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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Encíclica de São Fócio, o Grande, aos Patriarcas Orientais (867 d.C.)



São Fócio, Patriarca de Constantinopla, "o farol brilhante da Igreja", viveu durante o século IX, e veio de uma família de cristãos zelosos. Seu pai Sérgio morreu como um mártir em defesa dos santos ícones. São Fócio recebeu uma excelente educação e, como sua família estava relacionada à casa imperial, ocupou o cargo de primeiro secretário de estado no Senado. Seus contemporâneos diziam dele: "Ele se distinguiu tanto com os conhecimentos em quase todas as ciências seculares, que seria legítimo levar em conta a glória de sua idade e compará-la com os antigos".

Miguel, o jovem sucessor ao trono, e São Cirilo, o futuro Iluminador dos Eslavos, foram ensinados por ele. Sua profunda piedade cristã protegeu São Fócio de ser seduzido pelos encantos da vida da corte. Com toda a sua alma ele ansiava pelo monaquismo.

Em 857, Bardas, que governou com o Imperador Miguel, depôs o Patriarca Inácio (23 de outubro) da Sé de Constantinopla. Os bispos, conhecendo a piedade e o amplo conhecimento de Fócio, informaram ao imperador que ele era um homem digno de ocupar o trono arquipastoral. São Fócio aceitou a proposta com humildade. Ele passou por todas as posições clericais em seis dias. No dia da Natividade de Cristo, ele foi consagrado bispo e elevado ao trono patriarcal.

Logo, porém, surgiu a discórdia dentro da Igreja, estimulada pela remoção do Patriarca Inácio de seu ofício. O Sínodo de 861 foi convocado para pôr fim à agitação, no qual foi confirmado a deposição de Inácio e a posse de Fócio como patriarca.

O Papa Nicolau I, cujos enviados estavam presentes neste concílio, esperava que, ao reconhecer Fócio como patriarca, ele pudesse subordiná-lo ao seu poder. Quando o novo patriarca se mostrou insubmisso, Nicolau anatematizou Fócio em um concílio romano.

Até o final de sua vida, São Fócio foi um firme opositor das intrigas e desígnios papais contra a Igreja Ortodoxa do Oriente. Em 864, a Bulgária se converteu voluntariamente ao cristianismo. O príncipe búlgaro Boris foi batizado pelo próprio Patriarca Fócio. Mais tarde, São Fócio enviou um arcebispo e sacerdotes para batizar o povo búlgaro. Em 865, os Santos Cirilo e Metódio foram enviados para pregar sobre Cristo na língua eslava. No entanto, os partidários do Papa incitaram os búlgaros contra os missionários Ortodoxos.

A situação calamitosa na Bulgária se desenvolveu porque uma invasão dos povos germânicos os obrigou a buscar ajuda no Ocidente, e o príncipe búlgaro pediu ao Papa que enviasse seus bispos. Quando chegaram à Bulgária, os legados papais começaram a substituir os ensinamentos e costumes latinos em lugar das crenças e práticas Ortodoxas. São Fócio, como firme defensor da verdade e denunciador da falsidade, escreveu uma encíclica informando os bispos orientais sobre as ações do Papa, indicando que o afastamento da Igreja Romana em relação à Ortodoxia não se deu apenas em ritual, mas também em sua confissão de fé. Um concílio foi convocado, censurando a arrogância do Ocidente.

Em 867, Basílio, o macedônio se apoderou do trono imperial, após o assassinato do imperador Miguel. São Fócio denunciou o assassino e não permitiu que ele participasse dos Mistérios Sagrados de Cristo. Portanto, ele foi removido do trono patriarcal e preso em um mosteiro sob guarda, e o Patriarca Inácio foi restaurado à sua posição.

O Sínodo de 869 reuniu-se para investigar a conduta de São Fócio. Este concílio ocorreu com a participação dos legados papais, que exigiram que os participantes assinassem um documento (Libellus) condenando Fócio e reconhecendo a primazia do Papa. Os bispos orientais não concordaram com isso, e discutiram com os legados. Convocado ao concílio, São Fócio enfrentou todas as acusações dos legados com um silêncio digno. Somente quando os juízes lhe perguntaram se ele desejava se arrepender, ele respondeu: "Por que vocês se consideram juízes?". Após longas disputas, os oponentes de Fócio saíram vitoriosos. Embora o julgamento deles fosse infundado, eles anatematizaram o Patriarca Fócio e os bispos que o defendiam. O santo foi enviado à prisão por sete anos e, em seu testemunho, agradeceu ao Senhor por ter resistido pacientemente a seus juízes.

Durante este tempo o clero latino foi expulso da Bulgária, e o Patriarca Inácio enviou seus bispos para lá. Em 879, dois anos após a morte do Patriarca Inácio, outro concílio foi convocado (muitos o consideram o Oitavo Concílio Ecumênico), e novamente São Fócio foi reconhecido como o legítimo arquipastor da Igreja de Constantinopla. O Papa João VIII, que conhecia Fócio pessoalmente, declarou através de seus enviados que as antigas decisões papais sobre Fócio foram anuladas. O concílio reconheceu o caráter inalterável do Credo niceno-constantinopolitano, rejeitando a distorção latina ("filioque"), e reconhecendo a independência e igualdade de ambos os tronos e ambas as igrejas (ocidental e oriental). O concílio decidiu abolir os usos e rituais latinos na igreja búlgara introduzidos pelo clero romano, que terminou suas atividades lá. [1]


* * * 

Encíclica aos Patriarcas Orientais (867 d.C.)

Inúmeros têm sido os males concebidos pelo diabo ardiloso contra a raça dos homens, desde o início até a vinda do Senhor. Mas mesmo depois, ele não cessou, através de erros e heresias, de seduzir e enganar aqueles que o escutam. Antes da nossa época, a Igreja, testemunhou vários erros ímpios de Ário, Macedônio, Nestório, Eutiques, Dióscoro e uma multidão imunda de outros, contra os quais foram convocados os santos Sínodos Ecumênicos, e contra os quais os nossos santos Padres, portadores de Deus, lutaram com a espada do Espírito Santo. Mas, mesmo depois dessas heresias terem sido vencidas e a paz reinado, e a partir da Capital Imperial as correntes da Ortodoxia fluíram pelo mundo; depois que algumas pessoas que tinham sido atingidas pela heresia jacobita (monofisita) voltaram à Fé Verdadeira por causa de suas santas orações; e depois que outros povos bárbaros, como os búlgaros, passaram da idolatria ao conhecimento de Deus e da Fé Cristã: eis que o diabo ardiloso se agitou por causa de sua inveja.

Pois os búlgaros não haviam sido batizados nem mesmo por dois anos quando homens desonrosos emergiram da escuridão (isto é, do Ocidente), e caíram como granizo ou, melhor, atacaram como javalis a vinha recém plantada do Senhor, destruindo-a com cascos e presas, ou seja, por suas vidas vergonhosas e dogmas corrompidos. Pois os missionários e clero papais queriam que esses cristãos Ortodoxos se afastassem dos dogmas corretos e puros de nossa Fé irrepreensível.

O primeiro erro dos ocidentais foi impor aos fiéis o jejum aos sábados. (Menciono este ponto aparentemente pequeno porque o menor afastamento em relação à Tradição pode levar a um desdém de todos dogmas de nossa Fé). Em seguida, convenceram os fiéis a desprezar o casamento dos sacerdotes, semeando assim em suas almas as sementes da heresia maniqueísta. Da mesma forma, eles os persuadiram de que todos os que haviam sido batizados pelos sacerdotes tinham de ser novamente ungidos pelos bispos. Dessa forma, esperavam mostrar que a crisma realizada pelos sacerdotes não tinha valor, ridicularizando assim esse Mistério Cristão divino e sobrenatural. De onde vem esta lei que proíbe os padres de ungir com o Santo Crisma? De que legislador, Apóstolo, Padre, ou Sínodo? Pois, se um sacerdote não pode crismar os recém batizados, então certamente ele também não pode batizar. Ou, como pode um sacerdote consagrar o Corpo e Sangue de Cristo Nosso Senhor na Divina Liturgia se, ao mesmo tempo, ele não pode crismar com o Santo Crisma? Se essa graça, então, é subtraída dos sacerdotes, a posição episcopal é diminuída, pois o bispo está à cabeça do coro dos sacerdotes. Mas os ocidentais ímpios não cessaram a sua iniquidade nem mesmo aqui.

Tentaram com suas falsas opiniões e palavras distorcidas arruinar o santo e sagrado Símbolo [Credo] Niceno da Fé - que por decisões tanto sinodais como universais possui poder invencível - acrescentando-lhe que o Espírito Santo procede não só do Pai, como o Símbolo declara, mas também do Filho. Até agora, ninguém jamais ouviu sequer um herege pronunciar tal ensinamento. Que cristão pode aceitar a introdução de duas fontes na Santíssima Trindade; isto é, que o Pai é uma fonte do Filho e do Espírito Santo, e que o Filho é outra fonte do Espírito Santo, transformando assim a monarquia da Santíssima Trindade em uma divindade dupla?

E por que o Espírito Santo deve proceder tanto a partir do Filho como a partir do Pai? Pois se a Sua processão a partir do Pai é perfeita e completa - e é perfeita porque Ele é Deus perfeito a partir de Deus perfeito - então por que há também uma processão a partir do Filho? O Filho, além disso, não pode servir como intermediário entre o Pai e o Espírito, porque o Espírito não é uma propriedade do Filho. Se dois princípios, duas fontes, existem na divindade, então a unidade da divindade seria destruída. Se o Espírito procede tanto a partir do Pai como a partir do Filho, Sua processão, a partir do Pai somente, seria necessariamente ou perfeita ou imperfeita. Se for imperfeita, então a processão a partir de duas hipóstases seria muito mais artificiosa e menos perfeita do que a processão a partir de uma hipóstase somente. Se não é imperfeita, por que seria necessário que o Espírito procedesse também a partir do Filho?

Se o Filho participa na qualidade ou propriedade própria da hipóstase do Pai, então o Filho e o Espírito perdem suas próprias distinções pessoais. Aqui se cai no semi-sabelianismo. A proposição de que na divindade existem dois princípios, um que é independente e outro que recebe sua origem do primeiro, destrói a própria raiz da concepção cristã de Deus. Seria muito mais consistente expandir esses dois princípios em três, pois isso estaria mais de acordo com a compreensão humana da Santíssima Trindade.

Mas como o Pai é o princípio e a fonte, não pela natureza da divindade, mas pela propriedade de Sua hipóstase (e a hipóstase do Pai não inclui a hipóstase do Filho), o Filho não pode ser um princípio ou fonte. O Filioque na realidade divide a hipóstase do Pai em duas partes, ou então a hipóstase do Filho torna-se uma parte da hipóstase do Pai. Através do ensinamento do Filioque, o Espírito Santo se encontra a dois graus ou etapas afastado do Pai, e por isso tem uma posição muito mais inferior do que o Filho. Se o Espírito Santo procede a partir do Filho também, então entre as três Hipóstases Divinas, apenas o Espírito Santo tem mais de uma origem ou princípio.

Pelo ensinamento da processão a partir do Filho também, o Pai e o Filho se tornam mais próximos um do outro do que o Pai e o Espírito, pois o Filho possui não só a natureza do Pai, mas também a propriedade de Sua Pessoa [hipóstase]. A processão do Espírito a partir do Filho ou é a mesma que a do Pai, ou então ela é diferente, e nesse caso existe uma oposição na Santíssima Trindade. Uma dupla processão não se pode conciliar com o princípio de que o que não é comum às três hipóstases pertence exclusivamente a uma só das três hipóstases. Se o Espírito procede também a partir do Filho, por que, então, algo não procederia a partir do Espírito, para que se mantivesse o equilíbrio entre as Hipóstases Divinas?

Pelo ensinamento de que o Espírito procede também a partir do Filho, o Pai se mostra parcial para com o Filho. O Pai ou é uma fonte maior do Espírito do que o Filho, ou uma fonte menor. Se maior, a dignidade do Filho é ofendida; se menor, a dignidade do Pai é ofendida. Os latinos tornam o Filho maior que o Espírito, porque O consideram um princípio, colocando-O irreverentemente próximo do Pai. Ao introduzir um princípio duplo na Santíssima Trindade, como fazem, os latinos ofendem o Filho, pois, ao torná-Lo uma fonte do que já tem uma fonte, tornam-No desnecessário como uma fonte. Também dividem o Espírito Santo em duas partes: uma parte a partir do Pai e uma parte a partir do Filho. Na Santíssima Trindade, que está unida numa unidade indivisível, todas as três hipóstases são invioláveis. Mas, se o Filho contribui para a processão do Espírito, a Filiação é então prejudicada, e a propriedade hipostática sofre dano.

Se, através da geração do Filho, o poder foi assim dado ao Filho para que o Espírito Santo procedesse a partir dEle, então como não seria destruída a Sua própria Filiação quando Ele, que Ele mesmo tem uma fonte, se tornou uma fonte de Outro que é igual a Ele e é da mesma natureza que Ele? De acordo com o ensinamento Filioque, é impossível saber por que o Espírito Santo não poderia ser chamado de neto! Se o Pai é a fonte do Filho, que é a segunda fonte do Espírito, então o Pai é simultaneamente a fonte imediata e a fonte mediada do Espírito Santo! Uma fonte dupla na divindade termina inevitavelmente em um resultado duplo; assim, a hipóstase do Espírito deve ser dupla. Portanto, o ensinamento do Filioque introduz na divindade dois princípios, uma diarquia, que destrói a unidade da divindade, a monarquia do Pai.

Tendo aqui explicado apenas brevemente o entendimento latino, deixarei sua apresentação detalhada e refutação até que sejamos reunidos em concílio. Esses chamados bispos introduziram, assim, esse ensinamento ímpio, juntamente com outras inovações inadmissíveis, entre o povo búlgaro simples e recém-batizado. Estas notícias nos corta o coração. Como não lamentar quando vemos diante dos nossos olhos o fruto do nosso ventre, a criança a quem demos à luz através do Evangelho de Cristo, sendo dilacerada por feras? Aquele que pelo seu suor e sofrimento os revitalizou e aperfeiçoou na Fé, sofre uma grande dor e tristeza com a destruição de seus filhos. Portanto, pranteamos por nossos filhos espirituais, e não cessamos de prantear. Porque não daremos sono aos nossos olhos até que, na medida do nosso poder, os retornemos à Casa do Senhor.

Em relação a esses precursores da apostasia, corruptores profanos e servos do inimigo, nós, por decreto divino e sinodal, condenamo-los como impostores e inimigos de Deus. Não é como se estivéssemos agora mesmo pronunciando julgamento sobre eles, mas declaramos abertamente a condenação ordenada pelos antigos sínodos e cânones apostólicos. Se persistirem obstinadamente em seu erro, os excluiremos da comunhão de todos os cristãos.  Eles introduziram o jejum aos sábados, embora isso seja proibido pelo 64º Cânone Apostólico, que afirma: "Se algum clérigo for encontrado jejuando aos domingos ou sábados, exceto o único Grande Sábado antes da Páscoa, que seja removido das fileiras do clero, e se for leigo, que seja excomungado." Da mesma forma, pelo 56º Cânone do Santo Quarto Sínodo Ecumênico, que diz: "Como ficamos sabendo que na cidade da Velha Roma alguns, durante o Grande Jejum, em oposição à ordem eclesiástica que nos foi transmitida, mantêm o jejum mesmo aos sábados, o santo Sínodo Ecumênico ordena que na Igreja da Velha Roma o Cânone Apostólico que proíbe o jejum aos sábados e domingos deve ser observado com precisão".

Da mesma forma, há um cânone do sínodo regional de Gangra que anatematiza aqueles que não reconhecem sacerdotes casados. Isto foi confirmado pelo Santo Sexto Sínodo Ecumênico, que condenou aqueles que exigem que os sacerdotes e diáconos deixem de coabitar com suas legítimas esposas após sua ordenação. Tal costume estava sendo introduzido já então pela Igreja da Velha Roma. Esse Sínodo lembrou à Igreja da Velha Roma o ensinamento evangélico e o cânon e a constituição dos Apóstolos, e ordenou-lhe que não insultasse a santa instituição do matrimônio cristão estabelecida pelo próprio Deus. Mas mesmo que não citássemos todas essas e outras inovações dos latinos, a simples citação de sua adição da frase Filioque no Símbolo da Fé Nicena seria suficiente para submetê-los a mil anátemas. Pois essa inovação blasfema o Espírito Santo, ou mais corretamente, toda a Santíssima Trindade.

Tendo apresentado esta questão perante a nossa fraternidade no Senhor, segundo o antigo costume da Igreja, o convidamos e pedimos que venham e se juntem a nós em concílio, com o propósito de condenar estes ensinamentos imundos e ímpios. Não abandonem a ordem estabelecida pelos Santos Padres que eles, por seus atos e obras, nos transmitiram como um legado a preservar. Mas com muito zelo e boa vontade enviem seus representantes e deputados, adornados com a piedade e o sacerdócio e pela bondade de suas vidas e palavras, e por decreto sinodal comum esta recente gangrena blasfema será extirpada da Igreja. Uma vez que tenhamos erradicado essa impiedade, podemos esperar que o recém-baptizado povo búlgaro volte à Fé que aceitou inicialmente. E não só o povo búlgaro, mas também todo o povo anteriormente terrível, o chamado Rus, pois mesmo agora estão abandonando sua fé pagã e estão se convertendo ao cristianismo, recebendo de nós bispos e pastores, assim como todos os costumes cristãos. Consequentemente, se agora vos moverdes para ajudar a eliminar este mal recém iniciado, então o rebanho de Cristo aumentará ainda mais e o aprendizado apostólico chegará aos confins do mundo. Com este propósito, portanto, enviem os vossos representantes e deputados equipados com a autoridade dos tronos apostólicos que herdastes pelo Espírito Santo, para que estes e todas as outras questões possam ser levadas a julgamento por uma autoridade legítima.

Da região italiana, recebemos uma carta sinodal citando muitas questões graves contra o bispo da Velha Roma. Assim, os Ortodoxos de lá nos pedem para libertá-los da grande tirania dele, pois naquela área a lei sagrada está sendo desprezada e a ordem da Igreja pisoteada. Isso nos foi dito anteriormente por monges que vieram até nós de lá, e agora recebemos muitas cartas que nos dão notícias assustadoras sobre aquela região e nos pedem para transmitir a mensagem deles para todos os bispos e também para os Patriarcas Apostólicos. Por essa razão, comunico a vós o pedido deles por meio desta epístola. Uma vez reunido um sínodo santo e ecumênico cristão, caberá a nós, juntos, resolver todas estas questões com a ajuda de Deus e segundo as regras dos sínodos passados, para que, ao fazer isto, uma paz profunda possa novamente prevalecer na Igreja de Cristo.

Além disso, é necessário confirmar o santo Sétimo Sínodo Ecumênico, a fim de que todos os fiéis da Igreja, em todos os lugares, reconheçam e incluam esse Sínodo como Ecumênico juntamente com os outros seis. Pois ouvimos dizer que em alguns lugares ele ainda não é assim considerado, embora suas decisões sejam aceitas e honradas. Este foi o Sínodo que venceu e destruiu a grande iniquidade herética do iconoclasmo. Representantes dos outros quatro patriarcas participaram de suas sessões. Depois de todos reunidos, juntamente com nosso tio, o muito bem-aventurado Tarásio, Arcebispo de Nova Roma, este grande e ecumênico sínodo esmagou a heresia blasfema do Anticristo. Portanto, este Sínodo deve ser declarado e enumerado com os seis anteriores, a fim de mostrar a união da Igreja de Cristo e negar aos ímpios iconoclastas a afirmação de que sua heresia foi condenada por um só trono. Assim procuramos e nos propomos como um irmão aos irmãos, e suplicamos a Vossa Santidade e também pedimos que se lembrem destes pobres em tuas orações.

* * * 

Nota do tradutor: a presente tradução foi feita a partir da versão em inglês incluída no livro "On the Mystagogy of the Holy Spirit" publicada pelo Holy Transfiguration Monastery, Studion Publishers. O texto é ligeiramente diferente do mesmo disponível em outras línguas (russo, grego, romeno). 

[1] Nota do tradutor: a introdução foi retirada de https://www.antiochpatriarchate.org/en/page/st-photius-the-patriarch-of-constantinople/1332/.

Sobre São Fócio e concílio de 879 veja: 
São Fócio o Grande, o Concílio Fociano e as relações com a Igreja Católica Romana (Dr. David Ford) 



sexta-feira, 16 de agosto de 2019

São Fócio o Grande, o Concílio Fociano e as relações com a Igreja Católica Romana (Dr. David Ford)

Introdução


Há uma discussão considerável hoje dentro da Igreja Ortodoxa sobre o status do chamado "Concílio Fociano", realizado em Constantinopla em 879-880. Este é um concílio extremamente importante na história da Igreja Ortodoxa e, portanto, merece ser amplamente conhecido entre os fiéis ortodoxos. E este Concílio é de especial relevância para nossa Igreja Ortodoxa vis-à-vis a Igreja Católica Romana, pois ele 1), oficialmente proibiu qualquer adição ao Credo de Nicéia, rejeitando assim a cláusula Filioque, que estava em uso em muitas igrejas em Europa Ocidental naquela época (embora não em Roma até 1014); e 2), implicitamente rejeitou o princípio da Supremacia Papal, ou autoridade jurisdicional sobre as Igrejas Orientais, na medida em que este Concílio anulou o Concílio Inaciano pró-papal realizado em Constantinopla dez anos antes. Mas em uma das maiores ironias da história cristã, o Concílio Fociano foi reconhecido como legítimo pelo papado por quase 200 anos até o período da Reforma Gregoriana, quando os canonistas do papa Gregório VII (1073-1085) rejeitaram o Concílio Fociano e ressuscitaram o Concílo Inaciano para tomar o seu lugar.


Minha opinião pessoal é que essa substituição, 200 anos após o fato, foi facilitada pela Igreja Romana devido à circunstância de que a Igreja Oriental não havia proclamado o Concílio Fociano como o Oitavo Concílio Ecumênico. Há razões compreensíveis para essa circunstância, que discutirei no final deste artigo. Por ora, observarei simplesmente que essa substituição tornou a reconciliação entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa tremendamente mais difícil ao longo dos séculos - já que o Filioque e a Supremacia Papal tem sido os dois maiores obstáculos que impedem a reconciliação até hoje.

O contexto básico da história desses dois concílios 

São Fócio o Grande (815 - c. 891) tem sido chamado de "o pensador mais ilustre, o político mais destacado, e o mais hábil diplomata a ocupar o cargo de Patriarca de Constantinopla". [1]

Ele era da alta nobreza de Constantinopla. Seus pais, Sergios Georgios e Irene, sofreram como confessores da fé, pois defenderam a veneração dos ícones sagrados durante a segunda onda da heresia do Iconoclasmo e são santos em nossa Igreja. Eles foram exilados e separados de seu filho quando ele tinha cerca de nove anos de idade; eles aparentemente nunca mais o viram. A festa deles é 13 de maio. E o tio de Fócio era São Tarásio, o Patriarca de Constantinopla que presidiu o Sétimo Concílio Ecumênico, realizado em Nicéia em 787, que oficialmente defendeu os ícones contra os iconoclastas.

O jovem Fócio recebeu uma excelente educação clássica sob a supervisão de parentes. Logo no início mostrou interesse pelo monasticismo, mas decidiu seguir carreira de estadista, tendo excelentes conexões na corte imperial. No início, ele serviu como secretário imperial e depois como embaixador em Bagdá. Mais tarde, tornou-se professor da recém-revigorada Universidade de Constantinopla, que desempenhou um papel fundamental no grande renascimento da cultura e da aprendizagem que ocorreu em Bizâncio após o Triunfo da Ortodoxia em 843, que restaurou de uma vez por todas a veneração dos ícones sagrados.

Em 23 de outubro de 858, o patriarca Inácio de Constantinopla renunciou ao cargo, sob pressão do imperador Miguel III (filho da Imperatriz Santa Teodora), a pedido de César Bardas, irmão de Teodora e praticamente primeiro-ministro do governo, cuja relação com sua nora o Patriarca Inácio havia condenado como incestuosa - embora isso possa ter sido uma acusação infundada. De acordo com o proeminente historiador católico romano Francis Dvornik,  Inácio também renunciou “por conselho dos bispos que estavam desejosos em evitar um conflito entre a Igreja e o governo”. [2] Dvornik imediatamente diz que Inácio
pediu a seus partidários que selecionassem um novo patriarca. Em um sínodo local, os bispos de ambos os partidos [os rigoristas apoiando Inácio e os moderados apoiando Fócio] recomendaram ao imperador o leigo Fócio [cujo brilhante talento era conhecido], evitando a eleição de um bispo de cada partido rival. Fócio foi reconhecido como o legítimo patriarca por todos os bispos, até mesmo pelos cinco mais fiéis partidários de Inácio, depois que Fócio lhes deu certas garantias quanto à posição de Inácio após sua abdicação [3].
858: Consagração dos Fócio como Patriarca

Muito relutantemente, Fócio aceitou esta convocação completamente inesperada pela Igreja e pelo Imperador para ser o novo patriarca. E uma vez que a Natividade do Senhor estava se aproximando em breve, e um patriarca seria necessário para liderar os serviços, Fócio foi elevado à posição de Patriarca através de cerimônias de tonsura, ordenação diaconal e sacerdotal, e consagração como bispo em cinco dias consecutivos (Santo Ambrósio de Milão foi elevado de leigo para bispo da mesma forma rápida em 386, assim como São Tarasios em 784). Sua consagração como patriarca foi realizada pelo Bispo "Gregório Asbestos, líder dos liberais, e por dois bispos inacianos." [4]

Agora a situação complica! De acordo com Dvornik,
Cerca de dois meses após a ordenação de Fócio, os seguidores extremos de Inácio, reunidos na igreja de Santa Irene, recusaram a obediência ao novo patriarca e exigiram o restabelecimento de Inácio. A razão para essa ação pode ter sido interpretações divergentes da natureza das garantias dadas por Fócio aos cinco líderes do partido inaciano. Fócio convocou um sínodo na igreja dos Santos Apóstolos (859). A parte contrária impediu a condenação deles provocando uma rebelião (Zonnaras, PG 137: 1004f), que tinha um fundo político e que foi suprimida com derramamento de sangue pela polícia imperial. Fócio protestou contra a crueldade da polícia e ameaçou Bardas com sua abdicação [Dr. David Ford: certamente isso é uma clara indicação de sua falta de cobiça pela posição, como os críticos ocidentais tantas vezes o acusaram por séculos]. 
Depois que a paz foi estabelecida, o sínodo foi convocado novamente na igreja do palácio Blachernae. A fim de privar a oposição de qualquer alegação sobre a legitimidade do patriarcado de Inácio, o sínodo declarou, a pedido de Bardas, que todo o patriarcado de Inácio foi ilegítimo porque ele não havia sido eleito por um sínodo, mas foi simplesmente nomeado pela Imperatriz [Santa] Theodora [em 847]. Durante os tumultos, Inácio e alguns de seus seguidores foram presos. Inácio foi detido em vários lugares, por fim em um mosteiro na ilha de Terebinthus. Bardas, no entanto, deve ter se convencido de que Inácio não havia sido responsável pelos tumultos, porque permitiu que ele ficasse no palácio de Posis em Constantinopla, construído pela mãe de Inácio. 
Por causa desses problemas, somente em 860 Fócio foi capaz de enviar a carta [habitual] ao papa Nicolau I [e aos outros patriarcas - de Alexandria, Antioquia e Jerusalém] a respeito de sua entronização. Nessa comunicação, ele anunciou que aceitara sua eleição a contragosto após Inácio ter abdicado. [5]
Nesta carta, segundo Despina White, “Fócio, depois de confessar sua dedicação à Ortodoxia, afirmou que preferiria ficar com seus livros e seus dedicados alunos, mas concordou em tornar-se patriarca em 'obediência à vontade de Deus, que assim o puniu por suas transgressões.'"[6] Despina White continua a contar: “Em outra epístola, para Bardas, Fócio reclamou mais uma vez que ele foi forçado por Bardas a assumir a sé contra sua vontade.” [7]

Algum tempo depois, Fócio escreveu uma carta mais pessoal ao Papa Nicolau, na qual declarou:
Deixei uma vida tranquila, deixei uma doce calma… deixei minha tranquilidade favorita. Quando ficava em casa, mergulhava no mais doce dos prazeres, observando a diligência daqueles que estavam aprendendo, a seriedade daqueles que faziam perguntas e o entusiasmo dos que respondiam… E quando eu tinha que ir para minhas tarefas no palácio imperial, eles se despediam calorosamente e me pediam para não demorar muito ... E quando voltava, esse grupo estudioso estava me esperando na frente da minha porta; ... e tudo isso era feito com franqueza e sem malícia, sem intrigas, sem ciúmes. E quem, depois de ter conhecido tal vida, toleraria vê-la terminada e não lamentaria? É tudo isto que eu perdi, por tudo isso que choro... uma privação que me fez derramar lágrimas e me envolve numa névoa de tristeza. [8]
Certamente, essas cartas contradizem fortemente a típica acusação ocidental que Fócio cobiçava pelo cargo patriarcal e que ele, de alguma forma, havia usurpado-o.

Continuando com o relato de Dvornik: “O imperador Miguel e o Fócio também pediram ao papa que enviasse legados para um novo concílio em Constantinopla, que mais uma vez condenaria o iconoclasmo e confirmaria a decisão tomada por Theodora em 843 em relação ao restabelecimento do culto das imagens.”[9]

São Fócio, Patriarca de Constantinopla 


861: O Concílio em Constantinopla

O papa Nicolau, que se mostraria um dos papas mais fortes da história do papado romano, e um dos mais empenhados em ampliar a autoridade papal, já estava ocupado tentando consolidar e estender o poder do papado sobre as igrejas do Ocidente, que estava longe de ser consolidado naquele tempo. [10] Nicolau estava especialmente empenhado nisso, uma vez que esta era uma época em que o prestígio e a autoridade papal estavam particularmente em baixa, e ele era um ardente proponente e promotor da idéia e prática da Supremacia Papal sobre todas as Igrejas de Cristo. É bastante evidente a partir do modo como os acontecimentos se desenrolaram que ele percebeu essa controvérsia em Constantinopla como uma excelente oportunidade para tentar estender o poder papal sobre a Igreja Oriental também. Assim, em 861, ele aceitou avidamente o convite de Fócio para enviar legados papais a Constantinopla para participar do próximo concílio da Igreja, mas com a idéia de fazer disso uma ocasião para investigar e reconsiderar toda a questão da elevação de Fócio ao cargo de patriarca.

Em Constantinopla, indicando ainda mais seu interesse em manter boas relações com Roma, Fócio recebeu os legados papais com “grande respeito”, [11] convidando-os até mesmo a presidir o concílio. E como podemos ver nas cartas dele, o mais provável é que Fócio ficaria muito feliz em permitir Inácio voltar como patriarca.

Este Concílio, realizado em 861, foi de fato presidido pelos legados papais. Após uma investigação completa, o concílio determinou que Fócio era de fato o patriarca legítimo - e essa decisão foi mantida pelos legados papais. Mas quando os legados relataram o veredicto a Nicolau, ele se recusou a aceitar a decisão, uma vez que ele não forçou a Igreja Oriental a submeter-se à sua vontade de restabelecer Inácio.

863: O Concílio em Roma

Assim, papa Nicolau declarou que seus legados "haviam excedido os poderes". [12] Ele rejeitou a decisão deles e a do concílio de aceitar Fócio como o legítimo patriarca, e prosseguiu tentando julgar novamente o caso em um concílio realizado sob sua presidência em Roma em 863. Esse concílio proclamou de maneira bastante previsível que Inácio era o patriarca, declarando que “Fócio deve ser destituído de toda dignidade sacerdotal”. [13] Nicolau também afirmou que todo o clero ordenado por Fócio durante os cinco anos anteriores deveria ser destituído! “Esta afirmação da autoridade papal naturalmente foi uma grande ofensa a Constantinopla.” [14]

A prova de que o patriarcado de Constantinopla de modo algum aceitou as pretensões papais de ter autoridade jurisdicional sobre ele é o fato de que esses pronunciamentos do papa Nicolau e do Concílio de Roma de 863 foram completamente ignorados pela Igreja em Constantinopla; nenhuma resposta foi enviada a Nicolau! Uma brecha aberta agora existia entre Constantinopla e Roma - uma brecha que obviamente foi criada por Nicolau e seu concílio, e não por Fócio! Mas porque, do ponto de vista papal, Fócio estava desafiando a autoridade papal, esse cisma foi atribuído a ele. Portanto, desde então, no Ocidente, esse cisma é conhecido como o “Cisma Fociano”.

Presunções papais de Nicolau 

O papa Nicolau tentou alegar que um cânon do Concílio de Sardica (em 343) justificava suas ações no concílio em Roma em 863. Este cânon (cânon 3) permitia que apelos referentes a qualquer bispo sob condenação fossem feitos a Roma; mas Roma só está autorizada por este cânon a conceder um novo julgamento - se houvesse uma causa justa - contanto que esse fosse realizado na região adjacente à do bispo condenado. Ao exigir um novo julgamento após o Concílio de Constantinopla de 861, e sediando-o em Roma, o papa Nicolau excedeu em muito os limites deste cânon do Concílio de Sardica. [15]

Nicolau deixou suas intenções muito claras em 865 em uma carta que escreveu ao imperador Miguel, na qual declarou que a Igreja Romana tem autoridade “sobre toda a terra, isto é, sobre toda a Igreja”. [16] Como historiador católico-romano David Knowles escreveu,
para o imperador, foram feitas reivindicações a poderes até então nunca exercidos no Oriente, como o direito de Roma de convocar as partes para Roma para o exame do caso, embora nenhum apelo tivesse sido apresentado por elas. Nicolau usa uma linguagem sobre o papado que não foi excedida em força nem mesmo por Gregório VII [1073-1085]. Estabelecidos como príncipes em toda a terra, os papas são o epítome de toda a Igreja; todos os cristãos estão sujeitos ao governo papal; sem a Igreja de Roma não há cristianismo; o papa é o mestre dos bispos… O papa é mediador entre Cristo e o homem, e é através dele que os poderes dos imperadores e dos bispos fluem. [17]
O impasse foi intensificado pelo conflito em relação à obra missionária franco-alemã e grega entre os eslavos na Europa Oriental, onde uma obra missionária em paralelo estava sendo feita pelos alemães de língua latina e pelos bizantinos de língua grega (realizada de acordo com princípios muito diferentes). O confronto ocorreu na Bulgária, onde Khan Boris inicialmente se inclinou para os alemães, mas quando ameaçado por uma invasão militar bizantina, ele mudou de idéia e aceitou o batismo do clero grego (tomando Miguel como seu nome batismal, seguindo o imperador bizantino) em 865. Pouco tempo depois, o Patriarca Fócio escreveu a Khan Boris uma longa carta descrevendo todos os deveres de um príncipe e governante cristão; nesta carta ele incluiu uma história detalhada sobre os sete Concílios Ecumênicos. [18]

Mas Khan Boris queria que a nova Igreja em sua terra da Bulgária fosse tão independente quanto possível, então ele olhou para o Ocidente na esperança de melhores condições. Ele permitiu que os missionários latinos tivessem liberdade, e eles criticaram duramente o clero grego por ser casado, por ter diferentes regras de jejum, por permitir que os sacerdotes administrassem a Crisma (somente bispos estavam faziam isso no Ocidente, onde era conhecido como “confirmação”), e acima de tudo, por não usar o Filioque! Embora o Filioque ainda não fosse usado oficialmente em Roma (onde continuaria a ser resistido até 1014, quando foi usado pela primeira vez no culto público), o papa Nicolau não tentou impedir os alemães de usá-lo - aparentemente ele tinha menos reservas a respeito do Filioque que seu predecessor, o papa Leão III, que, embora tivesse permitido que Carlos e os francos o usassem, em 808 gravou o Credo Niceno original em placas de prata, exibidas com destaque na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

 867: O Concílio de Constantinopla

Por volta de 867, quatro anos depois que o papa Nicolau e o Concílio de Roma de 863 tentaram depô-lo e anatematizá-lo, Fócio sentiu que não poderia mais se calar. Em uma carta encíclica a todos os patriarcas orientais, ele denunciou a presença de missionários latinos na Bulgária e suas várias práticas e crenças não-ortodoxas - especialmente o Filioque - e anunciou um sínodo vindouro que seria realizado em Constantinopla para tratar dessas questões. Aqui está um trecho desta carta sobre o Filioque: “No entanto, mesmo se não citarmos todas essas e outras inovações da Igreja de Roma, a simples citação da adição do Filioque ao Credo Niceno seria suficiente para submetê-los a mil anátemas. Esta inovação blasfema o Espírito Santo, ou mais corretamente, toda a Santíssima Trindade.”[19]

Podemos acrescentar aqui que São Fócio mais tarde escreveu um extenso ensaio criticando o Filioque, que ele dirigiu aos teólogos ocidentais, intitulado A Mistagogia do Espírito Santo [20]. Nesta obra, Fócio chama o Filioque de “embriaguez enganosa de impiedade!” E de “tagarelice blasfema que transforma a monarquia [dentro da Divindade] em muitos princípios e causas… em uma espécie de 'semi-sabelianismo' monstruoso” [21]. De acordo com o Dicionário Oxford da Igreja Cristã, a crítica do Filioque feita por Fócio “forneceu a todos os teólogos gregos subseqüentes suas objeções ao dogma ocidental” [22].

Foi assim que Fócio descreveu na mesma carta a todos os patriarcas os missionários alemães que entraram na Bulgária:
Pois os búlgaros não haviam sido batizados nem mesmo dois anos antes quando homens desonrosos emergiram das trevas [isto é, o Ocidente], e caíram como granizo - ou melhor, atacaram como javalis selvagens a recém plantada vinha do Senhor. Eles a destruíram com cascos e dentes, isto é, por suas vidas vergonhosas e dogmas corrompidos. Os missionários papais e o clero queriam que esses cristãos ortodoxos se afastassem dos dogmas corretos e puros de nossa fé irrepreensível. [23]
Em 1948, o escolar católico romano Francis Dvornik publicou um livro meticulosamente pesquisado intitulado The Photian Schism: History and Legend [24]. Esta obra corajosamente pioneira fez muito para amenizar a hostilidade e rancor que o Ocidente mantém contra o Fócio por mais de mil anos. Mas ainda assim, neste livro, Dvornik chama essa carta do Patriarca Fócio de “um ataque fútil”, “um lapso imprudente, apressado e grande, com consequências fatais”. [25] Mas, como observa o Bispo Kallistos Ware, foi o Ocidente que foi o agressor a respeito do Filioque, com Roma permitindo seu uso pelos Francos. Como Fócio estava convencido de que era heresia, ele teve que agir. [26]

Assim, neste importante ano de 867, um grande concílio se reuniu em Constantinopla. Em torno de 1000 bispos, sacerdotes e monges estavam presentes. O concílio declarou o papa Nicolau deposto, anátema e excomungado; ele foi chamado de “um herege que destrói a vinha do Senhor”. [27] E de acordo com Dvornik, “Nicolau foi condenado e pediu-se que o Imperador [Romano-Germânico] Luís II depusesse-o”, [28] o Filioque foi condenado como heresia, e a interferência romana nos assuntos internos da Igreja Oriental foi denunciada como ilegal.

Em 23 de setembro de 867, Basílio, o Macedônio, o co-imperador, ao ouvir um boato de que o imperador Miguel estava planejando matá-lo, assassinou o imperador (que era conhecido, não sem motivo, como Miguel, o Bêbado) e assassinou Caesar Bardas também, e usurpou o trono, estabelecendo uma nova dinastia - a dinastia macedônia. A fim de ganhar o favor e apoio de Roma, especialmente porque ele literalmente tinha "sangue em suas mãos" devido a sua usurpação assassina do trono, ele depôs Fócio e restabeleceu Inácio como Patriarca de Constantinopla. A comunhão com Roma foi restaurada, com tanto Basílio como Inácio escrevendo cartas extremamente respeitosas ao papa Nicolau - cartas que pareciam reconhecer a supremacia papal até mesmo sobre a Igreja do Oriente. [29]

Em 13 de novembro, no mesmo ano, o papa Nicolau morreu, antes de ouvir sobre sua  excomunhão pelo Concílio de Constantinopla, realizada no início daquele ano. Ele foi sucedido pelo papa Adriano II (867-872), que provou ser um papa relativamente forte, mas não tão forte quanto Nicolau. Ainda assim, ele supervisionou um concílio em Roma, realizado em 869, com a participação de delegados gregos, que condenaram o Concílio de Constantinopla de 867 e queimaram seus atos publicamente!

O "Concílio Inaciano" em Constantinopla em 869-870

Em 869-870, outro concílio foi realizado em Constantinopla, desta vez sob Patriarca Inácio. Foi convocado pelo imperador Basílio e submetido à pressão imperial por ele. Este concílio abriu com apenas doze bispos (mais tarde aumentando para 103). Seu pequeno número foi devido ao fato de que “a grande maioria da hierarquia e do clero permaneceu fiel a Fócio”. [30] Conhecido como o “Concílio Inaciano”, este encontro condenou e anatematizou Fócio. Ele foi então enviado para o exílio, mesmo sem seus livros. [31] No todo, este concílio foi o concílio mais pró-Roma já realizado dentro da Igreja Ortodoxa. Afirmava que “na Sé Apostólica [isto é, em Roma], a religião católica sempre foi mantida imaculada e seu ensinamento mantido santo. Desejosos de não sermos separados desta fé e doutrina ... esperamos poder estar associados a vós na Comunhão única que a Sé Apostólica proclama, na qual reside toda a verdade e perfeita segurança da religião cristã." É fácil entender por que esse concílio foi citado no Vaticano I, que declarou que a infalibilidade papal é um dogma em 1870. [32]

Alguém poderia pensar que este concílio bastante pró-Roma teria satisfeito o papado. Mas este concílio também pediu ao imperador Basílio que resolvesse o status da recém-formada Igreja búlgara e, não surpreendentemente, ele atribuiu [a Igreja búlgara] à autoridade do Patriarcado de Constantinopla. O patriarca Inácio desafiou protestos católicos romanos sobre isso, e nomeou um arcebispo e bispos para os búlgaros, expulsando todo o clero latino. Os búlgaros aceitaram esse desenvolvimento, pois finalmente perceberam que sua Igreja teria mais independência sob Constantinopla do que sob Roma. Mas Roma ameaçou Inácio com ex-comunicação, e as relações entre as duas Igrejas se tornaram tensas novamente.

Conciliação de Fócio com o Imperador Basílio e o Patriarca Inácio 

Em 873, Fócio foi retirado do exílio pelo imperador Basil, que a essa altura já havia transferido sua lealdade dos conservadores radicais da Igreja para o partido mais moderado que ainda apoiava Fócio. A essa altura Basílio estava firmemente instalado no poder e não precisava mais do apoio do partido Inaciano ou de Roma. Chegou a fazer de Fócio o tutor de seus filhos Leão (o futuro imperador) e Alexandre, e Fócio retomou suas aulas na Universidade.

Nos anos seguintes, Inácio e Fócio se reconciliaram; e quando Inácio estava próximo da morte, ele estabeleceu que queria que Fócio o sucedesse como patriarca. Isso de fato aconteceu, pois depois da morte de Inácio, em 23 de outubro de 877, Fócio retornou ao trono patriarcal. E logo depois, Fócio trabalhou para a canonização oficial de Inácio como santo - seu dia de festa é 23 de outubro.

O "Concílio Fociano" de Constantinopla em 879-880

Em 879-880, outro concílio foi realizado em Constantinopla, com 383 bispos presentes, que anulou as decisões do menor e mais politicamente motivado Concílio Inaciano de 869-870, que havia afirmado que Inácio, e não Fócio, era o legítimo patriarca de Constantinopla. Os legados papais presentes neste concílio, conhecido como Concílio Fociano, aparentemente estavam em plena aprovação. De fato, eles se juntaram nesta declaração da última sessão do Concílio: “Se alguém se recusa a reconhecer Fócio como o santo patriarca e recusa estar em comunhão com ele, seu destino será junto com Judas, e ele não será incluído entre os cristãos!”[33]

De acordo com um historiador ocidental do século XIX, geralmente antagônico em relação a Fócio, "este concílio foi, no todo, um evento verdadeiramente majestoso, como nunca visto desde o Concílio de Calcedônia." [34] Este concílio proibiu estritamente qualquer alteração do Credo Niceno, rejeitando assim o Filioque: "O Credo não pode ser subtraído, acrescentado, alterado ou distorcido de qualquer forma." [35] O texto verdadeiro do horos, ou proclamação, do concílio relativo ao Credo Niceno é como segue:
Assim pensamos; nesta Confissão de Fé fomos batizados; através desta palavra de verdade, toda heresia é despedaçada e cancelada. Registramos como irmãos e pais e co-herdeiros da cidade celestial aqueles que pensam assim. Se alguém, no entanto, ousar reescrever e chamar de Regra de Fé alguma outra exposição além daquela do Símbolo sagrado que foi propagada do alto por nossos abençoados e santos Padres até nós mesmos, e arrebatar a autoridade da Confissão daqueles homens divinos, e impor sobre ele suas próprias frases inventadas (ἰδίαις εὑρεσιολογίαις) e levar adiante essas como uma lição comum para os fiéis ou para aqueles que retornam de algum tipo de heresia, e exibir a audácia de falsificar completamente (κατακιβδηλεῦσαι ἀποθρασυνθείη) a antiguidade deste sagrado e venerável Horos (Regra) com palavras ilegítimas, ou acréscimos, ou subtrações, tal pessoa deve, de acordo com o voto dos Sínodos sagrados e Ecumênicos, que já foram aclamados antes de nós, ser submetido a completa excomunhão se ele for um dos clérigos, ou ser expulso com um anátema se ele for um dos leigos. [36]
Além disso, “este concílio também argumentou que o papa era um patriarca como todos os outros patriarcas, que ele não possuía autoridade sobre toda a Igreja e, portanto, não era necessário que o patriarca de Constantinopla recebesse a confirmação do pontífice romano”. [37] Nas palavras do Dicionário Oxford de Bizâncio sobre este concílio, “embora os 'privilégios' de Roma tivessem sido reconhecidos [como sendo o 'primeiro entre iguais'], a autoridade canônica e judicial do papa e do patriarca foi definida em termos de igualdade (cânon 1). A jurisdição papal sobre a Igreja Bizantina foi assim excluída.”[38]

O papa agora era João VIII (872-882), sucessor do papa Adriano II. De acordo com Vasiliev, “Muito irritado, João enviou um legado a Constantinopla para insistir na anulação de qualquer medida aprovada no concílio que fosse desagradável ao papa. O legado também deveria obter certas concessões em relação à Igreja búlgara. Basílio e Fócio se recusaram a ceder em qualquer um desses pontos, e chegaram ao ponto de prender o legado.” [39]

No fim, o papa João aceitou as decisões desse concílio, mesmo que com relutância, em parte por causa de seu antagonismo contra os alemães. Ele não pressionou pelo Filioque, não pressionou pelas reivindicações alemãs ou romanas na Bulgária e aceitou Fócio como o legítimo patriarca. Aparentemente, ele reconheceu que as políticas e a atitude agressiva de Nicolau foram destrutivas para a unidade cristã.

Este Concílio Fociano foi o concílio (e não o Concílio Inaciano que foi anulado) que trouxe a paz entre Roma e Constantinopla que durou até o Grande Cisma de 1054. Mas essa relação [entre as igrejas] foi severamente tensionada pela interferência do Papa Nicolau e de seus dois sucessores na vida interna da Igreja de Constantinopla. Pe. Schmemann reflete o ponto de vista ortodoxo a respeito dessa interferência quando escreveu: “Seria difícil imaginar mais incompreensão, intolerância e arrogância do que o que o papa Nicolau e seus sucessores demonstraram em sua intervenção nas dificuldades internas da Igreja bizantina”. [40]

Os últimos anos de Fócio

Fócio serviu como patriarca por mais seis anos, até que, em 886, o novo imperador Leão ( 886-912), filho de Basílio I, imediatamente o depôs, provavelmente por motivos pessoais. É sabido que Fócio se aliou a Basílio em uma disputa que o imperador teve com seu filho Leão pouco antes da morte de Basílio.

São Fócio morreu em relativa obscuridade, no mosteiro de Armeniakon [41] por volta do ano 891.

A aceitação e posterior rejeição do Concílio Fociano por Roma 

O Concílio Fociano e sua autoridade não foram questionados em Roma pelos próximos quase 200 anos. Uma forte evidência disso é dada pelo escritor católico romano Daniel J. Casellano quando afirmou: “No ocidente, os primeiros canonistas, mais notavelmente Santo Ivo de Chartres (final do século XI) e Graciano (século XII), consideraram que o Sínodo Fociano de  879-880 foi devidamente aprovado pelo Papa João VIII.”[42]

Mas durante o tempo do papa Gregório VII (1073-1085), no período conhecido como Reforma Gregoriana, como mencionei no começo deste artigo, os juristas canônicos papais voltaram às tempestuosas décadas das décadas de 860 e 870, e substituíram o Concílio Fociano pelo Concílio Inaciano de dez anos antes. Nas palavras do Dicionário de Oxford de Bizâncio, o Concílio Fociano tinha sido "reconhecido como ecumênico por Roma até a Reforma Gregoriana, quando a tradição romana oficial foi abandonada em favor do Concílio de 869" (p. 513).

O escolar ortodoxo Pe. George Dragas pergunta:
Como aconteceu que os Católicos Romanos passaram a ignorar esse fato conciliar? Seguindo Papadopoulos Kerameus, Johan Meijer - autor de um estudo aprofundado sobre o Concílio Constantinopolitano de 879/880 - apontou que os canonistas Católicos Romanos no início se referiam ao Oitavo Concílio Ecumênico (o Inaciano) no começo do século XII. Em consonância com Dvornik e outros, Meijer também explicou que isso foi feito deliberadamente porque esses canonistas precisavam naquela época do cânone 22 desse Concílio. [43] De fato, no entanto, eles negligenciaram o fato de que "este Concílio havia sido cancelado por outro, o Concílio Fociano de 879-880 - os atos dos quais também foram mantidos nos arquivos pontifícios". [44] 
Repercussões para as relações Ortodoxo-Católicas Romanas

Quão diferente teriam sido as relações nos séculos seguintes, e até o presente, entre a Ortodoxia e o Catolicismo Romano, se a Igreja Romana tivesse continuado a aceitar o Concílio Fociano como legítimo, e se ela tivesse cumprido plenamente seus decretos! Pois se a Igreja Romana reafirmasse a legitimidade do Concílio Fociano, rejeitando assim o Concílio Inaciano, os dois maiores obstáculos à reconciliação da Igreja Romana com a Ortodoxia seriam instantaneamente removidos: o Filioque, e as reivindicações da Igreja Romana de uma autoridade jurisdicional sobre as Igrejas Orientais.

Como Pe. John Meyendorff observa, comentando sobre o levantamento mútuo dos anátemas de 1054 pelo Papa e pelo Patriarca de Constantinopla em 1965,
Quão imensamente mais significativo, por exemplo, seria a restauração na lista dos Concílios Ecumênicos reconhecidos por Roma do Concílio de Constantinopla de 879-880, a única tentativa realmente bem-sucedida de reunião entre o oriente e o ocidente. Pois um dos resultados mais empolgantes da pesquisa histórica contemporânea (especialmente os estudos de F. Dvornik) foi a descoberta de que esse concílio, apoiado e aprovado pelo Patriarca Fócio e pelo Papa João VIII, permaneceu nas listas ocidentais dos Concílios Ecumênicos até a século XI [ou pelo menos havia sido aceito como plenamente legítimo, substituindo o Concílio Inaciano], quando os canonistas latinos arbitrariamente o substituíram pelo Concílio de 869-870. Uma decisão desse tipo certamente mudaria fundamentalmente as relações entre a Ortodoxia e Roma. [45]
E se eu puder me aventurar numa especulação: se a Igreja Ortodoxa agora designasse oficialmente o Concílio Fociano como o Oitavo Concílio Ecumênico, talvez a Igreja Romana fosse pressionada a fazê-lo também ela mesma, no interesse de uma reunião com a Santa Ortodoxia. Mas mesmo que isso não aconteça, fazendo do Concílio Fociano o Oitavo Concílio Ecumênico e os Concílios Palamitas, o Nono Concílio Ecumênico; e tendo serviços litúrgicos em memória deles, junto com, claro, a veneração dos Pais destes concílio; a tremenda importância desses concílios ficaria impressa sobre os fiéis ortodoxos, que poderiam então se beneficiar espiritualmente aprendendo sobre suas decisões.

Além disso, através dessas ações, acredito que o atual diálogo entre nossa Igreja e a Igreja Romana seria bastante beneficiado, pois três das mais importantes questões seriam trabalhadas, colocadas em maior relevo, e os participantes seriam estimulados a lidar com elas mais decisivamente - as questões de 1), um credo niceno imutável; 2) independência jurisdicional para nossas várias Igrejas Ortodoxas - liberta da supervisão do papado, exceto em relação a restauração da antiga compreensão da primazia de honra do bispo romano como o “primeiro entre iguais”; e 3), a distinção dogmática crucial entre a Essência e as Energias de Deus, e a compreensão da salvação / santificação / deificação como consistindo na participação do homem nas Energias Divinas.

Avaliação de Fócio hoje

Estudiosos ocidentais, influenciados pela perspectiva papal veementemente anti-fociana, há muito afirmam que Fócio foi a principal figura culpada em causar o cisma temporário de 863 a 867 com a Igreja Romana, razão pela qual até hoje é chamado no Ocidente de “Cisma Fociano” - como mencionei anteriormente. Adrian Fortescue, autor do artigo sobre "Fócio" na Enciclopédia Católica de 1911, [46] até o acusa de ser a principal fonte e causa do Grande Cisma de 1054! Fortescue termina seu artigo com estas palavras:
Talvez se possa resumir sobre Fócio dizendo que ele foi um grande homem com uma mácula em seu caráter - sua ambição insaciável e inescrupulosa. Mas essa mácula cobre sua vida de tal forma que eclipsa tudo o mais e faz com que ele mereça nosso julgamento final como um dos piores inimigos que a Igreja de Cristo já teve, e a causa da maior calamidade que já aconteceu com ela.
Felizmente, com o grande estudo de Francis Dvornik de 1948 ao qual me referi anteriormente, hoje Fócio é  geralmente mais aceito no Ocidente como, nas palavras de Dvornik, “um grande homem da Igreja, um humanista instruído e um cristão genuíno, suficientemente generoso para perdoar seus inimigos, e dar os primeiros passos para a reconciliação.” [47] Ele ainda é visto sob uma luz negativa, por todos os defensores das reivindicações papais de governo sobre todas as Igrejas de Cristo, devido à sua resistência inflexível contra o que nós Ortodoxos entendemos ser o erro fundamental da Igreja Romana.

A posição de São Fócio na Ortodoxia dificilmente poderia ser maior, uma vez que ele é honrado, juntamente com São Marcos de Éfeso e São Gregório Palamas, como um dos Três Pilares da Ortodoxia. Essa designação parece ser intencionalmente paralela à veneração dada a São Basílio, o Grande, São Gregório, o Teólogo, e São João Crisóstomo, como os Três Santos Hierarcas.

O dia da festa de São Fócio é celebrado na Santa Igreja Ortodoxa em 6 de fevereiro.

Por que o Concílio Fociano não tem sido considerado ecumênico pela Igreja Ortodoxa?

Foi convocado pelo imperador; teve representação de todo o mundo Ortodoxo, incluindo legados de Roma; foi grande; seus atos foram assinados por todos os Patriarcados; e referiu a si mesmo como “este Sínodo santo e ecumênico”. E como o Dicionário Oxford de Bizâncio afirma: “As decisões do Concílio foram inseridas em toda coleção Ortodoxa de direito canônico subseqüente, e normalmente seguem as dos sete primeiros concílios ecumênicos. É referido como "ecumênico" por alguns autores bizantinos". [48]

No entanto, seu foco principal foi numa questão administrativa / jurisdicional - concernente à afirmação da legitimidade plena da eleição de um patriarca oriental - ao invés de uma questão cristológica urgente, que cada um dos sete Concílios Ecumênicos anteriores havia abordado - embora se possa afirmar que a Triadologia e, portanto, a Cristologia, foram de fato abordadas, na medida em que o Filioque foi proibido por este concílio.

Além disso, o próprio Fócio pode ter hesitado em proclamá-lo como o Oitavo Concílio por razões de humildade, já que esse o exonerou totalmente; e também porque ele ainda tinha a intenção de garantir que o Concílio de Nicéia de 787 fosse plenamente reconhecido como o Sétimo Concílio Ecumênico - o que também foi afirmado neste concílio.

Mas quaisquer que sejam as razões pelas quais a Igreja Ortodoxa ainda não designou o Concílio Fociano como o Oitavo Concílio até agora, por que esta questão não poderia ser reconsiderada em nosso tempo, com oração, estudo e coragem, o que poderia resultar no discernimento que talvez o Espírito Santo está tentando mover nossa Igreja nesta direção, por razões ecumênicas pastorais e evangelísticas sólidas?

Esforços contemporâneos na Ortodoxia para que seja reconhecido como o Oitavo Concílio Ecumênico

Aqui está uma lista parcial de exemplos do fato de que muitos no mundo Ortodoxo estão defendendo que o Concílio Fociano seja oficialmente designado como Oitavo Concílio Ecumênico:

"Em uma entrevista com a Interfax-Religion, o chefe do Departamento Sinodal de Relações Igreja-Sociedade e Mídia de Massa, Vladimir Legoida, nos deu uma idéia do próximo concílio e sua preparação, e também falou de como ele difere de um Concílio Ecumênico e como a crítica deste fórum deve ser percebida:
Em primeiro lugar, é importante enfatizar que os concílios são a norma da vida da Igreja e não sua distorção. Os Sete Concílios Ecumênicos - as assembleias mais importantes de bispos no período do cristianismo antigo - tornaram-se firmemente incorporados em nossa consciência. No entanto, houve outros concílios extremamente importantes de hierarcas ortodoxos. Por exemplo, o Quarto Concílio de Constantinopla, também conhecido como o Concílio de Hagia Sofia, convocado em 879 sob a presidência do Patriarca de Constantinopla São Fócio. Este Concílio, entre outras coisas, incluiu o Segundo Concílio de Nicéia em 787 entre os Concílios Ecumênicos. As decisões do Concílio de 879 tornaram-se parte da lei canônica da Igreja Ortodoxa. Alguns santos consideraram este Concílio como o Oitavo Concílio Ecumênico. E embora não houve um concílio posterior na história da Igreja que afirmou que este concílio teve tal status elevado, a importância atribuída ao Concílio de Hagia Sofia deve ser levada em conta, especialmente quando observamos o fato de que as pessoas dizem que a vida conciliar da Igreja Ortodoxa terminou com os Sete Concílios Ecumênicos. Este não é o caso. [49]"
De “Reconhecimento Oficial do 8º e 9º Sínodo Ecumênico”:
Há alguns anos foi decidido pela Igreja da Grécia que iniciassem o processo de oficialização do Oitavo e do Nono Sínodo Ecumênico, mas desde então a questão foi deixada de lado. Sua Eminência Metropolita Serafim de Pireu, que defendeu esse reconhecimento e o apresentou ao Patriarcado Ecumênico, decidiu avançar com [a defesa] em sua própria metrópole em nível local. Abaixo está traduzida a Declaração de Sua Eminência, e abaixo estão as duas Encíclicas para cada um dos dois Sínodos Ecumênicos, estabelecendo a celebração da Santa Memória dos 383 Padres portadores-de-Deus do 8º Sínodo Ecumênico no Segundo Domingo de Fevereiro, e os Padres portadores-de-Deus do 9º Sínodo Ecumênico no Segundo Domingo da Grande Quaresma. [50]
O mesmo Metropolita Serafim de Pireu escreveu ao Patriarca da Sérvia a respeito da proposta do Patriarca Irineu aos primazes das Igrejas Ortodoxas Autocéfalas para oficialmente reconhecer o Concílio de 879-880 em Constantinopla como o Oitavo Concílio Ecumênico, e o Concílio Palamita de 1351 como o Nono Concílio Ecumênico: “Você fez a obra do Espírito Santo. Você realizou a obra do Deus Triúno vivo.”[51]

Pe. John Romanides defendeu enfaticamente o reconhecimento do Concílio Fociano como o Oitavo Concílio Ecumênico, e a série de Concílios Palamitas como o Nono Concílio Ecumênico. [52]

De "Metropolita Hierotheos Vlachos de Nafpaktos sobre o diálogo atual com Roma": [53]
Durante o primeiro milênio, a Igreja Ortodoxa enfrentou a questão do reconhecimento de honra do papa de Roma. Isto ocorreu durante o Concílio no tempo de Fócio o Grande (879-880), que é considerado por muitos Ortodoxos como o Oitavo Sínodo Ecumênico. Esses dois tipos de eclesiologia - isto é, do papismo e da Igreja Ortodoxa - foram apresentados durante este Concílio. O Patriarca Fócio reconheceu uma primazia de honra para o Papa, mas somente dentro da estrutura eclesiológica Ortodoxa - ou seja, o Papa tem uma primazia de honra dentro da Igreja, mas não pode ser colocado acima da Igreja. Portanto, na discussão relativa à primazia do Papa, a decisão deste Concílio deve ser seriamente levada em conta. 
Naturalmente, durante este Concílio, a questão do filioque também foi discutida, juntamente com a questão da primazia; portanto, quando discutimos a questão da primazia hoje, devemos examiná-la através do prisma da primazia de honra, como deveríamos no caso do filioque.
Além disso, veja o artigo do Metr. Hierotheos Vlachos, “Fócio o Grande e Oitavo Sínodo Ecumênico”, publicado no Mystagogia de 6 de fevereiro a 19 de fevereiro de 2016 (em sete partes).

Além disso, o prolífico escritor ortodoxo moderno Pe. George Metallinos afirma o Concílio Fociano como o Oitavo Concílio Ecumênico.

De acordo com o artigo da Orthodoxwiki intitulado “O Oitavo Concílio Ecumênico”,
Uma das primeiras referências como "Oitavo Concílio Ecumênico" foi feita no século XV por São Marcos de Éfeso, que expressa a visão teológica geral da época em Constantinopla durante o chamado "Concílio Ladrão" em Ferrara - Florença (sendo referenciado nos comentários do Pedalion como 879-880 "Sínodo reunido em Agia Sophia"). 
Além disso, a Encíclica dos Patriarcas Orientais de 1848 refere-se explicitamente ao “Oitavo Concílio Ecumênico” em relação ao sínodo de 879-880; e foi assinado pelos patriarcas de Constantinopla, Jerusalém, Antioquia e Alexandria, bem como pelos Santos Sínodos dos três primeiros.
Pe. George Dion. Dragas escreveu em seu “Oitavo Concílio Ecumênico: Constantinopla IV (879/880) e a Condenação da Adição e Doutrina do Filioque”, postado no Orthodox Outlet for Dogmatic Inquiries em 28 de dezembro de 2009:
Estes concílios [incluindo o de Constantinopla 879/880, o "Oitavo Ecumênico", como se chama no Tomos Charas (Τόμος Χαρᾶς) do Patriarca Dositheos, que publicou pela primeira vez seus procedimentos em 1754 e também pelo Metropolita Nilus Rhodi, cujo texto é citado na edição de Mansi não foram nomeados [como sendo "Ecumenicos"] no oriente por causa da antecipação Ortodoxa da possível cura do cisma de 1054, que foi buscada pelos Ortodoxos até a captura de Constantinopla pelos turcos em 1453. Existem outros motivos óbvios que impediram a nomeação, a maioria dos quais se relacionam com os anos difíceis que a Igreja Ortodoxa teve que enfrentar após a captura de Constantinopla e a dissolução do Império Romano que a apoiava. 
Michael Prokurat, Bispo Alexander (Golitzin) e Michael D. Peterson escrevem no Dicionário Histórico da Igreja Ortodoxa: “Por um acordo que parece estar em vigor no mundo Ortodoxo, possivelmente o concílio realizado em 879 que absolveu o Patriarca Fócio em alguma data futura será reconhecido como o oitavo concílio.”[54] E mais, “Dada a convocação de outro concílio ecumênico, a Igreja Ortodoxa certamente reconheceria o sínodo de 879 como o Oitavo Concílio Ecumênico. [55]

St. Photios the Great, The Photian Council, and Relations with the Roman Church por Dr. David Ford

Notas

[1] G. Ostrogorsky, History of the Byzantine State, p. 199; citado em Bp. Kallistos Ware, The Orthodox Church, ed. revisada [1993], p. 52.

[2] “Photios, Patriarch of Constantinople,” in the New Catholic Encyclopedia [1967], vol. 11, p. 327.

[3] Ibid.

[4] Ibid.

[5] Ibid.

[6] Despina S. White, Photios [Brookline, Mass.: Holy Cross Orthodox Press, 1981], p. 23; veja também pp. 72-73.

[7] Ibid.

[8] Ibid. pp. 72-73.


[9] Ibid.

[10] As igrejas na Alemanha (no Sacro Império Romano) foram especialmente resistentes a serem submetidas sob a autoridade do bispo romano, como é muito evidente a partir da história de São Metódio de Panônia e Morávia (com seu irmão São Cirilo, eles são conhecidos como os apóstolos dos eslavos).

[11] Ware, The Orthodox Church, p. 53.

[12] Ibid.

[13] Ibid.

[14] The Oxford Dictionary of the Christian Church, 2nd ed., p. 1087.

[15] Ware, p. 54.

[16] Ibid., p. 53.

[17] The Christian Centuries [New York: Paulist Press, 1969], vol. 2, pp. 78-79.

[18] PG 110.1048ff; Trad.para o inglês por Despina S. White e Joseph R. Berrigan, Jr., e entitulado The Patriarch and the Prince [Brookline, Mass.: Holy Cross Orthodox Press, 1982.]

[19] Holy Apostles Convent, The Lives of the Pillars of Orthodoxy [Buena Vista, Colo.: Holy Apostles Convent, 1990], p. 66.

[20] Trad.para o inglês por Holy Transfiguration Monastery, Brookline, Mass. (1983), e por Joseph P. Farrell (Holy Cross Orthodox Press, Brookline, Mass., 1987).

[21] Mystagogia, para. 9.

[22] Second ed., p. 1088.

[23] Holy Apostles Convent, p. 64; e outros trechos estão  na pp. 64-67.

[24] Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1948.

[25] p. 433.

[26] Ware, p. 55.

[27] Ibid.

[28] Dvornik, p. 328.

[29] Veja A. A. Vasiliev, History of the Byzantine Empire [Madison: Univ. of Wisconsin Press, 1952], vol. 1, p. 330.

[30] Ibid.

[31] Veja sua Carta 17 no livro de Despina White, p. 161.

[32] Veja Neuner e Dupuis, The Christian Faith in the Doctrinal Documents of the Catholic Church (New York: Alba House, 1981), p. 232.

[33] Vasiliev, vol. 1, p. 331.

[34] Joseph Hergenrother; citado por Ibid.

[35] Mansi 17:516C; Oxford Dictionary of Byzantium, p. 786.

[36] Tradução por Pe. George Dragas, em “The Eighth Ecumenical Council: Constantinople IV (879/880) and the Condemnation of the Filioque, Addition and Doctrine,” postado em inglês Dec. 28, 2009, no Orthodox Outlet for Dogmatic Enquiries (oodegr.co).

[37] Vasiliev, vol. 1, p. 331.

[38] p. 513.

[39] Vasiliev, vol. 1, pp. 331-332.

[40] Historical Road of Eastern Orthodoxy (SVS Press, 1977), p. 246.

[41] De acordo com Dvornik, p. 329.

[42] “Comentário sobre o Quarto Concílio de Constantinopla”, arcane knowledge.org, 2013.

[43] Este cânone proibia o uso da "investidura leiga", pela qual leigos (nobres, duques ou reis) nomeavam padres ou bispos para suas capelas, igrejas, abadias e bispados, em vez de permitir que a Igreja fizesse tais tais nomeações. Esta foi a principal preocupação do papa Gregório VII durante o seu pontificado.

[44] “The Eighth Ecumenical Council: Constantinople IV (879/880) and the Condemnation of the Filioque, Addition and Doctrine”; no site Mystagogy. 

[45] Orthodoxy and Catholicity (New York: Sheed and Ward, 1966), pp. 168-169.

[46] Disponível de forma fácil na internet no site popular newadvent.org.

[47] The Photian Schism, p. 432.

[48] p. 513.

[49] Postado em mospat.ru., 6 de Janeiro, 2016, sob o título, “Councils are the Norm of Church Life and Not Its Distortion.”

[50] Postado no site de John Sanidopoulos, Mystagogy, 15 Jan, 2014 http://www.johnsanidopoulos.com/2014/01/an-official-recognition-of-8th-and-9th.html.

[51] Em um artigo de nome “Serbian Church Proposes for the Recognition of the 8th and 9th Ecumenical Synods,” postado no site de John Sanidopoulos, Mystagogy, 30 de Set., 2015.

[52] Veja seu “The Myth of Only Seven Ecumenical Councils” and “What are the Criteria for an Ecumenical Council?” no Mystagogy.

[53] Escrito em 2009; no Mystagogy.

[54] No artigo de nome “Ecumenical Councils; (Lanham, MD: Scarecrow Press, 1996), pp. 114-115.

[55] No artigo de nome “Photios;” Ibid., p. 263.






segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Uma introdução teológica à Mistagogia de São Fócio (Joseph P. Farrell)

Prolegemena

A análise teológica da controvérsia filioque, uma questão de grande complexidade que se repetiu em toda a história cristã desde o século IX, provocou muitas avaliações diferentes. Estas avaliações têm variado todo o espectro: de uma grande indiferença para a resposta mais sóbria proferida por São Fócio em sua obra Mistagogia. Para alguns teólogos ocidentais, as declarações de Alan Richardson podem ser usadas como paradigma:
No ocidente, tornou-se costumeiro dizer que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, porque se sentiu que o Espírito, embora procedendo do Pai como fonte de todo ser, foi dado ao mundo por Jesus Cristo, e porque o próprio Novo Testamento fala dEle como o Espírito de Jesus, bem como o Espírito do Pai. Mas a Igreja Oriental nunca aceitou esse uso, embora fosse principalmente uma questão de palavras e terminologia, sem envolver nenhuma questão teológica vital. [1]
Padre Richardson ignora as razões que fundamentam a rejeição do filioque pela Igreja do Oriente, porque elas são para ele apenas “ninharias verbais.” [2]

Mas essa não foi a resposta de São Fócio, o primeiro grande teólogo oriental a confrontar a doutrina. Sua resposta foi nada menos que uma extensa acusação do filioque. A doutrina da dupla processão era para São Fócio uma espécie de soma de todo erro teológico; tal doutrina disse "todo o atrevimento imprudente que há para ser dito" . [3] São Fócio viu no filioque nada menos que uma reafirmação abrangente de todos os antigos problemas trinitários: o modalismo, o arianismo, o macedonianismo e até o politeísmo. Todas essas coisas, de acordo com Fócio, são implicações da doutrina do filioque. [4] Na época atual, é costume descartar ou desvalorizar declarações dogmáticas; mas essas acusações são muito sérias para serem descartadas tão levianamente. O próprio fato de sua menção ou implicação na Mistagogia indica que o próprio tratado é uma resposta historicamente informada.

Cônscio destes paralelos históricos do filioque, Fócio também baseou sua resposta à dupla processão em precedentes anteriores, entre eles os escritos dos Santos Atanásio, Basílio e Gregório de Nissa. Seu tratado, a Mistagogia, visto neste amplo contexto histórico e dogmático, assume assim o mesmo significado vis-à-vis o filioque que os outros grandes clássicos patrísticos sobre questões trinitárias. A mistagogia foi essencialmente a primeira resposta fundamentada a Agostinho e agostinismo de um ponto de vista oriental "capadócio" [5] e é, portanto, de importância primordial em todas as relações subsequentes entre oriente e ocidente, endividado como o ocidente é para Agostinho sobre esta e outras posições.  Não seria ir longe demais dizer que a Mistagogia deve formar o ponto de partida teológico e histórico para qualquer exame Ortodoxo do agostinismo.

Nosso interesse nesta introdução teológica à Mistagogia será, portanto, sinótico. Procuraremos colocar a Mistagogia dentro de um amplo contexto histórico que começa com Plotino e termina com Aquino, um período de aproximadamente mil anos. Como veremos, a obra de São Fócio foi exercer uma tremenda influência, não apenas na subsequente teologia Ortodoxa, mas até certo ponto nas formulações ocidentais subsequentes. Como consequência de nossa visão sinótica do problema do filioque, não poderemos examinar todo texto relacionado ao assunto, mas só poderemos retratar, em traços muito amplos, o progresso da simplicidade neoplatônica e sua dialética acompanhante através da história do pensamento trinitário ocidental.

Ao fazer isso, uma interpretação particular da história do agostinismo surge como uma consequência do nosso exame teológico. Espera-se, assim, que o leitor seja capaz de ver a incrível precisão lógica de São Fócio, às vezes predizendo algumas conclusões às quais o ocidente só chegaria ou responderia séculos depois. Espera-se também que se possa ver a base histórica da resposta de São Fócio ao filioque e, ao fazê-lo, perceber que a forte reação da Ortodoxia à dupla processão não é “uma questão de palavras e terminologia", ou um caso de mera recalcitrância contra uma "evolução dogmática inevitável", mas uma resposta baseada em um cuidado real e genuíno pelos fundamentos da Fé. Esta introdução, portanto, tenta justificar a acusação abrangente de São Fócio sobre a dupla processão, demonstrando que o filioque compartilha estruturas filosóficas comuns, vínculos e ancestralidade com as grandes heresias cristológicas e trinitárias. Essa filosofia compartilhada é o neoplatonismo.



Neoplatonismo e a Simplicidade Divina 

O neoplatonismo é uma filosofia relativamente fácil de explicar e difícil de avaliar. Todo o desenvolvimento da filosofia grega foi, do começo ao fim, uma busca racional; procurou explicar a realidade através da razão. O pintor Rafael sintetizou perfeitamente a história desse desenvolvimento em sua pintura “A Escola de Atenas”. Lá Platão aponta para cima, para as idéias, os universais imateriais, e Aristóteles aponta para baixo, em direção aos particulares materiais. Isso retrata perfeitamente a ferramenta necessária para a mente filosófica clássica, a dialética de oposições; algo poderia ser conhecido apenas por algum contraste com o seu oposto. A realidade foi tratada de uma forma muito moderna, como se fosse um gigantesco sistema binário. O foco estava sempre no celeste e no ideal ou no material e no particular. Mesmo o infinito só poderia ser infinito em oposição ao finito. Embora os filósofos antes de Plotino considerassem que o infinito estava além dos poderes da investigação racional, estritamente falando não havia razão formal, dadas suas pressuposições, por que tal investigação racional do infinito não poderia ser empreendida. Mas por centenas de anos os filósofos gregos se contentaram em explorar os problemas associados com o lado finito da tensão dialética do infinito e do finito.

Por que isso é assim é prontamente aparente. Para os gregos antigos, "o Ser perfeito" significava precisamente um ser finito e limitado, pois somente tal ser poderia ser definido. [6] Mesmo Platão não tinha ido além de uma pluralidade de universais finitos para postular um universal abrangente, um "Universal" universal. Tampouco Aristóteles havia proposto um gênero absoluto no qual todos os particulares pudessem ser compreendidos. Plotino faz as duas coisas. Ele postula o "Universal" universal, o gênero absoluto, o infinito Uno, e define esse Uno infinito como “simplicidade”. Assim, com Plotino e o advento do neoplatonismo, ocorreu uma mudança monumental na filosofia. Em seu pensamento, a filosofia teve seu primeiro ímpeto real para explorar o infinito no contexto de um sistema filosófico racional.

Esse Uno infinito era simplesmente "o não-isso". [7] Quintessencialmente falando, não era qualquer "coisa finita particular". [8] Estava além da pluralidade de seres finitos [9] como um ser que era infinito, indefinido, transcendente e absolutamente "simples", tendo nenhuma composição. Essa simplicidade foi descrita por Paul Tillich como “o abismo de tudo específico”. [10] Esse abismo, observa Tillich, não é simplesmente “algo negativo; é o mais positivo de todos porque contém tudo o que é.” [11] O Uno é, portanto, aquele ser em que, em virtude de Sua simplicidade, ser, existência, natureza, atividade e vontade são todos idênticos. [12] Em outras palavras, o que [o Uno] quer (Sua vontade), o que [o Uno] é (Sua natureza) e o que Ele faz (Sua atividade) são, por definição, “inteiramente indistinguível”. [13]

Nesta altura, é necessário fazer algumas observações. O fato de que o Uno não é uma coisa finita particular significa também que ele é definido pela oposição à essas coisas finitas, [14] e assim, de um ponto de vista puramente lógico, o Uno deve sempre ter coisas finitas em oposição a ele, a fim de ser assim definido. Deve sempre permanecer em alguma tensão dialética a algo particular e finito. É somente Uno pela sua oposição aos muitos; simples e universal apenas pela sua oposição ao composto e particular; e infinito e absoluto apenas pela sua oposição ao finito e ao relativo. Paradoxalmente, e quase ironicamente, Plotino elevou o finito, relativo e composto ao mesmo status lógico do infinito, exatamente o oposto (!) do que ele desejava fazer. Em outras palavras, a dialética dos contrastes é muito flexível e nem sempre fará o que se pretendia fazer.

Uma segunda observação deve ser feita. Como a simplicidade do Uno é tal que inclui, em vez de excluir, todos os particulares, então, segue que, como requisito lógico do sistema, todos particulares existem apenas pela ação do Uno. No entanto, isso de modo algum afirma uma criação de particulares no sentido cristão. O Uno não pode ter controle sobre a “criação” do ser finito [15] simplesmente porque tal criação é imposta ao Uno por sua própria simplicidade previamente definida! [16] O Uno deve sempre ter criado, estar criando e continuar a criar, se é para ser o que É. Em uma frase muito moderna, o Uno era o fundamento de toda a existência, mesmo de sua própria existência. Em termos práticos, a suposição da simplicidade divina torna impossível a concepção cristã de uma criação livre e espontânea por um Deus que não era obrigado a criar a partir de qualquer necessidade interna da natureza ou da necessidade externa da lógica. A criação era para os neoplatônicos uma necessidade absoluta; para os cristãos, a criação era caracterizada como um ato divinamente livre.

Porque o Uno era simples, qualquer ato do Uno em querer criar particulares finitos era também um ato de Sua essência, uma vez que essência, vontade e atividade são todas “inteiramente indistinguíveis”. A criação é apenas o “transbordamento da essência divina na criação". [17] Havia, em termos teológicos, nenhuma distinção entre a essência e as energias do Uno, ou entre teologia e economia. Esse é um ponto importante a ser lembrado na discussão que se segue.

Há dois particulares finitos que o Uno cria no sistema de Plotino: o Nous (mente) e a Alma-do-mundo. O Uno, sem qualquer atividade de sua parte, naturalmente produz o Nous. Este Nous, por sua vez, produz a Alma-do-mundo em companhia da agência do Uno. O universo neoplatônico assume, assim, uma subordinação estrutural definitiva de três níveis. No ápice está o Uno, agindo como a Causa Não-Causada de todos. Em uma posição intermediária vem o Nous (mente), causado pelo Uno e, junto com o Uno, causando a Alma-do-mundo. Na última posição, vem a alma do Mundo, emanando tanto da Causa Não-causada quanto da Causa Causada. Como estudo da lógica e da física aristotélica, essa subordinação é clássica: o Uno não tem absolutamente nenhuma distinção; o Nous tem uma distinção, a de ser causada pelo Uno e a Alma-do-mundo, tem duas distinções, aquelas de ser causada por dois tipos diferentes de causas.

Neste ponto, pode ser perguntado por que o Uno parou de criar com o Nous e com a Alma-do-mundo, ou porque a Alma-do-mundo, por sua vez, não causou algo subordinado a ela. E a resposta, é claro, é que não há razões, dadas as pressuposições e estrutura do neoplatonismo, por que essas sugestões não puderam ser realizadas. De fato, a história subsequente do neoplatonismo mostra exatamente essa tendência de multiplicar os componentes estruturais do sistema. Dentro do Nous, um dos discípulos de Plotino distinguiria três novos seres. [18] Jâmblico levaria a tendência muito mais além, não apenas multiplicando o número de seres subordinados ao Uno, mas mesmo fazendo do Uno de Plotino um ser intermediário, e postulando um Uno mais acima. [19]

Como devemos avaliar o neoplatonismo? Claramente, a estrutura e a dialética subjacente são bastante básicas e simples. A prioridade da unidade sobre a diversidade, da simplicidade sobre a composição, pode ser chamada sem reservas de impulso básico do sistema. [20] Mas também podemos dizer que existe uma ambiguidade inerente ao sistema, derivada em última instância da definição de simplicidade e da flexibilidade de sua dialética subjacente. Essa flexibilidade se apresenta de duas maneiras básicas. Se, por causa de sua simplicidade, todos os atos do Uno são atos de Sua essência, então como distinguiremos entre Sua simplicidade abrangente e os próprios particulares que, por contraste lógico a ela, a definem? Em outras palavras, não há nada que impeça o panteísmo se a definição de simplicidade for aceita como uma definição da essência divina; porque uma vez que qualquer particular é afirmado, ele imediatamente colapsa de volta em uma unidade indistinguível com o Uno, seu criador. Por outro lado, uma vez que ser, atividade causal, e vontade tem sido identificados [N. do T.: ser = atividade = vontade], por causa dessa mesma simplicidade, então o que é que impedirá alguém de afirmar a eternidade de particulares e multiplicar estes particulares para qualquer número de seres, cada um causando, com o Uno, o ser imediatamente subordinado a ele? Uma vez que a simplicidade é afirmada, ela deve, se é para permanecer o que é, colapsar em uma série potencialmente infinita de Unos, como no sistema de Jâmblico.

O sistema aparentemente simples do neoplatonismo é apenas uma aparência enganadora. Como mostra a história subsequente, ele poderia se desdobrar em uma variedade de posições, cada uma alegando derivar logicamente de seus pressupostos e métodos. Essa ambiguidade inerente é ainda mais confusa quando essa definição é feita para servir como base da doutrina trinitária na teologia de Santo Agostinho.

O Filioque e seu contexto na Teologia Agostiniana

A doutrina filioque é, em última instância, derivada da definição filosófica e da dinâmica lógica do sistema que acaba de ser avaliado. Cada um dos problemas que participaram desse sistema - a identificação do ser e da vontade; sua consequência em uma criação divina eterna; a flexibilidade da lógica; a definição de simplicidade no colapso em uma série infinita de seres, ou a tendência a apagar todas as distinções entre seres particulares; e a subordinação estrutural do sistema - todos estão até certo ponto envolvidos na controvérsia entre o ocidente carolíngio e São Fócio sobre a dupla processão do Espírito Santo. De fato, o próprio filioque, através da mente formidável de Santo Agostinho, combina essas características do neoplatonismo em uma expressão única e concisa.

A doutrina da dupla processão não pode ser adequadamente entendida sem uma avaliação correta do impacto de Santo (Bem-aventurado) Agostinho, nem pode ser adequadamente entendida como divorciada do seu contexto no programa agostiniano da teodiceia. Não é difícil multiplicar citações em relação ao significado de Santo Agostinho. Paul Tillich escreveu em termos inequívocos que "ele é o fundamento de tudo o que o ocidente tem a dizer". [21] O estudioso católico romano, Eugene Portalie, disse que “o ensinamento de Agostinho marca uma época distinta na história do pensamento cristão e abre uma nova fase no desenvolvimento da Igreja”. [22] De Santo Agostinho procede toda a prática dogmática e eclesiástica do ocidente: “cada nova crise e cada orientação de pensamento no ocidente pode ser rastreada (até ele)” . [23] Isso não significa, claro, que Santo Agostinho realmente disse o que mais tarde os teólogos ocidentais diriam em todos os casos, mas que ele determinou as questões e a maneira de pensar. De um modo geral, o agostinismo é uma maneira de olhar para a teologia; é o resultado da tentativa de Santo Agostinho de elaborar uma síntese da fé ortodoxa e do neoplatonismo. Como tal, o agostinismo é apenas um método particular de lidar com as ideias centrais da fé e da razão. [24] Este método resultou do mesmo desejo que inspirou os apologistas: o desejo de defender a racionalidade da fé cristã, buscando um terreno comum entre os filósofos e o cristianismo. Assim Santo Agostinho,
buscando como ele fez. . . o terreno comum entre as duas doutrinas (cristianismo e neoplatonismo). . . pôde vir a acreditar, sem base para isso, que ele encontrou cristianismo em Platão ou Platão nos Evangelhos. [25]
Com efeito, Santo Agostinho estava tentando afirmar a fé cristã em termos da filosofia neoplatônica. [26] Mas, como consequência de sua aceitação acrítica do neoplatonismo, os elementos filosóficos e teológicos de seu pensamento muitas vezes se tornaram tão intimamente ligados que não podiam ser divorciados. [27] Ao intensificar a ambiguidade e a flexibilidade já inerentes ao neoplatonismo, essa síntese ambígua veio a dominar toda a história do cristianismo ocidental. Assim, o agostinianismo é um divisor de águas tão importante na história da doutrina que alguém é ou não é um agostiniano. [28] Como resumo do agostinismo, pode-se dizer que o resultado final da reaproximação de Santo Agostinho com o neoplatonismo foi fazer da revelação uma filosofia, e a filosofia uma revelação.[29]

Santo Agostinho supôs que, se houvesse um terreno comum entre teologia e filosofia, também poderia haver definições comuns. Ele encontrou essa definição comum na simplicidade neoplatônica do Uno. [30] Apropriando-se desta definição como uma compreensão da essência divina da Trindade Cristã, da unidade do Deus cristão, ele fez dela a base última de sua tentativa de síntese. [31] Assim, é a doutrina agostiniana de Deus que o ponto de contato entre a revelação e filosofia, entre fé e razão, ocorre, e é através de sua doutrina de Deus que o agostinismo deve ser abordado.

Santo Agostinho, de fato, fez de seu "primeiro princípio filosófico um só. . . com seu primeiro princípio religioso” [32] de tal maneira que, como observou um estudioso católico romano francês, até mesmo sua noção de ser divino permaneceu grega, isto é, em última instância pagã. [33] É neste ponto que a essência divina começou a ser abstraída da Trindade das pessoas como um prolegômeno da teologia.

A Essência Divina

Tendo assumido a simplicidade da essência divina, Agostinho e depois dele o agostinismo, destacou a essência divina - como unidade e simplicidade - de todas as “pluralidades” divinas, isto é, os atributos e as pessoas. A dialética das oposições já está em evidência nesta etapa. Duas coisas ocorrem por causa disso. Primeiro, a unidade de Deus começa a ser vista em termos impessoais, abstratos e filosóficos, e não encontra um referente último na monarquia da Pessoa do Pai. Mas mais crítico é o fato de que as pessoas e os atributos, como pluralidades opostas à essência, recebem o mesmo status lógico. Falando do Pai, Santo Agostinho diz que
Ele é chamado a respeito de Si mesmo tanto Deus, e grande, e bom, e justo, e qualquer outra coisa do tipo; e assim como para Ele ser é o mesmo que ser Deus, ou ser grande, ou ser bom, então é a mesma coisa para Ele ser como ser uma pessoa. [34]
Subjacente a essas identidades mútuas está a simplicidade e, consequentemente, é difícil evitar a conclusão de que ou as pessoas foram feitas atributos ou os atributos foram feitos pessoas. [35]

Os Atributos Divinos

Como no neoplatonismo, onde o ser, a vontade e a atividade do Uno eram “inteiramente indistinguíveis”, assim é em Santo Agostinho, quando ele considera o que a definição de simplicidade implica para os atributos. A essência e os atributos de Deus são identificados: “A Divindade”, ele escreve, “é essência absolutamente simples e, portanto, ser é, então, o mesmo que ser sábio”. [36] Mas Santo Agostinho carrega a lógica além disso para insistir também na identidade dos atributos entre si. Como observa Portalie, os teólogos escolásticos posteriores que seguiram os passos de Santo Agostinho insistiram que “nossas ideias sobre os atributos divinos não são formalmente distintas, mas se compenetram mutuamente”. [37] Santo Agostinho é ainda menos hesitante e se expressa em um silogismo compacto: “Em relação à essência da verdade, ser verdadeiro é o mesmo que ser e ser é o mesmo que ser grande.... portanto, ser grande é o mesmo que ser verdadeiro”. [38] Novamente, lembramos as palavras de Paul Tillich, que disse que a simplicidade é “o abismo de todas as coisas específicas”. [39] Como a essência foi abstraída dos atributos e definida como simples, a aparente pluralidade dos atributos é apenas uma convenção artificial da linguagem teológica. Cada atributo funciona meramente como um rótulo semântico, como outra definição alternativa da essência divina, [40] e, assim, cada atributo pode ser identificado com todos os outros atributos.

Houve dois efeitos significativos resultantes dessa identidade de atributos entre si e com a essência. A primeira foi uma indefinição da distinção entre teologia e economia. O segundo foi o próprio filioque. A partir da definição de simplicidade, ficou evidente para Tomás de Aquino, como foi para Plotino, que “a vontade de Deus não é diferente de Sua essência” [41] e que “o principal objeto da vontade divina é a essência divina”. [42] Como em Plotino, isso torna a criação não apenas divina por sua natureza, mas também eterna: uma completa obliteração da distinção entre teologia e economia. Até mesmo a doutrina agostiniana da predestinação deve ser referida a essa identidade de atributos entre si, pois “predestinar é o mesmo que saber de antemão”. [43] O determinismo no agostinismo não é, portanto, em última análise, bíblico, mas é filosófico e lógico, uma vez que está enraizado em uma concepção dialética particular da essência divina.

Tão forte influência é a definição de simplicidade para Santo Agostinho que ele diz: “para Deus não é uma coisa ser, outra coisa ser uma pessoa, mas é absolutamente a mesma coisa. . . É a mesma coisa para Ele ser como ser uma pessoa”. [44]  "Deus" para Santo Agostinho, portanto, "não significava diretamente" os meios de tentar distinguir as pessoas umas das outras. Tendo assumido uma simplicidade absoluta, as pessoas não podem mais ser hipóstases absolutas, mas são meramente termos relativos entre si, ocorrendo assim num plano ainda mais baixo que os atributos propriamente ditos. “Os termos (Pai, Filho e Espírito Santo) são usados reciprocamente e em relação um ao outro”. Há um jogo sutil mas, apesar disso, real da dialética das oposições aqui. Não se começa mais com as três pessoas e depois se passa a considerar suas relações, mas começa com sua relativa qualidade, a relação entre as pessoas, em si. Em outras palavras, há uma oposição artificial de uma pessoa às outras duas. É nesse ponto que a flexibilidade do compromisso neoplatônico de Agostinho começa a emergir de uma forma mais intensa.

Quando Santo Agostinho escreveu Sobre a Trindade, ele pode ter feito isso em parte para combater a heresia ariana; mas ele tentou usar a própria lógica ariana como uma ferramenta em sua refutação. Os arianos definem a divindade confundindo a característica hipostática do Pai, a causalidade, com a natureza divina. Tendo assim definido a divindade, os arianos podiam negar a plena divindade de Cristo porque Ele não causou o Pai. Agostinho responde argumentando, a favor da plena divindade de Cristo, fazendo-O a causa de outra plena pessoa divina! “Assim como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim também Ele deu ao Filho para ter vida em Si mesmo”. [52] Agostinho prossegue argumentando que deve-se:
entender que, como o Pai tem em Si mesmo, que o Espírito Santo deve proceder dEle, então Ele deu ao Filho que o mesmo Espírito deve proceder Dele (do Filho), e  ambos à parte do tempo. Pois se o Filho tem do Pai o que Ele (o Pai) tem, então certamente Ele tem do Pai que o Espírito Santo também procede Dele. [53]
Assim veio Agostinho para defender a divindade de Cristo por meio do filioque; porque, se o Filho, agindo como uma causa junto com o Pai, causa o Espírito, então claramente o Filho é Deus. Mas por trás da resposta de Agostinho ao arianismo está sua aceitação da confusão ariana de pessoa e natureza pela aceitação da definição ariana da natureza divina em termos da causalidade do Pai.

Mas há um novo elemento estrutural nessa confusão. É o elemento de uma subordinação da categoria de pessoas à dos atributos. O Filho recebe Sua causalidade do Pai, não com base em uma dedução direta da definição de simplicidade, mas por uma referência mais indireta à simplicidade com base em atributos intercambiáveis comuns. Esse fato configura a ordo theologiae em que toda a teologia agostiniana prossegue: começando com a essência, move-se para os atributos e só no final considera as pessoas.[54] Em um nível estritamente formal de estrutura, há uma subordinação das pessoas aos atributos, que por sua vez estão subordinados à essência. No nível final do discurso, as pessoas, o Espírito Santo, é visto como procedendo de uma Causa Não-Causada, o Pai, e uma Causa Causada, o Filho, assim como a Alma-do-mundo neoplatônica procedia do Uno e do Nous.
Porque não podemos dizer que o Espírito Santo não é vida, enquanto o Pai é vida, e o Filho é vida; e, portanto, como o Pai. . . tem vida em Si mesmo; assim, Ele deu a Ele que a vida procedesse dEle, como também procede de Si mesmo. [55]
Aqui não apenas a propriedade da causalidade, a distinção única pessoal do Pai, foi trocada com o Filho com base no atributo comum de vida, mas aquele atributo que procede do Pai e do Filho é o Espírito Santo. É precisamente o Espírito Santo que é o atributo comum a ambos. Assim, uma pessoa foi confundida com um atributo comum das três pessoas. [56]

Todo o processo parece destruir a si mesmo em cada turno. Tendo feito o Espírito proceder do Pai e do Filho porque o Pai e o Filho compartilham atributos comuns, uma vez que a essência é simples, o Espírito então se torna um atributo, Ele define a essência e, de fato, é a essência, a unidade do Trindade:
Porque tanto o Pai é um espírito e o Filho é um espírito, e porque o Pai é Santo e o Filho é Santo, portanto. . . já que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Deus, e certamente Deus é Santo, e Deus é um espírito, a Trindade também pode ser chamada de Espírito Santo. [57]
Isto é, desde que o nome Espírito Santo define os atributos “apropriados ao Pai e ao Filho”, [58] Ele se torna o novo princípio de unidade em Deus, o “amor substancial e consubstancial de ambos” [59] o Pai e o Filho. Em suma, o Espírito Santo é a essência da qual todo o processo começou. Ele, por sua vez, não causa uma nova pessoa e assim ad infinitum, mas, como Tomás de Aquino observou, “o ciclo é concluído quando. . . retorna à mesma substância a partir da qual o proceder começou ”. [60] Tendo começado com uma definição - simplicidade - o processo terminou com a mesma definição, depois de uma exibição deslumbrante de dialética sublime, se não confusa. Pode ser útil neste momento antecipar um argumento de São Fócio. Se o Espírito Santo é vida, procedente do Pai e do Filho, o que impediria de fazer com que o Filho retirasse Sua vida do Espírito, de modo que "o Filho se revelasse filho não apenas do Pai, mas também do Espírito Santo?" [61]. No entanto, isso é "completamente absurdo", [62] pois "ser Pai não é comum a eles, de modo a serem Pais uns dos outros de maneira intercambiável." [63] O que torna essas observações tão significativas não é tanto que elas sejam argumentos que Fócio emprega, mas que vieram dos lábios do próprio Santo Agostinho. Vendo a lógica de sua posição, ele simplesmente repudiou-a como sendo absurdamente contraditória à fé. Santo Agostinho, por alguma razão, vê as implicações óbvias de sua teologia neste ponto, mas por algum motivo não consegue vê-la no ponto do filioque. Se ele estivesse ciente de que o filioque faz com que o Espírito esteja na mesma relação causal com o Filho, como o Filho com o Pai, ele sem dúvida o teria repudiado também. Mas o que ficou evidente para Santo Agostinho nesse ponto foi que sua triadologia estava se desintegrando no preciso momento em que ocorreu: a síntese da teologia com o neoplatonismo. Ele claramente não é confortável com a simplicidade neoplatônica ou sua dinâmica lógica. Nas palavras de Gilson, “a estrutura platônica está, por assim dizer, explodindo sob a pressão interna de seu conteúdo cristão”. [64]

Com o dogma do filioque chegamos ao coração da tensão que é o agostinismo. Com esta doutrina, alguém encontra-se sempre na presença de um ciclo incessante, uma dialética ansiosa e tensa que começa na unidade da essência; desdobra-se em uma artificial pluralidade de atributos, que então colapsa de volta na essência, depois se desdobra nas pessoas, daí colapsa de novo no Espírito Santo, a essência, mais uma vez. Richard Haugh resume adequadamente os efeitos dessa abordagem ao dogma trinitário:
Para Agostinho, a existência em si não é pessoal, pois tudo o que é pessoal na divindade não é absoluto, mas relativo. A pessoa é ad se idêntica à essência. A pessoa se torna meramente outro aspecto da existência; para Deus, existir é o mesmo que ser pessoa, [65] assim como é o mesmo ser bom, justo e sábio.
Nesse processo, o processo que veio a ser chamado de “dialética do amor” na Idade Média, a dinâmica do um e do múltiplo, de um que se desdobra em dois e colapsa de volta em um, está sempre presente. Mais uma vez, o Dr. Haugh está correto:
Embora a dialética de Agostinho tenha muitas formas, sempre há quatro elementos básicos:
1) essentia - a respeito da qual a dialética é.
2) essentia - se manifestando (o Pai).
3) essentia - como manifestado (o Filho).
4) essentia - unindo aquilo que se manifesta com aquilo que é manifestado (o Espírito Santo) ou a expressão daquilo que é ele mesmo com aquilo que é manifestado. [66]

Com o dogma do filioque, a razão e a dialética tornam-se a própria essência da essência divina. Deve ser enfatizado que o passo essencial na dinâmica do filioque era confundir as pessoas com os atributos e não diretamente com a essência, e então subordinar uma pessoa a esses atributos, fazendo uma relação divina dependente desses mesmos atributos comuns.

Antes de considerar os antecedentes históricos relacionados do filioque, será útil resumir a dinâmica estrutural do filioque na forma de esboço:

1. A Essência.

         A. A essência divina é considerada simples.

         B. Se a essência divina é simples, então várias coisas seguem:

             1. A essência é equivalente aos atributos tanto separadamente quanto individualmente.

             2. A essência é equivalente às pessoas, tanto separadamente e individualmente.

     C. Como o Uno neoplatônico, a simplicidade da essência divina transcende a multiplicidade das pluralidades divinas (atributos e pessoas) assim como a unidade transcende a multiplicidade. Várias coisas seguem.

2. Os Atributos.

         A. Os atributos têm o mesmo status lógico vis-à-vis a essência e, portanto,

         B. No que diz respeito uns aos outros.

         C. Os atributos são todos "inteiramente indistinguíveis".

3. As Pessoas.

         A. No nível mais baixo do discurso, as pessoas são subordinadas aos atributos porque a processão do Espírito do Pai foi dada ao Filho, uma vez que o Pai e o Filho compartilham atributos comuns (vida, santidade, espiritualidade).

             1. E dentro deste nível de discurso que lida com as pessoas, ocorre uma subordinação efetiva do Espírito Santo ao Filho e Pai; o Pai não tendo distinções, o Filho a [distinção] de ter sido causado e o Espírito Santo tendo duas distinções, sendo causado por duas classes diferentes de causas.

         B. O Espírito Santo, porque Ele procede do Pai e do Filho, torna-se o novo foco de unidade na Trindade.

                1. O nome "Espírito Santo" define assim a essência divina e

                2. é assim capaz de significar toda a Trindade.

O significado da estrutura delineada acima será inteiramente perdido, a menos que seja justaposto a estruturas paralelas encontradas nas antigas heresias cristológicas associadas ao arianismo, pois é a interposição de uma categoria entre a essência e as pessoas, ou seja, os atributos que tem alguma semelhança estrutural significativa com os sistemas de Ário e Eunômio. Devemos agora examinar o progresso do neoplatonismo no oriente, em Alexandria, antes de finalmente nos voltarmos para a resposta de São Fócio ao filioque.

Paralelos Heréticos à Dinâmica do Filioque

Foi na grande escola de Alexandria que o neoplatonismo fez as maiores incursões na teologia cristã. Foi reafirmado e transformado no trabalho teológico de Orígenes, para se tornar a base filosófica de todas as grandes heresias. Como a simplicidade neoplatônica não permitia distinções em Deus, toda atividade divina era ao mesmo tempo um ato da essência e da vontade. Da mesma forma, a teologia de Orígenes "também não conseguiu distinguir entre as dimensões ontológica e cosmológica". [67] Como V.V. Bolotov observou, o problema era especificamente um problema trinitário, porque “o elo lógico entre a geração do Filho e a existência do mundo ainda não estava rompido na especulação de Orígenes".[68]

Assim como Agostinho, os atributos divinos eram vistos como definições da essência divina. Portanto, para que Deus seja verdadeiramente Criador, Ele deve sempre ter sido criador, assim como no mesmo sentido Ele sempre teve que ser o Pai. [69] O impulso da teologia de Orígenes é, consequentemente, preservar a divindade do Filho, mas à custa de tornar a criação em si um ato eterno de Deus. A distinção entre o Criador e a criação não foi adequadamente feita e, nisto, o origenismo é um reflexo fiel das tendências panteístas de sua filosofia-mãe. “Como não se pode ser pai à parte de um filho, nem um senhor à parte de possuir um escravo, então nem mesmo podemos chamar Deus Todo-Poderoso se não haver ninguém sobre quem Ele possa exercer Seu poder.” [70] Assim, Orígenes pôde ir até o ponto de afirmar que o Filho foi gerado pela vontade de Deus. [71] Em um resumo perspicaz da problemática no origenismo, Pe. George Florovsky afirma que:
Em qualquer caso, as controvérsias do século IV só podem ser compreendidas adequadamente na perspectiva da teologia e da problemática de Orígenes. Dentro do próprio sistema, havia apenas duas opções opostas: rejeitar a eternidade do mundo ou contestar a eternidade do Logos. [72]
A última opção foi a que foi seguida pela Ário. Ário definiu deidade absoluta pela característica pessoal do Pai, isto é, como a única fonte e causa do ser. O que acontece na dinâmica do arianismo, em outras palavras, é que há uma espécie de confusão "sabeliana" da pessoa do Pai com a essência divina. Portanto,
Dois pontos principais foram feitos: (A) a dissimilaridade total entre Deus e todas as outras realidades que “tiveram princípio”, começo de qualquer tipo; (B) o "princípio" em si. O Filho tem um “princípio” simplesmente porque Ele era um filho, isto é, originado do Pai, como Seu arche: somente Deus (o Pai) era anarchos no sentido estrito da palavra. [73]
O Filho, como causado, permanece como a mais elevada das criaturas, a meio caminho entre a Essência do Pai e a ordem inferior criada. Estruturalmente, o Filho está na mesma relação com o Pai do que o Nous em relação ao Uno em Plotino.

Santo Atanásio, respondendo a essa estrutura, faz um comentário significativo que guiou a resposta de São Fócio ao filioque.  Se o Filho fosse ser verdadeiramente Deus no sistema ariano, então,
necessariamente afirma que, assim como Ele é gerado, Ele também gera e também Ele se torna o Pai de um filho. E novamente, aquele que é gerado por Ele, gera por sua vez, e assim por diante, sem limites; porque isto é fazer o gerado como Aquele que o gerou. [74]
Santo Atanásio admite assim que se a divindade pudesse ser definida como causalidade, então Deus seria um pai como homem e que “Seu Filho deveria ser pai de outro, e assim sucessivamente um do outro até que a série que eles imaginam cresça em uma multidão de deuses.” [75] Mais uma vez, a tendência neoplatônica de multiplicar os componentes estruturais do sistema se encontra em evidência. Essa mesma lógica de definição está por trás da pergunta de São Fócio, quando ele pergunta por que o Espírito Santo não é feito neto na dinâmica do filioque. [76]

A refutação de Santo Atanásio negava a raiz do erro ariano, a simplicidade e sua implicação de que Deus poderia ser definido. Todo o tom de seu argumento foi definido pela pressuposição de uma "distinção básica entre 'essência' e 'vontade', que unicamente poderia estabelecer a diferença real em tipo entre 'geração' e 'criação'". [77] A distinção absoluta de pessoas, atributos e essência foi mantida em toda a teologia de Santo Atanásio, embora essas categorias ainda não tivessem se cristalizado em um conjunto de vocabulário teológico. Mais importante, o ser trinitário de Deus recebeu uma prioridade ontológica sobre Sua ação e Vontade [78] - a ordem estrutural precisamente oposta à teologia agostiniana, na qual os atributos e a essência recebem uma prioridade em relação às pessoas. Com base nessa distinção entre ser e vontade, observa Pe. Florovsky, Atanásio respondeu que era "uma ideia insana e extravagante colocar 'vontade' e 'conselho' entre o Pai e o Filho". [79] Nessa estrutura, a prioridade ontológica da categoria de atributos em relação às pessoas era precisamente o ponto em questão entre Santo Atanásio e Ário.

São Gregório de Nissa enfrentou o mesmo problema quando confrontou com o eunomianismo. Eunômio, de acordo com Gregório, passou a declarar “que uma certa energia que se segue ao primeiro Ser (o Pai). . . produziu o Filho de Deus. . . Que é uma obra comensurável com a energia produtora.” [80] Para Eunômio, como para Ário, havia uma outra categoria que, seguindo a definição inicial, deveria “ser concebida como anterior ao [Filho] unigênito”, [81] precisamente porque foi a causa do unigênito. São Gregório dirige a estrutura para um reductio ad absurdum perguntando: “Por que continuamos falando do Todo-Poderoso como o Pai, se não foi Ele, mas uma energia que O segue externamente, que produziu o Filho, e como pode o Filho ser um Filho por mais tempo?” [82] Neste contexto, a teologia eunomiana do Espírito Santo é mais significativa; São Gregório diz que Eunômio:
separa aquela igualdade com o Pai e o Filho da correta dignidade e conexão do Espírito Santo, que é proclamada pelo Nosso Senhor, colocando-O entre os súditos e declarando-O como sendo uma obra de ambas as pessoas - do Pai, que fornece a causa de Sua constituição; e do Unigênito, o artífice de Sua subsistência. [83]
O sistema eunomiano, tendo feito do Filho um produto de uma energia do Pai, segue fazendo do Espírito uma obra do Pai e do Filho. Parece que mais uma vez ocorreu a subordinação neoplatônica dos seres. São Gregório chama toda essa estrutura de “blasfêmia. . . simples e visível.” [84] Para São Gregório, o sistema de Eunômio “parte de dados que não são concedidos, e então constrói por mera lógica uma blasfêmia sobre eles”. [85] Quais são esses dados que “não são concedidos?” A simplicidade divina. [86]

O ponto de discórdia para São Gregório, como para Santo Atanásio, era a subordinação estrutural imposta às hipóstases divinas por uma definição inerentemente pagã. E notavelmente, uma controvérsia particularmente intensa concentra-se na presença da prioridade lógica de uma categoria de energias ou atributos em relação a qualquer uma das pessoas divinas. Tal posição sempre foi percebida como arianismo. A semelhança que esta energia na estrutura de Eunômio tem com os atributos da triadologia agostiniana é mais do que uma coincidência. Tendo assumido a definição de simplicidade, tanto Eunômio e Santo Agostinho foram obrigados por essa definição a produzir estruturas teológicas semelhantes, mesmo que tivessem objetivos completamente diferentes ao fazê-lo.

Vale ressaltar que houve uma controvérsia menor entre Teodoreto de Kyros e São Cirilo de Alexandria sobre a processão do Espírito Santo. São Cirilo ensinou que o Espírito procedia do Pai através do Filho. [87] Em palavras que podiam ser tiradas de Agostinho, Cirilo observa “na medida em que o Filho é Deus e [a partir] de Deus, por natureza, uma vez que Ele foi verdadeiramente gerado por Deus Pai, o Espírito é o Seu, e Ele está nEle e é [a partir] dEle ”. [88] A tendência de Cirilo, por vezes, de confundir os termos “pessoas” e “natureza” é bem conhecida. Talvez o bem-aventurado Teodoreto tenha entendido que São Cirilo fez isso afirmando essa compreensão da processão, porque sua resposta é abrupta e inequívoca.
Se Cirilo quer dizer que o Espírito Santo tem sua existência a partir Filho ou através do Filho, nós repudiamos isso como uma blasfêmia irreligiosa. Acreditamos que, nas palavras do próprio Senhor, o Espírito procede do Pai. [89]
Embora possa ser que São Cirilo tenha entendido a processão do Espírito Santo no sentido filioquista, é mais provável que ele tenha pretendido significar o envio do Espírito na economia. Isso parece corresponder melhor com suas observações em sua trigésima nona carta a João de Antioquia:
A . . . disputa dos latinos. . . era razoavelmente considerada pelos Ortodoxos como levando à confusão das três pessoas hipostáticas com os atributos comuns de cada pessoa, e às suas manifestações e relações com o mundo.[90]
No entanto, o significado desta pequena controvérsia entre Teodoreto e Cirilo não deve ser descartado com muita precipitação. É bastante significativo que Cirilo, um produto da teologia alexandrina, influenciado pelo neoplatonismo, seja infelizmente ambíguo em sua escolha de palavras, e não é menos significativo que Teodoreto, um antioquino, e assim oposto à teologia alexandrina, reaja tão fortemente a esse ponto.

Isso encerra a investigação do pano de fundo da obra Mistagogia. Muitos tópicos foram debatidos, e será útil reiterá-los antes de examinar a resposta de São Fócio ao filioque.
1) A definição neoplatônica de simplicidade e sua dialética produziu uma estrutura simples, apresentando uma subordinação básica e gradação de uma hierarquia de seres.

2) Essa estrutura tendia a fazer duas coisas. Ou colapsou em uma unidade absoluta de um tipo quase panteísta, ou se expandiu para uma série cada vez maior de seres. Isso ficou evidente não apenas no neoplatonismo, mas também esteve presente na controvérsia ariana.

3) A definição de simplicidade, tendendo a obscurecer todas as distinções, impossibilitou uma verdadeira distinção entre natureza, atividade e vontade. Tanto para Plotino quanto para Aquino, o ato principal da essência de Deus também era um ato da vontade. A criação torna-se assim impossível se considerada como criação ex nihilo.

4) A subordinação estrutural do neoplatonismo era aparente no filioquismo de duas formas. No modelo teológico de Agostinho, ela ocorre começando com a essência, passando então a considerar os atributos e, por fim, as pessoas. Esta estrutura era oposta à de Santo Atanásio, cuja experiência do pessoal era primária em sua teologia. Mas a subordinação também ocorre fazendo o Espírito Santo proceder de duas classes diferentes de causas: do Pai, a Causa Não-Causada, e do Filho, a Causa Causada, parecido como a Alma-do-mundo emanava do Uno e do Nous.

5) A subordinação estrutural das pessoas aos atributos ou à categoria abstrata de “energia” ou “vontade”, a estrutura presente nos argumentos agostinianos para o filioque, também ocorreu no arianismo e no eunomianismo, sendo a diferença que nos dois últimos sistemas é o Filho e não o Espírito que é subordinado.

6) A confusão entre natureza e pessoas ocorre no arianismo quando esse define a divindade pela característica pessoal do Pai. O mesmo também ocorre no pensamento de Santo Agostinho, embora também esteja claro que este se sente desconfortável com essa dinâmica quando vê suas implicações modalísticas.
Esses pensamentos devem ser mantidos em mente no exame da resposta de São Fócio ao filioque na Mistagogia. 



A Resposta de São Fócio à Estrutura e Dinâmica Lógica do Filioque

A tensão inquieta na própria teologia de Santo Agostinho entre seu compromisso com o monarquia do Pai, por um lado, [91] e sua definição filosófica de divindade, por outro lado, deu, na época dos carolíngios, lugar a uma quase ênfase exclusiva na essência divina como princípio da divindade. Os carolíngios, ao fazê-lo, foram inteiramente fiéis à lógica da posição de Santo Agostinho. Mas eles ignoraram totalmente o próprio desconforto de Santo Agostinho com as implicações modalistas de sua teologia, e não foram de forma alguma fiéis ao seu espírito mais crítico e tradicional. Este fato intensifica o conflito entre Fócio e os carolíngios.

Os argumentos de São Fócio podem ser agrupados em quatro grandes categorias. Tendo amplo precedente na literatura patrística anterior para guiar sua resposta, ele se concentrará em qualquer um dos dois pólos da dialética das oposições, dirigindo o filioque para a multiplicação dos seres divinos, politeísmo, ou reduzindo todos os seres a uma unidade modalista absoluta. Esses mesmos precedentes também servem como precedentes contra a unidade. Assim, existem dois outros tipos de argumentos que o Fócio emprega, e ambos dizem respeito aos dois tipos de subordinação estrutural que ocorrem na teologia agostiniana. O primeiro desses argumentos trata da ordo theologiae da essência, atributos e pessoas. O segundo lida estritamente com a subordinação das três pessoas: com as implicações cristológicas e pneumatológicas da estrutura subordinacionista imposta à teologia pelo filioque.

Como vimos, o contraste da essência divina com as pluralidades divinas de atributos e pessoas fez uma de duas coisas logicamente falando. Ou fez dos atributos pessoas, ou fez das pessoas atributos. Respondendo à primeira alternativa, Fócio diz que o Espírito deveria proceder de cada atributo, uma vez que Ele é obviamente de cada atributo:
Ele não é também o Espírito da plenitude? . . Por que você franze a testa? Nos dons, as próprias coisas que Ele fornece e dá? É porque você também luta contra a processão do Espírito Santo a partir de cada um desses dons? [92]
Se é assim, diz Fócio, então os latinos devem fazer de cada atributo uma pessoa, uma “sabedoria e verdade enhipostatizada”, [93] enhipostatizada, ou personalizada, porque os atributos são o que as pessoas são - causas, e como causas, definições de divindade. Mas se os atributos são logicamente anteriores às pessoas, então, diz Fócio (em uma citação quase literal de São Gregório de Nissa), “não é muito possível chamar o Filho pelo nome nestes dizeres também”. [94] Se os atributos causam as pessoas, então o Pai não é mais Pai, e o Filho não é mais Filho.

Dentro da estrutura trinitária de pessoas, vimos que a dupla processão do Espírito Santo deu a essa revelação especificamente cristã tal estruturação neoplatônica que é difícil imaginar que os nomes Pai, Filho e Espírito Santo não tenham simplesmente substituído os nomes Uno, Nous e Alma-do-mundo. São Fócio detecta esta estrutura e usa-a para questionar a própria definição de simplicidade:
É possível evitar a conclusão de que o Espírito foi dividido em dois? Por um lado, Ele procede do Pai, que é a primeira causa e também não-gerado. Por outro lado, no entanto, Ele procede de uma causa segunda, e essa causa é derivada.[95]
“Não se segue”, pergunta Fócio, “próximo a esta conclusão de que o Espírito é, portanto, composto?” Se o Espírito composto foi feito o amor consubstancial de “tanto o Pai como o Filho”, então “como então a Trindade é simples?” [96]

São Fócio observa que os latinos, por manterem uma dupla processão, caíram em outra heresia antiga, tornando o Espírito uma divindade menor, porque o “Espírito, que é de igual honra e dignidade, é privado da prerrogativa igual de uma processão essencial de Si mesmo”. [97] Isso era, claro, nada além de “insanidade macedoniana”. [98] Se o Espírito fosse verdadeiramente Deus em um sistema onde a divindade foi definida como causa, então, Fócio diz, da mesma forma, outra pessoa deveria proceder do Espírito, e assim não deveríamos ter três, mas quatro pessoas. E se a quarta pessoa é possível, então outra processão é possível a partir dela, e assim por diante, até um número infinito de processões e pessoas, até que essa doutrina seja transformada no politeísmo grego. [99]

A força desse argumento claramente lembra a própria lógica dos arianos registrada anteriormente por Santo Atanásio, e indica que a estrutura e as pressuposições subjacentes à heresia ariana e ao filioque são uma e a mesma: a definição de divindade como causalidade.

É nesse preciso momento que a incrível precisão lógica de Fócio colocou uma dificuldade para a teologia ocidental posterior. A força do argumento anterior era demais para ignorar e alguma resposta teve que ser feita. Aquele que fez foi Tomás de Aquino, escrevendo quatrocentos anos depois de Fócio. “É claro”, ele diz, “[a processão] não procede adiante dentro de si mesma, mas o ciclo é concluído quando. . . ela retorna à mesma substância a partir da qual o proceder começou.” [100] Mas esse argumento serviria apenas para tornar a processão uma característica da essência divina, e não da pessoa do Espírito Santo. São Fócio está pronto com uma resposta a este aspecto antes de Tomás escrever: Se a dupla processão fosse uma característica da essência divina e não uma propriedade pessoal, então todas as produções do Pai eram características da essência, e assim a processão pessoal ou o Espírito a partir do Filho e até mesmo a partir do Pai era artificial e supérflua. “Se Ele [o Espírito] é mais plenamente conhecido em outra processão que é própria à essência”, pergunta Fócio, “então que coisa precisa essa formação por outra pessoa fornece?” [101] Em outras palavras, se alguém aceita o conceito de processões pessoais que são de alguma forma também essenciais, então não pode haver Trindade, e o filioque realmente será, como Padre Richardson apontou, uma questão de palavras!

Se a processão do Espírito Santo pudesse ser uma característica da essência, então também poderia a geração do Filho: assim, por que o Filho não poderia se opor ao Espírito e ao Pai, e os dois últimos poderiam assim gerar o Filho? Nesse ponto, é importante lembrar que Santo Agostinho também viu essa ramificação e se recusou a aceitá-la. [102] De fato, pergunta Fócio, por que não se deve simplesmente rasgar as Escrituras, de modo a permitir “a fábula que o Espírito produz o Filho, desse modo, concordando com a mesma dignidade para cada pessoa, permitindo que cada pessoa produza a outra pessoa?" [103] A divindade é definida como causalidade, e se cada pessoa é totalmente Deus, então cada uma deve causar as outras, “porque a razão exige igualdade para cada pessoa, de modo que cada pessoa intercambie a graça da causalidade indistinguivelmente.” [104] Com a palavra “ indistinguivelmente," a máscara se desprende da simplicidade neoplatônica, na qual o ser, a existência, a vontade e a atividade são todos “totalmente indistinguíveis”. Quando Santo Agostinho viu essa implicação de seu método trinitário, ele simplesmente negou e disse que as pessoas “não intercambiavelmente são pais uma das outras" [105] O mesmo ponto é feito por Fócio:
Pois se, de acordo com os raciocínios dos ímpios, as propriedades específicas das pessoas são opostas e transferidas umas para as outras, então o Pai - ó profundida impiedade! - vem sob a propriedade de ser gerado e o Filho gerará o Pai. [106]
Neste ponto, está bem claro que a estrutura neoplatônica não está apenas “explodindo sob a pressão de seu conteúdo cristão”, mas que ela completamente colapsou. A simplicidade é uma definição inadequada do Deus cristão, pois, em última análise, tudo o que é dito sobre Ele se torna logicamente equivalente a tudo o mais que foi dito sobre Ele: começando com a definição da essência divina como simples, a característica hipostática do Pai foi distribuída a todas as pessoas e, consequentemente, toda a base de distinções reais pessoais foi perdida na essência. [107]

Em uma frase muito marcante, São Fócio resume os efeitos do novo dogma:
Por um lado, você estabelece firmemente a ideia de que não há nenhuma fonte - anarquia - nEle, mas ao mesmo tempo você reintroduz uma fonte e uma causa, e então continua simultaneamente transferindo as distinções de cada pessoa. [108]
Na melhor das hipóteses, o filioque fez da triadologia ocidental um exercício fútil no misticismo semântico, na ginástica gnóstica e, na pior das hipóteses, contém em cada passo as sementes da heresia, seja subordinacionista, sabeliana ou politeísta.

Neste ponto, todas as principais figuras da controvérsia convergem. De um lado estão os santos Atanásio, Gregório de Nissa, Agostinho e Fócio, que, quando veem as implicações absurdas dessa estrutura teológica, evitam ela. Do outro lado estão os carolíngios e os escolásticos posteriores  que, quando veem a estrutura, a aceitam e endossam sem crítica. Para os Pais, Deus é o que Ele é à parte da lógica; para os carolíngios e Tomás de Aquino, até certo ponto, Deus é o que Ele é porque Ele é lógico. Para Tomás de Aquino e o empreendimento escolástico como um todo, o Espírito, porque Ele une o Pai e o Filho por Sua dupla processão, torna-se o exemplo divino da analogia entis do Pai e do Filho, expressão de ser comum a ambos. O filioque é, portanto, um componente necessário do empreendimento escolástico, pois interioriza todo o esforço escolástico dentro da própria Divindade, tornando a essência divina racionalmente acessível por analogia. Todo o embrião do desenvolvimento filosófico greco-pagão foi transplantado para a doutrina do Deus cristão.

Isso simplesmente reitera a tensão na doutrina inerente desde o começo. Repete a situação de Plotino, pois há uma limitação fundamental que a dialética das oposições impõe às relações trinitárias. Ela pode lidar com apenas dois termos, duas polaridades ao mesmo tempo, e é, portanto, totalmente inadequada para lidar com a Trindade. A lógica deve sempre, em algum lugar, comprometer o status absoluto da Trindade, comprometendo a divindade absoluta e a pessoa do Espírito Santo. Por outro lado, também deve comprometer a simplicidade da essência, pois há sempre uma dialética interior dentro dela. A Trindade das pessoas é incompleta, pois precisamente no momento exato em que o Espírito procede do Pai e do Filho, todo o processo, de acordo com Aquino, entra em colapso na essência "a partir da qual o proceder começou". Existe, portanto, na doutrina do filioque, um binitarianismo onipresente e nascente, [109] uma tendência que São Fócio não hesita em chamar de “semi-sabelismo”. [110]

Em última análise, a triadologia filioquista não tem uma verdadeira Trindade, mas apenas uma díade de Pai-Filho, oposta à Essência-Espírito. [111]

Implicações e conclusões

O filioque tornou possível tratar, com base na razão, a teologia trinitária sem a Trindade. “Nada poderia impedir [alguém] de aplicar o mesmo método a cada um dos dogmas cristãos.” [112] A história doutrinal do ocidente subsequente ao período carolíngio é a história da aplicação desse princípio e da crescente reação contra, e finalmente de apatia para com o empreendimento teológico. Anselmo tornou possível discutir a Encarnação sem Cristo [113] e a subsequente teologia escolástica estendeu a explicação racional da teologia para abranger quase todos os aspectos da crença e prática da Igreja. Mas, do mais amplo ponto de vista histórico e eclesiástico possível, é a doutrina agostiniana de Deus, na qual o filioque desempenha um papel proeminente e fundamental, que desencadeia esse processo. Embora “essa ambição ousada de procurar razões necessárias para os dogmas revelados nunca tenha entrado na mente de Agostinho. . . , estava fadado a seguir de um tratamento meramente dialético da fé cristã ”. [114] O filioque, como um exemplo desse "tratamento dialético da fé cristã", é um ponto crucial da teologia agostiniana. Por que, por exemplo, Anselmo pôde mais tarde tentar sua “prova ontológica” da existência de Deus? Porque a prova ontológica era uma “dedução essencialmente dialética da existência de Deus, cuja necessidade interna é a do princípio da contradição”, ou, em outras palavras, a dialética das oposições. [115]

Este é o resultado: há duas concepções opostas e mutuamente contraditórias de Deus em ação na controvérsia. O Filioque implica que Deus é perfeitamente capaz de definição, que há um certo grau de necessidade lógica nEle.  Assim,
. . . com o dogma do filioque. . . a essência incognoscível de Deus recebe qualificações positivas. Torna-se o objeto da teologia natural. Temos um Deus em geral, que poderia ser o Deus de Descartes, ou o Deus de Leibnitz, ou até certo ponto o Deus de Voltaire e os deístas descristianizados do século XVIII. [116]
Mas para São Fócio, representando a tradição de Atanásio e os Capadócios, o Espírito Santo é, em termos tipicamente dionisíacos e apofáticos, "da essência-essência" e, portanto, "além dos poderes da razão". [117]

A triadologia Ortodoxa subsequente, construída sobre o fundamento que São Fócio estabeleceu, também explicava as preocupações legítimas do filioque, ou seja, a preocupação por uma relação entre o Filho e o Espírito. Teólogos bizantinos posteriores que seguiram Fócio tentaram “mostrar que, por um lado, uma relação de origem entre o Filho e o Espírito Santo não era necessária e que, por outro lado, existia uma certa relação que distinguia o Filho e o Espírito Santo como pessoas.” [118] Gregório de Chipre, o Patriarca de Constantinopla de 1283 a 1289, descreveu a relação entre o Filho e o Espírito como a habitação eterna do Espírito no Filho. [119] Nesse caso, Gregório simplesmente elaborou o significado da palavra “processão”. A palavra não significava apenas:
a simples passagem de alguém a partir de outrem, como, por exemplo, no caso do nascimento. Significa, antes, a partida proveniente de algum lugar em direção a um objetivo definido, a saída de uma pessoa a fim de chegar a outra. Quando o Espírito procede do Pai, Ele parte em direção ao Filho; o Filho é o objetivo no qual Ele irá parar. [120]
A fórmula de Gregório expôs outro perigo latente não apenas no filioque, mas em certa medida também na resposta de São Fócio a ele. Na teologia de Gregório, era impossível separar o Filho e o Espírito, pois havia uma relação pessoal e eterna entre eles. Se assim não fosse, e o Espírito Santo procederia além do Filho como de um ponto de origem, então resultariam importantes ramificações eclesiológicas: “nesse caso, o fiel pode possuir o Espírito sem estar em Cristo, ou pode possuir Cristo sem estar no Espírito.” [121] É precisamente essa “habitação do Espírito no Filho” que fornece a base teológica na própria vida da Trindade para o fato de que a Ortodoxia não separa as Escrituras e a Tradição como duas fontes de autoridade isoladas, independentes e opostas. Em vez disso, vê-as como implicando e complementando uma a outra, ambas tendo o mesmo peso porque estão relacionadas.

De Gregório de Chipre, mais tarde a teologia Ortodoxa herdou o conceito de que havia uma relação entre o Filho e o Espírito, e que essa relação seria destruída se o Espírito fosse desligado do Filho ao proceder além dEle como no filioque. São Gregório Palamas poderia assim afirmar que o Espírito não procede em “isolamento da geração do Filho, permanecendo assim ao lado do Filho, por assim dizer, sem qualquer relação pessoal com ele”. [122] O teólogo ortodoxo Dumitru Staniloae, do século XX, encontrou no filioque, além de certas implicações eclesiológicas, outras ramificações para o padrão e a estrutura da autoridade no ocidente contemporâneo. Ele vê nele a base teológica para confundir o Espírito com a subjetividade humana: sem aquilo que constitui a marca distintiva da divindade nesse sistema, a causalidade, torna-se muito fácil igualar os movimentos do Espírito aos movimentos do espírito humano. [123]

Certamente estaríamos errados ao tentar estimar a estatura de São Fócio como um santo ou um teólogo da Igreja através de uma leitura apenas da Mistagogia; mas nós igualmente erraríamos tentando fazê-lo sem ler a Mistagogia. É principalmente por essa contribuição que ele é lembrado tanto no oriente quanto no ocidente. Um estudioso católico romano escreve sobre sua importância em termos inequívocos:
O caso de Fócio não é meramente uma questão de interesse bizantino. Trata-se da história do cristianismo e do mundo, pois a avaliação de Fócio e sua obra está no centro das controvérsias que separam igrejas orientais e ocidentais. [124]
Fócio, sempre tolerante com práticas divergentes dentro da Igreja, responde de maneira penetrante ao filioque. No entanto, essa resposta não é sem causa e tem apoio patrístico. Infelizmente, seu trabalho caiu em grande parte em ouvidos surdos, de modo que todas as trágicas consequências do filioque não desapareceram, mas antes impuseram à teologia uma ordem e um método fundamentalmente divergentes das preocupações da tradição. Assim, sua acusação abrangente da doutrina não é sem justificativa; se o filioque pode agora ser visto apenas como uma disputa sobre palavras, isso só pode indicar a ausência de percepção histórica, ou uma teologia modalista, ou ambos. Isso significa que não é necessário apenas insistir que o filioque seja retirado dos credos e confissões ocidentais para que a unidade ocorra, mas que, como Karl Rahner observou tão pertinentemente, há necessidade do ocidente retornar a uma teologia não-agostiniana. [125] De fato, isso significa que a própria ordo teologiae agostiniana deve ser evitada como sendo em última instância contraditória à experiência cristã de Deus enquanto primariamente pessoal e concreta e não impessoal, abstrata e filosófica. Nesta luz, é fácil ver por que a doutrina nunca foi uma mera insignificância verbal. Ela carregou implicações que afetam a própria natureza da experiência cristã. Foi para São Fócio então, e permanece para nós agora, uma questão de incalculável urgência ecumênica, teológica e espiritual.

Texto original pode ser encontrado em: http://www.anthonyflood.com/farrellphotios.htm

NOTAS

1 Alan Richardson, Creeds in the Making: A Short Introduction to the History of Christian Doctrine (Philadelphia, 1981), p. 122.

2 Ibid., p. 123.

3 St. Photios, Mystagogy, p. 16.

4 Ibid., pp. 9,32,37.

5 Richard Haugh, Photius and the Carolingians: The Trinitarian Controversy (Belmont, 1975), p. 204.

6 J. M. Rist, Plotinus: The Road to Reality (Cambridge, 1980), p. 24, citing Fr. Sweeney.

7 Ibid.,p.25.

8 Vladimir Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (Crestwood, 1974), p. 30.  Lossky escreve: “O que é descartado no modo negativo de Plotino é a multiplicidade, e chegamos à unidade perfeita que está além do ser - já que o ser está ligado à multiplicidade e subsequente ao Uno. O êxtase de Dionísio é uma saída do ser como tal. O de Plotino é antes uma redução do ser à simplicidade absoluta ”. Para um excelente tratamento da dinâmica das oposições e da definição de simplicidade, veja o levantamento de Rist nas pp. 21-37.

9 Rist, p. 25.

10 Paul Tillich, A History of Christian Thought (New York, 1968), p. 51.

11 Ibid.

12 Eugene Portalie, A Guide to the Thought of St. Augustine (Norwood, 1975), p. 99.

13 Veja Rist, pp. 66, 71, 77 pela ausência desta distinção: “nós não devemos,” ele diz, “quebrar as próprias regras de Plotino separando a existência do Uno de sua 'atividade'. Em vez disso, devemos considerá-los idênticos ”.

14 Ibid., pp. 25, 35.

15 Ibid., pp. 67, 75.

16 Ibid., P. 76. “O problema da necessidade de emanação do Uno deve ser reduzido ao problema de por que o Uno é o que é.”

17 “Neoplatonism” in The Westminster Dictionary of Church History, ed. Herald C. Bauer, p. 591.

18 Frederick Copleston, A History of Philosophy, vol. 1, Greece and Rome (New York, 1962), part 2, p. 216.

19 Ibid., p. 219.

20 Dom Placid Spearitt, “Neoplatonism” in A Dictionary of Christian Thought, ed. Alan Richardson, p. 227.

21 Tillich, p. 103.

22 Portalie, pp. 81-82.

23 Ibid., p. 83.

24 Vernon J. Bourke, The Essential Augustine (Indian-apolis, 1978), p. 19.

25 Portalie, p. 97.

26 Ibid., p. 96.

27 Ibid., p. 90.

28 J. M. Hussey observa que “na medida em que é possível atribuir ou descobrir uma linha divisora de águas, esta deve ser encontrada no final do século IV: de um lado está Agostinho, cujos escritos formam a base da tradição latina; do outro, os gregos que seguiram a escola capadócia." Church and Learning in the Byzantine Empire, 867-1185 (Oxford, 1937), p. 203.

29 Justo Gonzalez, A History of Christian Thought, vol. 2. From Augustine to the Eve of the Reformation (Nashville, 1971), p. 113, citando João Scotus Erigena: “Filosofia é religião verdadeira e vice-versa, religião verdadeira é filosofia verdadeira.”

30 Portalie, pp. 99-100.

31 Ibid., p. 100.

32 Etienne Gilson, God and Philosophy (New York, 1962), p. 41.

33 Ibid., p.61.

34 St. Augustine, On the Trinity, 7.6.11 .

35 Santo Agostinho, na realidade, leva sua lógica muito além, dizendo em um ponto: “uma vez que as três juntas são um só Deus, por que não também uma só pessoa? . . “(7.4.8.). Em outro lugar ele realmente usa a frase “a pessoa da Trindade” (2.10.18). Richard Haugh observa que “está claro em que direção Agostinho está inclinado”. Haugh, p. 199

36 St. Augustine, 7.1.2.

37 Portalie, p. 128.

38 St. Augustine, 8.1.2.

39 Tillich, p. 51.

40 Esse tratamento silogístico de atributos e essência é a própria marca da divindade: “Nem na Trindade é uma coisa ser e outra ser Deus. . . “(7.3.6). Esta declaração é complementada por “é a mesma coisa para Ele ser Deus como ser”; 7.4.9.

41 Thomas Aquinas, Summa contra Gentiles. Book One, God (Notre Dame, 1975), p. 242.

42 Ibid., P. 244. A persistência de preocupações neoplatônicas é surpreendente. Rist diz: "O ato pelo qual o Uno é o que é deve ser admitido ser idêntico e indistinguível de fato do ato pelo qual ele faz o que faz" (p. 71). “De fato, a vontade do Um e sua essência são idênticas” (p. 71). De fato, um dos principais problemas que os escolásticos tinham que explicar era a operação de Deus ad extra, um problema muito difícil se o “princípio objeto da vontade divina” é a sua própria essência.

43 St. Augustine, Ad Romanum Expositio, 8.29, cited in Gonzalez, p. 31.

44 St. Augustine, On the Trinity, 7.6.11.

45 Portalie, pp. 130-31.

46 Ibid.,p. 132.

47 Ibid., p. 131.

48 Vladimir Lossky, “The Procession of the Holy Spirit in Orthodox Trinitarian Doctrine,” em The Image and Likeness of God (Cresttwood, 1974),p. 77.

49 St. Augustine, Trinity, 1.8.15.

50 Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History of the Development of Doctrine, vol. 3, The Growth of Medieval Theology (600-1300) (Chicago, 1982), p. 65.

51 St. Augustine, Trinity, 6.5.6.

52 Ibid., 7.3.5.

53 Ibid., 15.27.47.

54 Uma palavra de cautela deve ser dita aqui sobre a maneira como estou usando os termos ordo theo-logiae. Não concebo isso como um esquema rápido e rígido, a ser seguido universalmente, mas sim como um padrão geral facilmente detectável, olhando de relance para várias teologias sistemáticas produzidas pelo ocidente. No Livro I de sua Summa contra Gentiles, Tomás de Aquino discute Deus em Sua essência e atributos; somente no quarto livro ele considera as pessoas da Trindade. Outros tratados intercalam entre o padrão geral de essência, atributos e pessoas (notavelmente, um deles é o atributo da providência). No início do século XX, o americano Episcopal Francis J. Hall faz o mesmo. O volume três de sua teologia dogmática é intitulado "O Ser e Atributos de Deus", enquanto o quatro volume trata de "A Trindade". Tão enraizada é essa ordo theologiae que chega até as obras fundamentalistas dispensacionalistas de Lewis Sperry Chafer, fundador e primeiro presidente do Seminário Teológico de Dallas. O volume I de sua Teologia Sistemática é intitulado "Prolegômenos: Bibliologia, Teologia Própria". Somente no volume seis ele discute o Espírito Santo. O que estou sugerindo é que este ordo pode ser modificado, acrescentado ou elaborado de várias maneiras, mas que permanece sempre o mesmo em seu esquema trinitário geral, e que esse método de teologia em si deve ser um assunto para um exame mais minucioso. Não é preciso dizer que, na maioria dos seminários, raramente, ou nunca, um estudante é ensinado a refletir sobre as implicações da ordo disciplinae em que aprendeu teologia. De fato, isso pode surgir inconscientemente de seus compromissos filosóficos e ser simplesmente tomado como certo. Nisto, discordo de Bernard Lonergan apenas na maneira como percebemos esta ordo. Para ele, a “ordo disciplinae que Aquino queria em livros de teologia para principiantes” é ilustrada pelo fato de que “no Scriptum super Sententias não há separação do tratamento de Deus como um e de Deus como Trindade. . . . Mas na Summa contra Gentiles é efetuada uma separação sistemática: o primeiro livro lida somente com Deus como um; Os capítulos do 2 até o 26 do quarto livro lidam exclusivamente com Deus como Trindade. Na primeira parte da Summa theologiae as questões 2 e 26 consideram Deus como um, enquanto as questões 27 a 43 consideram a Trindade. O que no Contra Gentiles foi tratado em livros muito separados, na Summa theologiae está unido em um fluxo contínuo.” Lonergan, Method in Theology (Nova York, 1979), p. 346. O ponto é que, independentemente dos refinamentos e diferenças entre os dois trabalhos sistemáticos de Tomás, a ordo geral da teologia trinitária permanece essencialmente a mesma. Eu sugiro que o filioque e este método estão intimamente ligado um ao outro.

55 St. Augustine, Trinity, 15.27.48.

56 John Karmires, A Synopsis of the Dogmatic Theology of the Orthodox Catholic Church (Scranton, 1973), p. 18.

57 St. Augustine, Trinity, 5.11.12.

58 Ibid.

59 Ibid., 15.27.50.

60 Thomas Aquinas, Summa, Book Four, Salvation, (London, 1975),p.145.

61 St. Augustine, Trinity 15.19.37.

62 Ibid.

63 Ibid., 7.4.7.

64 Etienne Gilson, Reason and Revelation in the Middle Ages (New York, 1966), p. 23.

65 Haugh, Photius, p. 199.

66 Ibid., p. 202.

67 Georges Florovsky, “St. Athanasios’ Concept of Creation,” Volume 4 of The Collective Works of Georges Florovsky: Aspects of Church History (Belmont, 1975), p. 42.

68 Citado em Florovsky, p. 42.

69 Ibid., p. 43.

70 Citado em , p. 45.

71 Ibid., p. 46.

72 Ibid.

73 Ibid., p. 47.

74 St. Athanasios, First Discourse Against the Arians, Nicene and Post·Nicene Fathers (Grand Rapids, 1978), p. 319.

75 Ibid.

76 St. Photios, Mystagogy, p. 60.

77 Florovsky, p. 53.

78 Ibid., p. 52.

79 Ibid., p. 58.

80 St. Gregory of Nyssa, Against Eunomios, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids, 1976), p. 58.

81 Ibid.

82 Ibid.

83 Ibid., p. 54.

84 Ibid., p. 53.

85 Ibid. p. 56.

86 Ibid. p. 57. Cf. As observações de São Gregório sobre a simplicidade na p. 58. Estes são os mais significativos, dada a preocupação bem conhecida de São Gregório com outras teses e doutrinas neoplatônicas.

87 St. Cyril of Alexandria, “Letter 17 to Nestorios,” in The Later Christian Fathers, ed. Henry Bettenson (Oxford, 1977), p. 265.

88 Ibid. p. 266.

89 Theodoretos, “Reprehensio (12 Captium seu) anathematissmorum Cyrilli,” em Bettenson, p. 275.

90 Karmires, Synopsis, p. 18.

91 St. Augustine, Sobre a Trindade, 4.20.29: “O Pai é o início (principium) de toda divindade.”

92 St. Photios, Mystagogy, p. 56.

93 Ibid. p. 24.

94 Ibid.. p. 57.

95 Ibid. p. 43.

96 Ibid. p. 4.

97 Ibid. p. 38.

98 Ibid. p. 32.

99 Ibid. p. 37.

100 Aquinas, Summa, Volume 4, Salvation, p. 145.

101 St. Photios, Mystagogy, p. 42.

102 St. Augustine, Sobre a Trindade, 5.12.13: “Não falamos do Filho do Espírito Santo, para que o Espírito Santo não seja entendido como Seu Pai.”

103 St. Photios, Mystagogy, p. 3.

104 Ibid.

105 St. Augustine, Trinity, 7.4.7.

106 St. Photios, Mystagogy, p. 17.

107 Ibid. p. 18.

108 Ibid. p. 14.

109 Ibid. pp. 9,12, 15.

110 Ibid. p. 9.

111 A este respeito, São Fócio salienta que não há propriedade hipostática que seja compartilhada por duas pessoas. Tudo o que pode ser dito ser comum a mais de uma pessoa é dito sobre a essência. Mas tudo o que não pode ser dito sobre as três pessoas, portanto, pertence apenas a uma das três pessoas (Mistagogia, p. 63). Nisto ele ecoa São Basílio, o Grande, "Carta 33 a Gregório", sobre as diferenças de ousia e hypostasis.

112 Gilson, Reason and Revelation, p. 26.

113 Anselm, Cur Deus Homo (St. Anselm: Basic Writings), trans. S. N. Deane (Chicago, 1981), p. 177. A própria declaração sucinta de Anselmo sobre sua metodologia não pode ser melhorada: “Ao deixar Cristo fora de vista (como se nada fosse conhecido dele), prova, por razões absolutas, a impossibilidade de que qualquer homem seja salvo sem ele. "

114 Gilson, Reason and Revelation, p. 27.

115 Ibid., p. 25 (emphasis mine).

116 Lossky, “Procession,” p. 88.

117 St. Photios, Mystagogy, p. 6.

118 Staniloae, Theology and the Church, p. 15.

119 Ibid., pp. 20-21.

120 Ibid., p. 22.

121 Ibid., p. 26.

122 Ibid., p. 30.

123 Ibid., p. 43.

124 Francis Dvornik, The Photian Schism (Cambridge, 1970), p. 15.

125 John Meyendorff, Christ in Eastern Christian Thought (Crestwood, 1978), p. 213.  Cf. Karl Rahner, “Current Problems,” p. 188.  Mas essa avaliação precisa ser temperada com o fato de que Rahner, em seu livro The Trinity, ainda emprega métodos e preocupações (por exemplo, a preocupação com a ideia latina de taxis) mais ou menos peculiares à Igreja Romana. Outra contribuição importante e recente para a crescente conscientização dos problemas do filioque no ocidente é Spirit of God, Spirit of Christ, editado por Lukas Vischer.