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quinta-feira, 17 de junho de 2021

A Imaculada Conceição a partir de uma perspectiva Ortodoxa (Pe. John [Patrick] Ramsey)



Há muitas obras sobre este tema e muitas coleções de ditos patrísticos em torno do tema. Este artigo não será uma tentativa de considerar todos estes escritos em si, mas sim de apresentar uma posição teológica sobre o tópico que assume um testemunho geral de que a Mãe de Deus foi purificada no momento da Encarnação e que o processo de purificação começou desde o nascimento e até mesmo desde a concepção.

A doutrina da Imaculada Conceição, como definida pelo Papado da Velha Roma, é:

Latim:

Declaramus, pronuntiamus et definimus doctrinam quae tenet beatissimam Virginem Mariam in primo instanti suae conceptionis fuisse singulari Omnipotentis Dei gratia et privilegio, intuitu meritorum Christi Jesu Salvatoris humani generis, ab omni originalis culpae labe praeservatam immunem, esse a Deo revelatam, atque idcirco ab omnibus fidelibus firmiter constanterque credendam.

Tradução:

Declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que afirma que a mais bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua concepção, foi, por uma graça e privilégio singular de Deus Todo-Poderoso, em vista dos méritos de Cristo Jesus, Salvador da raça humana, preservada imune de toda mancha de culpa original (pecado), [essa doutrina] foi revelada por Deus, e assim, por essa razão, deve-se crer firme e constantemente por todos os fiéis.

Mais uma vez, há muito escrito sobre esta definição do ponto de vista Católico Romano e muito também de outros pontos de vista. Este artigo focará esta definição de um ponto de vista Ortodoxo e talvez estabeleça algumas questões ao invés de pronunciar julgamentos definitivos sobre ela.

Os pontos particulares da formulação que são pertinentes a uma crítica Ortodoxa são: "no primeiro instante", e: "de toda mancha de culpa original (pecado)". Há outras frases que estão em questão, embora não tão pertinentes à possibilidade de a doutrina ser algo a que os Ortodoxos possam concordar, dada sua formulação. Há toda variedade de outras questões sobre todo o processo de definição de tal doutrina e de sua fonte que podem, de certa forma, invalidar a doutrina para os Ortodoxos por motivos processuais, deixando de lado a questão da doutrina em si mesma. Estas questões não serão abordadas profundamente aqui, exceto por uma breve menção. O foco será o significado teológico ou antropológico das frases mencionadas.

A primeira frase que será abordada aqui é: "de toda mancha de culpa original (pecado)". A primeira pergunta aqui é o que se entende por "toda mancha". Em particular, é se isto inclui a morte como uma mancha do pecado original. A posição recebida pelos Ortodoxos é que a Mãe de Deus morreu. Esta morte foi uma morte natural, o que significa que a razão de sua morte foi a herança da morte proveniente de Adão e esta herança é unicamente atribuível ao pecado original de Adão, através do qual a morte entrou na humanidade. Por este motivo, a Mãe de Deus deve ter herdado o pecado ancestral (original) de Adão. Assim, se "toda mancha" inclui a morte, a doutrina da Imaculada Conceição é inconsistente com a Tradição Ortodoxa sobre o tópico. Considerando a variação geral do pensamento Católico Romano sobre o assunto, parece que a morte não é definitivamente considerada como uma "mancha" do pecado original.  A doutrina, porém, não declara explicitamente que o pecado original em si não é herdado, mas "toda mancha de". No entanto, pode significar que o pecado original não é herdado de forma alguma. Este entendimento da doutrina é inaceitável para os Ortodoxos, mesmo que de outra forma possa estar afirmando algo que pode ser aceitável, porque a Mãe de Deus herdou claramente a morte de Adão. Isto levanta outro ponto de questão é o que exatamente é herdado. Para muitos teólogos Ortodoxos, o que é herdado é simplesmente a morte como consequência do pecado de Adão e pela herança da morte o homem encontra-se como pecador porque ao estar sujeito à morte em si separa-se da Vida, na qual não pode haver contradição, e essa separação nega a participação no poder da Vida a fim de evitar o pecado. Teria então que se ler "preservada imaculada de toda mancha do pecado original" como afirmando a herança da morte, mas que a Mãe de Deus é preservada da consequência de se tornar uma pecadora que é preservada de pecar de fato. Este pensamento levanta outra questão sobre qual "mancha" pode ser dita como derivada do pecado original, além da morte. É difícil ver que "mancha" pode ser. Outra questão é o que se entende por "culpa original (pecado)". O latim parece aqui se concentrar na culpabilidade do pecado original do que no pecado em si. Para a pergunta anterior, assumi que significasse o mesmo que "pecado original", mas isto provavelmente não é estritamente correto e algo mais específico pode ser pretendido pela formulação. Herdar a morte não requer nenhum sentimento de culpa associado com esta herança, portanto a ideia de "culpa ou culpabilidade original" é estranha aos Ortodoxos e não algo que seria aceito na definição de uma doutrina. Se "culpa original" é uma referência à culpa de Adão que não é transmitida, então o que é herdado só pode ser dito ser a morte, deixando a mesma questão de antes, que a Mãe de Deus morreu por causa da morte herdada de Adão. Esta frase levanta demasiadas questões para os Ortodoxos para que seja aceitável como uma definição de doutrina. Ela reflete algum tipo de compreensão do pecado original que é estranho ou mesmo desconhecido para a compreensão Ortodoxa do Evangelho e da Tradição Apostólica.

Isto nos leva à frase: "no primeiro instante". Esta afirmação se refere a algo que está sendo feito e completado em um instante, especialmente com a preposição "em" junto com "o primeira instante". O latim "in" é melhor traduzido como "naquele momento" e, por isso, não em nenhum outro momento, portanto, não é o início de um processo, mas um evento concluído (embora com conseqüência permanente). Isso levanta a questão sobre o que pode ser tão concluído? Do ponto de vista Ortodoxo, é a herança da morte que impulsiona o pecado e não uma herança de pecado que impulsiona a morte. É praticamente uma ideia sem sentido falar da herança de pecado porque o pecado pertence à operação e não à essência do homem; somos julgados pelas ações, operações, feitas no corpo e não simplesmente por sermos humanos. (Podemos ser julgados no sentido de que nossas obras em si mesmas, devido aos limites de nossa natureza, são incapazes da perfeição das obras de Deus e, portanto, ficam aquém da retidão e, assim, são contadas como pecado, mesmo que não tenhamos feito intencionalmente atos pecaminosos. No entanto, o julgamento do pecado é relativo aos atos ou à falta deles e não à nossa natureza ou essência em si). Portanto, dado que o pecado é uma questão de ações ou limites das mesmas, a única coisa da qual a Mãe de Deus pode ser preservada no instante de sua concepção é a herança da morte, que nós declaramos ser algo que ela herda. Pode-se afirmar que as operações da Mãe de Deus são auxiliadas pela graça de Deus de tal forma a evitar pecados de intenção ou de omissão ou falta, mas isto só se aplicaria uma vez que ela começasse a agir, o que não seria no primeiro instante de sua concepção, mas desde o primeiro instante de sua concepção. Assim, pode-se dizer que um processo pode ser iniciado desde o primeiro instante de sua concepção para manter suas operações como livres do pecado, mas que tal processo não pode ser dito como algo feito e concluído no primeiro instante de sua concepção. Assim, a frase "no primeiro instante" da doutrina é inconsistente com o pensamento Ortodoxo e não é algo que possa ser aceito como foi declarado.

Assim, para resumir esta breve consideração de uma perspectiva Ortodoxa, a doutrina da Imaculada Conceição, como é definida, é inaceitável para os Ortodoxos como sendo enquadrada em uma estrutura estranha da Queda e da condição humana. Ela falha não pelo desejo de honrar a Mãe de Deus e reconhecer sua pureza, mas mais pelo fato de ser realmente enquadrada de uma maneira que não faz sentido para os Ortodoxos e simplesmente não é algo que possa ser aceito como doutrina como declaração de definição.

A ideia que muitos estão tentando defender sobre a Mãe de Deus, que esta doutrina pode estar tentando captar, é que a Mãe de Deus era totalmente pura e sem pecado na Encarnação de Cristo. Embora haja alguma variação de opinião, os Ortodoxos também afirmam que um processo de purificação e também o estado de pureza começou desde a concepção da Mãe de Deus. Para os Ortodoxos, porém, a Mãe de Deus herdou de Adão a condição humana comum de morte, como testemunhado por sua morte natural e nesse estado ela era "uma pecadora" em potencial e precisava ser salva por Cristo assumindo a morte e derrotando a morte, como qualquer outro ser humano. A Mãe de Deus é conhecida por sofrer outros limites da condição humana, tais como os limites do conhecimento. Os Ortodoxos podem, de certa forma, ter opiniões aparentemente diferentes sobre se a Mãe de Deus era pecadora e estas podem ser consistentes dependendo do contexto e da perspectiva tomada. Os Ortodoxos podem, e muitos Padres o fizeram, afirmar que a Mãe de Deus foi mantida livre do pecado desde a concepção, de uma maneira muito semelhante ao que muitos veem a doutrina da Imaculada Conceição como afirmando. Assim, pode-se ver alguns Ortodoxos concordando com a doutrina a esse nível. Entretanto, devido à doutrina ser expressa de uma maneira estranha aos Ortodoxos e com significado confuso, também é algo que pode ser condenado e rejeitado como uma doutrina. É preciso ter cuidado para não julgar uma opinião Ortodoxa que rejeita a doutrina como significando que se afirma que a Mãe de Deus pecou em ato ou deve pecar em ato, nem que um Ortodoxo que aceita a Imaculada Conceição está negando assim que a Mãe de Deus morreu ou negando que herdamos a morte de Adão e assim somos feitos pecadores. Muitos que falam em nome da opinião Ortodoxa também podem estar fazendo isso de forma limitada e imperfeita, e por isso não se deve julgar todos os Ortodoxos como tendo exatamente essa opinião.

Para os Ortodoxos, o que importa em relação à Mãe de Deus é como uma questão de fé afirmar que ela é verdadeira e corretamente chamada: "Mãe de Deus", e que ela foi realmente uma virgem na concepção de Cristo. Junto com isto, como uma questão de manter uma só mente com os Padres que: a Mãe de Deus é sempre virgem; ela é devidamente honrada como "toda santa" e é "maior que os Querubins"; ela morreu; e seu corpo não viu corrupção porque ela era a Mãe da Vida. Estas não estão abertas a opiniões contrárias, mesmo que não expressas formalmente como doutrinas nos Concílios Ecumênicos. A Mãe de Deus também deve ser considerada como a Mãe de todos os fiéis, a nova Eva. Todas as coisas ditas sobre ela nos serviços comuns das igrejas devem ser afirmadas como verdadeiras e adequadas. Sobre outros tópicos, uma variedade de opiniões não é proibida nem uma opinião específica exigida para ser Ortodoxo. A questão do que aconteceu precisamente na sua concepção não é algo considerado como tendo sido transmitido pelos Apóstolos e, portanto, não faz parte da Tradição em si.

Texto original: https://reasonandtheology.com/2021/06/10/the-immaculate-conception-from-an-eastern-orthodox-perspective-rev-dr-john-patrick-ramsey

quarta-feira, 6 de maio de 2020

A primazia do Bispo de Roma e a eclesiologia Ortodoxa

São Pedro e São Paulo

A lógica por trás do modelo papal parece estar baseada na compreensão da Igreja como uma unidade autocontida na terra, exigindo uma cabeça visível com plena jurisdição, segundo a qual a Igreja é una e unida de maneira consistente com as organizações humanas. As igrejas locais são, portanto, porções do todo e só podem ser consideradas "igreja" enquanto estiverem dentro do todo sob a liderança do Papa. O Papado é a fonte de unidade para a Igreja. Considerando-se que a Igreja é autocontida na terra, então a lógica e o modelo papal é coerente. A questão é se a Igreja deve e precisa ser considerada como autocontida na terra. Se não, então a lógica papal não necessariamente se aplica.

Um modelo de federação funciona quando a Igreja é considerada como um corpo unido a Cristo com presença terrena e celeste. Cristo é ativa e diretamente a sua cabeça e a fonte da unidade. A Igreja então é maior que a presença de igrejas na terra e não seria consistente falar de uma igreja universal com uma cabeça terrestre, porque isso limitaria a plena extensão da Igreja e separaria a igreja terrestre dos santos no céu, que ainda são membros da Igreja; a Igreja não é meramente uma instituição no mundo, mas uma realidade daqueles com um relacionamento particular com Cristo, que pode transcender o tempo e o lugar. Ao invés de falar da Igreja universal como aquela com uma cabeça terrestre, a Igreja se torna totalmente manifesta, católica, em cada igreja local, com Cristo plenamente presente em cada bispo.  A hierarquia dos bispos manifesta a unidade da Igreja e o Papado/Patriarcado Ecumênico desempenham um papel ecumênico na Igreja para a unidade, mas não são a fonte da unidade, mas sim uma manifestação/preservação da unidade. Não há uma igreja universal autocontida na terra, portanto não há jurisdição plena sobre toda a igreja por uma cabeça na terra. A igreja inteira se manifesta em cada lugar com a liderança de Cristo manifestada através do bispo. Uma vez que não há autoridade acima de Cristo, não há bispo de bispos, portanto não há espaço para a estrutura papal definida no Catecismo [Católico Romano]. Entretanto, isso não impede uma hierarquia de bispos com vários níveis de autoridade, incluindo uma autoridade "universal", desde que essa autoridade respeite as autoridades jurisdicionais dos outros bispos. [...]

Como ressalta Meyendorff, a inquietação dos teólogos bizantinos com o desenvolvimento da primazia na Igreja de Roma é que a compreensão da primazia de Roma era tal que começou a limitar o lugar de São Pedro exclusivamente à Sé de Roma e assim prejudicar a dignidade de cada um dos outros bispos. Que tal dano poderia ocorrer significa que o lugar de São Pedro carrega consigo certa autoridade e poder que está associado ao lugar. Assim, o modelo papal tal como se desenvolveu de modo a excluir as funções dos outros primazes, tais como na ordenação e na recepção de apelos, removeu o lugar de São Pedro daqueles bispos sob o Papa. Isto leva ou à destruição do episcopado com apenas um bispo, sendo o de Roma, ou à situação de um bispo de bispos, o que comprometeria mais uma vez o episcopado, porque agindo no lugar de Cristo dentro da sua jurisdição significa que não pode haver uma cabeça direta desse bispo na mesma jurisdição, de outro modo, esse bispo não apresentaria Cristo como verdadeiramente a Cabeça da Igreja. Os sínodos superiores são limitados em jurisdição dentro dos sínodos inferiores, pois deve existir uma verdadeira liderança que não esteja submetida em todos os aspectos a outra cabeça; deve haver liberdade para governar. Reduzir o episcopado a uma só Sé é um retorno a uma situação judaica, o que também é argumentado por Nikolaos Mesaritas. Cristo ascende para preencher todos os lugares e a Igreja deve ser plena e igualmente refletida em todo e qualquer lugar para que aponte para Cristo e a Igreja una nele preenchendo todas as coisas e transcendendo este mundo, seus lugares e nações; a Igreja está no mundo, mas não é do mundo. Esta concepção coincide bem com a compreensão da primazia de São Pedro a qual veremos em São Leão o Grande. [...]

Esta estrutura é consistente com as evidências que têm sido consideradas acima desde os primeiros séculos e permaneceu, em princípio, a prática contínua das igrejas católicas (Ortodoxas) nos Patriarcados Orientais. No Patriarcado Ocidental, as igrejas católicas (Católicas Romanas), entretanto, desenvolveram a posição de que o Bispo de Roma deve ter jurisdição sobre e em todas as outras igrejas. Essa jurisdição de Roma parece ser um desenvolvimento lógico derivado do lugar da primazia de Roma, no entanto levanta-se a questão de saber por que isso não se manifestou claramente antes na vida da Igreja e por que não foi aceito nos Patriarcados Orientais desde o século IX, quando o Papa Nicolau I começou a estabelecer sua posição cada vez mais nestes termos.

Uma explicação para o limite do poder da (Antiga) Roma, e por extensão da Nova Roma, pode ser encontrada no modelo "cipriano", sem a necessidade de invocar o modelo eucarístico. No modelo "cipriano", não pode existir um bispo de bispos porque cada bispo local é Cristo em sua própria Igreja e nenhum outro bispo pode ter jurisdição direta dentro de sua Sé sem ser um Cristo de Cristo. Além disso, cada bispo só pode governar uma única Sé como bispo e sua regência nessa Sé é inviolável, se consistente com a Tradição da Igreja. O papel dos metropolitas e dos patriarcas não é uma regência episcopal sobre suas regiões, mas um centro de unidade dos bispos e a gestão dos bispos como iguais. Assim, um bispo de bispos deve ser rejeitado, assim como qualquer idéia de uma jurisdição episcopal sobre ou por meio de qualquer outra coisa que não seja uma sé local. O modelo papista não é uma extensão e resultado lógico do modelo "cipriano", que não supõe uma estrutura de Igreja universal, como Afanasiev parece entender o modelo, porque o modelo papal é inconsistente com a jurisdição inviolável do bispo de cada igreja local. No entanto, isso ainda não explica satisfatoriamente porque o Papa/Patriarca Ecumênico não ordena os outros Patriarcas e convoca os concílios ecumênicos. Embora existam algumas razões de implementação prática para tais limites, precisamos considerar se existem razões para a prática além da conveniência prática.  As razões práticas de conveniência incluem problemas de distância e de acesso para ordenar os outros Patriarcas e para ter um concílio regular.  Nos tempos antigos, estas eram questões mais preocupantes do que são hoje e, sem dúvida, faziam parte das razões por trás de não ter o Papa ordenando Patriarcas e convocando Concílios "Patriarcais". No entanto, pode haver mais do que praticidade na questão. Uma razão além da conveniência é que a inexistência de um Concílio Ecumênico permanente e de uma ordenação central de Patriarcas impede o desenvolvimento de um bispo de bispos, pois tal possibilidade se tornou praticamente possível, que é o que de fato se desenvolveu no Patriarcado Ocidental, quando este se considerou universal sobre os Patriarcas Orientais. Outra razão é impedir que a posse da Fé se torne demasiado centralizada e controlada por um só, ou por um concílio muito pequeno de poucos Patriarcas.  Isto deixaria a Fé muito vulnerável a um potencial esforço herético visando controlar toda a Igreja, algo que preocupava Gregório o Grande quando o uso do título Patriarca Ecumênico se tornou comum na Sé de Constantinopla. Um certo número de Patriarcas administrados independentemente impede que uma única influência controladora preencha as cátedras episcopais com seus candidatos favorecidos. Patriarcas independentes constituiriam uma proteção contra isso e um testemunho contra um desvio da Tradição. Isso explicaria porque o Patriarca Ecumênico não ordena outros Patriarcas e porque ele não é a cabeça de um concílio permanente que ele convoca porque isso implica um grau de autoridade sobre os outros Patriarcas. Outra razão é impedir que a Igreja seja vista como sendo una como uma organização terrena e centrada num só lugar na terra, o que negaria que ela esteja em todos os lugares. Por isso, embora reconhecendo o seu primeiro lugar, a jurisdição de apelação e a supervisão geral para que o mistério da unidade se torne claro reconhecendo uma Sé (ou duas como se tornou) como primeira; a esta Sé não é dada a capacidade de convocar um Concílio Ecumênico nem de ordenar outros Patriarcas com o fim de impedir a centralização excessiva da Fé e das hierarquias, que também reconhece que cada hierarca tem o mesmo posto que o outro e todos mantêm e preservam a Fé com igual responsabilidade. Assim, a estrutura hierárquica nos Concílios com uma cabeça reconhecida é essencial para manifestar e manter a unidade da Igreja, mas é limitada no nível ecumênico para garantir a preservação da Fé e impedir o surgimento de um bispo de bispos que destruiria a igualdade essencial dos bispos, o que ocorreu na Antiga Roma com a doutrina atual do papado. [...]

O bispo é um ícone necessário de Cristo dentro da igreja local, ainda que cada igreja local possa ser composta por um número de paróquias e, na Eucaristia celebrada em cada paróquia, a presença plena da igreja é realizada, se o presbítero, que preside o serviço, estiver unido ao seu bispo local. Dentro de uma igreja local, as muitas paróquias refletem os muitos locais das igrejas locais em todo o mundo, ou seja, a estrutura paroquial da igreja local é um microcosmo da presença global da Igreja em muitos lugares. Isto também se aplica dentro da paróquia, sendo cada uma das muitas casas uma pequena igreja em si dentro da mesma paróquia. A mesma razão explica também a hierarquia dos bispos. Assim como cada paróquia local manifesta a igreja plena, devido à Eucaristia com seu presbítero como presidente, só é assim no contexto da união com o bispo e as outras paróquias, assim também cada igreja local, sendo a apresentação plena da igreja, só é assim em união com um bispo principal regional, o metropolita, e com outras igrejas locais. Cada região, por sua vez, requer a união com um bispo multi-regional, um Exarca, Patriarca ou Papa, e cada Patriarca com um, um Patriarca Ecumênico ou Papa. Esses níveis de hierarquia manifestam a unidade da Igreja através de suas camadas de hierarcas unidos e refletem que existe uma Igreja em muitos lugares e não muitas igrejas. Esta hierarquia é conciliar, porque cada paróquia e Igreja local tem como sua cabeça Cristo e assim é a mesma cabeça como o bispo, metropolita ou patriarca. A liderança [do primaz] precisa ser reconhecida e preservada através do processo de ter uma voz no concílio, mas todos preservando a liderança de um só Cristo, que é mostrada através do consentimento único necessário do pai, presbítero, bispo, metropolita ou patriarca nos vários níveis. Uma autoridade absolutamente singular em qualquer nível da hierarquia negaria ao homem governar com Deus ou negaria a presença plena da Igreja com Cristo em cada paróquia, igreja local ou região e assim negaria a Cristo. 

Do livro The Church: Deifying Relations do Pe. John (Patrick) Ramsey: 

* * * 
A seguir um comentário escrito por Seraphim Hamilton sobre uma citação de Santo Irineu:
Como, no entanto, seria muito desgastante, num volume como este, enumerar as sucessões de todas as Igrejas, refutamos todos aqueles que, de qualquer maneira, seja por enfatuação, por vanglória, seja por cegueira e opinião perversa, se reúnem em assembleias não autorizadas; [fazemos isso, digo eu], indicando aquela tradição derivada dos apóstolos, da Igreja grandiosa, muito antiga e conhecida por todos, fundada e organizada em Roma pelos dois mais gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo; como também [apontando] a fé pregada aos homens, que nos chega ao nosso tempo por meio das sucessões dos bispos. Pois é necessário que cada Igreja esteja de acordo com esta Igreja, em razão de sua autoridade preeminente.
Santo Irineu - Contra Heresias (Livro III, Cap. 3)
O ensino Ortodoxo não exige uma negação da primazia petrina nem da primazia de Roma. Embora seja verdade que certos teólogos têm tentado reduzir a primazia romana a uma mera liderança cerimonial, tal abordagem nunca foi universal ou mesmo particularmente dominante. Da Idade Média em diante, a teologia da primazia romana foi discutida como uma característica genuína da Igreja universal. Você pode encontrar isso em teólogos como São Simeão de Tessalônica e São Marcos de Éfeso.

Roma hoje, exige dogmaticamente uma articulação *muito específica* do que a primazia envolve e sobre quais fundamentos ela se baseia. Segundo o Vaticano I, que o Bispo de Roma é o Sucessor de Pedro é a condição *necessária e suficiente* para ele possuir jurisdição universal e *imediata* sobre todo cristão. Em outras palavras, sua autoridade sobre todos os batizados não necessita e nunca pode requerer como questão de direito eclesiástico o consentimento de uma autoridade menor. Considero que tal abordagem não pode ser mantida com base na história da Igreja ou dos Padres do Oriente e do Ocidente.

Consideremos este texto de Irineu - você já vê que ele coloca os apóstolos Pedro e Paulo juntos como a raiz da primazia romana. Ser martirizado significa "dar testemunho", e Jesus ao longo do Evangelho de João enfatiza o "testemunho" do Espírito de Sua autêntica vontade através da participação dos Santos no sofrimento de Cristo. Que os Apóstolos Pedro e Paulo selaram seu testemunho pelo sangue foi entendido como ligando a Igreja de Roma de uma maneira especial com a presença celestial e com o testemunho deles [do Senhor ressuscitado] fortalecido pelo Espírito.

Consistentemente, então, vemos que a presença das relíquias desses dois Apóstolos surge em explicações sobre a primazia romana.

Você verá também neste texto de Irineu que a sucessão episcopal faz parte de um fenômeno maior, e é este fenômeno maior que é o instrumento para a preservação da tradição. Aprendemos que os Apóstolos Pedro e Paulo deram testemunho na Igreja de Roma, depositando tradições [deles] do Senhor em sua memória. Essa memória é preservada e sustentada por toda a Igreja local de Roma, cuja cabeça é o Bispo. Mas a noção de uma sucessão petrina particular passando diretamente ao Bispo de Roma que preserva a tradição em virtude de um *carisma* essencialmente separado do processo concreto e histórico da transmissão da tradição - isto não existe em Irineu.

Vemos mais um ponto. Um dos principais argumentos que Santo Irineu apresenta é que como Roma é a sede do império, o "principado mais poderoso", os cristãos de todas as igrejas do mundo passam por Roma. As igrejas apostólicas de todo o mundo são rotineiramente representadas na cidade de Roma, pois os cristãos aproveitam a facilidade das viagens e do comércio.

Assim, são "todos os fiéis em todos os lugares" que preservam a Tradição Apostólica, fazendo isso particularmente na Igreja de Roma como um ponto de convergência deles. Eles vêm a Roma e depositam suas tradições locais nas tradições da Igreja Romana, que assim dá testemunho da tradição temporalmente (recebendo-a de Pedro e Paulo) e espacialmente (recebendo-a de todas as igrejas do mundo conhecido).

A conexão de tudo isso com a matriz conceitual encontrada na teologia Católica Romana posterior é bastante fraca.

Assim sendo, o ensino Católico Romano, tal como se apresenta, é mais do que um conjunto de proposições. Essas proposições só fazem sentido como parte de um padrão mais amplo de pensamento. O que devemos procurar nos Padres é *esse* padrão de pensamento. Não creio que o encontremos, mesmo no Ocidente. A primazia romana foi articulada com mais nitidez em um contexto litúrgico e místico, uma presença particular do Espírito Santo através de Seus dois mais gloriosos Apóstolos na cidade que carregava suas relíquias.  Isto - mais do que uma dedução passo a passo a partir de prerrogativas legais dadas a um homem e transmitidas através dele a uma sucessão de homens governando um de cada vez - foi o que definiu a eclesiologia da primazia romana até bem tarde no primeiro milênio. Sabemos que, quando os reformadores gregorianos começaram a implementar seu programa, houve protestos generalizados entre os bispos ocidentais que apelaram para as tradições de colegialidade e de consentimento mútuo de longa data, que haviam definido as relações entre a Sé Apostólica e as hierarquias locais durante séculos.

Há um livro chamado “Before the Gregorian Reform”  [Antes da Reforma Gregoriana] que trata desse tópico. O desenvolvimento da primazia é às vezes descrito como um processo lento, quase imperceptível. Considero que a descontinuidade foi muito mais brusca e visível, e que pode ser datada com alguma precisão no século XI, o tempo da ruptura entre o Oriente Cristão e o Ocidente Cristão.