A posição dele é compreensível por causa de sua doutrina personalista que dá primazia ao relacional, e assim identifica a Liturgia com a synaxis (a assembléia dos fiéis) mais do que com o próprio sacrifício eucarístico. Na verdade, a Liturgia continua a ser celebrada em todas as Igrejas (nos mosteiros, mas também em grupos muito pequenos em muitas igrejas). E isso é o que é importante. O valor da Liturgia não depende do número de participantes presentes, nem o valor e o alcance do Santo Sacrifício depende do número de Liturgias celebradas. Quando centenas de milhares de igrejas celebram a Liturgia simultaneamente, elas atualizam (este é o significado da palavra anamnesis, que designa o coração da Liturgia) o único Sacrifício de Cristo. Se houvesse apenas uma Liturgia sendo celebrada, por apenas uma das Igrejas locais, este Sacrifício seria celebrado igualmente, com o mesmo alcance, pois se estende a todo o universo. Quanto aos fiéis, deve-se recordar que a Liturgia de São Basílio, que celebramos nos domingos da Grande Quaresma, contempla explicitamente a possível ausência deles, com uma das orações pedindo a Deus que lembre "aqueles que estão ausentes por causa justa", associando-os assim, de certo modo, aos fiéis presentes e à graça que lhes é dispensada.
Como viver em confinamento? Isso aparentemente representa problemas para nossos contemporâneos...
Temos a sorte de a quarentena imposta pelo Estado coincidir em parte com a "quarentena santa" da Grande Quaresma. É tradição para nós Ortodoxos, durante esse período, limitar nossos passeios, atividades de lazer e consumo; é também tradição aproveitar esse período de calma e maior solidão, retornar a nós mesmos, aumentar nossas leituras espirituais e orar mais. Para tudo isso, temos a experiência dos últimos anos; será necessário apenas prolongar o esforço por algumas semanas.
Em geral, o confinamento é uma boa oportunidade para vivenciarmos a hesíquia (hesychia) tão querida à espiritualidade Ortodoxa, um estado de solitude e especialmente de calma exterior e interior; para descansarmos do movimento incessante, do barulho e do estresse ligado às nossas condições habituais de vida; e para re-habitarmos nossa morada interior - o que os Padres hesicastas chamam de "o lugar do coração".
O confinamento também permite que casais e filhos fiquem juntos mais vezes do que o normal, e isso é benéfico para todos. Claro que isto nem sempre é evidente, já que alguns não estão acostumados a viver juntos por muito tempo, mas pode ser uma oportunidade de fortalecer positivamente os laços relacionais.
Este retorno a si mesmo e à vida conjugal e familiar não deve, no entanto, ser um esquecimento dos outros. A esmola, que faz parte da prática habitual da Quaresma, pode tomar a forma de uma assistência mais constante e regular às pessoas que conhecemos que sofrem de doença, solidão ou preocupação excessiva. Para esta atividade, os modernos meios de comunicação são bons...
Observo que muitos de nossos concidadãos tiveram que organizar atividades esportivas em suas casas e apartamentos. Durante a Quaresma, estamos acostumados a fazer grandes prostrações. Podemos multiplicá-las (os monges têm uma regra de fazer pelo menos 300 por dia, alguns deles fazem até 3000!). O Patriarca Paulo da Sérvia, que as fazia todos os dias até os 91 anos de idade (só uma lesão no joelho poderia detê-lo!), disse, com a força de seus estudos médicos e de sua boa saúde, que elas eram a melhor ginástica que as pessoas podem fazer para se manterem em forma...
Passemos agora, se você não se importa, a mais algumas questões teológicas. Em primeiro lugar, a quem ou a que podemos atribuir a epidemia atual e as doenças em geral?
Uma epidemia é uma doença contagiosa que se propaga. Tudo o que se pode dizer sobre doenças também pode ser dito sobre ela, exceto que seu caráter imenso que é imposto a uma região, a um país ou ao mundo inteiro (como é o caso atualmente), levanta questões adicionais. Não é surpreendente, no discurso religioso, ver o tema do Apocalipse, o fim do mundo, ou a idéia do castigo divino pelos pecados dos homens, com alusões ao dilúvio (Gn 6-7), o destino de Sodoma e Gomorra (Gn 19), a peste que dizimou o acampamento de Davi após o censo (2 Sam 24:15-) ou as sete pragas do Egito (Ex 7-11). Alguns esclarecimentos, portanto, são necessários.
Segundo a concepção Ortodoxa elaborada pelos Padres a partir da Bíblia, o pecado ancestral (que na tradição ocidental é chamado de pecado original) teve, no plano físico, três efeitos: passividade (da qual o sofrimento é uma forma predominante), corrupção (da qual a doença é a forma principal), e morte, que resulta desta última. O pecado de Adão e Eva consistiu em separar-se de Deus, o que resultou na perda da graça que lhes assegurava a impassibilidade, a incorruptibilidade e a imortalidade. Adão e Eva, sendo os protótipos da humanidade, consequentemente transmitiram aos seus descendentes a sua natureza humana que tinha sido alterada pelos efeitos deletérios do pecado deles. A desordem que afetou a natureza humana também afetou toda a natureza, pois o homem, separado de Deus, perdeu seu status de rei da criação e privou as demais criaturas da graça que ele lhes transmitia como mediador. Embora a criação fosse originalmente inteiramente boa, como Deus a criou (como nos é dito em Gênesis capítulo 1), o mal entrou nela como entrou no homem: um mal que não é apenas moral, mas também físico, e que resulta na desordem que afeta a ordem original da criação, assim como em processos que destroem o que Deus estabeleceu. A Providência de Deus, como observa Vladimir Lossky, tem impedido que a criação seja completamente destruída, mas a natureza tornou-se um campo de batalha no qual o bem e o mal se chocam constantemente. Os organismos vivos estão constantemente lutando para eliminar micróbios, bactérias, vírus ou alterações genéticas (devido ao envelhecimento ou fatores ambientais) que buscam destruí-los, até que, enfraquecidos pela velhice (que diminui suas defesas imunológicas), são finalmente derrotados e morrem. As bactérias ou vírus podem durante milênios afetar apenas espécies animais, ou serem hospedados por elas sem afetá-las, e de repente serem transmitidos aos seres humanos. É o que tem acontecido com as diferentes espécies de vírus que têm causado epidemias nas últimas décadas.
Você está apontando a culpa dos primeiros pais neste processo. Os pecados de seus descendentes, os nossos próprios pecados, desempenham um papel nesse processo? As orações encontradas na Grande Euchologion (o livro oficial de orações da Igreja) para tempos de epidemia, mas também os discursos de alguns bispos, sacerdotes ou monges, culpam ali os pecados de todos, vendo no que está acontecendo uma espécie de punição por causa dos pecados, e pedem arrependimento.
Segundo a concepção Ortodoxa (que difere neste ponto da concepção Católica do pecado original), a falta do próprio Adão e Eva é pessoal e não é transmitida aos seus descendentes; apenas os seus efeitos são transmitidos. Entretanto, seus descendentes, desde o início até os dias de hoje, como diz São Paulo no capítulo 5 da Epístola aos Romanos, pecaram de maneira semelhante à de Adão; imitaram-no e confirmaram o pecado dele e seus efeitos através de seus próprios pecados. Há, portanto, uma responsabilidade coletiva pelos males que afetam o mundo caído, o que justifica que se possa culpar o pecado e chamar ao arrependimento. Entretanto, isto se aplica a um nível geral, de modo a explicar a origem e o sustento de doenças e outros males, e não a um nível pessoal, para explicar se isso acontece com uma determinada pessoa ou grupo de pessoas. Embora algumas doenças possam ser atribuídas a faltas ou paixões pessoais (por exemplo, doenças relacionadas à alimentação ou bebida excessiva, ou doenças sexualmente transmissíveis), outras ocorrem independentemente da qualidade espiritual das pessoas que elas afetam. As crianças doentes não são culpadas de nenhuma falta; os santos não escapam das doenças e muitas vezes têm mais doenças do que outros que são moralmente desordenados. As epidemias às vezes atingem mosteiros inteiros; por exemplo, uma epidemia de peste atingiu os mosteiros da Tebaida depois da Páscoa em 346, matando um terço dos Padres do Deserto que lá viviam, incluindo São Pacômio, o pai do monaquismo cenobita; o sucessor que ele havia nomeado; e quase uma centena de monges em cada um dos grandes mosteiros da região. Durante as grandes epidemias de peste do passado, os observadores cristãos foram forçados a observar que a doença atingiu as pessoas de forma aleatória em termos de sua qualidade moral ou espiritual. A questão da relação da doença com o pecado da pessoa ou com o pecado de seus pais foi feita a Cristo, que respondeu a seus discípulos sobre o homem nascido cego: "Nem ele nem seus pais pecaram." A doença, portanto, tem uma relação original, principal e coletiva com o pecado, mas somente em uma minoria de casos ela tem uma relação atual e pessoal. Penso, portanto, que a questão do pecado e do arrependimento em orações ou sermões pode ser abordada, mas deve ser abordada de forma discreta. As pessoas que sofrem de doença não precisam de acusações de culpa somadas ao seu sofrimento, mas precisam de apoio, consolo, cuidado compassivo, e também de ajuda para assumir a responsabilidade espiritual pela sua doença e sofrimento, de modo que possam espiritualmente tirar proveito dela. Se o arrependimento tem um significado, este é como um momento de viragem, uma mudança de estado de espírito (que é o significado da palavra grega metanoia). A doença dá origem a uma série de perguntas das quais ninguém pode escapar: Por quê? Por que eu? Por que agora? Por quanto tempo? O que será de mim? Toda doença constitui um questionamento que é muito mais vivo e profundo porque não é abstrato ou gratuito, mas sim parte de uma experiência ontológica. Esse questionamento é, muitas vezes, uma espécie de crucificação. Pois a doença sempre põe em questão mais ou menos os fundamentos, a estrutura e as formas de nossa existência, os equilíbrios adquiridos, a livre disposição das nossas faculdades físicas e mentais, nossos valores de referência, nossas relações com os outros e nossa própria vida, porque a morte aparece sempre mais evidente do que de costume (é o caso, em particular, desta epidemia, que tem provocado a morte imprevisível e rápida de pessoas, especialmente dos idosos, mas também dos mais jovens, sem que haja patologias graves subjacentes em todos os casos). A doença é uma oportunidade para que cada pessoa experimente sua fragilidade ontológica, sua dependência, e recorra a Deus como Aquele que pode ajudar a superá-la: se não fisicamente (pois, de fato, ocorrem, em resposta à oração, curas milagrosas), então, pelo menos espiritualmente, e lhe dê um sentido pelo qual ela se edifica, e sem o qual ela só se permite ser destruída.
Não é incomum, porém, encontrar nas orações do próprio Grande Euchologion ou em outras (por exemplo, cânones e acatistes), bem como nos discursos do clero que se multiplicaram recentemente na Internet, a idéia de que essa epidemia foi enviada por Deus (ou por seus arcanjos ou anjos) para despertar os homens, para conduzi-los ao arrependimento e à conversão, em um mundo que se tornou completamente materialista e totalmente esquecido de Deus.
Como acabo de dizer, concordo que esta provação (como qualquer provação na vida) é uma oportunidade de questionamento, consciência e retorno a Deus e a uma vida mais espiritual.
Já falei sobre isso no que diz respeito aos indivíduos. Mas é óbvio - e há muitos artigos na imprensa observando isto - que esta epidemia também põe em questão os fundamentos, a organização e o modo de vida materialista e consumista de nossas sociedades modernas; os falsos sentimentos de segurança que derivaram do progresso da ciência e da tecnologia; mostra também as ilusões do transhumanismo, porque, como dizem os especialistas, novos vírus continuarão a aparecer e as epidemias não só persistirão, como se multiplicarão no futuro, deixando frequentemente o homem impotente (basta pensar: ainda não foi encontrada vacina ou cura para o resfriado comum, que afeta grande parte da população a cada ano, e que é causado por um vírus da família dos coronavírus).
Mas, com todo respeito por essas orações e por esses clérigos aos quais você faz alusão, fico chocado com a forma como eles concebem Deus e Sua ação para com a humanidade. Esta é uma visão que era comum no Antigo Testamento, mas que o Novo Testamento mudou. No Velho Testamento, havia a idéia de que os justos eram prósperos porque eram recompensados por Deus, enquanto os pecadores eram punidos com justiça por todo tipo de males. O Novo Testamento pôs um fim a essa "lógica", e essa visão é prefigurada por Jó. Os discursos do clero a que você se refere assemelham-se aos dos amigos de Jó, que correspondem a esse silogismo: "Tu tens todo tipo de males, portanto Deus te castigou, e se Ele te castigou, é porque és um pecador". Jó se recusa a aceitar a idéia de que Deus pode tê-lo castigado. O Novo Testamento nos revela um Deus de amor, um Deus compassivo e misericordioso, cujo propósito é salvar a humanidade através do amor, não através do castigo. A idéia de que Deus teria espalhado esse vírus no mundo ou que o teria espalhado por seus anjos ou arcanjos (como lemos em alguns textos) me parece quase blasfema, mesmo com referência a uma pedagogia divina que usaria o mal para o bem, e assim, estranhamente, tiraria o bem do mal. Deus é para nós um Pai, nós somos seus filhos. Que pai entre nós teria a idéia de inocular seus filhos com um vírus com um propósito supostamente pedagógico? Que pai não sofre, ao contrário, ao ver seus filhos adoecerem, sofrerem e correrem o risco de morrer?
Alguns teólogos atribuem a Deus as causas da doença, do sofrimento e da morte, porque temem que, de maneira semelhante aos maniqueus, se não as atribuímos a Deus, poderemos considerar que há ao lado de Deus (o princípio do bem) um princípio do mal que compete com ele e, portanto, limita a onipotência que é um de seus atributos essenciais. Mas se tudo vem de Deus, devemos admitir também que ele é causa não só de epidemias, mas também de guerras, genocídios, campos de concentração, e que ele colocou Hitler, Stalin ou Pol-Pot no poder para torná-los instrumentos de sua suposta justiça e para educar as pessoas...
Na realidade, segundo os Padres, o mal tem apenas uma fonte: o pecado, ele próprio causado pelo mau uso do livre arbítrio do homem. Eles são também um efeito da ação do diabo e dos demônios (anjos caídos por terem também feito mau uso de seu livre arbítrio), cujo poder, após o pecado do primeiro homem, pôde se estabelecer no mundo: tendo o homem deixado de ser "o rei da criação", Satanás pôde se tornar "o príncipe deste mundo".