sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Purgatório (Clark Carlton)

Vídeo com legendas:


Transcrição do áudio:

Fé e Filosofia: Reflexões sobre a Ortodoxia e a Cultura 
Clark Carlton é o autor da série The Faith (The Faith, The Way, The Truth, The Life), publicada pela Regina Orthodox Press. Os seus livros têm sido fundamentais para ajudar muitos a encontrar o caminho para a Ortodoxia. Neste podcast, Clark comentará semanalmente sobre questões de fé, filosofia e Ortodoxia.

"Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os melhores frutos desta terra." (Isaías 1:18,19)

Olá, e bem-vindos novamente ao "Fé e Filosofia". O tema de hoje é Purgatório. Na semana passada discutimos a palavra "Inferno" [Uma Proposta Razoável sobre o Inferno]. Sugeri que evitássemos o uso dessa palavra em nossas traduções da Bíblia e dos Padres e simplesmente transliterar as palavras Hades e Geena dos textos gregos originais.

Eu salientei que no Novo Testamento, Hades e Geena têm significados muito diferentes. Observei também que no Ocidente medieval, de língua latina, os termos se tornaram mais ou menos sinônimos na época em que as pessoas começaram a traduzir textos eclesiásticos para o vernáculo. Isto explica porque os primeiros tradutores usavam sempre uma única palavra inferno ao traduzir Hades ou o latim, Infernus e Geena.

Terminei na semana passada observando que esta confusão relativa ao uso destes termos resultou em uma visão muito simplificada da morte, que, intencional ou não, tendeu a minimizar o significado da ressurreição e do Juízo Final. Porque Hades ou Infernus veio a ser considerado como o lugar dos condenados ou Geena e não simplesmente a morada dos mortos.

Qualquer noção da morte como um estado fundamentalmente antinatural foi perdida. Quando as pessoas morrem, elas vão para a sua recompensa, seja no Céu ou no Inferno. Ponto final. A ressurreição e o Juízo Final são meras reflexões posteriores a esta altura. A forte polaridade entre os santos no Céu e os pecadores no Inferno deixou os religiosos medievais no Ocidente com um problema, contudo.

Desde o início, os cristãos oravam pelos mortos. Mas porquê? Os santos no Céu não precisam das nossas orações, e aqueles no Inferno não se beneficiariam com elas. A resposta para este problema foi o Purgatório. Reconhecendo que os cristãos sempre oraram pelos mortos e também reconhecendo o fato óbvio de que nem todos os cristãos vivem vidas santas, o Purgatório foi concebido como um terceiro lugar ou estado entre os plenamente bem-aventurados e os irremediavelmente condenados. É por aqueles no Purgatório que a Igreja ora de acordo com esta teoria particular.

Sejamos claros sobre o que é e o que não é o Purgatório. Apenas os católicos romanos batizados é dito que estão no Purgatório. Aqueles que morrem fora da Igreja Católica Romana vão diretamente para o inferno. Eles não passam no "Go". Eles não recolhem U$200,00.[Referência ao jogo Banco Imobiliário] Não há possibilidade de salvação para eles. A propósito, poucos católicos admitirão isso hoje em dia. Mas este foi o ensinamento inequívoco da Igreja Católica Romana durante a maior parte do último milênio.

Agora, entre aqueles que foram batizados, há aqueles que morreram sem cumprir certas penitências por seus pecados. Aqui, a teologia romana tem tradicionalmente distinguido entre a pena eterna pelo pecado e a pena temporal. Cristo pagou a pena eterna pelo pecado na Cruz. É por isso que todas as pessoas no Purgatório tem a garantia de serem salvas, eventualmente.

No entanto, resta uma pena temporal que deve ser paga pelo pecado. É aqui que entra a penitência. Ao passar pela penitência, paga-se a pena temporal. Mas a maioria dos católicos morre sem cumprir toda a penitência devida pelos seus pecados. É por isso que eles vão ao Purgatório - para sofrer a punição temporal até que a sua dívida seja paga, e aí eles são autorizados a entrar no Céu e juntar-se aos demais santos.

É fácil ver como alguns clérigos empreendedores, no final da Idade Média, encontraram uma maneira de transformar este esquema em uma máquina de fazer dinheiro. Esta é, naturalmente, a origem da prática de vender indulgências. Pelo preço certo, você pode até comprar um certo número de anos de pena a menos no Purgatório. Ofendidos pela prática perversa da venda de indulgências e céticos quanto à distinção entre a pena eterna e a temporal, os reformadores protestantes rejeitaram a noção de Purgatório, e com razão.

Bem, isto trouxe-os de volta à polaridade de que falei antes. Esta é a versão das coisas com que cresci como batista do sul. No preciso momento da morte, aqueles que são "salvos", ou seja, aqueles que convidaram Jesus para entrar em seus corações para ser seu Senhor e Salvador pessoal, vão imediatamente para o Céu para estar com Deus. Aqueles que não são "salvos", vão diretamente para o inferno onde arderão para sempre em um fosso de fogo. Não há meio-termo. Nenhuma ambiguidade. E nada de orações pelos mortos.

Também não há muitas razões para acreditar na ressurreição ou no Juízo Final, uma vez que o verdadeiro juízo Já ocorreu. Mas aqui está o ponto que quero que reparem. Embora os reformadores tenham rejeitado a doutrina católica romana do Purgatório, eles não questionaram a identificação do Hades com a Geena, que deu origem ao problema em primeiro lugar.

No final da Idade Média, houve numerosos debates entre os católicos romanos e os ortodoxos sobre a questão do Purgatório. Num desses debates, o Cardeal Bessarion defendeu a prática com exatamente o mesmo argumento que eu apresentei acima. Os ortodoxos, no entanto, tiveram dificuldade em compreendê-la. Por um lado, o esquema legalista no qual se devia satisfação pelos pecados era tão estranho ao modo de pensar deles que eles tiveram dificuldade em entender do que os romanos estavam falando.

Além disso, eles assinalaram que nas Escrituras não há nenhuma menção a um fogo purgatório. O único fogo é o fogo da Geena, ou seja, o fogo do Juízo Final. Além destes pontos, porém, a diferença mais significativa entre os ortodoxos e os católicos romanos foi o fato de que quando os ortodoxos liam a palavra Hades nas Escrituras - (afinal estavam lendo o grego original) - eles na verdade pensavam no Hades, a morada dos mortos. Eles não o confundiram com a Geena, o destino ardente dos condenados.

Os ortodoxos oram pelos mortos precisamente porque o Juízo Final não aconteceu. Eu mencionei há algumas semanas que o primeiro uso da palavra ressurreição na Bíblia ocorre no Segundo Livro de Macabeus. É significativo que a menção da ressurreição nesta passagem esteja diretamente ligada ao oferecimento de oração pelos mortos. Judas Macabeus ofereceu sacrifícios por seus homens mortos em razão da ressurreição e do Juízo Final.

Vemos algo semelhante no Novo Testamento. Quando Paulo toma conhecimento da morte de seu amigo Onésimo, ele diz: "Conceda-lhe o Senhor que, naquele dia, encontre misericórdia da parte do Senhor". E, claro, na Liturgia, pedimos uma boa resposta diante do temível tribunal de Cristo. Tanto o Novo Testamento como a Liturgia da Igreja concentram-se claramente no dia da vinda do Senhor.

Agora, para compreender plenamente o significado de tudo isso, precisamos olhar para a natureza do Juízo Final e como ele se relaciona com a morte. Mas temo que terá de esperar até à próxima semana. Até lá, não esqueçamos que Cristo venceu a morte. Portanto, em nossas orações intercessórias, não esqueçamos aqueles que já morreram. Todos os que aguardam o julgamento, vivos ou mortos, precisam das nossas orações, assim como nós precisamos das orações dos nossos irmãos e irmãs.

E agora que nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, que enviou o Espírito Santo para permanecer em Sua Igreja, através das intercessões de São Inocêncio do Alasca e do Bem-aventurado Ancião Sofrônio Sakharov, tenha piedade de todos nós e nos conceda uma rica entrada em Seu reino eterno.

Fonte: https://www.ancientfaith.com/podcasts/carlton/purgatory


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