobre a maneira pela qual, em outra época, preservou a ortodoxia, e que Sua santidade ignora: "Porque, como em toda parte", diz Sozomeno, "a Igreja em todo o Ocidente, guiada puramente pelas doutrinas dos Padres, está livre de toda dissensão e vã discussão". Será que algum dos Padres, ou nós mesmos, negaríamos sua primazia na ordem hierárquica, conferida pelos cânones da igreja, contanto que ela fosse guiada puramente pelas doutrinas dos Padres, caminhando pela clara regra da Escritura e dos Santos Concílios? Mas, hoje vê-se que não foi preservado nela o dogma da Santíssima Trindade de acordo com o símbolo dos Santos Padres reunidos em Niceia, e em seguida, em Constantinopla, símbolo que foi confirmado pelos cinco Concílios subsequentes, anatematizando como hereges os que alterarem, ainda que um simples "i".  Também não foi preservado o rito apostólico do Santo Batismo, nem a invocação ao Espírito Santo sobre os santos dons (epíclesis). Vê-se que a Eucaristia é conferida sem que se comungue do santo cálice (quanta profanidade!), considerado supérfluo, e muitas outras coisas estranhas, não só aos nossos santos Padres, que em todo tempo foram a regra universal e infalível da ortodoxia, como bem sublinha Sua Santidade no que se refere a verdade (p. vi), mas também aos santos Padres do Ocidente. Vemos que a primazia pela qual Sua santidade defende com tanto vigor, como fizeram seus antecessores, de uma relação fraterna com prerrogativa hierárquica foi transformada em supremacia. Então, o que deve ser pensado de suas tradições orais, se as escritas foram submetidas a tal mudança e alteração para pior? Quem é tão ousado e confiante na dignidade do Trono Apostólico a ponto de ousar dizer que se o nosso Santo Padre Irineu voltasse à vida e visse a Igreja de Roma faltar tão explicitamente com a antiga doutrina apostólica em artigos tão essenciais e universais da fé cristã, não seria ele o primeiro a opor-se às inovações e as constituições arbitrárias dessa Igreja, tão justamente elogiada por ele como guiada puramente pelas doutrinas dos Padres? Se visse, por exemplo, que a Igreja Romana, por instigação dos escolásticos, não apenas retirou de sua liturgia o antigo e apostólico rito da epíclesis, mutilando assim, lamentavelmente, o serviço divino em sua parte mais essencial, mas também que, entre outras coisas, se esforça por todos os meios em extirpá-lo das liturgias das demais Igrejas Cristãs, alegando, de um modo tão indigno da Santa Sé da qual se gloria, que este uso teria sido “introduzido após a divisão entre o Oriente e o Ocidente" (p. xi. 1.11). O que não diriam os Santos Padres a respeito dessa inovação? Irineu nos assegura que “depois da invocação do Espírito Santo de Deus (epíclesis) sobre pão terrestre, este já não é mais pão comum” (lib. IV. C. 34), entendendo com o termo “epíclesis” precisamente esta invocação pela qual se opera o mistério da Liturgia. Que esta era a fé de Santo Ireneu, atesta-nos um monge da ordem dos Irmãos Menores, Francisco Feu-Ardentio, em sua edição comentada das obras de Santo Ireneu, publicada em 1639: “Panem et calycem commixtum per invocationis verba habeas et sanguinem Christi vere fiere” (“O pão eucarístico e o vinho misturado com água, pelas palavras da invocação convertem-se, verdadeiramente, no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo”) (lib. i. c. 18, p. 114). Ou,  o que não diria sobre a inovação do vicariato de Cristo e da supremacia dos papas, pois que, por uma questão menor e quase indiferente em relação à celebração da Páscoa (Euseb. Eccl. Hist. v. 26), de forma corajosa e vitoriosa, opôs-se firmemente e derrotou a violência do Papa Victor, na Igreja livre de Cristo? Então, aquele mesmo Padre que Sua Santidade evoca como testemunho da primazia da Igreja de Roma, confirma que sua dignidade não reside na soberania nem na sua supremacia, que nunca foi exclusividade de São Pedro, mas uma precedência fraterna no seio da Igreja Universal concedida aos papas em consideração a celebridade e antiguidade de sua cidade. Assim é como o 4º Concílio Ecumênico, preservando a autonomia das Igrejas regulada pelo 3º Concílio Ecumênico, baseando-se nos princípios do 2º Concílio Ecumênico (cânon 3) que, por sua vez, apoia-se no cânone 6 do 1º Concílio Ecumênico, atribui simplesmente ao “costume” o tribunal de recurso [jurisdição de apelos] dos papas sobre as Igrejas do Ocidente, declara que “Por essa Cidade ser a Capital do Império, os Padres, com razão, deram-lhe prerrogativas" (cânon 28), e nada é dito sobre o monopólio especial do Papa da apostolicidade de São Pedro, menos ainda sobre um vicariato dos bispos de Roma e um possível pastoreio universal. Esse profundo silêncio sobre tais importantes privilégios - uma interpretação da primazia dos Bispos de Roma fundada, não nas palavras: “apascenta minhas ovelhas”, ou mesmo “sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”, mas simplesmente em um antigo costume, por ser a Capital do Império, e uma primazia concedida, não pelo Senhor, mas pelos Padres -, parecerá estranho, certamente, a alguns, tanto mais a Sua Santidade, que explica desta forma as suas prerrogativas, e que considera decisivo o testemunho do 4º Concílio Ecumênico em favor de seu Trono; e São Gregório, o eloquente, chamado o Grande (lib. i. Ep. 25), costumava referir-se aos quatro Concílios Ecumênicos (não à Sé Romana) como os quatro Evangelhos e a pedra de quatro lados sobre a qual a Igreja Católica está edificada.

XIV. Sua Santidade diz (p. Ix. 1.12) que os coríntios, por ocasião de um desacordo surgido entre eles, recorreram ao papa Clemente, o qual, depois de ter examinado e julgado este assunto, enviou-lhes uma carta que foi lida em todas as igrejas. Mas este acontecimento é um apoio muito fraco para a autoridade papal na casa de Deus. Posto que Roma era então o centro da província imperial e a principal cidade, onde viviam os imperadores, era natural que todos os problemas, ainda que de menor importância como este desacordo entre os coríntios, fosse julgado nesta cidade, principalmente se uma das partes em conflito para lá correu em busca de ajuda externa: como é feito até hoje. Os Patriarcas de Alexandria, Antioquia e Jerusalém, quando surgem dificuldades inesperadas, escrevem ao Patriarca de Constantinopla, porque esta era a sede do Império e, também, por causa de suas prerrogativas concedidas pelos Concílios. E, se por essa ajuda fraterna é corrigido o que deve ser corrigido, é bom; do contrário, o assunto é relatado para a província, conforme o sistema estabelecido. Porém, este acordo fraterno em assuntos da fé cristã jamais pode ser exercido em detrimento da liberdade das Igrejas de Deus. O mesmo deve ser a nossa resposta a propósito dos exemplos (p. Ix. 1. 6,17) apresentados por Sua Santidade, e tomados da vida dos santos Atanasio, o Grande, e João Crisóstomo; são exemplos de uma ajuda fraterna normal, derivada dos privilégios dos bispos de Roma, Júlio e Inocêncio; no entanto, seus sucessores queriam hoje que aceitássemos docilmente a adulteração que fizeram do símbolo da fé; no entanto, o próprio Júlio manifestou sua indignação contra alguns por "confundir e perturbar a ordem nas Igrejas, ao não respeitar os dogmas de Nicéia" (Soz. Hist. Ec. lib. iii. c. 7), ameaçando-os (id.) de excomunhão "se não cessassem de introduzir suas inovações". No caso dos coríntios, é importante notar que, das três sés patriarcais que existiam então, Roma era a mais próxima e a mais importante para os coríntios e, por isso, era a sé sede que deviam, conforme os cânones, recorrer. Em tudo isso não vemos nada de extraordinário nem qualquer prova do poder despótico do Papa na livre Igreja de Deus.


XV. Contudo, finalmente, sua Santidade diz (p. Ix. L.12) que o quarto Concílio Ecumênico (que por erro, sem dúvida, transfere de Calcedônia a Cartago), quando leu a epístola do Papa Leão I, clamou: "Pedro falou por Leão". De fato, foi assim. Mas Sua Santidade não deveria esquecer-se de como, e depois de que exame, nossos Padres clamaram, como eles o fizeram, em louvor a Leão. Entretanto, como Sua Santidade, com breve consulta, parece ter omitido esse ponto muito necessário, e a prova manifesta que um Concílio Ecumênico é superior em dignidade não só ao Papa, mas também ao sínodo que o cerca, explicaremos ao público a questão como ela realmente aconteceu. Dos mais de seiscentos Padres reunidos no Concílio de Calcedônia, cerca de duzentos dos mais sábios foram nomeados pelo Concílio para examinar tanto a linguagem como o sentido da epístola de Leão. Não somente isso, mas para dar por escrito e com suas assinaturas o seu próprio julgamentos, se a epístola era ortodoxa ou não. Cerca de duzentos julgamentos e resoluções sobre a epístola, encontrados principalmente na Quarta Sessão do referido Santo Concílio, afirmam nos seguintes termos: "Máximo de Antioquia, na Síria, disse: 'A epístola do São Leão, Arcebispo de Roma Imperial, concorda com as decisões dos trezentos e dezoito Santos Padres em Nicéia, e os cento e cinquenta em Constantinopla, que é a nova Roma, e com a fé exposta em Éfeso pelo Santo Bispo Cirilo: e eu a subscrevi".


E novamente:

"Teodoreto, o Bispo mais religioso de Ciro: 'A epístola do Santíssimo Arcebispo, o senhor Leão, concorda com a fé estabelecida em Niceia pelos Santos e Bem-Aventurados Padres, e com o Símbolo da Fé exposto em Constantinopla pelos cento e cinquenta e com as epístolas do abençoado Cirilo. E aceitando-a, subscrevo a referida epístola."

E assim, todos em sucessão: "A epístola corresponde", "a epístola é consoante," "a epístola concorda em sentido", e assim por diante. Depois de tão grande e rigoroso exame ao compará-la com os antigos Santos Concílios, e uma plena convicção da exatidão do sentido, e não apenas porque era a carta do Papa, clamaram, de bom grado, a exclamação em que Sua Santidade agora vangloria-se: Mas se Sua Santidade nos tivesse enviado declarações concordantes e em uníssono com os sete Santos Concílios Ecumênicos, em vez de vangloriar-se da piedade de seus antecessores, louvados pelos nossos antecessores e Padres num Concílio Ecumênico, ele poderia ter glorificado justamente sua própria ortodoxia, declarando sua própria bondade, em vez da de seus Padres. Portanto, que Sua Santidade esteja certo de que se, mesmo agora, ele nos escrevesse tais coisas que duzentos Padres, depois de investigação e inquérito, encontrassem consonância e concordância com os referidos Concílios anteriores, então, podemos dizer que ele ouvirá de nós, pecadores, hoje, não só "Pedro falou por sua boca", ou qualquer coisa de semelhante honra, mas também isto: "Seja beijada a santa mão que enxugou as lágrimas da Igreja Católica".

XVI. Certamente, temos o direito de esperar do prudente juízo de Sua Santidade, uma obra digna do verdadeiro sucessor de São Pedro, de Leão I e também de Leão III, o qual, para a segurança da Fé Ortodoxa, gravou o Credo Divino inalterado sobre placas imperecíveis — uma obra que unirá as igrejas do Ocidente à Santa Igreja Católica, na qual a principal sé canônica de Sua Santidade, e as sés de todos os Bispos do Ocidente permanecem vazias e prontas para serem ocupadas. Pois a Igreja Católica, sempre esperando a conversão dos pastores caídos com seus rebanhos, não ordena (tais ações seriam sem sentido) novos Bispos nas sedes já ocupadas por outros, a fim de não degradar o sacerdócio. Mas esperamos a "palavra de consolo", e desejamos que ele, como escreveu São Basílio a Santo Ambrósio, Bispo de Milão (Epis. B6), "trilhará novamente nos antigos passos dos dos Padres". Com grande espanto, temos lido a referida carta Encíclica aos Orientais, na qual vemos com profunda tristeza de alma Sua Santidade, renomado pela sabedoria, seguir o caminho escolhido pelos seus predecessores após a separação e usar a linguagem da corrupção, ou seja, ordenar-nos a alterar o símbolo perfeito da nossa fé fixado pelos Concílios Ecumênicos, a alterar as santas liturgias cuja composição é celestial, os nomes dos seus autores e a venerável antiguidade consagrada pelo Sétimo Concílio Ecumênico (artigo 6) que poderiam, por si só, ter feito recuar a mão sacrílega e ímpia que ousou golpear o Senhor da Glória. Podemos ver em que labirinto inextricável de erros e em que abismo de especulações falsas o papismo lançou até os bispos mais sábios e piedosos da Igreja Romana, quando, para "para preservar o infalível, e portanto obrigatório, poder vicário e primazia absoluta sobre todos os sujeitos", é forçado a tocar e atacar tudo o que é divino e intangível, mostrando, é verdade, palavras de respeito à "mais venerável antiguidade" (p. 11, 1.16), mas na realidade alimentando uma paixão implacável por inovações acerca das coisas sagradas, como vemos nestas palavras: "É necessário rejeitar das liturgias tudo o que foi adotado após a separação", espalhando assim o veneno da inovação mesmo sobre a Santa Ceia. Destas palavras, pode-se deduzir que Sua Santidade pensa que aconteceu na Igreja Ortodoxa aquilo que sabe que aconteceu na Igreja Romana, ou seja, modificações em todos os sacramentos e alteração dos mesmos por especulações escolásticas pelas quais tenta provar as imperfeições das nossas santas Liturgias, dos nossos sacramentos, dos nossos dogmas; mas ao mesmo tempo, reverencia a nossa "venerável antiguidade", e tudo isso através de uma condescendência inteiramente Apostólica! - "sem," como ele diz, "nos perturbar por quaisquer condições duras"! É da mesma ignorância dos nossos costumes apostólicos e católicos que vem esta outra afirmação: "Não pudestes guardar entre vós a unidade de doutrina e de governo eclesiástico", atribuindo-nos paradoxalmente a própria desgraça de que ele sofre em casa; do mesmo modo que, anteriormente, o Papa Leão IX, numa carta a Miguel Cerulario, de abençoada memória, acusou os gregos, desprezando a sua dignidade e a história, de terem alterado o símbolo da Igreja Católica!

Mas estamos certos de que se Sua Santidade recordar da arqueologia e da história eclesiástica, da doutrina dos Santos Padres, das antigas liturgias da Gália e da Espanha, bem como do antigo breviário da Igreja de Roma, verá então com espanto quantos outros disparates ainda existentes que o papismo deu à luz no Ocidente. Enquanto em nós, a Ortodoxia preservou a Igreja Católica como uma noiva imaculada para o Seu Esposo, embora não possuamos nenhum poder secular para nos sustentar, nem, como diz Sua Santidade, qualquer "governo eclesiástico". Não temos outro vínculo senão o de amor e zelo por nossa mãe comum, na unidade da fé "selada pelos sete selos do Espírito" (Apocalipse 5, 1), isto é, os Sete Concílios Ecumênicos, e em obediência à verdade. Sua Santidade notará, também, o quão "necessário é rejeitar os dogmas e os sacramentos do papado atual", já que são "mandamentos humanos", para que a Igreja no Ocidente, que inovou em tudo, possa aproximar-se da fé católica ortodoxa imutável dos nossos Padres comuns, pela qual (segundo as suas próprias palavras) nos esforçamos "para preservar a doutrina dos nossos antepassados"; ele também faz bem em recomendar-nos "a seguir os antigos bispos e os fiéis das dioceses orientais". Como esses antigos bispos entenderam a autoridade magisterial dos arcebispos da Roma antiga (e, portanto, que idéia devemos ter deles) e como devemos nós, filhos da Igreja Ortodoxa, receber seus ensinamentos? Eles nos deram a resposta no Concílio (Artigo 15) e o divino Basílio nos explicou claramente (Artigo 7). Quanto à supremacia, uma vez que não estamos elaborando um tratado, que o mesmo grande Basílio exponha a questão em poucas palavras: "Prefiro dirigir-me àquele que é Cabeça sobre eles".

XVII. De tudo isso, qualquer um educado na sã doutrina Católica, ainda mais Sua Santidade, deve tirar a conclusão, o quão ímpio e antissinodal é tentar alterar nossas doutrinas e liturgias e outros ofícios divinos cujas origens remontam à própria pregação cristã: razão pela qual reverência lhes foi sempre concedida, e considerados como invioláveis até pelos próprios antigos Papas ortodoxos, que então possuíam tudo em comum conosco. Como seria salutar e digno, no entanto, reparar as inovações,  cujo tempo de surgimento nos é perfeitamente conhecido; pois nossos ilustres Padres têm testemunhado, ao longo do tempo, contra cada inovação. Mas há outras razões que deveriam inclinar Sua Santidade a esta mudança. Em primeiro lugar, porque essas coisas que são nossas, outrora foram veneráveis aos Ocidentais, como os mesmos ofícios divinos e confessar o mesmo Credo. Mas as inovações não eram conhecidas por nossos Padres, e nem poderiam ser mostradas nos escritos dos Padres Ocidentais ortodoxos, tampouco como tendo sua origem na antiguidade ou catolicidade. Além disso, nem os Patriarcas nem os Concílios foram capazes de introduzir qualquer inovações entre nós, porque o guardião da fé é o próprio corpo da Igreja, ou seja, o próprio povo, que deseja preservar sua fé imutável, em conformidade com a de seus pais, como muitos Papas e Patriarcas latinizantes puderam convencer-se que, desde o cisma, nunca conseguiram levar a cabo as suas tentativas. Enquanto na Igreja do Ocidente os Papas, em vários momentos, às vezes sem dificuldades, às vezes usando violência, canonizaram muitas inovações em nome da "economia", como costumavam dizer aos nossos Padres para se justificarem, quando na realidade estavam criando confusão no corpo de Cristo; do mesmo modo, e desta vez efetivamente em nome da "economia", o Papa poderia consertar, não apenas "as costuras", mas as vestes rasgada do Salvador e restaurar as veneráveis práticas religiosas antigas, as únicas "capazes de preservar a piedade", como diz Sua Santidade (p. 11, 1.16) e pelas quais ele afirma (ibid. 1.14) ter veneração da mesma forma que seus predecessores, recordando as palavras memoráveis de um deles (Celestino, escrevendo ao Terceiro Concílio, p. 11, 1.16): "Que a inovação cesse de atacar a antiguidade." Que a Igreja Católica possa beneficiar-se destas decisões infalíveis dos Papas. Deve-se confessar, por todos os meios, que em tal tentativa, ainda que Pio IX seja eminente em sabedoria e piedade e, como ele diz, em zelo pela unidade dos cristãos na Igreja Católica, ele encontrará, dentro e fora, com dificuldades e labutas. Mas sobre este ponto devemos chamar a atenção de Sua Santidade, se ele nos permite a ousadia, para esta passagem da sua epístola (p. viii. L.32), "que nas coisas que se relacionam com a confissão de nossa religião divina, nada se deve temer, quando olhamos para a glória de Cristo, e a recompensa que nos espera na vida eterna". É portanto o dever de Sua Santidade provar diante de Deus e dos homens que, tomando a iniciativa de um empreendimento agradável a Deus, é também um zeloso defensor das verdades perseguidas do Evangelho e dos Santos Concílios e que está disposto a fazer o sacrifício dos seus próprios interesses para manifestar-se, segundo as palavras do profeta Isaías: Soberano na paz e pontífice na justiça. Assim seja! Mas até que haja este desejado retorno das Igrejas separadas ao corpo da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, da qual Cristo é a Cabeça (Ef. iv. 15), e cada um de nós "membros em particular", toda tentativa ou exortação da parte delas, que tende a alterar a fé pura transmitida por nossos Padres, deve ser considerada por nós, não só como suspeita e perigosa, mas também como ímpia e fatal para a alma, e deve ser, com toda a justiça, condenada em Concílio. A Encíclica aos Orientais do Bispo de Roma, Pio IX, está ao alcance de tal condenação e nós proclamamo-la como tal na Igreja Ortodoxa.

XVIII. Portanto, amados irmãos e cooperadores da nossa humildade, por ocasião da publicação da referida encíclica e seguindo a nossa decisão patriarcal e conciliar, pensamos agora, mais do que nunca, que é nosso dever absoluto zelar para que ninguém fique fora do vínculo sagrado da Igreja Católica Ortodoxa, nossa santa Mãe, para nos encorajarmos mutuamente e exortar-vos a que, recordando uns aos outros as palavras e exortações de São Paulo aos nossos santos antepassados quando os convocou para Éfeso, lembremos uns aos outros:  Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; e que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si. Portanto, vigiai. (Atos 20:28-31) Tendo ouvido estas admoestações divinas, nossos pais derramaram abundantes lágrimas e, lançando-se sobre pescoço de Paulo, abraçaram-no. Assim também deveríamos fazer; escutemos o seu ensinamento e nos lancemos sobre o seu pescoço com os nossos pensamentos, e com lágrimas nos olhos, e o consolemos pela nossa firme promessa de que ninguém jamais nos separará do amor de Jesus Cristo;  ninguém jamais nos separará da doutrina do Evangelho; ninguém jamais nos separará da linha traçada por nossos pais, assim como ninguém jamais conseguiu seduzi-los, apesar de todos os esforços feitos, em várias ocasiões, por homens seduzidos pelo tentador: de modo que, tendo alcançado o objetivo da nossa fé, isto é, a saúde das nossas almas e do rebanho espiritual no qual o Espírito Santo nos estabeleceu como pastores, possamos ouvir o Senhor dizer-nos: Muito bem, servo bom e fiel.

XIX. Através de vós transmitimos esta exortação apostólica a toda a sociedade ortodoxa dos fiéis, onde quer que se encontrem no mundo: aos sacerdotes, hieromonges, hierodiáconos, monges, numa palavra, a todo o clero e povo fiel; aos governantes e aos governados, aos ricos e aos pobres, aos pais e aos filhos, aos instruídos e aos não instruídos, aos senhores e aos servos, para que, fortalecendo-nos uns aos outros, possamos resistir às maquinações do diabo. Pois é isso que o santo apóstolo Pedro nos ensina a todos: "Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; Ao qual resisti firmes na fé." (1 Pedro 5:8-9)

XX. Nossa fé, irmãos, não vem dos homens, mas da revelação de Jesus Cristo proclamada pelos divinos apóstolos, reafirmada pelos santos Concílios Ecumênicos e transmitida sucessivamente pelos grandes e sábios Padres de todo o mundo e selada pelo sangue dos santos mártires. Guardemos em toda a sua pureza a confissão que recebemos de tal grande número e rejeitemos toda inovação como sugestão diabólica, pois quem admite um novo ensinamento considera imperfeita a fé ortodoxa que lhe foi dada. Tendo já sido plenamente revelada e selada, esta fé não está mais sujeita a mudanças, acréscimos ou alterações, e qualquer um que ouse realizar, aconselhar ou meditar semelhante ato já negou a fé de Cristo e se colocou sob o eterno anátema como blasfemador contra o Espírito Santo, tendo assumido que Ele falou nas Escrituras e nos Concílios Ecumênicos de forma imperfeita. Este terrível anátema, irmãos e filhos amados em Cristo, não é um anátema que pronunciamos hoje, mas foi o Salvador quem o pronunciou pela primeira vez: "Se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro”, Mateus (12:32). E o divino Paulo disse: “Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas ainda que nós ou um anjo do céu pregue um evangelho diferente daquele que lhes pregamos, que seja anátema." (Gálatas 1:6-9)  Os Sete Concílios Ecumênicos, assim como o coro dos Padres Teóforos proclamaram o mesmo. Assim, todos os inovadores, sejam papas, patriarcas, clérigos ou fiéis, que inventam uma heresia ou um cisma, vestem-se voluntariamente, segundo o salmista, "uma maldição como uma roupa" (Salmo 108,18). Mesmo que ele seja um anjo do céu, que seja anátema se ele vos pregar um evangelho diferente daquele que recebestes. Assim pensavam os nossos pais, pensando nas palavras salutares de Paulo; por isso, permaneceram firmes e inabaláveis na fé que lhes foi transmitida por sucessão, preservando-a imutável e pura no meio de tantas heresias, e transmitindo-a intacta e inalterada como havia saído da boca dos primeiros servos do Verbo. Pensando da mesma forma que eles pensaram, nós a transmitiremos como a recebemos, sem alteração, para que as gerações futuras também possam falar sem vergonha ou reprovação da fé de seus antepassados.

XXI. "Agora que purificaram as vossas almas pela obediência à verdade..." (1 Pedro 1:22), "convém-nos atentar com mais diligência para as coisas que já temos ouvido, para que em tempo algum nos desviemos delas." (Hebreus 2:1) A fé que confessamos é irrepreensível. É ensinada nos Evangelhos pela própria boca do Senhor, testemunhada pelos santos apóstolos e pelos sete santos Concílios Ecumênicos, proclamada em todo o mundo, testemunhada até mesmo pelos seus inimigos que, antes de se separarem da Ortodoxia para se lançarem nas heresias, confessaram-na, diretamente ou pelos seus pais e antepassados. A história testemunha que esta mesma fé sempre derrotou as heresias que sempre a atacaram e, como pode-se constatar, continuam a atacar até aos dias de hoje. Nossos predecessores, os Santos e Divinos Pais que se sucederam dos apóstolos e aqueles que os apóstolos estabeleceram para suceder-lhes até hoje, formam uma cadeia ininterrupta e constituem um recinto sagrado, do qual Jesus Cristo é a porta, dentro do qual todo o rebanho ortodoxo é alimentado nos pastos férteis do Éden místico, e não, como diz Sua Santidade, "no deserto inóspito e acidentado". Nossa Igreja mantém o infalível e genuíno depósito das Sagradas Escrituras, do Antigo Testamento uma versão verdadeira e perfeita, do Novo o próprio original divino. Os ritos dos Mistérios sagrados, e especialmente os da Liturgia divina, são os mesmos ritos gloriosos e comoventes, transmitidos pelos Apóstolos. A nossa Igreja guarda intactos e inalterados os textos da Sagrada Escritura, do Antigo Testamento numa tradução precisa e fiel, e quanto ao Novo Testamento, temos o texto original; os ritos dos Santos Mistérios, e especialmente os da Liturgia divina, são os mesmos ritos gloriosos e comoventes, transmitidos pelos Apóstolos. Nenhum outro povo, nenhuma comunhão cristã, pode orgulhar-se de liturgias como as de Tiago, Basílio, Crisóstomo; os sete Concílios Ecumênicos, estas sete colunas da casa da Sabedoria, foram convocados nela e nossa Igreja guarda os originais de seus santos decretos. Seus pastores, o honorável clero e a ordem monástica preservam a primitiva e pura dignidade dos primeiros séculos do cristianismo, nas opiniões, no estilo de vida e até mesmo na simplicidade de suas vestes.  Sim! Verdadeiramente, os "lobos ferozes" têm atacado constantemente este santo rebanho, e estão atacando-o agora, como vemos por nós mesmos, segundo a previsão do Apóstolo, que mostra que os verdadeiros cordeiros do grande Pastor estão reunidos nele; Mas essa Igreja sempre cantou e continuará a cantar este hino: "Cercaram-me por todos os lados, mas em nome do Senhor eu as derrotei" (Salmos 117:11)  Lembremo-nos ainda de uma circunstância que, embora dolorosa, nos permitirá esclarecer e confirmar a verdade de nossas palavras. Todos os povos cristãos que hoje confessam uma fé no nome de Cristo, incluindo o Ocidente e Roma, como vemos na lista dos primeiros Papas, foram todos instruídos na verdadeira fé de Cristo pelos nossos santos pais e predecessores. Mas então, infelizmente, surgiram homens pérfidos entre os quais numerosos sacerdotes e bispos ousaram, por lamentáveis razões e opiniões heréticas, pisotear a Ortodoxia destes povos, tal como o apóstolo Paulo tinha predito e como a verdadeira história nos ensina.

XXII. Estejamos, pois, conscientes, irmãos e filhos espirituais, de quão grande é a graça concedida por Deus à nossa fé, assim como à sua Igreja una, santa, católica e apostólica que, de maneira fiel ao seu Esposo, nos educa a estar "sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês." (1 Pedro 3,15). Mas o que devemos nós, pecadores, dar ao Senhor por tudo o que Ele nos tem dado? Inesgotável em benefícios, nosso Senhor e Deus, que nos redimiu pelo seu próprio Sangue, nada exige de nós a não uma devoção de todo nosso coração e espírito à fé irrepreensível e santa dos nossos pais, um sacrifício e um amor pela Igreja Ortodoxa que nos regenerou, não por uma aspersão inventada recentemente, mas pela imersão divina do batismo apostólico, que nos nutre, segundo o eterno testamento de nosso Senhor, com o Seu precioso Corpo e que sacia abundantemente a nossa sede, como uma verdadeira mãe, com o Seu precioso Sangue derramado para a nossa salvação e a de todo o universo. Abracemo-la, pois, com o nosso espírito (como os pequenos pássaros fazem à sua mãe), onde quer que nos encontremos, no Norte, no Sul, no Oriente ou no Ocidente; fixemos o nosso olhar e os nossos pensamentos no seu rosto divino e resplandecente e na sua bondade; agarremo-nos com ambas as mãos às vestes luminosas que o seu Esposo, resplandecente de bondade, a revestiu com as suas mãos puríssimas quando a libertou da escravidão do pecado e a fez sua Esposa para a eternidade. Sintamos em nossas almas o sentimento doloroso do amor mútuo de uma mãe por seus filhos, quando se vê que raptores insolentes e mal-intencionados zelosamente planejam como podem levá-la cativa, ou arrancar os cordeiros de suas mães. Sejamos fortalecidos neste sentimento, clero e leigos, especialmente quando o inimigo espiritual da nossa salvação, apresentando facilidades enganosas (p. 11, 1. 2-25), usa todos os meios em seu poder e vagueia em busca de uma presa para devorar, segundo as palavras de São Pedro, e especialmente agora que ele está no caminho onde caminhamos pacificamente e inocentemente, e tenta estender suas pérfidas armadilhas.

XXIII. Que o "Deus de paz, que ressuscitou dentre os mortos o grande Pastor das ovelhas" (Hebreus 13:20), que não dorme e não dormirá na guarda de Israel, guarde os vossos corações e os vossos pensamentos e oriente os vossos passos para toda boa ação. Permaneçam saudáveis e regozijem-se no Senhor!

No sexto dia de Maio do ano de 1848

Acrescentaram sua assinatura:

ANTIMO, pela graça de Deus, arcebispo de Constantinopla, nova Roma, e patriarca ecumênico, teu amado irmão em Cristo.

HIEROTEO, pela graça de Deus, patriarca de Alexandria e de todo o Egito, teu amado irmão em Cristo, que reza a Deus por ti.

METÓDIO, pela graça de Deus, patriarca da teopolis de Antioquia e de todo o Oriente, teu amado irmão em Cristo, que reza a Deus por ti.

CIRILO, pela graça de Deus, patriarca de Jerusalém e de toda a Palestina, teu amado irmão em Cristo, que reza a Deus por ti.:

O Santo Sínodo em Constantinopla:

Paísio de Cesaréia, Anthimus de Éfeso, Dionísio de Heraclea, Joachim de Cyzicus, Dionísio de Nicodemia, Hierotheus de Calcedônia, Neófitos de Derci, Gerásimo de Adrianópolis, Cirilo de Neocaesarea, Theocletus de Berea, Melécio da Pisídia, Atanásio de Smyrna, Dionysius de Melenicus, Paisius de Sophia, Daniel de Lemnos, Panteleimon de Deyinopolis, Joseph de Ersecium, Anthimus de Bodeni

O Santo Sínodo em Antioquia

Zacharias de Arcádia, Methodios de Emesa, Joannicius de Trípoli, Artemius de Laodicea

O Santo Sínodo em Jerusalém

Meletius de Petra, Dionysius de Bethlehem, Philemon de Gaza, Samuel de Neapolis, Tadeu de Sebaste, Joannicius de Philadelphia, Hierotheus de Tabor

* * * 

Nota do tradutor: A presente tradução é uma versão revisada e aprimorada da antiga tradução feita pelo Matheus Begas (disponível no site ecclesia) tomando como base as versões em inglês e espanhol da encíclica.

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