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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Purgatório (Clark Carlton)

Vídeo com legendas:


Transcrição do áudio:

Fé e Filosofia: Reflexões sobre a Ortodoxia e a Cultura 
Clark Carlton é o autor da série The Faith (The Faith, The Way, The Truth, The Life), publicada pela Regina Orthodox Press. Os seus livros têm sido fundamentais para ajudar muitos a encontrar o caminho para a Ortodoxia. Neste podcast, Clark comentará semanalmente sobre questões de fé, filosofia e Ortodoxia.

"Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os melhores frutos desta terra." (Isaías 1:18,19)

Olá, e bem-vindos novamente ao "Fé e Filosofia". O tema de hoje é Purgatório. Na semana passada discutimos a palavra "Inferno" [Uma Proposta Razoável sobre o Inferno]. Sugeri que evitássemos o uso dessa palavra em nossas traduções da Bíblia e dos Padres e simplesmente transliterar as palavras Hades e Geena dos textos gregos originais.

Eu salientei que no Novo Testamento, Hades e Geena têm significados muito diferentes. Observei também que no Ocidente medieval, de língua latina, os termos se tornaram mais ou menos sinônimos na época em que as pessoas começaram a traduzir textos eclesiásticos para o vernáculo. Isto explica porque os primeiros tradutores usavam sempre uma única palavra inferno ao traduzir Hades ou o latim, Infernus e Geena.

Terminei na semana passada observando que esta confusão relativa ao uso destes termos resultou em uma visão muito simplificada da morte, que, intencional ou não, tendeu a minimizar o significado da ressurreição e do Juízo Final. Porque Hades ou Infernus veio a ser considerado como o lugar dos condenados ou Geena e não simplesmente a morada dos mortos.

Qualquer noção da morte como um estado fundamentalmente antinatural foi perdida. Quando as pessoas morrem, elas vão para a sua recompensa, seja no Céu ou no Inferno. Ponto final. A ressurreição e o Juízo Final são meras reflexões posteriores a esta altura. A forte polaridade entre os santos no Céu e os pecadores no Inferno deixou os religiosos medievais no Ocidente com um problema, contudo.

Desde o início, os cristãos oravam pelos mortos. Mas porquê? Os santos no Céu não precisam das nossas orações, e aqueles no Inferno não se beneficiariam com elas. A resposta para este problema foi o Purgatório. Reconhecendo que os cristãos sempre oraram pelos mortos e também reconhecendo o fato óbvio de que nem todos os cristãos vivem vidas santas, o Purgatório foi concebido como um terceiro lugar ou estado entre os plenamente bem-aventurados e os irremediavelmente condenados. É por aqueles no Purgatório que a Igreja ora de acordo com esta teoria particular.

Sejamos claros sobre o que é e o que não é o Purgatório. Apenas os católicos romanos batizados é dito que estão no Purgatório. Aqueles que morrem fora da Igreja Católica Romana vão diretamente para o inferno. Eles não passam no "Go". Eles não recolhem U$200,00.[Referência ao jogo Banco Imobiliário] Não há possibilidade de salvação para eles. A propósito, poucos católicos admitirão isso hoje em dia. Mas este foi o ensinamento inequívoco da Igreja Católica Romana durante a maior parte do último milênio.

Agora, entre aqueles que foram batizados, há aqueles que morreram sem cumprir certas penitências por seus pecados. Aqui, a teologia romana tem tradicionalmente distinguido entre a pena eterna pelo pecado e a pena temporal. Cristo pagou a pena eterna pelo pecado na Cruz. É por isso que todas as pessoas no Purgatório tem a garantia de serem salvas, eventualmente.

No entanto, resta uma pena temporal que deve ser paga pelo pecado. É aqui que entra a penitência. Ao passar pela penitência, paga-se a pena temporal. Mas a maioria dos católicos morre sem cumprir toda a penitência devida pelos seus pecados. É por isso que eles vão ao Purgatório - para sofrer a punição temporal até que a sua dívida seja paga, e aí eles são autorizados a entrar no Céu e juntar-se aos demais santos.

É fácil ver como alguns clérigos empreendedores, no final da Idade Média, encontraram uma maneira de transformar este esquema em uma máquina de fazer dinheiro. Esta é, naturalmente, a origem da prática de vender indulgências. Pelo preço certo, você pode até comprar um certo número de anos de pena a menos no Purgatório. Ofendidos pela prática perversa da venda de indulgências e céticos quanto à distinção entre a pena eterna e a temporal, os reformadores protestantes rejeitaram a noção de Purgatório, e com razão.

Bem, isto trouxe-os de volta à polaridade de que falei antes. Esta é a versão das coisas com que cresci como batista do sul. No preciso momento da morte, aqueles que são "salvos", ou seja, aqueles que convidaram Jesus para entrar em seus corações para ser seu Senhor e Salvador pessoal, vão imediatamente para o Céu para estar com Deus. Aqueles que não são "salvos", vão diretamente para o inferno onde arderão para sempre em um fosso de fogo. Não há meio-termo. Nenhuma ambiguidade. E nada de orações pelos mortos.

Também não há muitas razões para acreditar na ressurreição ou no Juízo Final, uma vez que o verdadeiro juízo Já ocorreu. Mas aqui está o ponto que quero que reparem. Embora os reformadores tenham rejeitado a doutrina católica romana do Purgatório, eles não questionaram a identificação do Hades com a Geena, que deu origem ao problema em primeiro lugar.

No final da Idade Média, houve numerosos debates entre os católicos romanos e os ortodoxos sobre a questão do Purgatório. Num desses debates, o Cardeal Bessarion defendeu a prática com exatamente o mesmo argumento que eu apresentei acima. Os ortodoxos, no entanto, tiveram dificuldade em compreendê-la. Por um lado, o esquema legalista no qual se devia satisfação pelos pecados era tão estranho ao modo de pensar deles que eles tiveram dificuldade em entender do que os romanos estavam falando.

Além disso, eles assinalaram que nas Escrituras não há nenhuma menção a um fogo purgatório. O único fogo é o fogo da Geena, ou seja, o fogo do Juízo Final. Além destes pontos, porém, a diferença mais significativa entre os ortodoxos e os católicos romanos foi o fato de que quando os ortodoxos liam a palavra Hades nas Escrituras - (afinal estavam lendo o grego original) - eles na verdade pensavam no Hades, a morada dos mortos. Eles não o confundiram com a Geena, o destino ardente dos condenados.

Os ortodoxos oram pelos mortos precisamente porque o Juízo Final não aconteceu. Eu mencionei há algumas semanas que o primeiro uso da palavra ressurreição na Bíblia ocorre no Segundo Livro de Macabeus. É significativo que a menção da ressurreição nesta passagem esteja diretamente ligada ao oferecimento de oração pelos mortos. Judas Macabeus ofereceu sacrifícios por seus homens mortos em razão da ressurreição e do Juízo Final.

Vemos algo semelhante no Novo Testamento. Quando Paulo toma conhecimento da morte de seu amigo Onésimo, ele diz: "Conceda-lhe o Senhor que, naquele dia, encontre misericórdia da parte do Senhor". E, claro, na Liturgia, pedimos uma boa resposta diante do temível tribunal de Cristo. Tanto o Novo Testamento como a Liturgia da Igreja concentram-se claramente no dia da vinda do Senhor.

Agora, para compreender plenamente o significado de tudo isso, precisamos olhar para a natureza do Juízo Final e como ele se relaciona com a morte. Mas temo que terá de esperar até à próxima semana. Até lá, não esqueçamos que Cristo venceu a morte. Portanto, em nossas orações intercessórias, não esqueçamos aqueles que já morreram. Todos os que aguardam o julgamento, vivos ou mortos, precisam das nossas orações, assim como nós precisamos das orações dos nossos irmãos e irmãs.

E agora que nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, que enviou o Espírito Santo para permanecer em Sua Igreja, através das intercessões de São Inocêncio do Alasca e do Bem-aventurado Ancião Sofrônio Sakharov, tenha piedade de todos nós e nos conceda uma rica entrada em Seu reino eterno.

Fonte: https://www.ancientfaith.com/podcasts/carlton/purgatory


terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Uma Proposta Razoável sobre o Inferno (Clark Carlton)

Vídeo com legendas: 


 Transcrição do áudio:
Fé e Filosofia: Reflexões sobre a Ortodoxia e a Cultura 
Clark Carlton é o autor da série The Faith (The Faith, The Way, The Truth, The Life), publicada pela Regina Orthodox Press. Os seus livros têm sido fundamentais para ajudar muitos a encontrar o caminho para a Ortodoxia. Neste podcast, Clark comentará semanalmente sobre questões de fé, filosofia e Ortodoxia.
"Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os melhores frutos desta terra." (Isaías 1:18,19)

Olá, e bem-vindo mais uma vez ao Fé e Filosofia. O tema de hoje é: "Inferno: Uma Proposta Modesta." A minha proposta é que acabemos com o "Inferno". Com a palavra, quero dizer. Poucas palavras criam mais problemas de interpretação, ou mais mal-entendidos, do que o uso dessa palavra em nossas traduções das Escrituras, da Liturgia e dos escritos dos Padres.

Por exemplo, o que queremos dizer quando cantamos nas Vésperas no sábado à noite que Cristo "destruiu o Inferno com o esplendor da sua divindade", ou que Cristo "libertou todos os homens do Inferno"? Estamos nós apoiando a salvação universal? Várias pessoas podem muito bem chegar a essa conclusão. Ou então, consideremos o maravilhoso livro de Kyriacos Markides, Montanha do Silêncio; ele tem um capítulo intitulado "Inferno" no qual ele conta a história de um asceta no Monte Athos que, bastante literalmente, ora por seu pai espiritual para que ele saia do Inferno. Posso dizer-lhe que, como evangélico, esse capítulo teria sido suficiente para me fazer desprezar o resto do livro, por mais simpático que eu fosse com o resto dos ensinamentos do Pe. Máximo.

O problema aqui é que a palavra inglesa inferno é usada para traduzir uma variedade de palavras diferentes usadas nas Escrituras Gregas; palavras que não têm o mesmo significado em seus contextos originais. O resultado é que invariavelmente interpretamos textos bíblicos e patrísticos com ideias associadas à palavra inglesa inferno que nada têm a ver com o que o autor original estava tentando transmitir. Comecemos pelo Novo Testamento Grego e depois avancemos para as nossas traduções dos nossos dias.

No Novo Testamento, várias palavras diferentes são usadas para se referir à vida após a morte e ao estado da punição final. No entanto, os dois termos primários são Hades - que é o equivalente grego do Sheol hebraico - e Geena - que é simplesmente uma transliteração grega da palavra aramaica para um depósito de lixo ardente fora de Jerusalém. É geralmente aceito entre os estudiosos do Novo Testamento que estas duas palavras têm significados muito diferentes no Novo Testamento. Hades como o Sheol é simplesmente a morada dos mortos, onde habitam os justos e os injustos. O Judaísmo posterior subdividirá o Sheol no "seio de Abraão" e o Sheol propriamente dito - como ilustrado pela parábola do nosso Senhor sobre Lázaro e o homem rico (Lucas 16.18-31).

É ao Hades ou Sheol que nosso Senhor desceu para amarrar o homem forte e conduzir os justos de eras passadas à liberdade. Quando você ouve a palavra Inferno usada no Octoechos, no Triodion e no Pentecostarion, ela está quase sempre traduzindo a palavra grega Hades. Uma tradução melhor seria esta: "Quando desceste à morte ou à vida imortal, destruíste o Hades com o esplendor da tua divindade. E quando das profundezas ressuscitaste os mortos, todos os poderes do céu clamaram: "Ó Doador da Vida, Cristo nosso Deus, Glória a Ti".

Com exceção de um caso, que parece ser metafórico, a palavra Geena aparece apenas nos Evangelhos sinópticos. Ali, a palavra é usada exclusivamente para se referir ao estado de condenação final dos ímpios que ocorre após a ressurreição e o Juízo Final. Assim, a palavra inglesa Inferno é usada para traduzir dois termos muito diferentes que denotam duas realidades muito diferentes.

Agora é aqui que fica interessante. "Hell" [palavra inglês para inferno] ou o Hêle no inglês medieval é, na verdade, a tradução correta de Hades. "Hell" era a deusa do submundo na mitologia escandinava, assim como Hades era o deus do submundo para os gregos. Assim, tecnicamente falando, a Madre Maria e o Bispo Kallistos estavam corretos ao traduzir o Hades como o Inferno no Triodion Quaresma. O problema, porém, é que quando as pessoas modernas ouvem a palavra "inferno", elas não pensam na morte enquanto morada sombria de todos os mortos, mas na punição eterna. Eles imaginam fogo, enxofre e demônios correndo por aí com tridentes. Em outras palavras, as pessoas pensam no que nosso Senhor quis dizer quando ele usou a palavra Geena.

Agora a questão é: como é que a palavra no inglês medieval para Hades se tornou sinônimo do conceito da Geena?- um conceito, aliás, que parece ser único ao cristianismo. A resposta simples é que quando as Escrituras vieram a ser traduzidas para o vernáculo no ocidente medieval, a palavra latina para Hades, Infernus (ou às vezes Inferus) e a palavra aramaica transliterada Geena tornaram-se completamente confundidas, de modo que os termos Infernus e Geena foram usados de forma intercambiável. Inicialmente, autores latinos distinguiam Infernus e Geena tal como as traduções latinas da Bíblia haviam feito. Agostinho, por exemplo, foi muito cuidadoso no uso dessas palavras. E, no entanto, desde cedo, havia uma tendência de importar a noção de punição para o conceito de Infernus. Vemos isso já em Tertuliano, e Cipriano de Cartago na verdade usou a palavra Geena para se referir à morada dos mortos - mesmo antes do Juízo Final. Gregório o Grande falou do Homem Rico estando na Geena, embora a Vulgata, seguindo o grego original, use a palavra Infernus. Quando chegamos ao Venerável Beda, os termos são usados de forma intercambiável - qualquer sentido de que se referem a realidades diferentes já foi perdido.

Isso explica porque todas as traduções da Escritura anteriores ao século 20, desde as primeiras traduções do Saltério para o inglês medieval, até as traduções de Wycliffe, e, claro, a KJV e o Livro de Oração Comum, todas elas traduzem Hades e Geena usando uma única palavra: Inferno. Para os tradutores, Hades e Geena significavam a mesma coisa, então eles usaram a palavra mais óbvia em sua própria língua para traduzir os dois termos. O problema é que o conceito de Inferno como o estado de morte, ou, mais literalmente, a morada dos mortos, foi completamente perdido. E por causa disso, somos incapazes de interpretar corretamente o Novo Testamento, nossa hinodia litúrgica, ou os escritos dos Padres. Ficamos com uma polaridade muito forte: ou os mortos vão para o céu para estar com Cristo, ou se unem ao diabo no inferno para sofrer a justa punição por toda a eternidade. Nesta visão, Jesus vem para nos salvar - ou pelo menos a alguns de nós - da danação eterna e não da morte.

Mas onde é que a descida de Cristo ao Hades se encaixa neste quadro? Ou a Sua ressurreição? Qual é o propósito do Juízo Final, se os pecadores já estão sofrendo os tormentos da Geena? E como é que podemos justificar a oração pelos mortos quando os abençoados já estão desfrutando da perfeita bem-aventurança, e os demais estão irremediavelmente condenados? Bem, eu vou responder a essas perguntas na próxima semana. Entretanto, o sábado antes de Pentecostes é o sábado das almas - um dia especialmente dedicado à oração pelos mortos - e nas vésperas ajoelhadas de Pentecostes, pedimos a Deus, de joelhos, pela Sua misericórdia para com todos os mortos, de todas as épocas. Quero encorajá-los a ouvir atentamente essas orações. Ah, e a propósito, se a tradução usada pelo seu padre usa a palavra Inferno, considere Hades.

E agora que o nosso grande Deus e salvador Jesus Cristo, o Vencedor da morte, que ascendeu ao Pai elevando a nossa humanidade com Ele e a colocou à direita do Pai, através das intercessões de São Inocêncio do Alasca, e do abençoado ancião Sofrônio Sakharov, tenha piedade de todos nós e nos conceda uma rica entrada no Seu Reino.

Fonte: https://www.ancientfaith.com/podcasts/carlton/hell_a_modest_proposal


Nota do blog: a continuação dessa série pode ser lida aqui: Purgatório

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

A Reforma Magisterial - Protestantismo (Pe. Andrew Stephen Damick)


A reforma magisterial 

O fim da Europa católica romana 

Começamos nossa discussão da reforma magisterial. Eu gostaria de começar com algumas citações dessa época. A primeira é de Martinho Lutero, em sua resposta à Inquisição, na Dieta de Worms, em 1521.
A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Santas Escrituras, ou pela razão evidente, eu não posso crer apenas nos papas ou nos concílios, pois está claro que eles erraram repetidamente e caíram em contradição. Eu me considero convencido pelo testemunho das Sagradas Escrituras, que é minha base. Minha consciência é cativa da palavra de Deus, assim, eu não posso e não irei abjurar, pois agir contra a própria consciência não é seguro ou correto. Que Deus me ajude, amém.

De João Calvino, nas "Institutas da Religião Cristã": 
Por predestinação nós entendemos o decreto eterno de Deus, pelo qual Ele determina consigo mesmo o que quer que Ele deseje que aconteça com cada homem. Nem todos são criados nas mesmas condições, mas alguns são pré-ordenados à vida eterna, outros, à danação eterna. E segundo cada pessoa foi criada para um ou outro desses fins, dizemos que ela foi "predestinado" à vida ou à morte.

E de Ulrico Zuínglio, nos 67 artigos de 1523: 
Do Evangelho, aprendemos que as doutrinas e tradições dos homens não tem serventia alguma para a salvação.
O momento icônico que deu início à reforma protestante do século XVI ocorreu quando as 95 teses foram pregadas à porta da Igreja de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517 por Martinho Lutero, um monge agostiniano desesperado pela reforma da Igreja Católica. Ele nunca teve inteção de criar uma nova igreja, mas sua insistência na abolição das indulgências e de sua venda, bem como sua afirmação da supremacia da Bíblia sobre a hierarquia da Igreja provocaram sua excomunhão por Roma em 1520. 

Os historiadores chamam a primeira fase da reforma de "Reforma Magisterial", porque ela teve o apoio das autoridades civis, dos "magistrados", especialmente onde é agora a Alemanha. Esses primeiros reformadores não tinham problemas em trabalhar em conjunto com as autoridades seculares para o bem de suas igrejas. Com a ajuda desses magistrados, o sólido domínio de Roma sobre a unidade religiosa da Europa  ocidental chegou a fim.

As denominações produzidas pela Reforma Magisterial, todas elas com diferenças entre si a respeito de importantes pontos de doutrina e de prática, incluem luteranos, as igrejas reformadas, tanto calvinistas quanto zuinglianos, incluindo presbiterianos, puritanos, congregacionalistas e reformados holandeses, e também anglicanos, geralmente chamados de "episcopais" nos EUA e na Escócia. Apesar de historicamente posteriores, grupos surgidos no século XVIII a partir do anglicanismo, como metodistas e wesleylianos, podem ser classificados neste grupo. 

As cinco "solas"

Apesar da reforma rapidamente ter se dividido doutrinariamente, havia cinco "solas" - que em latim significa "apenas" - cinco "solas" que caracterizam a maior parte da teologia da reforma: 1) "sola scriptura" - apenas a escritura; 2) "sola fide" - apenas a fé; 3) "sola gratia" - apenas a graça; 4) "solus Christus" - apenas Cristo; e 5) "soli Deo Gloria" - graças a Deus apenas. As primeiras três são encontradas no século XVI, enquanto que as outras, sob essa forma, são articuladas mais tarde. Essas cinco posições doutrinárias são os pilares da reforma protestante. Sob uma forma ou outra, as denominações da reforma magisterial continuam a acreditar nelas e sua influência é profunda em todas as igrejas protestantes. De algumas maneiras, a Ortodoxia concorda com essas cinco "solas", mas também difere delas de maneira importante. 

Sola scriptura 

Em sua forma mais simples, "sola scriptura" significa "apenas pela escritura." No começo da Reforma, ela não significava o abandono completo de toda a tradição da Igreja, mas apenas uma tentativa de elevar as Escrituras ao ponto mais alto e central da vida cristã. Não foi preciso muito tempo, porém, para que a sua separação implícita da tradição, especialmente da tradição hermenêutica, ou seja, como se interpreta a Bíblia, conduzisse a diversas revoluções doutrinárias. Sob Lutero, "sola scriptura" foi especialmente definida em termos anti-eclesiais. No debate de Leipzig, em 1519, ele afirmou o seguinte: 
 "Um simples leigo, de posse das Escrituras, deve ser ouvido acima de um Papa ou de um concílio sem elas. Nem o Papa nem a Igreja podem estabelecer artigos de fé, eles devem vir das Escritura. Em favor das Escrituras, nós devemos rejeitar tanto os Papas quanto os Concílios." 
As palavras de Lutero devem ser entendidas especificamente em termos do contexto de sua época. Os reformadores estavam tentando combater os abusos de Roma, especialmente o que eles consideravam um vasto acúmulo de práticas e doutrinas não-cristãs em nome da tradição, tais como a venda de indulgências, o uso das relíquias e o ensinamento de que a confirmação é um sacramento. No entanto, o novo princípio de autoridade da reforma traz em si as sementes de uma forma completamente nova de cristianismo, o que se torna mais visível agora, quando os protestantes não estão mais em confronto com Roma, exceto na retórica dos púlpitos. 

Dito isso, a insistência de Lutero de que a Bíblia está acima dos Papas e dos Concílios, de que ele rejeita em favor da Igreja, deixa uma importante pergunta sem resposta: e se os Papas e os Concílios estiverem usando as Escrituras em seus pronunciamentos? Esse simples leigo com uma Bílbia nas mãos está enfrentando Papas e Concílios que supostamente também possuem Bíblias. Quem está certo?  O problema em dizer que alguém está sem as Escrituras é que ele presume que as Escrituras não precisam ser interpretadas, aquele grupo está errado porque eles não devem estar usando a Bíblia. 

Mas a maior parte dos grupos envolvidos em debates cristãos estão usando a Bíblia. João Eck, o oponente católico de Lutero no debate de Leipzig, no qual ele fez afirmação citada acima, sabia disso. Ele respondeu em Leipzig que a abordagem de Lutero era: "Dar mais peso a sua própria interpretação da Bíblia do que à interpretação dos Papas, dos Concílios, dos Doutores e das Universidades." A resposta de Lutero a Eck simplesmente dobrava a aposta de sua insistência inicial. Ele disse: 
"Eu sou forçado não apenas a afirmar, mas a defender a verdade com meu sangue e minha vida. Eu quero crer livremente, e não ser escravo da autoridade de ninguém, Concílio, Universidade ou Papa. Eu confessarei com confiança o que parece ser a verdade para mim, mesmo que ela tenha sido afirmada por uma católico ou por herege, mesmo que ela tenha sido aprovada ou reprovada por um Concílio." 
Em outras palavras, para Lutero, a sua interpretação da Bíblia é correta de uma maneira auto-evidente, não importando o que qualquer outra pessoa tenha a dizer a respeito. Mas por que a interpretação de Lutero é segura? Ele possui mesmo essa autoridade? 

Então, quem possuiu autoridade para interpretar as Escrituras? A pergunta continua se perdendo. Para o reformador suíço Zuínglio, o princípio da "sola scriptura" veio a significar mais do que significava para Lutero. Ele chegou mesmo a afirmar que a Bíblia era a fonte exclusiva de toda a doutrina e prática cristã, o que o levou a abolir todos os rituais cristãos que ele não conseguiu encontrar na Bíblia. Zuínglio concluiu que as doutrinas e tradições dos homens, ou seja, as coisas que ele não via na Bíblia, eram irrelevantes para a salvação. Essa é a posição da maioria das denominações hoje em dia, que praticamente abandonaram por completo a noção de tradição. Alguns discordam se o que não é mencionado na Bíblia é proibido ou deve ser deixado para ser decidido pelos costumes locais. De uma maneira ou de outra, a tradição é rejeitada sob esse ponto de vista. 

A tradição não completamente rejeitada por todos os protestantes, no entanto. Para alguns luteranos e cristãos reformados, certas declarações doutrinárias, credos ou compilações de doutrina possuem autoridade, apesar de sua autoridade se basear no fato de que eles são vistos apenas como a maneira correta de interpretar a Bíblia. Esta herança da tradição protestante é chamada de "confessionalismo" e apesar de não ser geralmente descrita como uma tradição oficial, é geralmente assim que ela funciona. Uma pessoa pode, por exemplo, ser excomungada, caso ela discorde de forma substantiva de algum documento confessional aprovado por uma denominação. Nessa abordagem, as Escrituras geralmente são vistas como uma "autoridade suprema". 

A dedicação dos primeiros reformadores à "sola scriptura" serviu a seus objetivos de tentar recuperar a Igreja Primitiva das camadas que, em sua opinião, a Igreja Católica havia acumulado sobre ela. A Bíblia era a única testemunha infalível do cristianismo primitivo que eles conheciam, uma espécie de cabo de ligação à antiga Igreja Apostólica, por isso eles adotaram o lema "ad fontes" - às fontes. 

Por exemplo, a Vulgata medieval, a Bíblia em latim usada no século XVI demonstrava sinais de "corrupção". "Arrependimento" foi substituído por "devida penitência".  Essa ideia de que camadas de coisas supérfluas tinham sido acrescentadas por cima do "verdadeiro cristianismo" levou os reformadores a fazerem uma espécie de arqueologia com outras fontes também. Por exemplo, o argumento de Calvino contra a iconografia era de que não havia ícones antes do século VI, o que não é verdade, mas ele provavelmente não tinha acesso às fontes que pudesse provar isso a ele. 

Em contraste, a Ortodoxia tem as Escritures em altíssima consideração, mas as vê como um livro escrito como parte da vida da Igreja, assim, para lê-las da maneira correta é necessária a luz da santa tradição, a fé dada aos apóstolos por Cristo, via ensinamentos orais e preservada na Igreja. Os Ortodoxos tampouco precisam de "arqueologia" no que diz respeito à vida e à fé cristãs, segundo eles, na Ortodoxia nunca houve uma ruptura de continuidade com a Igreja Primitiva. Certamente, os Ortodoxos concordariam com os reformadores que Roma fez acréscimos ao depósito apostólico mas não que para recuperá-lo seria necessário suspeitar de quase toda a tradição da Igreja. 

"Sola scriptura" é a doutrina mais importante e definidora para todo o protestantismo. Com esse princípio, qualquer prática ou doutrina pode ser "provada" a partir das Escrituras, dependendo de como elas são lidas. Sobre esse princípio, todas as denominações protestantes foram fundadas. Sem ele, a questão da autoridade eclesiástica vem à tona e o fiel acredita que ele deve ser obediente à interpretação de outra pessoa. 

A maior parte das denominações protestantes acreditam que toda a doutrina cristã pode ser derivada das Escrituras por meio do sentido direto do texto, que deriva do estudo textual, da história e da razão. Seu objetivo é descobrir o que os autores "realmente queriam dizer" quando eles escreveram os livros da Bíblia. Com isso em mente, a maior parte dos defensores da "sola scriptura" considera sua própria interpretação da Bíblia como correta, enquanto aqueles que discordam estão errados. Os que estão errados geralmente o estão devido a supostas falhas em sua lógica. 

Uma exceção notável é o anglicanismo clássico que, desde o fim do século XVI alega basear suas doutrinas em três pilares: as Escrituras, a razão e a tradição. A maior parte do anglicanismo moderno acabou rejeitando todos os três de qualquer maneira inteligível. Alguns o fazem ao adicionar um quarto pilar, a experiência, que supostamente justifica a revisão doutrinária. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e em outros lugares, é possível ensinar qualquer coisa e permanecer um bom anglicano. No entanto, os anglicanos da África e em outras partes do sul são muito mais conservadores em sua abordagem doutrinária. Existem também importantes movimentos de anglicanos conservadores nos EUA e no Reino Unido, apesar deste serem divididos e minoritários. 

Os Ortodoxos têm diversas objeções à doutrina da "sola scriptura", com base na razão, na prática e também com base na tradição e na história da Igreja. Primeiro, a "sola scriptura" não passa em seu próprio teste, já que tal ideia não se encontra em parte alguma da Bíblia. É verdade que a Bíblia possui uma elevada opinião das Escrituras, por exemplo em II Timóteo 3, 16, mas ela nunca diz possuir a autoridade exclusiva nem a autoridade suprema. Ironicamente, a Bíblia descreve a Igreja, e não a si mesma, como "a coluna e o sustentáculo da verdade" em I Timóteo 3,15. 

São Paulo também comanda os fiéis em Tessalônica não apenas a ler a Bíblia, mas também para que fiquem firmes e guardem as tradições recebidas, seja por palavras, seja por cartas, II Tessalonicenses 2, 15. Ou seja, Paulo espera que eles guardem a tradição da Igreja, seja ela escrita - as Escrituras - ou transmitida oralmente. Os leitores da tradução feita por protestantes - a Nova Versão Internacional (NVI) - não entenderão esse detalhe porque a NVI traduz o termo grego "parádosi", que significa "tradição", como "ensinamento" quando ele é usado de forma positiva, mas como "tradição" quando a conotação é negativa. Essa abordagem distorce o que diz a Bíblia, ela cria uma distinção entre dois tipos de "parádosi", a tradição dos homens e a tradição de Deus. 

Outro problema lógico em transformar a Bíblia em uma fonte exclusiva ou suprema de autoridade e que a sua própria concepção não se presta a isso. Não existe uma teologia sistemática ou catecismo na Bíblia, não há um manual nela sobre algo tão importante quanto a celebração da liturgia. A Bíblia é uma coleção de documentos de gêneros diversos, escritos com objetivos diversos: história, poesia, ensinamento pastoral, profecia, um apocalipse. Mas em nenhum lugar nós encontramos nela um manual exaustivo sobre a vida cristã. 

A "sola scriptura" também introduz outros problemas práticos. A velha descrição católica romana da "sola scriptura": "cada homem é seu próprio Papa" é válida também para os Ortodoxos, apesar de nós vermos a infalibilidade individual como o problema, não importando quem a reivindique. Já que cada fiel se torna uma autoridade ao interpretar as Escrituras, temos de nos perguntar como é possível se defender das heresias. Se todos estão qualificados para interpretar as Escrituras, quem é capaz de julgar se alguém está ensinando uma heresia? E como os protestantes podem objetar contra um papado infalível, se eles mesmos ensinam sua própria infalibilidade pessoal? O Papa não é infalível, mas eu sou? 

Ironicamente, ao rejeitarem a tradição da Igreja, os protestantes ainda tendem a interpretar de acordo com as tradições de qualquer modo; há uma certa consistência entre a maioria dos Presbiterianos, Luteranos, Batistas e assim por diante, pois eles estão seguindo seus próprios mestres na fé, assim, eles violam seus próprio princípio em cada sermão ou aula sobre a Bíblia, porque, em todos esses casos, um professor supõe estar ensinando a outra pessoa como ler a Bíblia. 

Como indicado antes, alguns protestantes de fato recorrem a seus textos tradicionais, como os confessionalistas, e isso às vezes é visto como uma distinção entre "sola scriptura" - "apenas pelas Escrituras", onde a Bíblia é a autoridade suprema, o que torna aceitável certa tradição -; e "solo scriptura" - "nada além das Escrituras", onde a Bíblia é a autoridade exclusiva, rejeitando toda a tradição. Alguns podem até admitir que a comunidade eclesial possui autoridade para interpretar a Bíblia, mas então temos de levantar a questão: por que a Confissão de Westminster, por exemplo, possui autoridade? A autoridade de quem ela representa? Por que escolher a ela e não a tradição Católica Romana, ou a Ortodoxa? No fim, o problema é mesmo: sem um eclesiologia que faz de uma Igreja a responsável pela doutrina, termina-se com opiniões conflitantes cuja autoridade reside em sua atração sobre os ouvintes. 

Em termos do funcionamento real da interpretação das Escrituras, a maioria dos defensores da "sola scriptura" dirão que o Espírito Santo guia o leitor individual. Mas, se isso é verdade, por que há tantos conflitos no protestantismo a respeito do significado da Bíblia? Se o texto é claro por si só, por que essa hermenêutica, esse princípio interpretativo, não uniu a todos os protestantes, mas, ao contrário, continua a dividi-los? Como o fiel honesto, porém confuso, decide entre as diferentes pessoas que insistem que a Bíblia afirma claramente diversas coisas, mas ainda assim todos discordam entre si? Como ele decide quem está falando a verdade quando diz ser guiado pelo Espírito Santo? Ele simplesmente recorre à sua própria compreensão? Caso ele o faça, aparentemente não há autoridade. 

Alguns dizem que partes da Bíblia são menos claras, e que deveríamos interpretar as passagens obscuras por meio daquelas que são claras, mas quem decide quais trechos serão definidos como "claros"? Uma vez mais, nos confrontamos com o problema da autoridade. 

Outros, com uma opinião elevada do mundo acadêmico, recorrerão aos eruditos bíblicos usando métodos histórico-críticos de exegese e crítica textual para tornar claro o que é obscuro. No entanto, qualquer um que conheça minimamente o mundo dos estudos acadêmicos da Bíblia verá a sua confusão e divisão. Os estudos acadêmicos da Bíblia frequentemente produzem a negação de verdades cristãs básicas, tais como a realidade histórica de Jesus ou da Ressurreição. A unidade por meio desse método está ainda mais distante.

E o que acontece quando a próxima variação nos manuscritos ou descoberta arqueológica vem à luz? Deveríamos revolucionar uma vez mais a fé cristã? Aqueles que acompanham a mídia na época do Natal e da Páscoa notarão que eles sempre aparecem com alguma descoberta incrível do mundo antigo que deveria fazer os fiéis questionarem aquilo que sempre afirmaram: "o verdadeiro túmulo de Jesus", o "Evangelho da esposa de Jesus", etc. 

"Sola scriptura" também tem diversos problemas históricos. Primeiro, essa doutrina está ausente dos escritos dos Padres da Igreja; agora, sejam eles considerados ou não como autoridades, o que isso quer dizer é que se os apóstolos ensinaram a "sola scriptura", apesar de deixá-la de fora do Novo Testamento, o seus discípulos e os seguidores destes não parecem ter aprendido essa lição. Os Padres falam elogiam as Escrituras  e, por vezes, chegam a utilizar uma linguagem que parece conferir a elas a autoridade suprema, mas eles estão sempre interpretando as Escrituras desde o interior da tradição ortodoxa. 

A "sola scriptura" também teria sido uma impossibilidade prática para a Igreja Primitiva. Após a ressurreição de Jesus, passaram-se aproximadamente entre 20 e 40 anos antes do Novo Testamento começar a ser escrito. Alguns acadêmicos indicam a I Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses como o primeiro livre a ser escrito, enquanto outros conferem essa distinção à Epístola aos Gálatas. O último dos documentos do Novo Testamento, o Apocalipse de São João, foi provavelmente escrito no fim do século I, entre os anos 81-96, mais ou menos. Os cristãos tiveram de esperar décadas, portanto, antes de que ele estivesse completo. 

E, no entanto, ao terminar o seu Apocalipse, o apóstolo João não enviou o manuscrito para uma editora juntamente com os outros livros do Novo Testamento com o objetivo de distribuir os livros impressos nas igrejas. Esses vários livros circularam em separado por um bom tempo, sendo lidos em serviços litúrgicos e citados por escritores cristãos posteriores, com frequência ao lado de outros livros que hoje em dia nós não reconhecemos como bíblicos. 

Ainda que existam listas antigas de livros canônicos, tais como uma lista produzida por Orígenes no século II, e o "fragmento Muratori" que tradicionalmente foi datado como sendo do século II, mas que pode ser até do IV, foi apenas no ano 367 que a lista exata mais antiga dos 27 livros do Novo Testamento tal como o conhecemos foi escrita. Naquele ano, Santo Atanásio, o Grande, Papa e Patriarca de Alexandria e herói do Primeiro Concílio Ecumênico, realizado em Nicéia em 325 (ele era apenas um diácono na época), escreveu uma carta para suas igrejas instruindo-as sobre quais livros deveriam ser considerados canônicos em termos de seu uso em serviços litúrgicos. 

Esse é o contexto em que surgiu o cânone das Escrituras: o que era lido em voz alta nos serviços na igreja. No início, havia livros incluídos ao lado do Novo Testamento que conhecemos e lidos na igreja, tais como o Apocalipse de Pedro ou uma epístola dos Coríntios a Paulo. Ao longo do tempo, em seu cuidado pelas igrejas, os bispos começaram a comparar anotações e fazer listas do que ere permitido ser lido em voz alta. A lista de Atanásio em 367 é a primeira vez em que vemos o Novo Testamento que reconhecemos, mas foi apenas no século V que aquela mesma lista foi usada em toda parte na Igreja. 

Do momento da descida do Espírito Santo em Pentecostes até o momento em que os cristãos puderam finalmente indicar um cânone para o Novo Testamento, passaram-se mais de 300 anos, quase 400. A pergunta "o que diz a Bíblia?" não podia ser colocada, porque a pergunta "o que é a Bíblia?" ainda não havia sido respondida. A própria Bíblia possui uma história, não apenas os detalhes das palavras nos textos, mas quais textos vieram a ser considerados como Escrituras. 

Ironicamente para os reformadores, "o que é a Bíblia?" voltou a ser perguntado no século XVI, porque eles começara a editar o cânone para conformá-lo a seus próprios gostos, removendo livros do Velho Testamento que eram considerados canônicos havia séculos, por exemplo os Macabeus, Tobias, etc. De que vale a "sola scriptura" quando você pode alterar a que constitui a Escritura? E onde no cânone se encontra a definição do próprio cânone? Aquele índice tem de vir de algum lugar. 

Para os Ortodoxos, a Bíblia, seu conteúdo, canonização e interpretação, foram sempre uma questão para a comunidade da Igreja. A autoridade foi dada por Cristo à sua Igreja e assim a Igreja utilizou essa autoridade para escrever a Bíblia, compilá-la e canonizá-la. A Igreja ainda usa essa autoridade para interpretá-la. As Escrituras, portanto, não podem ser interpretadas de maneira confiável fora da Igreja Una.

Sola fide

A doutrina do sola fide ensina que a justificação vem somente pela fé. Na doutrina protestante clássica, a justificação é ser “declarado justo” por Deus, recebendo a justiça “imputada”. A doutrina da justiça imputada está em contraste com o ensinamento católico romano de justiça infundida (que Deus coloca a justiça no crente e se torna parte dele através do mérito recebido na vida espiritual).


Ter a justiça imputada é ser considerado ou visto como justo por Deus porque Ele “vestiu” o crente com a justiça de Cristo; porém não há sentido em que o crente é realmente justo em si mesmo. A imputação é uma mudança no status legal, mas não na santidade pessoal, nem mesmo uma mudança efetuada pela graça. Nisso, a doutrina descende diretamente da teologia ocidental do final da Idade Média baseada em uma visão jurídica do pecado com sua ênfase no status legal (uma visão que foi menos enfatizada na teologia católica romana mais recente).

Especialmente em Lutero, somente a fé é especificamente contrastada com as boas obras. Para ele, as boas obras nada têm a ver com a salvação apenas são um sinal ou resultado da verdadeira fé. A verdadeira fé sempre levará a duas coisas: justificação e boas obras. Lutero descreveu sola fide como sendo a doutrina pela qual a igreja se mantém ou desmorona.

A Sola fide encontra suas formulações mais claras tanto na Confissão de Augsburgo quanto na Confissão de Fé de Westminster, que são afirmações doutrinárias autoritativas entre cristãos luteranos e presbiterianos, respectivamente:

Nossas igrejas de comum acordo. . . ensina que os homens não podem ser justificados diante de Deus por sua própria força, méritos ou obras, mas são livremente justificados por amor a Cristo, pela fé, quando crêem que são recebidos em favor, e que seus pecados são perdoados por amor de Cristo que, por sua morte, pagou por nossos pecados. Essa fé Deus imputa a justiça aos Seus olhos. (Confissão de Augsburgo, 1530)
Aqueles a quem Deus chama efetivamente, Ele também justifica livremente; não infundindo justiça neles, mas perdoando seus pecados, e contabilizando e aceitando suas pessoas como justos; não por qualquer coisa forjada neles, ou feita por eles, mas pelo amor de Cristo somente; não imputando a fé em si, o ato de crer, ou qualquer outra obediência evangélica a eles, como sua justiça; mas, imputando a obediência e satisfação de Cristo a eles, recebendo e repousando sobre Ele e Sua justiça pela fé, cuja fé eles não têm de si mesmos, ela é o dom de Deus. (Confissão de Fé de Westminster, 1647)

Sola Fide foi formulada principalmente em resposta à insistência católica romana em boas obras (e todo o sistema de mérito, satisfação, purgatório e indulgências), que foi interpretado por Lutero como uma tentativa de ganhar o caminho para o céu. (Isso não é o que o Catolicismo Romano ensinava oficialmente, mas era um entendimento popular da doutrina católica no século XVI e provavelmente era pregado por aqueles que vendiam indulgências.) Daí vem a tradição protestante quase universal sobre o catolicismo romano, que ele ensina “works righteousness”, que os católicos acreditam que eles “ganham” a salvação. Os reformadores também viam o monasticismo dessa maneira, que é uma tentativa de ganhar a salvação. Devemos notar aqui, no entanto, que a linguagem da “satisfação” é preservada do catolicismo romano, continuando sua ênfase legal na soteriologia.

Lutero foi tão insistente nesta formulação de salvação vinda pela fé e não obras que, quando ele estava traduzindo Romanos 3:28 para o alemão, ele adicionou a palavra alemã allein (“somente”), de modo que o versículo dizia: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé somente sem as obras da lei”. Mas a palavra somente não está presente no texto grego nem mesmo sugerida pelo contexto.

Apesar dessa oposição estabelecida entre a fé e as boas obras, Lutero se engajou em uma longa controvérsia contra os antinomianos, que ensinavam que a moralidade era totalmente irrelevante para a vida cristã. Ele não via as boas obras como irrelevantes, mas como resultado da fé.

Lutero também ficou tão aborrecido com a aparente oposição à sua doutrina sola fide na epístola de Tiago que ele questionou sua autoria apostólica porque é "categoricamente contra São Paulo e todo o resto das Escrituras, [pois] atribui justiça às obras, e diz que Abraão foi justificado por suas obras” (Prefácio às Epístolas de São Tiago e São Judas). E assim, Lutero conclui que, comparado a outras obras do Novo Testamento, “A epístola de São Tiago é realmente uma epístola de palha. . . pois não tem nada da natureza do evangelho sobre isso” (Luther’s Works, 35: 362). Enquanto Lutero inicialmente queria omitir Tiago de seu cânon, ele finalmente escolheu deixar a epístola no lugar.

Ele questionou a autoridade não apenas de Tiago, mas também de Judas, Hebreus e Apocalipse - livros que também haviam sido questionados muito antes na história da igreja, mas que foram aceitos pela Igreja. (Em algumas denominações luteranas, quando um candidato a ordenação assina o Juramento de Subscrição, ele pode, na verdade, optar por não aceitar a canonicidade desses livros.) Ironicamente, o único lugar em que “fé somente” (ou às vezes “fé apenas”) aparece como uma frase no Novo Testamento está em Tiago 2:24: “Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé.” Tiago também diz, em 2:17: “Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta.”

Em alguns setores do protestantismo desde o Segundo Grande Despertar no século XIX, o sola fide passou a ser entendido como significando simples crença ou concordância com certas proposições doutrinárias, tais como a salvação não depende da fidelidade, mas de um assentimento único, geralmente como parte de uma experiência de conversão.

A Ortodoxia ensina com as Escrituras que é pela graça através da fé que somos salvos, e não das obras (Efésios 2: 8–9). Onde a ortodoxia difere da doutrina do sola fide está em seu entendimento de fé, obras e justificação. A fé para o cristão ortodoxo inclui boas obras, não porque elas ganham a salvação, mas porque são uma forma de cooperação com a graça divina, que realiza o trabalho de transformação. A justificação para os ortodoxos é ser verdadeiramente feito justo, não simplesmente declarado assim ("imputado"), e é efetuada pelo batismo. Isso é possível por causa da presença de Deus na pessoa. Além disso, a Ortodoxia tem uma visão muito mais ampla da justificação (em grego, dikaisyne), mais em consonância com o uso de Jesus no Sermão da Montanha (Mt 5-7), em vez da noção jurídica mais estreita, desenvolvida desde o século XVI na teologia romana e protestante. 

Baseado em sua dialética Lei / Evangelho, Lutero interpreta erroneamente as “boas obras” na Escritura como sendo idênticas às “obras da lei”, isto é, a Lei mosaica dos judeus. No entanto, enquanto São Paulo prega contra a eficácia da lei judaica para a salvação, ele em nenhum lugar prega contra as boas obras, nem opõe elas à fé. “As obras da Lei” que não nos ajudam são tradição judaica, mas as boas “obras” sem as quais a fé é “morta” (Tiago 2: 17–26) constituem a vida justa do crente.

Mesmo assim, essas boas obras não realizam nada por si mesmas. É a graça de Deus que faz a transformação acontecer. Boas obras são apenas parte de abrir a porta para essa transformação. É a nossa vida de fé e boas obras que é a nossa cooperação com a graça divina, o dom gratuito de Deus. Os ortodoxos acreditam em sinergia, trabalhando em conjunto com Deus para nossa salvação (1 Coríntios 3: 9, 2 Co 6: 1), um conceito não totalmente ausente, mas mal compreendido e efetivamente ignorado na maioria da teologia protestante.

Sola gratia

O ensinamento do sola gratia é que é somente a graça de Deus que efetua a salvação. Nenhum ato do homem contribui para a salvação de qualquer maneira. Essa doutrina está intimamente associada ao sola fide, pois a fé é o que ativa a graça salvadora. Os crentes do sola gratia geralmente declaram sua doutrina em termos opostos ao Pelagianismo (a doutrina de que o homem pode alcançar a salvação sem ajuda divina, porque ele não está sujeito ao pecado original / ancestral, ou seja, sua vontade permanece inalterada pela Queda). Qualquer um que sugira que o homem tenha algum papel substancial em sua salvação é geralmente acusado de ser pelagiano ou semi-pelagiano.

A forma mais extrema dessa doutrina é sustentada pelo predestinacionismo clássico (freqüentemente associado ao calvinismo, mas com uma história anterior entre católicos dominicanos), que sustenta que o homem não tem absolutamente nenhum papel em sua salvação, nem mesmo consentimento. Isto é, Deus te salva, quer você queira ou não. Ele também condena você quer você queira ou não. Essa visão é chamada de monergismo (“um ator”, ou seja, Deus). Essas duas ações juntas são chamadas de dupla predestinação - tanto os salvos quanto os condenados são predestinados a seus destinos. Neste caso, tanto a fé quanto a graça são dons de Deus e não envolvem a vontade do homem de forma alguma. A graça é geralmente chamada de "irresistível". A maioria dos crentes sola gratia não são extremos; eles acreditam que o homem deve pelo menos concordar com a salvação em algum momento, mesmo que apenas uma vez. Alguns teólogos reformados dosam essa visão com o que é chamado de “compatibilismo”, permitindo espaço nos decretos irresistíveis de Deus para o verdadeiro consentimento do homem - um consentimento que ele é incapaz de dar a menos que Deus deseje. (Sim, parece uma contradição.)

Ortodoxos podem concordar com sola gratia se for entendido que significa que é a graça de Deus que faz a obra transformadora da salvação. No entanto, a Ortodoxia acredita na sinergia, que Deus e o homem são colaboradores (1 Coríntios 3: 9; 2 Coríntios 6: 1), que o homem deve "trabalhar [sua] salvação com temor e tremor" (Fp 2: 12). O episódio da Anunciação, na verdade, ilustra muito bem a visão Ortodoxa - a saber, que Deus não impôs Sua vontade à Virgem Maria, mas desejou seu consentimento, que ela deu no fiat mihi ("Cumpra-se em mim").

Um dos principais problemas com sola gratia é que a graça é entendida como algo diferente do próprio Deus. Na teologia da Reforma, a graça é "favor imerecido", uma atitude em Deus, muitas vezes contrastada com a Sua ira. Para a Ortodoxia, a graça é incriada - isto é, a graça é Deus, Sua presença e atividade reais - Suas energias. Mas se a graça é meramente "favor", então a união com Deus (theosis) é impossibilitada. A distância de Deus encontrada às vezes na teologia católica romana é mantida no protestantismo.

Solus Christus

Solus Christus, o ensinamento de que “somente Cristo” é o meio de salvação, foi formulado em resposta à forte compreensão mediadora popular entre os clérigos católicos romanos do século XVI - que somente através do clero o homem pode se aproximar de Deus. Os protestantes também tendem a rejeitar a intercessão dos santos, uma vez que “somente Cristo” tem algo a ver com a salvação. O medo é que um ser humano falível se atrevesse estar entre um crente e Deus, que um padre realmente impedisse alguém de ter acesso à salvação ou que um crente pensasse que ele não poderia chegar a Deus sem passar por um santo.

A interpretação da doutrina católica romana sobre o clero como mediador encontra sua mais alta expressão no ensinamento de que o papa é o vigário de Cristo na terra, a noção de obras meritórias feitas pelos santos e, principalmente, a idéia de que o papa pode dispensar esses méritos como ele quiser. Embora o catolicismo romano freqüentemente enfatize o papel mediador do clero, em nossos dias, pelo menos, não é tão extremo quanto os reformadores o caracterizaram. Essa atitude da reforma é uma espécie de donatismo, mas em vez de negar a eficácia dos sacramentos de um sacerdote iníquo em particular, é uma negação do sacerdócio por causa da falibilidade do clero.

No sentido de que os reformadores geralmente queriam dizer que a salvação só é possível em e por meio de Cristo, o Solus Christus é aceitável para a Ortodoxia. No entanto, a rejeição que acompanha do papel clerical, mais especialmente em servir os sacramentos, que alguns reformadores interpretaram esta doutrina como incluindo, não é aceitável para a Ortodoxia. Enfatizaram o “sacerdócio de todos os crentes”, excluindo o sacerdócio sacerdotal, colocando assim os leigos contra o clero. A Ortodoxia também acredita no sacerdócio de todos os crentes, mas não no presbiterado de todos os crentes. A antiga Israel tinha uma noção semelhante para todos os crentes (Êxodo 19: 6), mas ainda mantinha um sacerdócio sacrificial para conduzir a adoração no templo. A Igreja Ortodoxa nunca enfatizou o clero principalmente como mediadores, porque há apenas um Mediador entre Deus e o homem, Jesus Cristo (1 Timóteo 2: 5). Eles são, no entanto, intercessores, assim como os santos são. Os Ortodoxos não vêem santos como pessoas que falam com Deus porque não podemos. Eles são irmãos que chamamos ao nosso lado para orar conosco e por nós. E o clero também tem um papel a desempenhar na salvação como ministros dos sacramentos, como aqueles que são ícones de Cristo ao oferecer o sacrifício, mas não é um papel absoluto. Deus pode salvar alguém apesar da iniqüidade de um sacerdote, e consideramos todos os crentes como ícones de Cristo e membros do sacerdócio real.

A maior fraqueza de solus Christus é que esse ensinamento subtrai da plenitude de Cristo em Seu Corpo, a Igreja, não apenas colocando o clero contra os leigos e ignorando o papel dos membros da Igreja que partiram (os santos), mas sugerindo uma disjunção mesmo entre a Cabeça (Cristo) e o Corpo (a Igreja). Se isolarmos Cristo “somente” e não prestarmos atenção em como Ele nos salva através de e com outros membros do Corpo, então estamos, em essência, descartando a eclesiologia, ou pelo menos reduzindo-a grandemente.

Soli Deo Gloria

Soli Deo gloria é o ensinamento de que só a Deus é devido a glória. Esta doutrina é uma rejeição da veneração de santos e outros objetos sagrados ou pessoas. É uma reação à glória terrena ostensiva do catolicismo romano do século XVI. De certa forma, a soli Deo gloria pode ser considerado redundante com o solus Christus, uma vez que enfatiza a salvação como sendo somente de Deus; mas acrescenta a ideia de que os seres humanos não devem buscar sua própria glória (em outras palavras, prega a humildade).

Soli Deo gloria também confunde adoração com veneração, ensinando assim que só Deus é adorado e venerado. Essa mistura pode ser o motivo pelo qual muitos protestantes, ao ver a veneração praticada no Cristianismo Ortodoxo, confundem com adoração e, assim, concluem que o cristão ortodoxo beijando um ícone ou curvando-se diante de uma cruz está cometendo idolatria.

Ortodoxia concorda com a essência desta doutrina, que só Deus é digno de nossa adoração. No entanto, é uma rejeição da Sua Encarnação e da Sua obra nos seres humanos na história negar honra àquelas pessoas e lugares, porque vemos a santidade que entrou na matéria na Encarnação como se estendendo em toda parte que a bênção de Cristo é dada.

Na Ortodoxia, a adoração é uma doação total e união com Deus principalmente através do sacrifício. Portanto, não faz sentido que adoraríamos santos ou objetos sagrados. A veneração, ao contrário, é mostrar o respeito e a honra devida onde Deus trabalhou, seja em uma pessoa (como um santo) ou até em objetos inanimados (como o túmulo de Cristo).

A veneração é dada aos santos somente por causa da obra de Cristo neles. Isso não diminui a adoração devida somente a Deus. É claro que nunca devemos buscar nossa própria glória, mas não há nada de errado em mostrar respeito e veneração aos santos de Deus, que mostram Sua glória. Os protestantes muitas vezes mostram uma espécie de veneração para as pessoas em suas próprias tradições que eles admiram, embora geralmente parem com o tipo de piedade que é normal nas práticas de veneração ortodoxa, como beijar ícones ou cantar hinos. Eles podem nomear igrejas ou mesmo denominações inteiras segundo seus heróis, no entanto, e há uma tradição de contar as histórias de mártires ou missionários protestantes que de certa forma se assemelha à hagiografia Ortodoxa.

Soli Deo gloria, enquanto tentando preservar a adoração exclusiva de Deus, na verdade, diminui sua obra salvadora em Sua criação, porque nega o mais completo senso de reconhecimento pela obra que Deus faz em Seus santos. Por trás desse ensinamento está a sensibilidade de que não pode haver união verdadeira entre o Incriado e o criado, apenas uma concessão de “favor”. Quando aplicada à Cristologia, isto é uma forma de Nestorianismo.

Uma nota interessante: Em sua ênfase na humildade, a frase soli Deo gloria tem sido usada como uma maneira de dar graças a Deus por uma obra de arte em particular. O grande compositor barroco Johann Sebastian Bach, por exemplo, escreveu “SDG” em muitos de seus manuscritos musicais.

Denominações de Reforma Magisterial 

Além da herança geral das cinco solas da Reforma Magisterial, as várias denominações que surgiram da primeira onda da Reforma também têm suas próprias características.

Luteranismo

As visões sobre a interpretação escritural hoje variam dentro do luteranismo e diversificaram desde o tempo do próprio Lutero. Alguns são influenciados pelo racionalismo do século XVIII, que questionou a autoridade da própria Bíblia. Alguns luteranos seguem uma abordagem do século XIX que enfatizou a inerrância bíblica, uma reação ao racionalismo, enfatizando a exatidão da Bíblia na maioria dos detalhes (e para alguns no extremo, em todos os detalhes). O século XIX também viu um interesse renovado no confessionalismo, colocando a autoridade nos primeiros textos luteranos (por exemplo, o Livro da Concórdia, a Confissão de Augsburgo, etc) - essencialmente um apelo à tradição luterana. 

A Ortodoxia considera toda a Escritura confiável e interpretada apenas dentro da Igreja Ortodoxa. O racionalismo não tem lugar dentro da Ortodoxia, porque a razão humana é notoriamente falível. A inerrância bíblica é também problemática para os ortodoxos, na medida em que isola as Escrituras como um ciritério da Igreja que as produziu. Se pudéssemos adotar algum senso de inerrância ou infalibilidade, seria em um contínuo ininterrupto entre Cristo e Sua Igreja e a Escritura, não no isolamento de qualquer um deles um do outro.

A Ortodoxia louva os apelos para retornar à tradição, mas no caso do confessionalismo luterano, é uma tradição que é divorciada da Santa Tradição e, portanto, incompleta ou incorreta de várias maneiras. No entanto, o respeito confessional luterano pela tradição é algo que atrai os ortodoxos, e nós compartilhamos um terreno comum, especialmente quando os luteranos fazem referência aos Padres da Igreja, embora em muitos casos os lemos de maneira diferente.

Os luteranos em geral consideram a hermenêutica das Escrituras dividida em Lei e Evangelho. A Lei é a obediência aos mandamentos de Deus, enquanto o Evangelho é a obra misericordiosa de Deus em Cristo que concede a salvação. Somente o Evangelho é verdadeiramente necessário para a salvação (veja acima sobre sola fide e sola gratia), mas a Lei pode ajudar a nos levar à salvação na medida em que nos mostra nossos pecados. Embora haja algo nesse arranjo que possamos apreciar como algo abreviado, a Ortodoxia não divide as Escrituras dessa maneira.

Em contraste com a Ortodoxia, os luteranos reconhecem apenas dois sacramentos, o batismo e a sagrada comunhão, embora não haja uma enumeração oficial. A confissão foi praticada durante o primeiro século do Luteranismo (e foi inicialmente vista por Lutero como um sacramento) e está vendo um pequeno retorno em nosso tempo. Luteranos variam quanto a se algo “real” acontece nos sacramentos, dependendo em grande parte de suas divisões de acordo com os campos hermenêuticos descritos acima.

Os luteranos tradicionalmente acreditam que o batismo é uma obra salvadora de Deus (embora eles diferem sobre o que isso significa), e eles o administram aos bebês. Nisto, eles são semelhantes aos ortodoxos.

Para os luteranos, a Santa Comunhão tradicionalmente inclui uma crença na presença real de Cristo, mas não em termos do pão e do vinho sendo transformados no Corpo e Sangue de Cristo nos termos aristotélicos adotados por Roma. Roma ensina a transubstanciação, que a “substância” do pão e do vinho é mudada, mas que seus “acidentes” permanecem, e é por isso que eles ainda parecem iguais. Lutero acreditava que o Corpo e o Sangue de Cristo estavam “dentro, com e sob” o pão e o vinho (embora ele não estabeleça uma formulação específica para isso até seu Catecismo Menor, que usa “sob”), linguagem usada para expandir a teologia em uma direção mais mística.

Luteranos salientam que tanto Cristo como Paulo continuam a usar os termos pão e vinho para o que foi mudado - isto significa que o pão e o vinho ainda estão presentes mesmo enquanto o Corpo e o Sangue de Cristo estão presentes. Essa visão é às vezes chamada de consubstanciação por não-luteranos, mas esse termo é geralmente rejeitado pelos luteranos como filosófico demais e sugerindo algo muito “carnal”, isto é, que eles acreditam em “empanação” (que Cristo se encarna como pão). Em termos do que eles realmente acreditam, a maioria dos luteranos são agora consubstanciacionistas de algum tipo, mesmo que não usem o termo.

A Ortodoxia sempre se esquivou de tal especulação ou definição e diz simplesmente que o pão e o vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Cristo. Como isso acontece, se o pão e o vinho ainda estão de alguma forma presentes, se continua-se a referir-se a eles como pão e vinho significa algo sobre a natureza dessa presença, e assim por diante, não são tratados como questões dogmáticas. A linguagem de “em, com e sob” de Lutero também pode ser entendida de uma maneira essencialmente ortodoxa.

O próprio Lutero também ensinou uma doutrina da theosis (em alemão, vergoettlich ung), mas ela não é bem conhecida entre os luteranos mais modernos. Um número de luteranos finlandeses fizeram um trabalho para revelar isso como parte da tradição luterana, embora seu trabalho seja principalmente conhecido apenas nos círculos acadêmicos europeus. Na Finlândia, esse terreno comum com os ortodoxos serviu de base para o diálogo teológico.

Na segunda geração do luteranismo, foi realizada uma correspondência entre os teólogos de Tübingen e o patriarca ecumênico Jeremias II de Constantinopla. Os luteranos estavam convencidos de que os ortodoxos se tornariam como eles mesmos, uma vez que também rejeitavam a supremacia papal. O diálogo finalmente não teve solução ao longo de linhas que ainda existem hoje - a rejeição pelos luteranos do monasticismo, os pontos de vista sobre as boas obras, etc. Jeremias finalmente interrompeu a correspondência, dizendo que os luteranos deveriam escrever para ele apenas por uma questão de amizade. (Vamos mencionar mais sobre isso abaixo.)

As principais denominações luteranas na América são a Igreja Evangélica Luterana na América (ELCA, que foi uma fusão de três denominações em 1988), a Igreja Luterana - Missouri Synod (LCMS), e Wisconsin Evangelical Lutheran Synod (WELS). A Igreja Evangélica Livre, que também tem presença nos EUA, é uma divisão das igrejas luteranas da Europa.

Em geral, a ELCA, a maior, é considerada a mais liberal. Ordena mulheres, aceita uniões e ministros homossexuais e é a menos confessional de todas as igrejas luteranas. A LCMS e a WELS são muito mais conservadoras, não ordenam mulheres e são mais propensas a serem confessionais. Há muitas denominações luteranas menores nos Estados Unidos, incluindo a recém-formada Igreja Luterana Norte-Americana (NALC), que é um corpo dissidente da ELCA e se descreve como representante do "centro teológico" do luteranismo na América. A NALC mantém a ordenação de mulheres, mas é menos provável que mantenha posições morais liberais em questões como a homossexualidade ou o aborto.

As denominações mais conservadoras são mais propensas a ter um tipo de culto litúrgico, vindo da tradição ocidental da missa - algumas pode até usar a palavra missa e às vezes chamar seu clero de “Padre”. Esse culto ainda é relativamente informal em comparação com as tradições mais católicas, no entanto, com maior ênfase na pregação do que na maioria das igrejas litúrgicas. A maioria das igrejas do WELS são não litúrgicas, o que também é comum na LCMS. Os estilos tradicionais às vezes também são oferecidos ao lado dos serviços de estilo contemporâneo. Algumas denominações luteranas, como os luteranos suecos, mantêm uma teologia de sucessão apostólica para seus bispos, embora seja apenas em termos de sucessão de ordenação, não de manutenção da fé apostólica. Nem todos os luteranos têm bispos. Para aqueles que posseum, no entanto, o bispo é principalmente um ofício administrativo e não sacramental.

Em outros países, os luteranos são chamados simplesmente de "evangélicos" (o termo original), que tem um significado diferente de seu significado dentro dos EUA. Na Alemanha, Evangelische se refere ao protestantismo em geral. Em seu uso original na Alemanha, Evangélico significava “do Evangelho” e se referia à hermenêutica Lei/Evangelho. 

[...] 
(Nota do Tradutor: Foram omitidos da tradução aqui os tópicos "The Reformed Churches" e "Anglicanism and its Heirs")
[...] 

Terreno comum: o que poderia ter sido

Quase tão logo começou, a Reforma Protestante começou a se dividir em facções, todas com diferenças em questões importantes da teologia. Os principais pontos de discórdia foram as questões de (1) se o livre-arbítrio tinha algum papel a desempenhar na salvação do homem e (2) a verdadeira natureza da Eucaristia. Muitos estudiosos de Lutero, observando a mudança na teologia de um "jovem Lutero" em comparação com um "Lutero posterior", reconhecem que o pai da Reforma alterou suas próprias concepções teológicas sobre a eclesiologia e os sacramentos com o passar do tempo.

Na geração depois de Lutero, quando várias facções teológicas de protestantes se formaram, uma correspondência teológica começou entre vários teólogos luteranos de segunda geração em Tübingen e o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, cujo patriarcado esteve sob domínio turco otomano por mais de um século.

Os luteranos, aparentemente, esperavam encontrar no Oriente Ortodoxo um aliado contra seu inimigo comum no papado romano. Porque os reformadores não se entendiam como inovadores na doutrina, mas como expurgando a igreja ocidental das inovações, e porque se acreditava que o Oriente mantivera sua pureza contra o papado, esses luteranos claramente esperavam que os ortodoxos ("a igreja grega") fossem de fato teologicamente luteranos.

Ao longo de oito anos, foram trocadas cartas entre a faculdade teológica universitária de Tübingen e o patriarca ecumênico Jeremias II de Constantinopla, discutindo teologia e prática dentro de suas respectivas comunhões. Para o desânimo dos luteranos, no entanto, o patriarca acabou pedindo a eles que parassem de escrever para ele sobre questões teológicas, porque estava claro para ele que eles nunca seriam capazes de concordar.

Havia, é claro, muito que eles tinham em comum, mas havia muito em que diferiam, alguns sendo herança da Roma medieval (como o filioque, justificação, pão ázimo na Eucaristia, a não comunhão dos bebês) e outros sendo distintamente posições luteranas (incluindo o papel da tradição, o monasticismo, o lugar das boas obras, o livre arbítrio, o número de sacramentos, como e quando o batismo e a crisma deveriam ser administrados, a natureza da Eucaristia, se a Igreja e os concílios ecumênicos poderiam ser infalível, a veneração dos santos e seus ícones e relíquias, e a celebração dos dias de festa). Algumas áreas de terreno comum incluíam a predestinação, a Eucaristia (para os primeiros luteranos) e a cristologia.

Em resumo, embora houvesse comunalidade em vários assuntos, restavam dois tipos de desacordo substancial: a herança teológica de Roma e as inovações por parte dos reformadores. Em particular, os reformadores continuaram, com Roma, a olhar para a salvação, enfatizando principalmente os termos legais, em vez de transformação pessoal e comunhão com Deus. As duas ênfases estavam presentes no catolicismo medieval e nos primeiros luteranos, mas o modelo legal predominava.

O eixo de todas as inovações do protestantismo foi a doutrina da sola scriptura. Como os reformadores acreditavam que podiam ler a Bíblia e derivar toda a teologia dela sem depender da tradição autoritária da Igreja, ou pelo menos sem ter que ser obediente a essa tradição, eles estavam fadados a cometer erros. Cada pessoa traz alguma tradição para ler a Bíblia - todos nós temos lentes e preconceitos através dos quais lemos. O erro está em negar que isso é verdade e também em rejeitar que existe a tradição, ou seja, a Sagrada Tradição transmitida pelos apóstolos.

A única maneira de garantir que você lê a Bíblia corretamente é certificar-se de que você está funcionando dentro da sucessão da tradição iniciada pelos apóstolos. Como os reformadores aceitaram sem questionar muitas das pressuposições teológicas da igreja cismática romana, não era de surpreender que se afastariam mais da tradição quando partissem de Roma.

Dito isso, os reformadores conceberam amplamente a tradição em termos do que viram em Roma. Provavelmente não estava claro para eles que os ortodoxos representavam uma continuidade ininterrupta da tradição livre das mudanças feitas por Roma.

Sem sola scriptura, todas as doutrinas distintivas do protestantismo são colocadas em questão. Com isso, no entanto, pode-se ir em quase qualquer direção teológica e afirmar estar baseando-se na Bíblia. Para os ortodoxos, porém, a Igreja é a coluna e o fundamento da verdade (1Tm 3:15).

Imagina-se como a história do cristianismo ocidental poderia ter sido diferente se os luteranos de segunda geração tivessem lido as cartas do Patriarca Ecumênico com um espírito de humildade e verdadeiro diálogo; ou se outros teólogos, como Martin Chemnitz (que de muitas maneiras ecoou os Padres da Igreja), pudessem ter participado da conversa. Talvez então o contato deles com a Igreja Oriental tivesse se movido em uma direção mais favorável. Seu respeito pela pureza da “Igreja Grega”, no entanto, não era maior do que sua devoção à sua própria doutrina, derivada de suas pressuposições isoladas da tradição ortodoxa.

Infelizmente, esse desejo por parte de alguns luteranos de se conectar com a Ortodoxia desapareceu rapidamente, e as várias denominações do protestantismo continuaram sua evolução. Hoje, a maioria dos metodistas não seria reconhecível por João e Carlos Wesley, nem a maioria dos luteranos seria reconhecível por Martinho Lutero, nem a maioria dos calvinistas por João Calvino.

Tudo isso dito, o grande amor dos protestantes tradicionais pela Escritura e, em muitos casos, sua devoção à história e tradição (embora uma tradição muito mais jovem), são pontos de contato entre as igrejas da Reforma Magisterial e a Igreja Ortodoxa. Esse contato levou muitas pessoas formadas nessas igrejas a encontrar um lar na Ortodoxia, mesmo na era moderna. Esses convertidos incluem pelo menos um que se tornou um mártir da fé ortodoxa, Santa Isabel a Nova Mártir (1918; ela foi criada luterana), e o maior escritor do nosso tempo no campo da história da igreja em inglês, o professor Jaroslav Pelikan de Universidade de Yale (ex-clérigo luterano). Há também muitos antigos luteranos, calvinistas, anglicanos e metodistas entre o clero ortodoxo.

Ainda há muito trabalho em termos de contato entre estas várias tradições e da tradição Ortodoxa. Hoje, a maioria dos protestantes não sabe que a Ortodoxia existe, e muitos ortodoxos que conhecem os cristãos dessas tradições têm pouco ou nenhum conhecimento do que eles acreditam.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Islã: Através do coração e mente de um convertido ao Cristianismo Ortodoxo [Parte II]


Parte 1 - Parte 2

Kevin: Bem-vindo ao Ancient Faith Today.

Neste programa, estamos apresentando a segunda parte da fascinante entrevista com "George", um recém-convertido do Islã para Cristianismo Ortodoxo. Ele se converteu aos 14 anos ao Islã e passou a estudar a história, a teologia e a jurisprudência islâmicas com o objetivo de se tornar um Imam. Nesta entrevista discutiremos a jornada pessoal de George do Islã à Igreja Ortodoxa. Bem-vindo de volta George. É muito bom tê-lo aqui no Ancient Faith Today.George: Obrigado Kevin, novamente, é uma grande bênção estar aqui.

Kevin: Então, continuando de onde paramos em nossa primeira parte, seria justo dizer que na sua experiência o Islã não é realmente uma tradição de fé experiencial, mas mais voltada em seguir regras de oração, disciplinas de jejum e a jurisprudência (ou Sharia) e apenas obediência em geral?

George: Sim, definitivamente concordo com isso.  Existem alguns ensinamentos que podem ser encontrados dentro do Islã, aquilo que é conhecido como Sufismo, que falam sobre a experiência de uma união com Deus, no entanto muitas dessas idéias ensinadas no sufismo, em comparação com os ensinamentos ortodoxos tradicionais  do Islã, são questionáveis ​​na melhor das hipóteses e outros ensinamentos são francamente heréticos e até mesmo blasfemos.



Já que no Islã não existe um conceito real de Deus habitando em sua criação através de seu Espírito Santo, experimentar Deus em um sentido real é impossível. Na verdade, quando o Alcorão fala de Deus estar perto de sua criação, isso sempre é entendido num sentido metafórico. Um bom exemplo disso seria no capítulo 50, versículo 16, onde diz: "... e estamos mais próximos dele do que sua veia jugular".



Esta idéia significa apenas que Deus está perto por seu conhecimento ou através de seu conhecimento e de forma alguma significa qualquer presença real, que Deus está perto de sua criação. Mesmo dizer algo como, Deus está em toda parte, tem sido tema muito controverso na teologia islâmica ao longo dos séculos. Tanto é assim que dizer tal coisa deve sempre ser qualificada por frases como "ele está em toda parte somente através de seu conhecimento, mas Deus está estabelecido em seu trono".


Kevin: Mas tendo dito tudo isso, havia aspectos positivos do Islã em sua vida já que você estava praticando o Islã?


George: Sim, eu acredito que o Islã me deu muito sentido necessário em minha vida, como tem dado e ainda dá para muitas pessoas. Dificilmente alguém pode argumentar que ter uma vida centrada em torno de um criador e realizar atos de oração, jejum, caridade, etc, são uma coisa ruim em si. Especialmente se comparamos tal vida com a alternativa que nosso mundo ao redor participa. Uma vida completamente desprovida de qualquer consciência de Deus ou qualquer sentido de uma moralidade superior.



O problema que vejo, porém, é que o Islã impede o crescimento espiritual da pessoa. Sem reconhecer, crer e confessar Deus como Ele realmente se manifestou, isto é, através da Santíssima Trindade, um muçulmano de fato restringe Deus e na verdade cria uma espécie de  ídolo e, por sua vez, essa restrição ou limitação de Deus, fazendo com que o muçulmano leve-a para sua vida e sua visão de si mesmo nos outros. 



Kevin: Eu quero continuar nisto, você mencionou que o Islã não é experiencial. Então, você diria olhando para trás em sua vida como muçulmano que não havia experiência de Deus para você no Islã?



George: Não havia tanta experiência de Deus para mim, apenas um reconhecimento Dele. Eu reconheci que Deus existia, que eu deveria crer e adorá-lo, mas como eu disse recentemente, o meu conceito de Deus como um muçulmano não me permitiu experimentá-Lo.



Eu vejo dessa forma: o Deus de Israel não foi plenamente realizado até a Encarnação da Palavra de Deus, isto é, Jesus Cristo, que foi o maior e mais profundo passo adiante e eu diria o maior divisor de águas na história da humanidade.


Então, cerca de seis séculos mais tarde, você tem Maomé, que voltou atrás o tempo, por assim dizer, e rejeitando a Encarnação e os atos salvíficos do Senhor Jesus Cristo, Maomé, na verdade, devolveu a humanidade para a lei e roubou daqueles que o seguiram a verdade sobre Deus, como revelada por meio de seu Filho unigênito e Seu Espírito Santo.

Kevin: Você disse algo interessante. Você disse que apesar de ter seguido as rubricas externas do Islã, você ainda se sentia como um "monstro" por dentro. Por favor explique.



George: Sim, eu disse. Uma coisa que deve ser entendida é que as práticas externas do Islã são tão enfatizadas que isso geralmente levará uma pessoa a negligenciar e até mesmo negligenciar a necessidade de um desenvolvimento verdadeiro e crescimento espiritual. Esta falta de crescimento espiritual, então, afeta como nós lidamos com aqueles que nos rodeiam. Isso é o que aconteceu comigo, e eu vi isso acontecer com inúmeros outros.



Eu tinha um profundo sentimento de satisfação em mim mesmo, através das minhas práticas dos rituais e leis do Islã, de forma que isso criou um profundo sentimento do que eu chamaria de "farisaísmo" e, depois de um tempo, isso teve tal efeito em mim que eu comecei a diminuir qualquer um que não fosse muçulmano, mesmo aqueles que me amaram e se importaram comigo durante toda minha vida. Isso, por sua vez, transformou-me em um monstro, eu acho.




Kevin: Talvez você possa expandir um pouco o que você disse, que o Islã cria um senso de farisaísmo, que é uma atitude julgadora e crítica nos verdadeiros crentes, em vez de amor.



George: Ok, certamente pode ocorrer e houve muitos casos que eu pessoalmente vi, começando comigo mesmo. O Alcorão afirma na surata 5, versículo 51: "Ó fiéis, não tomeis por aliados e amigos nem judeus nem os cristãos; eles são amigos entre si. Porém, quem dentre vós os tomar por aliados, certamente será um deles"


Versos como este podem fazer com que as pessoas assumam uma atitude de "nós contra eles", atitude que, diria, se transforma em zelo fanático de permanecer no caminho certo - através do "caminho reto" que é o chamado no Islã - e isso se transforma em um sentimento geral de desconfiança, paranóia e desprezo pelos não-muçulmanos em geral e até mesmo por outros muçulmanos.


Kevin: Falando de paz, como você bem sabe, algumas pessoas falam do Islã como religião de paz e a jihad como tão somente uma luta espiritual, e que os grupos como Al-Queda e ISIS estão, na verdade, seqüestrando a religião - ouvimos muito isso. O que você ouviu sobre jihad e os ensinamentos do Alcorão neste sentido nos por-trás-das-cenas?



George: Primeiro, literalmente, a palavra jihad significa uma luta no sentido genérico do termo. Pode significar uma luta militar, bem como uma luta espiritual. No entanto, na maioria das vezes quando a jihad é mencionada no Islã está falando de uma luta militar ou como é chamado em árabe, "qital".


No entanto, não creio que os grupos que você mencionou estão simplesmente sequestrando o Islã. Há textos e textos apoiando suas ações que não podem ser somente explicadas, como algumas pessoas tentam fazer, alegando que esses textos em particular estão falando de eventos históricos específicos que não têm relevância na vida de um muçulmano hoje. Essa idéia, no entanto, traz um problema doutrinário para quem acredita na natureza divina e eterna absoluta do Alcorão.

Por trás das cenas, eu diria que muitos muçulmanos que encontrei pareciam quase indiferentes aos chamados seqüestradores do Islã. Muitos deles não condenarão as ações dos terroristas. Raramente vejo qualquer condenação pública dos terroristas pelos muçulmanos. Mesmo que a falta de empatia mostrada pelos muçulmanos seja levantada, eles ficarão muito defensivos e evocarão eventos como as cruzadas, como exemplo, para justificar de alguma forma as ações de um grupo terrorista.

Fazendo uma pequena observação. Penso que é muito estranho que ainda tenhamos cristãos pedindo desculpas pelas cruzadas, incluindo o falecido Papa João Paulo II. No entanto, quantas vezes vemos alguma condenação pública por parte dos muçulmanos dos atos horrendos feitos em nome do Islã? Até hoje, por exemplo, o governo turco nega o genocídio armênio e um país como a Arábia Saudita, o centro e local de nascimento do wahhabismo, tem sido citado por violações de humanos uma após outra e nada é feito sobre isso.

Kevin: George, você diria que as chamadas práticas terroristas radicais desses grupos de que estamos ouvindo tanto sobre são causados por extremistas isolados ou isso que você ouviu era a norma no ensino islâmico? Você pode falar um pouco sobre isso?

George: Dada a vasta quantidade de material disponível no Islã tolerando a violência contra os não-muçulmanos, e acrescentando a isso a realidade histórica que mostra que o Islã desde o início usou a força e o terror para espalhar a sua fé, não sei como alguém poderia chegar a uma ou outra conclusão de que isso não seja a norma e sim uma exceção.

Eu diria até mesmo que, para entender melhor o Islã e seus ensinamentos, não se deve olhar para tal enquanto uma religião, mas sim como um movimento político fortemente influenciado pela cultura pagã e beduína do tempo de Maomé com algumas pinceladas de algo judaico-cristão para dar-lhe algum tipo de legitimidade árabe.

Kevin: Bem como nós ja discutimos, o Islã vem juntamente com muitos mal-entendidos que vieram de versões heréticas do cristianismo.

Então, George seguindo em frente com sua experiência de conversão, que sei que nossos ouvintes estão muito interessados , você me disse que sua mãe morreu aos 50 anos, que sua memória ser eterna, quando você ainda era um homem novo. Então, como esse evento afetou seu relacionamento com o Islã?

George: Bem, isso me estremeceu como qualquer se pode imaginar. Forçou-me a me fazer algumas perguntas muito difíceis. O ensino islâmico é bastante curto e seco quando se trata do destino dos não-muçulmanos quando eles morrem. O próprio pensamento de que minha mãe - que amava a Deus e que era uma das pessoas mais amorosas, generosas e gentis que eu já conheci - iria ser condenada à danação eterna só porque não era muçulmana, me aterrorizava .

O que ocorreu nas semanas que se seguiram à morte da minha mãe foi bem desanimador para mim. Lembro-me do dia em que ela faleceu. Naquela noite, fui a uma mesquita para rezar, refletir, encontrar algum consolo. Lá eu encontrei alguns de meus irmãos na fé e disse-lhes o que aconteceu. Em vez de suas condolências, a primeira coisa que me perguntaram foi se minha mãe abraçou o Islã. Quando eu disse, "não, ela não", a resposta geral foi, "oh, lamento ouvir isso, bem, não foi a vontade de Allah, eu acho".

Eu senti aborrecido para dizer o mínimo, mas eu sabia que isso é o que o Islã ensina, assim, como poderia argumentar? Eu só posso tentar dizer a mim mesmo que deve haver algo errado comigo para questionar o Islã. Eu lutei contra tais pensamentos, mas eles ainda permaneceram não importa o quão forte tentei removê-los.

Kevin: Então você começou a se afastar do Islã e da religião em geral?

George: Sim, não foi como se tivesse acordado um dia e dissesse a mim mesmo esqueça tudo isso e desista de praticar o Islã completamente e o renuncie. Foi um processo muito gradual que levou anos.

Por tanto tempo, eu só vi a vida através da lente do Islã. Eu me dediquei inteiramente a seus ensinamentos e seu conceito de Deus. Cheguei mesmo a ir tão longe como para orar às vezes que preferia que minha vida fosse tirada do que morrer como um não-muçulmano.

Assim, passando disso para realmente desprezar o Islã, teve um efeito tão grande em minha mente e alma, que senti que estava as perdendo. Eu estava desistindo de tudo o que tinha me definido. Eu não era apenas um muçulmano praticante, mas tinha passado anos estudando para ser um Imam ou um clérigo islâmico. Eu ensinei o Islã, eu o preguei, convidei outros e agora, eu estava virando as costas para ele. Então, no final, eu fiquei com um gosto muito amargo na minha boca, não só pelo Islã, mas pelas religiões.

Kevin: E o que aconteceu? As coisas, como você mencionou, começaram a escurecer?


George: Sim, sim. Fiquei com um enorme vazio na minha vida. Passei tanto tempo procurando por Deus, pensei que o encontrei, só para chegar à conclusão de que eu estava errado. Senti-me mental e espiritualmente exausto. Na verdade eu sentia-me traído por Deus quando eu o via. Eu estava com o coração partido. Não senti nada além de escuridão por dentro. Eu ainda continuava com uma crença muito superficial em um poder superior, mas minha crença em um Deus real e pessoal foi seriamente danificada. E eu não tinha idéia de como consertar esse dano e ser bastante honesto, nem sabia se eu me importava naquela altura.

Kevin: Então é justo dizer que você estava tendo uma crise de fé muito séria.

George: Ah, sim, de fato.

Kevin: Por que você acha que aconteceu?

George: Bem, depois dos eventos da morte de minha mãe e suas conseqüências e minhas muitas lutas pessoais com o Islã e com a vida em geral, comecei a olhar para o mundo com os olhos crescidos. Onde São Paulo diz no Coríntios 1: "Quando eu era criança, eu falava como uma criança, entendia como uma criança, pensava como uma criança, mas quando eu me tornei um homem, deixei de lado coisas infantis".

Em outras palavras, eu tinha me libertado, crescido do Islã, seus rituais, suas leis, do próprio conceito de Deus islâmico. Eu senti que toda a estrutura e disciplina do mundo não tem sentido se não levar a um fim, e percebi que nem tinha a menor idéia do que era esse fim.

Kevin: Conte-nos sobre o que estava acontecendo dentro de você e como você foi atraído até Jesus Cristo.

George: Eu diria que estava preso em uma espécie de limbo. Espiritualmente, sentia-me morto por dentro. Minha vida pessoal estava cheia de ódio e raiva inexprimível. Eu não tinha orado e nem sabia quanto tempo fazia, mas se orasse, qual era o ponto? O que eu poderia dizer, como eu lidaria com isso e se havia alguém lá ouvindo.

Comecei a ler livros sobre filosofia, como fazia anos antes, quando estava no início da adolescência, tentando encontrar algum sentido e tentando encontrar minhas próprias respostas. Então eu tive um sonho uma noite, e gostaria de dizer que eu não me importava muito com sonhos e visões e nesse tipo de coisa. Eu sempre fui um daqueles, se posso me expressar assim, que não segue muito seus sentimentos ou seu coração, mas sua mente.

Mas uma noite eu tive um sonho no qual senti a presença de Cristo. Não o vi como tal, só senti que ele estava lá. Era como se ele quisesse que eu viesse até ele, mas eu continuava empurrando-o, negando-o, e então eu ouvi um chorar. Quando acordei, não tinha idéia de como entender aquilo. Eu nunca tinha sido uma pessoa que coloca grande valor em sonhos ou visões como eu disse, ou nem pensava que eu era suficientemente importante para ter qualquer experiência espiritual notável.

No começo, eu simplesmente ignorei-o como um sonho estranho, nada mais. Então, algum tempo depois, eu estava caminhando em algum lugar, quando do nada, comecei a recitar o Pai Nosso. A coisa realmente estranha é que eu nunca a memorizei, e muito menos havia recitado a oração antes. Então, um dia, enquanto eu estava em casa, senti esse grande peso me vencer, podia sentir fisicamente, na verdade sentia que me empurrava pra baixo. Comecei a chorar como se não tivesse chorado há anos. Eu caí de joelhos na beira da minha cama, enterrei meu rosto nas minhas mãos. Eu não sabia o que fazer ou dizer, algo simplesmente veio até mim e as únicas palavras que saíram foram: "Jesus Cristo, se você estiver aí, me ajude".

Depois desse evento, alguns meses depois, tive um sonho com São Paulo, o Apóstolo. Eu o vi em seu caminho para Damasco, como é narrado no livro de Atos e então eu vi São Paulo cair no chão. Olhei para o rosto dele, mas em vez de ver o rosto de São Paulo, eu na verdade vi o meu. Foi então que entendi que tudo isso não era apenas uma espécie de coincidência. Eu senti que tinha que fazer algo. Embora minha mente me dissesse que eu havia de afastar-me um pouco e entender racionalmente aquilo tudo, algo mais profundo estava me dizendo: diga sua mente para calar a boca e apenas ouça seu coração pela primeira vez na sua vida.

Kevin: Então, George, conte-nos sobre o que o levou a conhecer o Cristianismo Ortodoxo  e o que o levou à Ortodoxia depois de rejeitar o cristianismo enquanto criança e de ter estado numa religião anti-cristã por mais de 20 anos.

George: Depois de tudo o que tinha experimentado, eu ainda tinha o problema de não saber o que fazer em seguida. Não sabia para onde me dirigir, não estava interessado em uma das milhares de denominações cristãs e também não estava procurando apenas uma experiência emocional. Eu também precisava de algo tangível.

Eu lembro de estar em uma feira do estado onde moro com a minha então namorada que hoje é minha esposa, que devo dizer foi um exemplo incrível para mim como que o amor, paciência, bondade e compreensão cristã pode e deve ser. Paramos em uma tenda de cristã que estava entregando Bíblias. Eu fui lá, contei-lhes o meu passado, eles me deram uma bíblia - a primeira que eu já possuí na minha vida - e então eles me perguntaram se eu gostaria de recitar o que mais tarde descobri que era chamada de Oração do Pecador. As pessoas eram boas, mas simplesmente não parecia certo. Algo dentro de mim disse-me para continuar procurando. Eu continuava me perguntando se havia algum resquício da Igreja histórica que eu comecei a aprender com minha leitura do Novo Testamento.

Todas as denominações ao meu redor afirmavam ser "A" Igreja. Tendo sido muçulmano, conheci o valor da tradição religiosa e da continuidade histórica e simplesmente não vi em nenhuma dessas denominações.

A Igreja Católica Romana foi a única que parecia ter uma conexão real com os apóstolos e com a comunidade cristã original. No entanto, eu tive muitos problemas com a Igreja Católica com a qual eu nunca poderia concordar.

Um dia eu estava pesquisando na internet e comecei a colocar palavras-chave como antiga igreja, os primeiros cristãos. Eu procurei a lista de resultados e um que chamou minha atenção imediatamente foi o site de uma jurisdição específica. No site, havia uma a citação de Atos 11:26, onde diz: "e os discípulos foram primeiro chamados cristãos em Antioquia". Com isso vi uma conexão entre uma comunidade histórica de fiéis em Cristo e um lugar real. Fiquei intrigado e queria saber no que a Igreja acreditava, a conexão com os primeiros cristãos e seu modo de adoração. Comecei a ler mais sobre a Igreja Ortodoxa, seus ensinamentos, práticas e história. Então eu disse a mim mesmo, isso é o que o cristianismo deveria ser e eu disse muitas vezes desde então, que gostaria de ter sabido sobre essa Igreja há muito tempo.

Quanto mais eu aprendia, mais tudo parecia fazer sentido. Tenho que dizer que uma das principais características da fé ortodoxa que realmente me atraiu foi o conceito de "theosis", sendo o principal ponto focal da vida de um cristão. Em seguida, entrei em contato com o padre da minha igreja ortodoxa local, me encontrei com ele e depois de um ano eu me tornei um catecúmeno. Também devo dizer que o Ancient Faith Radio foi e tem sido uma dádiva de Deus que eu conheci quando um dia eu estava procurando por histórias de ex-muçulmanos que se tornaram cristãos e eu realmente encontrei uma entrevista que você tinha feito com um ex-xiita muçulmano que se converteu à Igreja Ortodoxa.

Kevin: certo, Anthony Devar. Então, foi uma experiência espiritual da pessoa de Cristo que atraiu você para Ele ou foi isso juntamente com sua busca intelectual?

George: era uma combinação de ambos, mas a experiência espiritual era definitivamente mais irresistível dos dois na minha conversão ao cristianismo, ao contrário de quando eu me converti ao Islã.

Ao longo da minha vida, sempre fui o tipo de pessoa que tende a pensar demais e e racionalizar as coisas, mesmo as questões espirituais, que pode prejudicar alguém em busca de Deus, eu acho. Isso provou ser um obstáculo real para mim. Acreditar em Deus não pode ser apenas uma espécie de exercício mental.

Um dia, há cerca de um ano, ocorreu algo ao olhar em um ícone da crucificação de Cristo. Eu estava sentado em casa, olhando para este ícone da Crucificação do Senhor. Encontrei-me fixado na postura de seus braços esticados. Então, algo me chamou atenção. Não vi essa postura como uma de dor e sofrimento. Quero dizer, não estou minimizando a dor horrível e a tristeza que cercam esse evento, mas naquele momento eu vi muito mais do que isso. Eu vi algo tão bonito, como se Cristo estivesse me dizendo: "Eu fiz isso por você, e o mundo inteiro, porque eu amo você e eu quero que você venha até mim e me siga". Esse sentimento tomou conta de mim. Algo como quando eu era criança e eu me machucava e então minha mãe ouvia meus gritos e viria correndo para mim, e eu a viria com os braços esticados e então ela me abraçaria, e então essa sensação de calma, o amor e a segurança acabariam de me vencer.

Kevin: Eu esqueci de lhe perguntar isso antes, mas o Islã também rejeita o Espírito Santo como Deus. Isso esta certo?

George: Sim, sim. Na verdade, o Espírito Santo é referido no Alcorão, mas quando menciona o Espírito Santo, ele está se referindo ao arcanjo Gabriel. Esta é a crença islâmica, do que é o Espírito Santo.

Kevin: Ok. Então, você se esforçou com as doutrinas cristãs, mas anti-islâmicas, da Santíssima Trindade, sendo Cristo o Filho de Deus não gerado e o Espírito Santo sendo Deus?

George: Sim, eu definitivamente me esforcei. Não posso exagerar a transformação que tive de sofrer, da minha mente, da alma, da essência de quem sou e do jeito que vejo tudo.

O islã tem no seu núcleo a rejeição de tudo o que a fé cristã tem como fundamental. O exemplo mais profundo disso é a rejeição do Islã à divindade do Senhor e à sua crucificação. Mesmo o nome de Jesus Cristo usado no Alcorão é diferente daquele utilizado por cristãos árabes durante séculos antes do Islã.

A questão sobre como os muçulmanos chamam Cristo e como os Cristãos o chamavam, pode parecer trivial para alguns, mas eu sinto que ela toca num ponto muito mais importante, que o Cristo encontrado no Islã e aquele que conhecemos como Senhor e Salvador do mundo não é o mesmo indivíduo.

Então, hoje, quando ouço um muçulmano dizer que eles acreditam em Jesus Cristo, eu teria que dizer: "não, você não." Existe apenas um Jesus Cristo, não um muçulmano e um cristão, e se uma pessoa não aceita e não acredita nEle, a ser quem Ele é verdadeiramente, então ele não acredita em Cristo e apenas formou um novo indivíduo como o Islã fez.

Enquanto me esforçava, descobri que quanto mais eu lia, estudava, participava da  Divina Liturgia e orava, mais ficava claro pra mim. Eu percebi que não precisava - nem jamais seria capaz - de entender tudo, e que essencialmente Deus é a Santíssima Trindade, um mistério, e eu tinha só que aceitar isso e acreditar e seguir a orientação da Igreja. Isso é o que é a fé.

Devo dizer que dois livros foram extremamente úteis, na minha experiência, um deles o livro de São Atanásio, "Sobre a Encarnação" e outro definitivamente a "Exposição Exata da Fé Ortodoxa" escrito por São João de Damasco. No geral, eu aprendi e, mais importante, experimentei o quão maravilhoso, glorioso e belo Deus, como a Santíssima Trindade, realmente é.

Kevin: Lindo. George, já que estamos chegando ao fim, nos fale sobre sua experiência no culto cristão ortodoxo e compare-o com sua experiência no culto muçulmano.

George: Bem, primeiro digo que nada poderia ter me preparado para primeira vez que assisti a Divina Liturgia. Todos os meus sentidos estavam envolvidos ao mesmo tempo. Era bastante irresistível. Eu me senti como uma criança. Não se assemelhava em nada com o que eu já havia experimentado no islã.

Realmente não há comparação. Não senti que estava apenas participando da adoração de Deus, mas senti que era uma participação mútua. As pessoas cantando e louvando a Deus e, por sua vez, trabalhando com e através das pessoas, se isso faz algum sentido. Não era estagnante. Havia esse tipo de fluxo indescritível em tudo.

Os aspectos exteriores do culto ortodoxo não me eram de todo estranho, no entanto, como se curvar e a prostração. Levei algum tempo para me tornar confortável com o uso de ícones, especialmente vindo de um ambiente tão iconoclástico, então eu li "Sobre as Imagens Sagradas", novamente escrito por São João de Damasco. A maneira como ele defende o uso de ícones me impressionou e depois daquilo não tive mais dúvidas sobre como os ícones não são apenas arte religiosa, mas um componente importante da doutrina da Encarnação do Filho de Deus. 

Kevin: Sim, eu acho um livro muito importante. Fico feliz que você leu os primeiros escritores patrísticos e não apenas interpretações da Ortodoxia. Isso é muito importante.

George, como estamos chegando a nossa última pergunta, sua experiência como cristão, como cristão ortodoxo, mudou você e como você descreveria essa mudança?

George: Bem, me mudou de forma tão profunda que eu sinto que não só me mudou, mas que é um processo contínuo. Eu posso passar um show inteiro apenas falando sobre esta questão. Sinto que até então nem comecei a entender o significado real de morrer, ser enterrado e ressuscitado com Cristo. Eu sei agora que minha vida deve estar centrada em morrer para o meu eu antigo, meu velho processo de pensamento, minha visão antiga da vida, a maneira como eu vejo a mim e aos outros e como lido com meu vizinho.

Tem sido uma experiência maravilhosa de mudança de vida e, para ser sincero, uma das mais terríveis ao mesmo tempo. Ser batizado em Cristo tem sido como ter um espelho colocado diante de mim. Isso me obrigou a me olhar com honestidade, todos os meus pecados e deficiências. Não há Deus enganador e estou aprendendo que ter um relacionamento real com Ele significa que eu tenho que ser honesto comigo primeiro, antes que eu possa me oferecer a Deus.

Pela primeira vez na minha vida, eu sei o que o amor realmente é, e sei que isso parece muito cliché, mas, como diz o Senhor, "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos". Não existe maior amor do que dar a vida, o marido por sua esposa, a esposa por seu marido, um pai por seu filho e assim por diante; morrer e nos esvaziar por causa dos outros é um ato verdadeiramente divino que Cristo fez por todos nós em primeiro lugar. Este é definitivamente o amor verdadeiro. Pela graça de Deus, que eu e cada um de nós coloquemos em prática.

Kevin: Bem George, muito obrigado por compartilhar sua incrível história, nossas orações estarão com você.

George: Muito obrigado Kevin e obrigado a Ancient Faith Radio, que Deus os abençoe a todos.

Kevin: E obrigado a todos por nos ouvir.

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