sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Redenção e Deificação (Vladimir Lossky)

"Deus se fez homem para que o homem possa se tornar Deus". Estas palavras poderosas, que encontramos pela primeira vez em Santo Irineu, [1] são novamente encontradas nos escritos de Santo Atanásio, [2] São Gregório de Nazianzo [3] e São Gregório de Nissa. [4] Os Pais e os teólogos ortodoxos têm repetido elas em todos os séculos com a mesma ênfase, desejando resumir nesta sentença surpreendente a própria essência do cristianismo: uma inefável descida de Deus até o limite último de nossa condição humana caída, até a morte - uma descida de Deus que abre para os homens um caminho de ascensão, as vistas ilimitadas da união dos seres criados com a Divindade.

A descida (katábasis) da pessoa divina de Cristo torna as pessoas humanas capazes de uma ascensão (anábasis) no Espírito Santo. Era necessário que a humilhação voluntária, a kénōsis redentora, do Filho de Deus acontecesse, para que os homens caídos pudessem realizar sua vocação da théōsis, a deificação dos seres criados pela graça incriada. Assim, a obra redentora de Cristo - ou melhor, de um modo mais geral, a Encarnação do Verbo - parece estar diretamente relacionada ao objetivo final das criaturas: conhecer a união com Deus. Se esta união foi realizada na pessoa divina do Filho, que é Deus feito homem, é necessário que cada pessoa humana, por sua vez, se torne deus por graça, ou "um participante da natureza divina", de acordo com a expressão de São Pedro (II Pedro 1: 4).

Uma vez que, no pensamento dos Pais, a Encarnação do Verbo está tão intimamente ligada à nossa deificação final, poder-se-ia perguntar se a Encarnação teria ocorrido se Adão não tivesse pecado. Esta questão foi frequentemente levantada, mas parece-nos uma questão irreal. De fato, não temos conhecimento de qualquer condição da raça humana, exceto a condição resultante do pecado original, em que nossa deificação - a realização do propósito divino para nós - se tornou impossível sem a encarnação do Filho, um fato necessariamente tendo o caráter de uma redenção. O Filho de Deus desceu do céu para realizar a obra de nossa salvação, para nos libertar do cativeiro do diabo, para destruir o domínio do pecado em nossa natureza e desfazer a morte, que é o salário do pecado. A Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, pela qual se realizou sua obra redentora, ocupam assim um lugar central na dispensação divina para o mundo decaído. Deste ponto de vista, é fácil entender por que a doutrina da redenção tem uma importância tão grande no pensamento teológico da Igreja.

No entanto, quando o dogma da redenção é tratado isoladamente do corpo geral do ensinamento cristão, há sempre o risco de limitar a tradição, interpretando-o exclusivamente em termos da obra do Redentor. Então, o pensamento teológico se desenvolve em três linhas: o pecado original, sua reparação na cruz e a apropriação dos resultados salvíficos da obra de Cristo aos cristãos. Nessas perspectivas constritivas de uma teologia dominada pela idéia de redenção, a sentença patrística, "Deus se fez homem para que o homem possa se tornar Deus", parece ser estranha e anormal. O pensamento de união com Deus é esquecido por causa de nossa preocupação somente com nossa própria salvação; ou melhor, a união com Deus é vista apenas negativamente, em contraste com nossa atual miséria.

II

Foi Anselmo de Cantuária, com seu tratado Cur Deus Homo, que, sem dúvida, fez a primeira tentativa de desenvolver o dogma da redenção, à parte do restante do ensinamento cristão. Em sua obra, os horizontes cristãos são limitados pelo drama entre Deus, que é infinitamente ofendido pelo pecado, e o homem, incapaz de satisfazer as exigências impossíveis da justiça vingativa. O drama encontra sua resolução na morte de Cristo, o Filho de Deus que se tornou homem para substituir-se por nós e pagar nossa dívida à justiça divina. O que acontece com a dispensação do Espírito Santo aqui? Sua parte é reduzida à de um auxiliar, um assistente na redenção, fazendo com que recebamos o mérito de expiação de Cristo. O objetivo final de nossa união com Deus é, se não excluído de todo, pelo menos excluído de nossa visão pela abóbada austera de uma concepção teológica construída sobre as idéias de culpa original e sua reparação. O preço de nossa redenção tendo sido pago na morte de Cristo, a ressurreição e a ascensão são apenas um glorioso final feliz de Sua obra, uma espécie de apoteose sem relação direta com nosso destino humano. Essa teologia redentorista, colocando toda a ênfase na paixão, parece não ter interesse no triunfo de Cristo sobre a morte. O próprio trabalho do Cristo Redentor, ao qual esta teologia está confinada, parece ser truncado, empobrecido, reduzido a uma mudança da atitude divina em relação aos homens caídos, sem relação com a natureza da humanidade.

Encontramos uma concepção inteiramente diferente da obra redentora de Cristo no pensamento de Santo Atanásio: "Cristo", diz ele, "tendo entregue o templo do Seu corpo à morte, ofereceu um sacrifício para todos os homens, para torná-los inocentes e livres da culpa original, e também para mostrar-se vitorioso sobre a morte e para criar os primeiros frutos da ressurreição geral com o Seu próprio corpo incorruptível". Aqui a imagem jurídica da Redenção é completada por outra imagem, a imagem física - ou melhor, biológica - do triunfo da vida sobre a morte, da incorruptibilidade triunfando na natureza que havia sido corrompida pelo pecado. 

Nos Pais em geral, assim como nas Escrituras, encontramos muitas imagens expressando o mistério de nossa salvação realizada por Cristo. Assim, no Evangelho, o Bom Pastor é uma imagem "bucólica" da obra de Cristo. [6] O homem forte, superado pelo "mais forte que ele, que tira suas armas e destrói seu poder", é uma imagem "militar", [7] que é freqüentemente encontrada novamente nos Pais e na Liturgia: Cristo vitorioso sobre Satanás, pisoteando as portas do inferno, fazendo da cruz seu estandarte de triunfo. [8] Há também uma imagem "médica", de natureza doentia curada pela salvação como o antídoto para um veneno.[9] Existe uma imagem que poderia ser denominada "diplomática", o estratagema divino que engana o diabo em sua astúcia. [10] E por aí vai. Finalmente, chegamos à imagem mais usada por São Paulo, do Antigo Testamento, onde foi emprestada da esfera das relações jurídicas. [11] Tomada nesse sentido, a redenção é uma imagem jurídica da obra de Cristo, encontrada lado a lado com muitas outras imagens. [12] Quando usamos a palavra "redenção", como fazemos hoje em dia, como um termo genérico que designa a obra salvífica de Cristo em toda a sua plenitude, não devemos esquecer que essa expressão jurídica tem o caráter de uma imagem ou símile: Cristo é o Redentor no mesmo sentido que Ele é o Guerreiro vitorioso sobre a morte, o perfeito Sacrificador, etc.

O erro de Anselmo não foi apenas o fato de ele ter desenvolvido uma visão jurídica da redenção, mas sim de querer ver uma expressão adequada do mistério de nossa redenção realizada por Cristo nas relações jurídicas implicadas pela palavra "redenção". Rejeitando outras expressões desse mistério como imagens inadequadas, quasi quaedam picturae ele acreditava ter encontrado na imagem jurídica - a da redenção - o próprio corpo da verdade, sua "solidez racional", veritatis rationabilis solidilas, a razão pela qual era necessário que Deus morresse pela nossa salvação. [13]

A impossibilidade de provar racionalmente que a obra de redenção era necessária, fazendo uso do significado jurídico do termo "redenção", foi demonstrada por São Gregório de Nazianzo, em um reductio ad absurdum magistral. Ele diz: "Devemos agora considerar um problema e uma doutrina muitas vezes ignorada silenciosamente, o que, a meu ver, precisa de um estudo profundo. O sangue derramado para nós, o mais precioso e glorioso sangue de Deus, o sangue do Sacrificador e do Sacrifício - por que foi derramado e a quem foi oferecido? Estávamos sob o reino do diabo, vendidos ao pecado, depois de termos ganho corrupção por causa de nosso desejo pecaminoso. Se o preço do nosso resgate for pago àquele que nos tem em seu poder, pergunto-me: por que esse preço é pago? Se é dado ao diabo, é ultrajante! O bandido recebe o preço da redenção. Ele não apenas recebe de Deus, ele recebe o próprio Deus. Por sua violência, ele exige um resgate tão desproporcional que seria mais justo para ele para nos libertar sem resgate. Mas se o preço é pago ao Pai, por que isso deveria ser feito? Não é o Pai quem nos mantém como Seus cativos. Além disso, por que o sangue de Seu único Filho seria aceitável ao Pai, que não desejou aceitar Isaque, quando Abraão ofereceu a Ele seu filho como holocausto, mas substituiu o sacrifício humano pelo sacrifício de um carneiro? Não é evidente que o Pai aceita o sacrifício não porque Ele o exigiu ou teve alguma necessidade dele senão por Sua dispensação? Era necessário que o homem fosse santificado pela humanidade de Deus; era necessário que Ele mesmo nos libertasse, triunfando sobre o tirano por Sua própria força, e que Ele nos chamasse a Si mesmo pelo Seu Filho que é o Mediador, que faz tudo pela honra do Pai, a quem Ele é obediente em todas as coisas. . . . Deixe o resto do mistério ser venerado silenciosamente." [14] O que emerge da passagem que acabamos de citar é que, para São Gregório de Nazianzo, a idéia de redenção, longe de implicar a idéia de uma necessidade imposta pela justiça vingativa, é antes uma expressão da dispensação, cujo mistério não pode ser adequadamente esclarecido em uma série de conceitos racionais. Ele diz, na passagem posterior, que "era necessário para nós que Deus se encarnasse e morresse para que pudéssemos viver de novo" (c. 28). "Nada pode ser comparado ao milagre da minha salvação: algumas gotas de sangue re-fazem todo o universo" (c. 29).

Depois dos horizontes constritos de uma teologia exclusivamente jurídica, encontramos nos Pais uma idéia extremamente rica de redenção que inclui a vitória sobre a morte, os primeiros frutos da ressurreição geral, a libertação da natureza humana do cativeiro sob o diabo, e não apenas a justificação, mas também a restauração da criação em Cristo. Aqui a Paixão não pode ser separada da Ressurreição nem o corpo glorioso de Cristo, sentado à direita do Pai, da vida dos cristãos aqui abaixo. Mesmo que a redenção apareça como o aspecto central da encarnação, isto é, da dispensação do Filho para o mundo caído, ela é apenas um aspecto da dispensação mais vasta da Santíssima Trindade em direção ao ser criado ex nihilo e chamado para alcançar a deificação livremente - para alcançar a união com Deus, para que "Deus seja tudo em todos". O pensamento dos Pais nunca exclui essa visão final. A redenção tem a nossa salvação do pecado como um objetivo imediato, mas essa salvação será, em sua realização final no futuro, nossa união com Deus, a deificação dos seres criados a quem Cristo resgatou. Mas essa realização final envolve a dispensação de outra Pessoa divina, enviada ao mundo depois do Filho.

A obra do Espírito Santo é inseparável da obra do Filho. Para poder dizer com os Pais: "Deus se tornou homem para que o homem possa se tornar Deus", não basta suplementar as insuficiências da teoria de Anselmo retornando à idéia mais ampla e mais rica de redenção encontrada nos Pais. Devemos, acima de tudo, recuperar o verdadeiro lugar da dispensação do Espírito Santo, distinto mas não separável da do Verbo Encarnado. [15] Se o pensamento de Anselmo pôde parar na obra redentora de Cristo, isolando-a do resto do ensinamento cristão, constringindo os horizontes da tradição, era precisamente porque em seu tempo o ocidente já havia perdido a verdadeira idéia da Pessoa do Espírito Santo,  relegando-o a uma posição secundária, tornando-o numa espécie de lugar-tenente ou representante do Filho. Deixaremos essa questão de lado, pois já tentamos analisar o dogma da processio ab utroque e suas conseqüências para toda a teologia ocidental. Nós nos limitamos aqui à tarefa positiva de mostrar por que a idéia de nossa deificação final não pode ser expressa somente em uma base cristológica, mas exige também um desenvolvimento pneumatológico.



III 

No ocidente, o pensamento teológico de nossos dias está fazendo um grande esforço para retornar às fontes patrísticas dos primeiros séculos - particularmente aos Pais Gregos - a fim de incorporá-los em uma síntese católica. Não só a teologia pós-tridentina, mas também a escolástica medieval, com toda a sua riqueza filosófica, hoje em dia parece teologicamente inadequada. Um poderoso esforço está sendo feito para voltar a usar a noção da Igreja como o corpo de Cristo, como uma nova criatura recapitulada por Cristo, uma natureza ou um corpo tendo o Cristo ressuscitado como sua Cabeça.

Uma vez que o primeiro Adão perdeu sua vocação de livre realização da união com Deus, o Segundo Adão, o Verbo divino, realizou esta união das duas naturezas em Sua Pessoa, quando Ele se encarnou. Entrando na realidade do mundo caído, Ele quebrou o poder do pecado em nossa natureza, e por Sua morte, que revela o grau supremo de Sua entrada em nosso estado decaído, Ele triunfou sobre a morte e a corrupção. No batismo nós morremos com Cristo, simbolicamente, para ressuscitar, realmente, n'Ele, na nova vida de Seu corpo vitorioso, para nos tornarmos membros deste corpo único, existindo historicamente e concretamente na terra, mas com a Cabeça no céu, na eternidade, no mistério da Santíssima Trindade. Cristo, que é tanto o Sacrificador como o Sacrifício, oferece no altar celestial o sacrifício único que é feito aqui embaixo em inumeráveis altares terrestres no mistério eucarístico. Assim, não há divisão entre o invisível e o visível, entre o céu e a terra, entre a Cabeça sentado à direita do Pai e a Igreja, Seu corpo, no qual flui incessantemente Seu mais precioso sangue.

"Aquilo que era visível em nosso Redentor agora passou para os sacramentos" [16]. Essa concepção da unidade dos cristãos que formam o corpo único de Cristo está agora sendo revivida em todo o ocidente. É acima de tudo uma concepção litúrgica e sacramental, que ressalta o caráter orgânico da Igreja, como nossa unidade em todo o Cristo. Não é necessário enfatizar a importância dessa teologia do corpo de Cristo, que recupera de uma nova maneira as riquezas da tradição patrística. O que é importante no momento é perceber que esse modo de considerar a doutrina da redenção reabrirá o caminho para uma cristologia mais ampla e uma eclesiologia mais ampla, na qual a questão de nossa deificação, de nossa união com Deus, possa novamente ser levantada. Podemos agora dizer novamente o que os Pais disseram: "Deus se fez homem para que o homem possa se tornar Deus". Mas quando alguém tenta interpretar estas palavras apenas em uma base cristológica e sacramental, na qual a parte do Espírito Santo é a de uma ligação entre a Cabeça Celestial da Igreja e Seus membros terrestres, nós entramos em sérias dificuldades e alcançamos problemas insolúveis. [17]

Nesta concepção da Igreja como o corpo de todo o Cristo, que contém em si os seres humanos que são membros da Igreja (uma concepção que aceitamos plenamente, em qualquer caso), existe uma espécie de totalitarismo cristão. É possível, alguém pode perguntar, salvaguardar a idéia de que todas as pessoas humanas são distintas uma da outra e, acima de tudo, da única Pessoa de Cristo, que aqui parece estar identificada com a pessoa da Igreja? Não há também o perigo de perder a idéia de liberdade pessoal e de substituir o determinismo do estado pecaminoso do qual somos salvos por algum tipo de determinismo sacramental, no qual o processo orgânico da salvação, realizado na totalidade coletiva da Igreja, tende a suprimir o encontro pessoal com Deus? Em que sentido somos todos um só corpo em Cristo, e em que sentido é verdade que não somos e não podemos ser um sem deixar de existir como pessoas humanas ou hipóstases, cada uma das quais é chamada a realizar em sua pessoa a união com Deus? Pois pareceria que há tantas uniões com Deus quanto há pessoas humanas, cada pessoa tendo uma relação absolutamente única com a Divindade, e que existe tantas santidades no céu quanto há destinos pessoais na terra.

IV 

Quando desejamos falar sobre pessoas humanas em relação ao corpo de Cristo do qual somos membros, devemos renunciar resolutamente ao sentido da palavra "pessoa" que pertence à sociologia e à maioria dos filósofos. Devemos ir buscar nossa norma ou "cânone" de pensar numa região superior, na idéia de pessoa ou hipóstase, como é encontrado na teologia trinitária. O dogma da Trindade, que coloca nosso espírito diante da antinomia da identidade absoluta e da diversidade não menos absoluta, é expresso na distinção entre natureza e pessoas ou hipóstases. Aqui cada pessoa existe não excluindo outras, não por oposição ao "Não-eu", mas por uma recusa em possuir a natureza para si mesmo (fazendo uso de uma linguagem psicológica, que está muito fora de lugar quando falamos da Trindade). A existência pessoal supõe uma relação com o outro; uma pessoa existe "para" ou "em direção" a outra: ho lógos ên pròs tòn theón, como diz o prefácio do Evangelho de São João. Em poucas palavras, digamos que uma pessoa só pode ser totalmente pessoal na medida em que ela não tem nada que busque possuir para si mesma, excluindo outras, ou seja, quando tem uma natureza comum com as outras. É só então que a distinção entre pessoas e natureza existe em toda a sua pureza; do contrário, estamos na presença de indivíduos, dividindo a natureza entre eles. Não há partilha ou divisão da natureza entre as três Pessoas da Santíssima Trindade. As Hipóstases não são três partes de um todo, da natureza única, mas cada uma inclui em Si a natureza divina inteira. Cada uma é o todo, porque Ele não tem nada para Si mesmo: até a vontade é comum as Três.

Se nos voltarmos agora para os seres humanos, criados à imagem de Deus, poderemos encontrar, tomando como ponto de partida o dogma da Trindade, uma natureza comum existente em muitas hipóstases criadas. Contudo, na realidade do mundo caído, os seres humanos tendem a existir excluindo uns aos outros. Cada um se afirma contrastando-se com os outros, isto é, dividindo - repartindo - a unidade da natureza, cada um possuindo uma parte da natureza humana para si mesmo, de modo que "meu" contrastará "eu" com tudo o que é "não eu". Deste ponto de vista, o que habitualmente chamamos de pessoa humana não é verdadeiramente uma pessoa, mas um indivíduo, uma parte da natureza comum, mais ou menos como as outras partes ou indivíduos humanos dos quais a humanidade é composta. Mas na medida em que ele é uma pessoa no verdadeiro sentido teológico da palavra, um ser humano não é limitado por sua natureza individual. Ele não é apenas uma parte do todo, mas potencialmente inclui o todo, tendo em si todo o cosmos terrestre, do qual ele é a hipóstase. [18] Assim, cada pessoa é um aspecto absolutamente original e único da natureza comum a todos. O mistério de uma pessoa humana, que a torna absolutamente única e insubstituível, não pode ser apreendido em um conceito racional e definido em palavras. Todas as nossas definições inevitavelmente têm referência a um indivíduo, mais menos como outros indivíduos; e a palavra mais perfeita para indicar personalidade em sua diversidade absoluta sempre será uma palavra errada. Pessoas, como tais, não são partes da natureza. Embora ligadas a partes individuais da natureza comum na realidade criada, elas potencialmente contêm em si, cada uma a seu modo, toda a natureza. Em nossa experiência habitual, não conhecemos nem a verdadeira diversidade pessoal, nem a verdadeira unidade da natureza. Vemos, por um lado, indivíduos humanos e, por outro lado, totalidades coletivas humanas, em conflito perpétuo.

Encontramos na Igreja a unidade de nossa natureza perpetuamente sendo realizada, pois a Igreja é mais unida que uma totalidade coletiva: São Paulo a chama de "o corpo". É a natureza humana, cuja unidade não é mais representada pelo velho Adão, a cabeça da raça humana em sua extensão aos indivíduos. Essa natureza humana, resgatada e renovada, é remontada e recapitulada na Hipóstase ou na Pessoa divina do Filho de Deus que se tornou homem. Se nesta nova realidade, nossas naturezas individualizadas são libertadas de suas limitações (não há grego nem cita, homem livre ou escravo), e se o indivíduo, existente por oposição ao seu "Não-eu", é chamado a desaparecer tornando-se um membro de um corpo único, isso não significa que pessoas humanas ou hipóstases sejam assim suprimidas. Pelo contrário. Somente na Igreja elas podem se realizar em sua verdadeira diversidade. Não sendo partes de uma natureza comum, como é o caso dos indivíduos, as pessoas não se confundem umas com as outras por causa da unidade da natureza que está em processo de realização na Igreja. [19] Elas não se tornam porções da Pessoa de Cristo. Elas não estão incluídos na Pessoa de Cristo como em uma super-pessoa. Isso seria contrário à própria ideia de uma pessoa. Somos um em Cristo em virtude de nossa natureza, em que Ele é a Cabeça de nossa natureza, formando em Si mesmo um só corpo.

Uma conclusão deve ser feita: se nossas naturezas individuais são incorporadas na gloriosa humanidade de Cristo e entram na unidade de Seu Corpo pelo batismo, conformando-se à morte e ressurreição de Cristo, nossas pessoas precisam ser confirmadas em sua dignidade pessoal pelo Espírito Santo, para que cada uma possa realizar sua própria união com a Divindade. O batismo - o sacramento da unidade em Cristo - precisa ser completado pelo crisma - o sacramento da diversidade no Espírito Santo.

V

O mistério da nossa redenção conduz ao que os Padres chamam de recapitulação da nossa natureza por Cristo e em Cristo. Este é o fundamento cristológico da Igreja, que se expressa acima de tudo na vida sacramental, com a sua qualidade de objetividade absoluta. Mas se quisermos salvaguardar outro aspecto da Igreja, que tem uma qualidade de subjetividade não menos absoluta, deve basear-se na dispensação de outra Pessoa divina, independente, em Sua origem, da Pessoa do Filho Encarnado. [20] Sem isso, corremos o risco de despersonalizar a Igreja, submetendo a liberdade de suas hipóstases humanas a uma espécie de determinismo sacramental. Por outro lado, se apenas o aspecto subjetivo for enfatizado, perderemos - juntamente com a idéia do Corpo de Cristo - a base lógica e objetiva da Verdade e cairemos nos caprichos da fé "individual".

A ponto é que a Encarnação e a obra redentora de Cristo, consideradas à parte da dispensação do Espírito Santo, não podem justificar a multiplicidade pessoal da Igreja - algo que é tão necessário quanto a sua unidade natural em Cristo. O mistério do Pentecostes é tão importante quanto o mistério da Redenção. A obra redentora de Cristo é uma pré-condição indispensável da obra deificante do Espírito Santo. O próprio Senhor afirmou isso quando disse "Eu vim lançar fogo à terra, e quem me dera que já estivesse a arder!" (Lucas 12: 49). Mas, por outro lado, pode-se dizer que a obra do Espírito serve a do Filho, pois é recebendo o Espírito que as pessoas humanas podem testemunhar em plena consciência a divindade de Cristo. O Filho se tornou como nós pela encarnação; nós nos tornamos como Ele pela deificação, participando da divindade no Espírito Santo, que comunica a divindade a cada pessoa humana de uma maneira particular. A obra redentora do Filho está relacionada à nossa natureza. A obra deificadora do Espírito Santo diz respeito às nossas pessoas. Mas as duas são inseparáveis. Uma é impensável sem a outra, pois cada uma é a condição da outra, cada uma está presente na outra; e, finalmente, elas são apenas uma dispensação da Santíssima Trindade, realizada por duas pessoas divinas enviadas pelo Pai ao mundo. Esta dupla dispensação do Verbo e do Paracleto tem como meta a união dos seres criados com Deus.

Considerado do ponto de vista de nosso estado decaído, o objetivo da dispensação divina pode ser denominado salvação ou redenção. Este é o aspecto negativo do nosso objetivo final, que é considerado da perspectiva do nosso pecado. Considerado do ponto de vista da vocação última dos seres criados, o objetivo da dispensação divina pode ser denominado deificação. Esta é a definição positiva do mesmo mistério, que deve ser realizado em cada pessoa humana na Igreja e que será plenamente revelado no futuro, quando, depois de reunir todas as coisas em Cristo, Deus se tornará tudo em todos.





NOTAS

1 Adversus haereses V, preface; P.G. 7, col. 1120
2 De incarnatione verbi 54; P.G. 25, col. 192B
3 Poema dogmatica 10, 5-9; P.G.37, col. 465
4 Oratio catechetica magna 25; P.G. 45, col. 65D
5 De incarnatione verbi 20; P.G. 25, col. 129D·132A.
6 Mateus 18:12·14, Lucas 15:4-7, João 10:1-16.
7 Mateus 12:29, Marcos 3:27, Lucas 11:21-22.
8 Santo Atanásio, De incarnatione verbi 30: P.G. 25, col. 148.
9 São João de Damasco, De imaginibus III, 9: P.G. 94, col. 13320. A imagem de Cristo como o médico da natureza humana, ferida pelo pecado, é freqüentemente encontrada em conexão com a parábola do Bom Samaritano, que foi interpretada desta maneira pela primeira vez por Orígenes, Homilia 34 sobre 51. Luke, P.G. 13, cols. 1886-1888: Commentary on St. John 20, 28; P.G. 14, col. 656A.
10 São Gregório de Nissa, Oratio catechetica magna 22-24: P.G. 45, cols. 60·65. 
11 Rom. 3:24, 8:23: I Cor. 1:30: Eph. 1:7, 14:30: Col. 1:14: Hebe. 9:15, 11:35, com o senso de libertação. 1 Tim. 2: 6: I Cor. 6:20, 7:22: Gal. 3:13, com o sentido de resgate pago.
12Para São Paulo, a imagem sacrificial ou sacerdotal da obra de Cristo é basicamente idêntica à imagem jurídica - a da compra ou da redenção propriamente dita - mas também a completa e aprofunda. Com efeito, a idéia de propiciação em sangue (Rom. 3:26) une as duas imagens - a jurídica e a sacrificial - na noção da morte expiatória do homem justo, uma noção característica das profecias messiânicas (Isaías 53 ).
13 Cur Deus homo I, 4; P.L. 158, col. 365.
14 Or. 45, 22; P.G. 36, col. 653.
15 Encontramos em Santo Atanásio alguns indícios de uma explicação pneumatológica da sentença: "Deus se fez homem para que o homem possa se tornar deus". Isto é, acima de tudo, manifesto na célebre oposição de Cristo, "Deus portando carne", e cristãos, "homens portadores do Espírito". A Palavra assumiu carne para que pudéssemos receber o Espírito Santo. De incarnatione et contra Arianos 8; P.G. 26, col. 996C.
16 Leo o Grande, Sermon 74, 2; P.L. 54, col. 398.
17 Para se ter uma idéia das dificuldades em que a teologia católica romana de nossos tempos fracassa - dificilmente capaz de reconciliar a deificação pessoal com a noção da Igreja como o corpo de Cristo - é útil consultar Pe. L. Bouyer, Mystère pascal (Paris, 1945), p. 180 · 194.
18 Ao falar do "cosmo terrestre" - a natureza da qual o homem é a hipóstase (ou as hipóstases) - estamos deixando de lado a questão do "cosmo celestial", o mundo angélico. Este é um assunto completamente diferente, não diretamente relacionado ao problema com o qual estamos ocupados aqui.
19 "De qualquer forma, estamos divididos em personalidades bem definidas, segundo as quais alguém é Pedro ou João, Tomé ou Mateus, estamos, por assim dizer, estabelecidos em um só corpo em Cristo, sendo nutridos por uma única carne". São Cirilo de Alexandria, Comentário sobre São João 11, 11; P.G. 74, col. 560.
20 "O Espírito Santo é encontrado presente em cada um daqueles que O recebem como se Ele tivesse sido comunicado somente a ele, e todavia Ele derrama graça completa sobre todos." São Basílio, De spiritu sancto 9, 2; P.G. 32, cols. 108-109.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Introdução às Vidas dos Santos (São Justino Popovich)



Até a vinda do Senhor Cristo ao nosso mundo terrestre, nós homens verdadeiramente sabíamos apenas sobre a morte e a morte sabia sobre nós. Tudo o que é humano era penetrado, capturado e conquistado pela morte. A morte estava mais perto de nós do que nós mesmos e era mais real do que nós mesmos, e mais poderosa, incomparavelmente mais poderosa do que todo homem individualmente e todos os homens juntos. A Terra era uma terrível prisão de morte e nós, as pessoas, éramos escravos desamparados da morte. [1] Somente com o Deus-homem Cristo "a vida se manifestou"; "a vida eterna" apareceu para nós mortais sem esperança, os miseráveis escravos da morte. [2] E essa "vida eterna" nós homens "vimos com nossos olhos e manuseamos com nossas mãos" [3] e nós, cristãos, "manifestamos a vida eterna" a todos. [4] Por viver em união com o Senhor Cristo, nós vivemos a vida eterna mesmo aqui na terra. [5] Sabemos por experiência própria que Jesus Cristo é o verdadeiro Deus e a vida eterna. [6] E por isso Ele veio ao mundo: para nos mostrar o verdadeiro Deus e a vida eterna nEle. [7] O genuíno e verdadeiro amor pelo homem consiste apenas nisso: que Deus enviou Seu Filho Unigênito ao mundo para que pudéssemos viver através Dele (1 João 4: 9) e, por meio dele, viver a vida eterna. Portanto, aquele que tem o Filho de Deus tem vida; quem não tem o Filho de Deus não tem vida (1 João 5: 12) - ele está completamente na morte. A vida no único Deus verdadeiro e Senhor Jesus Cristo é de fato a nossa única vida verdadeira porque é totalmente eterna e completamente mais forte que a morte. Pode uma vida que é infectada pela morte e que termina na morte realmente ser chamada vida? Assim como o mel não é mel quando é misturado com um veneno que gradualmente transforma todo o mel em veneno, a vida que termina na morte não é vida.

Não há fim para o amor do Senhor Cristo pelo homem: porque para nós, homens, adquirir a vida eterna que está nEle e viver por Ele, nada é requerido de nós - nem aprendizado, nem glória, nem riqueza, nem qualquer outra coisa que um de nós não tenha, mas apenas aquilo que cada um de nós pode ter. E o que isso é? Fé no Senhor Cristo. Por essa razão, Ele, o Único Amigo do Homem, revelou à raça humana essa maravilhosa boa nova: Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Aquele que crê no Filho tem a vida eterna (João 3: 16-36). Como o único Deus verdadeiro dando às pessoas o que nenhum anjo ou homem pode lhes dar, o Senhor Cristo sozinho na raça humana teve a ousadia e o direito de declarar: "Em verdade, em verdade eu te digo: aquele que crê em mim tem a vida eterna" 6: 47), e ele já passou da morte para a vida (João 5: 24).

Fé no Senhor Cristo une o homem com o eterno Senhor que, de acordo com a medida da fé do homem, derrama em sua alma a vida eterna, de modo que ele então sente e percebe-se ser eterno. E isso ele sente em um grau maior, na medida em que ele vive de acordo com a fé que gradualmente santifica sua alma, coração, consciência, todo o seu ser, pelas energias divinas cheias de graça. Na proporção da fé do homem, a santificação de sua natureza aumenta. E quanto mais santo o homem é, mais forte e vívido é seu sentimento de imortalidade pessoal e a consciência de sua própria imortalidade e de todos os outros.

Na verdade, a vida real de um homem começa com sua fé no Senhor Cristo, que compromete toda a sua alma, todo o seu coração, toda a sua força ao Senhor Cristo, que gradualmente os santifica, transfigura, deifica. E através dessa santificação, transfiguração e deificação, as energias divinas cheias de graça, que lhe dão o sentimento todo-poderoso e a consciência da imortalidade pessoal e da eternidade pessoal, são derramadas sobre ele. Na realidade, a nossa vida é vida na medida em que é em Cristo. E tanto quanto é em Cristo é mostrado por sua santidade: quanto mais santa a vida, mais imortal e mais eterna é.

Oposto a este processo é a morte. O que é a morte? A morte é pecado amadurecido; e o pecado amadurecido é a separação de Deus, que sozinho é a vida e a fonte da vida. Esta verdade é evangélica e divina: a santidade é vida, a pecaminosidade é a morte; a piedade é vida, o ateísmo é morte; a fé é vida, a incredulidade é morte; Deus é vida, o diabo é morte. A morte é separação de Deus e a vida é o retorno a Deus e o viver em Deus. A fé é de fato o renascimento da alma da letargia, a ressurreição da alma dos mortos: "Ele estava morto e reviveu" (Lucas 15: 24). O homem experimentou esta ressurreição da alma da morte pela primeira vez com o Deus-homem Cristo e constantemente a experimenta em Sua santa Igreja, uma vez que tudo Dele é encontrado Nela. E Ele se entrega a todos os crentes através dos santos mistérios e das santas virtudes. Onde Ele está, não há mais morte: ali o homem já passou da morte para a vida. Com a ressurreição de Cristo, celebramos a morte da morte, o começo de uma nova vida eterna. [8]

A verdadeira vida na terra de fato começa na Ressurreição do Salvador, pois não termina na morte. Sem a Ressurreição de Cristo, a vida humana nada mais é do que uma morte gradual que finalmente termina inevitavelmente na morte. A verdadeira vida é aquela vida que não termina na morte. E tal vida só se tornou possível na terra com a Ressurreição do Senhor Cristo, o Deus-homem. A vida é vida verdadeira somente em Deus, pois é uma vida santa e em virtude disso uma vida imortal. Assim como no pecado é a morte, assim na santidade é a imortalidade. Somente com fé no Cristo ressuscitado, o homem experimenta o milagre mais crucial de sua existência: a passagem da morte para a imortalidade, da transitoriedade para a eternidade, do inferno para o céu. Só então o homem se encontra, seu verdadeiro eu, seu eu eterno: "pois ele estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado" (Lucas 15: 24).

O que são os cristãos? Os cristãos são portadores de Cristo, e em virtude disto, são portadores e possuidores da vida eterna, e isto de acordo com a medida da fé e de acordo com a medida da santidade que vem da fé. Os santos são os cristãos mais perfeitos, pois foram santificados no mais alto grau com os podvigs (ascetismo) da santa fé no ressuscitado e eternamente vivo Senhor Cristo e nenhuma morte tem poder sobre eles. A vida deles é inteiramente do Senhor Cristo e, por essa razão, é inteiramente a vida de Cristo; e o pensamento deles é inteiramente o pensamento de Cristo; e a percepção deles é a percepção de Cristo. Tudo o que eles têm é primeiro de Cristo e depois deles. A alma é primeiro de Cristo e depois deles:a vida é primeiro de Cristo e depois deles. Neles nada é de si mesmo, mas sim totalmente e em tudo do Senhor Cristo.

Portanto, as Vidas dos Santos nada mais é do que a vida do Senhor Cristo, repetida em todo santo em maior ou menor grau nesta ou naquela forma. Mais precisamente, é a vida do Senhor Cristo continuada através dos Santos, a vida do Deus encarnado, o Logos, o Deus-homem Jesus Cristo que se tornou homem. Isto foi para que, como homem, Ele pudesse nos dar e transmitir Sua vida divina; de modo que, como Deus, por Sua vida, ele pudesse santificar e tornar imortal e eterna a nossa vida humana na terra. "Pois tanto o que santifica como os que são santificados são todos um" (Hb 2: 11).

O Senhor Cristo tornou isso possível e realizável no mundo do homem a partir do momento em que Ele se tornou homem, participou da carne e sangue, e assim tornou-se um Irmão do homem, um Irmão de acordo com a carne e o sangue. [9] Tendo se tornado homem, mas tendo permanecido Deus, o Deus-homem conduziu uma vida Divina-humana santa e sem pecado na terra, e por esta vida, morte e Ressurreição, aniquilou o diabo e seu domínio da morte e por este ato deu e constantemente dá Suas energias cheias de graça àqueles que crêem Nele, para que eles possam aniquilar o diabo e toda morte e toda tentação. [10] Essa vida Divino-humana é encontrada inteiramente no Corpo Divino-humano de Cristo - a Igreja - e é constantemente experimentada na Igreja como um todo celestial-terrestre e por indivíduos de acordo com a medida de sua fé.

A vida dos santos é, de fato, a vida do Deus-homem Cristo que é derramada em Seus seguidores e é experimentado por eles em Sua Igreja. Pois a menor parte dessa vida é sempre diretamente dEle, porque Ele é vida, [11] vida infinita e sem limites e eterna, que por Seu poder divino venceu todas as mortes e ressuscita de todas as mortes. De acordo com as verdadeiras e boas novas do Todo-Verdadeiro: "Eu sou a ressurreição e a vida" (João 11: 25). O milagroso Senhor que é completamente "ressurreição e vida" está em Sua Igreja em todo o seu ser como realidade Divino-humana, e conseqüentemente não há fim para a duração dessa realidade. Sua vida é continuada através de todas as eras; todo cristão é do mesmo corpo com Cristo, [12] e ele é cristão porque vive a vida Divino-humana deste Corpo de Cristo como sua célula orgânica.

Quem é cristão? Um cristão é um homem que vive por Cristo e em Cristo. O mandamento do Santo Evangelho de Deus é divino: " vivam de maneira digna de Deus" (Cl 1: 10). Deus, que se tornou encarnado e que como o Deus-homem permaneceu em sua Igreja, que vive eternamente por Ele. E se vive "de maneira digna de Deus" quando se vive segundo o Evangelho de Cristo. Portanto, este mandamento divino do Santo Evangelho também é natural: "Viva de maneira digna do evangelho de Cristo" (Filipenses 1: 27).

A vida segundo o Evangelho, a vida santa, a vida divina, é a vida natural e normal dos cristãos. Pois os cristãos, de acordo com a sua vocação, são santos: Essa boa nova e mandamento ressoam em todo o Evangelho do Novo Testamento. [13] Tornar-se completamente santo, tanto na alma como no corpo, essa é a nossa vocação. [14] Isto não é um milagre, mas sim a norma, a regra da fé. O mandamento do Santo Evangelho é claro: como o Santo que te chamou é Santo, assim seja você santo em todo modo de vida (1 Pedro 1: 15). E isso significa de acordo com Cristo o Santo, que, tendo se encarnado e se tornando homem, mostrou em si mesmo uma vida completamente santa, e como tal ordena os homens: "Sede santos, porque eu sou Santo" (1 Pedro 1: 16). Ele tem o direito de comandar isto, pois tendo se tornado homem, Ele dá aos homens como Ele mesmo, o Santo, todas as energias divinas que são necessárias para uma vida santa e piedosa neste mundo. [15] Tendo-se unido espiritualmente e pela graça ao Santo - o Senhor Cristo - com a ajuda da fé, os próprios cristãos recebem dEle as energias santas para que eles levem uma vida santa.

Vivendo por Cristo, os santos podem fazer as obras de Cristo, pois por Ele eles se tornam não apenas poderosos, mas todo-poderosos: "Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece." (Filipe 4: 13). E neles é claramente percebida a verdade do Todo-Verdadeiro, que aqueles que crêem Nele farão as Suas obras e farão coisas maiores do que estas: "Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas"(João 14: 12). E verdadeiramente: a sombra do apóstolo Pedro curou; por uma palavra São Marcos o Asceta se moveu e parou uma montanha ... Quando Deus se tornou homem, então a vida divina se tornou vida humana, o poder divino se tornou poder humano, a verdade divina se tornou verdade humana, e a justiça divina se tornou justiça humana: tudo o que é Deus se tornou homem.

Quais são os "Atos dos Santos Apóstolos"? São os atos de Cristo que os Santos Apóstolos fazem pelo poder de Cristo, ou melhor ainda: eles os fazem por Cristo que neles está e age por meio deles. E quais são as vidas dos Santos Apóstolos? Eles são os vivos da vida de Cristo que na Igreja é transmitida a todos os fiéis seguidores de Cristo e é continuada através deles com a ajuda dos santos mistérios e das santas virtudes.

E o que são as "vidas dos santos"? Elas nada mais são do que um certo tipo de continuação dos "Atos dos Apóstolos". Nelas se encontra o mesmo Evangelho, a mesma vida, a mesma verdade, a mesma justiça, o mesmo amor, a mesma fé, a mesma eternidade, o mesmo "poder do alto", o mesmo Deus e Senhor. Pois "o Senhor Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre" (Hb 13:8): o mesmo para todas as pessoas de todos os tempos, distribuindo os mesmos dons e as mesmas energias divinas a todos os que nEle crêem. Essa continuação das energias divinas vivificantes na Igreja de Cristo de eras a eras e de geração em geração constitui, de fato, a Sagrada Tradição viva. Esta Sagrada Tradição continua sem interrupção como a vida de graça em todos os cristãos, em quem através dos santos mistérios e as santas virtudes, Jesus Cristo vive por Sua graça. Ele está totalmente presente em Sua Igreja, pois Ela é Sua plenitude: "a plenitude Daquele que cumpre tudo em todos" (Efésios 1: 23). E o Deus-homem Cristo é a plenitude perfeita da divindade: "porque Nele habita toda a plenitude da divindade" (Cl 2: 4). E os cristãos devem, com a ajuda dos santos mistérios e das santas virtudes, preencher-se com "toda a plenitude de Deus" (Efésios 3: 19).

As vidas dos santos mostram as pessoas preenchidas de Cristo Deus, aquelas pessoas que portam Cristo, aquelas pessoas santas nas quais é preservada e através de quem é transmitida a santa tradição daquela vida santa e cheia de graça. É preservada e transmitida por meio de uma vida evangélica santa. Pois as vidas dos santos são santas verdades evangélicas que são traduzidas em nossa vida humana pela graça e podvigs (ascetismo). Não há verdade evangélica que não possa ser transformada em vida humana. Elas foram todas trazidas por Deus para um propósito: tornar-se nossa vida, nossa realidade, nossa posse, nossa alegria. E os santos, todos, sem exceção, vivem essas verdades divinas como o centro de suas vidas e a essência de seu ser. Por isso, as "vidas" dos santos são uma prova e um testemunho: que nossa origem está no céu; que não somos deste mundo, mas daquele; que um homem é um homem verdadeiro somente em Deus; que na terra se vive pelo céu; que "nossa cidade está nos céus" (Filipenses 3: 20); que nossa tarefa é nos tornarmos celestiais, nos alimentando com o "pão celestial" que desceu à terra. [16] E Ele desceu para nos alimentar com a divina verdade eterna, o bem divino eterno, a justiça divina eterna, o amor divino eterno, a vida divina eterna através da Sagrada Comunhão, da vida no único Deus verdadeiro e Senhor Jesus Cristo. [17]

Em outras palavras, nossa vocação é nos preencher com o Senhor Cristo, com Suas energias vivificantes, viver em Cristo e tornar-nos cristos. Se você está decidido a isso, você já está no céu apesar de ainda caminhar sobre a terra; você já está totalmente em Deus, embora seu ser tenha permanecido dentro dos limites da natureza humana. O homem que faz de si mesmo um cristo ultrapassa a si, enquanto homem, por Deus, pelo Deus-homem, em quem é dada a imagem perfeita do homem real e verdadeiro à imagem de Deus; e nEle também são dadas as energias divinas que tudo derrotam, com a ajuda de que o homem se eleva acima de todo pecado, acima de toda morte, acima de todo inferno; e isto ele faz pela Igreja e na Igreja, que todos os poderes do inferno não podem vencer, porque Nela está o todo-maravilhoso Deus-homem, o Senhor Cristo, com todas as Suas energias Divinas, Suas verdades, Suas realidades, Suas perfeições, Suas vidas, Suas eternidades.

As Vidas dos Santos são um testemunho santo do poder miraculoso de nosso Senhor Jesus Cristo. Na realidade, elas são os testemunhos dos Atos dos Apóstolos, apenas continuados ao longo das eras. Os santos nada mais são do que testemunhas santas, como os Santos Apóstolos, que foram as primeiras testemunhas - de que? Do Deus-homem Jesus Cristo: Dele crucificado, ressuscitado, ascendido ao céu e eternamente vivo; sobre o Seu evangelho todo-salvador, que é incessantemente escrito com atos santos evangélicos de geração em geração, pois o Senhor Cristo, que é sempre o mesmo, constantemente faz milagres pelo Seu Divino poder através de Suas testemunhas santas. Os Santos Apóstolos são as primeiras testemunhas santas do Senhor Cristo e Sua economia Divino-humana da salvação do mundo, e suas vidas são testemunhas vivas e imortais do Evangelho do Salvador como a nova vida, a vida da graça, a santidade, Divina, Divina-humana e, portanto, sempre milagrosa, milagrosa e verdadeira, pois a própria vida do Salvador é milagrosa e verdadeira.

E quem são os cristãos? Cristãos são aqueles através dos quais a santa vida Divina-humana de Cristo é continuada de geração em geração até o fim do mundo e do tempo, e todos eles formam um corpo, o Corpo de Cristo - a Igreja: eles são participantes do Corpo de Cristo e membros uns dos outros. [18] A corrente da vida divina imortal começou a fluir e ainda flui incessantemente do Senhor Cristo, e através dele os Cristãos fluem para a vida eterna. Os cristãos são o Evangelho de Cristo continuado ao longo de todas as eras da raça dos homens. Nas Vidas dos Santos, tudo é ordinário como no santo Evangelho, mas tudo é extraordinário como no santo Evangelho - tanto um como outro, unicamente verdadeiro e real. E tudo é verdadeiro e real pela mesma realidade Divino-humana; e o mesmo poder santo - Divino e humano - testemunha isso: Divino de um modo todo-perfeito, e humano - também de um modo todo-perfeito.

O que são as vidas dos santos? Eis que estamos no céu, porque a terra se torna o céu através dos santos de Deus. Eis que estamos entre os anjos na carne, entre os portadores de Cristo. E quem quer que sejam, o Senhor está completamente neles e com eles e entre eles; e ali está toda a Verdade Divina Eterna, e toda a Justiça Divina Eterna, e todo o Amor Divino Eterno, e toda a Vida Divina Eterna.

O que são as vidas dos santos? Eis que estamos no Paraíso, no qual tudo o que é divino, santo, imortal, eterno, justo, verdadeiro e evangélico cresce e aumenta. Pois pela cruz em cada um dos santos a árvore da eterna vida divina e imortal floresceu e produziu muitos frutos. E a cruz leva ao céu; ela nos conduz até mesmo para além do ladrão, que, para nos encorajar, entrou no Paraíso depois do Todo Santo e Divino portador da Cruz - o Senhor Cristo - e entrou com uma cruz de arrependimento.  

O que são as vidas dos santos? Eis que estamos na eternidade: não há mais tempo, pois nos Santos de Deus a Verdade Divina Eterna, a Retidão Divina Eterna, o Amor Divino Eterno, a Vida Divina Eterna reina e governa. E neles não há mais morte, pois todo o seu ser está repleto das energias divinas ressuscitadas do Cristo Ressuscitado, o Único Vencedor da morte, de todas as mortes em todos os mundos. Não há morte neles - nas pessoas santas: todo o seu ser está cheio do Único Imortal - o Todo-Imortal: o Senhor e Deus Jesus Cristo. Entre eles, estamos na terra entre os únicos verdadeiros imortais: eles conquistaram todas as mortes, todos os pecados, todas as paixões, todos os demônios, todos os infernos. Quando estamos com eles, nenhuma morte pode nos prejudicar, pois eles são os para-raios da morte. Não há raio com o qual a morte possa nos atingir quando estamos com eles, entre eles, neles.

Santos são pessoas que vivem na terra por verdades divinas santas e eternas. É por isso que as Vidas dos Santos são na verdade dogmática aplicada, pois nelas todas as santas verdades dogmáticas e eternas são experimentadas em todas as suas energias criativas e vivificantes. Nas Vidas dos Santos é evidentemente mostrado que os dogmas não são apenas verdades ontológicas em si mesmos e para si mesmos, mas que cada um deles é uma nascente de vida eterna e uma fonte de espiritualidade santa.

De acordo com o Todo-Verdadeiro Evangelho do único e insubstituível Salvador e Senhor: "Minhas palavras são espírito e vida" (João 6: 63), pois cada uma derrama de si mesma um poder salvador, santificador, transfigurador e vivificante. Sem a santa verdade da Santíssima Trindade, não temos nada daquele poder da Santíssima Trindade que atraímos pela fé e que nos vivifica, santifica, deifica e nos salva. Sem a santa verdade sobre o Deus-homem, não há salvação para o homem, pois dela, quando é vivida pelo homem, brota o poder salvador que salva do pecado, da morte, do diabo.

E esta verdade santa sobre o Deus-homem - as vidas de inúmeros santos não testemunham de forma mais evidente e experimental? Pois os santos são santos pelo próprio fato de viverem constantemente o Senhor Jesus como a alma de sua alma, como a consciência de sua consciência, como a mente de sua mente, como o ser de seu ser, como a vida de sua vida. vida. E cada um deles junto com o Santo Apóstolo proclama em voz alta a verdade: "Não mais eu, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2: 20). Mergulhe na vida dos santos: de todas elas brota o poder cheio de graça, vivificante e salvador da Santíssima Theotokos, que os conduz de podvig a podvig, de virtude à virtude, da vitória sobre o pecado para a vitória sobre a morte, da vitória sobre a morte para a vitória sobre o diabo, e leva-os à alegria espiritual, além da qual não há tristeza, nem suspiro nem pesar, [19] mas tudo é apenas "alegria e paz no Espírito Santo" (Rom. 14: 17), alegria e paz da vitória obtida sobre todos os pecados, sobre todas as paixões, sobre todas as mortes, sobre todos os maus espíritos.

E tudo isso, sem dúvida, é o testemunho prático e vivo do dogma santo relativo a Santíssima Theotokos, verdadeiramente "mais venerável do que os Querubins e incomparavelmente mais gloriosa do que os Serafins", o santo dogma que os santos pela fé carregam em seus corações e pelo qual eles vivem com amor zeloso. Novamente, se você quiser um, dois ou milhares de testemunhos irrefutáveis da natureza vivificante e portadora de vida da Cruz Venerável do Senhor, e com ele uma confirmação experimental da veracidade de todo o santo dogma da natureza salvífica da morte do Salvador na Cruz, então comece com fé através das Vidas dos Santos. E você terá que sentir e ver isso para cada santo individualmente, e para todos os santos juntos, o poder da Cruz é a arma que tudo derrota com a qual eles conquistam todos os inimigos visíveis e invisíveis de sua salvação. Além disso, você contemplará a Cruz em todo o seu ser: em sua alma, em seu coração, em sua consciência, em sua mente, em sua vontade e em seu corpo, e em cada uma delas você encontrará uma fonte inesgotável do poder salvador e santificador que infalivelmente os conduz da perfeição à perfeição, e da alegria à alegria, até que finalmente os conduz ao eterno Reino Celestial, onde há o incessante triunfo daqueles que celebram o festival e o infinito deleite daqueles que contemplam a inefável beleza da face do Senhor. [20]

Mas não só estes dogmas acima mencionados são testemunhados pelas Vidas dos Santos, mas todos os outros dogmas santos: da Igreja, da graça, dos santos mistérios, das virtudes santas, do homem, do pecado, das santas relíquias, dos santos ícones, da vida além do túmulo e de tudo o mais que constitui a economia Divino-humana da salvação. Sim, as vidas dos santos são dogmática experimentais. Sim, as Vidas dos Santos são dogmática experimentada, experimentadas pela vida santa do povo santo de Deus.

Além disso, as Vidas dos Santos contêm em si mesmas a ética Ortodoxa em sua totalidade, a moralidade Ortodoxa, no pleno esplendor de sua sublimidade Divino-humana e sua natureza imortal vivificante. Nelas é mostrado e provado de uma maneira muito convincente que os santos mistérios são a fonte das santas virtudes; que as santas virtudes são o fruto dos santos mistérios - elas nascem Deles, desenvolvem-se com a ajuda Deles, são nutridos por Eles, vivem por Eles, são aperfeiçoados por Eles, tornam-se imortais por Eles, vivem eternamente por Eles. Todas as leis morais divinas têm sua fonte nos santos mistérios e são realizadas nas santas virtudes. Por essa razão, as Vidas dos Santos é de fato uma ética experiencial, uma ética aplicada. Na verdade, as Vidas dos Santos provam irrefutavelmente que a Ética não é outra coisa senão Dogmática Aplicada. Toda a Vida dos Santos consiste nos santos mistérios e nas santas virtudes, e os santos mistérios e as santas virtudes são dons do Espírito Santo que realiza tudo em todos (1Co 12: 4, 6, 11).

E o que mais são as vidas dos santos, senão a única ciência pedagógica Ortodoxa? Pois nelas em um número incontável de formas evangélicas, que são completamente trabalhadas pela experiência de muitos séculos, é mostrado como a personalidade humana perfeita, o homem completamente ideal, é edificado e formado, e como com a ajuda dos santos mistérios e as santas virtudes na Igreja de Cristo, ele cresce em "um homem perfeito, de acordo com a medida da estatura da plenitude de Cristo". [21] E este é realmente o ideal educativo do Evangelho, o único ideal educativo digno de um ser feito à imagem de Deus, como o homem é, e que é estabelecido pelo Evangelho do Senhor Cristo, estabelecido e realizado primeiro pelo Deus-homem Cristo, e depois realizado nos Santos Apóstolos e os outros Santos de Deus. Ao mesmo tempo, sem o Deus-homem Cristo, e fora do Deus-homem Cristo, com qualquer outro ideal educacional, o homem permanece para sempre um ser incompleto, um ser lamentável, um ser miserável, que merece todas as lágrimas de todos os olhos nos mundos de Deus.

Se você preferir, as Vidas dos Santos é uma espécie de Enciclopédia Ortodoxa. Nelas pode ser encontrado tudo o que é necessário para a alma que tem fome e sede de justiça e verdade eterna nesta vida, e que tem fome e sede de imortalidade divina e vida eterna. Se a fé é o que você precisa, lá você a encontrará em abundância: e você alimentará sua alma com alimentos que nunca a tornarão faminta. Se você precisa de amor, verdade, retidão, esperança, mansidão, humildade, arrependimento, oração ou qualquer virtude ou podvig, nelas, nas Vidas dos Santos, você encontrará um número incontável de santos mestres para cada podvig e obterá ajuda cheia de graça para toda virtude.

Se você está sofrendo por sua fé em Cristo, as Vidas dos Santos irá consolá-lo e encorajá-lo e torná-lo forte e dará asas a você, e seus tormentos serão transformados em alegria. Se você estiver em algum tipo de tentação, as Vidas dos Santos ajudará você a superá-la agora e sempre. Se você está em perigo devido aos inimigos invisíveis da salvação, as Vidas dos Santos vai armar você com toda a "armadura de Deus", [22] e você vai esmagar todos agora e sempre e durante toda a sua vida. Se você estiver no meio de inimigos visíveis e perseguidores da Igreja de Cristo, as Vidas dos Santos lhe dará a coragem e a força de um confessor, e você confessará destemidamente o único Deus verdadeiro e Senhor em todos os mundos - Jesus Cristo - e você corajosamente se levantará pela santa verdade do Seu Evangelho até a morte, para toda morte, e você se sentirá mais forte do que todas as mortes, e muito mais do que todos os inimigos visíveis de Cristo, e, ao ser torturado em nome de Cristo você gritará de alegria, sentindo com todo o seu ser que a sua vida está no céu, escondida com Cristo em Deus, totalmente acima de todas as mortes. [23]

Nas Vidas dos Santos são mostrados numerosos, mas sempre certos caminhos de salvação, iluminação, santificação, transfiguração, "cristificação", deificação; todos os caminhos são mostrados pelos quais o homem vence o pecado, todo pecado; vence a paixão, toda paixão; vence a morte, toda morte; vence o diabo, todo diabo. Há um remédio para todo pecado: toda paixão - cura, toda morte - ressurreição, todo diabo - libertação; todos os males - salvação. Não há paixão, nenhum pecado pelo qual as Vidas dos Santos não mostre como a paixão ou o pecado em questão é vencido, mortificado e desenraizado.

Nelas, é demonstrado de forma clara e óbvia: Não há morte espiritual da qual não se possa ressuscitar pelo poder divino do Cristo ressuscitado e ascendido; não há tormento, não há infelicidade, não há miséria, não há sofrimento que o Senhor não mude gradualmente ou de uma só vez para uma alegria quieta e compuncionante por causa da fé Nele. E novamente há incontáveis exemplos de como um pecador se torna um homem justo na Vida dos Santos: como um ladrão, um fornicador, um bêbado, um sensualista, um assassino, um adúltero se torna um homem santo - há muitos muitos exemplos disso nas Vidas dos Santos; como um homem egocêntrico, egoísta, descrente, ateísta, orgulhoso, avarento, luxurioso, malvado, depravado, zangado, rancoroso, briguento, malicioso, invejoso, malévolo, arrogante, vaidoso, impiedoso e glutão se torna um homem de Deus - há muitos, muitos exemplos disso nas Vidas dos Santos.

Da mesma forma, nas Vidas dos Santos, há muitos exemplos maravilhosos de como um jovem se torna um jovem santo, uma donzela se torna uma donzela santa, um velho se torna um velho santo, como uma velha se torna uma velha santa, como uma criança se torna uma criança santa, como pais se tornam pais santos, como um filho se torna um filho santo, como uma filha se torna uma filha santa, como uma família se torna uma família santa, como uma comunidade se torna uma comunidade santa, como um padre torna-se um padre santo, como um bispo se torna um bispo santo, como um pastor se torna um pastor santo, como um camponês se torna um camponês santo, como um imperador se torna um imperador santo, como um vaqueiro se torna um vaqueiro santo, como um trabalhador se torna um trabalhador santo, como um juiz se torna um juiz santo, como um professor se torna um professor santo, como um instrutor se torna um instrutor santo, como um soldado se torna um soldado santo, como um oficial se torna um oficial santo, como um governante se torna um governante santo, como um escriba se torna um escriba santo, como um comerciante se torna um comerciante santo, como um monge se torna um monge santo, como um arquiteto se torna um arquiteto santo, como um médico se torna um médico santo, como um cobrador de impostos se torna um cobrador de impostos santo, como um discípulo se torna um discípulo santo, como um artesão se torna um artesão santo, como um filósofo se torna um filósofo santo, como um cientista se torna um cientista santo, como um estadista se torna um estadista santo, como um ministro se torna um ministro santo, como um homem pobre se torna um homem pobre santo, como um homem rico se torna um homem rico santo, como um escravo se torna escravo santo, como um mestre se torna um mestre santo, como um casal se torna um casal santo, como um autor se torna um autor santo, como um artista se torna um artista santo...

NOTAS
1. cf. Hebr. 2: 14-15.
2. cf. 1 João 1: 2.
3. cf. 1 João 1: 1.
4. cf. 1 João 1: 2.
5. cf. 1 João 1: 3.
6. cf. 1 João 5: 20.
7. cf. 1 João 5: 11.
8. cf. Cânone Pascal, Ode 7.
9. cf. Hebr. 2: 14-17.
10. cf. Hebr. 2: 14, 15, 18.
11. cf. João 14: 6; 1: 4
12. cf. Ef. 3: 6
13. cf. 1 Thes. 4: 3,7; Rm. 1: 7; 1 Cor. 1: 2; Ef. 1: 1-18,2: 19,5: 3, 6:18; Phillip. 1: 1, 4: 21-22; Col. 1: 2-4,12,22,26; 1 Thes. 3: 13,5: 27, 2 Tim. 1: 9; Phlm. 5: 7, hebr. 3: 1, 6: 10, 13: 24; Judas 3
14. cf. 1 Thes. 5: 22-23.
15. cf. 2 Pedro 1: 3.
16. cf. João 6: 33, 35, 51.
17. cf. João 6: 50, 51, 53-57.
18 I Cor. 12: 27, 12-14, 10: 17; ROM. 12: 5; Ef. 3: 6
19. cf. Kontakion para os fiéis falecidos. 
20. cf. Primeira oração da manhã de São Basílio, o Grande e Primeira Oração pós-comunhão.
21. cf. Ef. 4: 13.
22. cf. Ef. 6: 11,13.
23. cf. Colossenses 3: 3.


Do livro Orthodox Faith and Life in Christ por São Justino Popovich


















sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Antinomia e a Teologia Catafática



Por “antinomia” na teologia refiro-me à afirmação de duas verdades opostas ou contrastantes, que não podem ser reconciliadas no nível da razão discursiva, embora uma reconciliação seja possível no nível superior da experiência contemplativa. Porque Deus se encontra "além" da ..., razão humana ou ... da linguagem ... a tradição cristã fala de forma anti-nômica ..., dizendo e não-dizendo para um efeito positivo. Se ficarmos satisfeitos com uma teologia estritamente “lógica” e “racional” - significando por isso a lógica e a razão do homem caído - então corremos o risco de fazer ídolos os nossos conceitos finitos e humanos. A antinomia nos ajuda a quebrar esses ídolos e a apontar, além da lógica e da razão discursiva, a realidade viva do Deus infinito e incriado. Kallistos Ware, “The Debate about Palamism” 


Para expressar essa dupla verdade, que Deus é tanto oculto como revelado, transcendente e imanente, a teologia Ortodoxa distingue entre a essência divina e as energias divinas. A essência (οὐσία) significa Deus como Ele é em Si mesmo, energias (ἐνέργειαι) indicam Deus em ação e Auto-revelação… Esta doutrina de energias imanentes implica uma visão intensamente dinâmica da relação entre Deus e o mundo. Todo o cosmos é um vasto arbusto ardente, penetrado mas não consumido pelo fogo das energias divinas incriadas. Estas energias são "Deus conosco". Kallistos Ware, “Dieu cache et révélé, la voie apophatique et la distinction essence-energie”


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A distinção palamita é "antinômica", porque a deificação leva necessariamente à antinomia. O realismo da comunhão divino-humana não deve ser limitado pelas regras formais da lógica. A inconsistência lógica, portanto, não pode ser invocada porque, como Papanikolaou enfatiza, "Seria incorreto caracterizar a distinção essência / energia como ilógica, pois a natureza paradoxal da distinção é fundamentada no paradoxo evento da comunhão divino-humana”. Nichifor Tănase - “Crucifixion” of the Logic

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Para falar mais concretamente, nos encontramos diante da diferença entre a teologia catafática mais peculiar ao ocidente católico, e especialmente a Tomás de Aquino e sua escola, por um lado, e por outro lado, a teologia apofática que prevalece nas obras dos Pais do oriente Ortodoxo. Para a teologia catafática, a noção de Deus é essencialmente idêntica à do ser, embora Ele sendo perfeito e absoluto. Portanto, todos os atributos e perfeições de Deus nada mais são que atributos e perfeições deduzidos analiticamente da noção de ser. É claro que eles devem ser concebidos não literalmente, mas analogicamente, mas isso não faz muita diferença para a questão. Assim, da noção de ser perfeito deduzem-se a unidade de Deus e Sua absoluta simplicidade. Ao mesmo tempo, esse ser perfeito é concebido como estando dentro do domínio da lógica. Em outras palavras, as leis fundamentais da lógica, entendidas como leis ontológicas e como o fundamento ideal do ser, são consideradas pelos expoentes da teologia catafática como estendendo sua ação até o ponto de incluírem o próprio Deus (já que Ele é também ser) e até mesmo como encontrando suas fundações Nele. Por causa de tudo isso, os "catafáticos" tendem a pensar que toda "distinção" objetiva em Deus, que eles interpretam como a distinção de "partes" ontologicamente diferentes de Seu "todo", é incompatível com a idéia de Sua perfeição absoluta: cada "parte" é menor que o todo, e portanto (de acordo com as leis da lógica) necessariamente menos perfeita do que o todo e assim destrói por sua existência a perfeição absoluta de Deus. Desnecessário será dizer que a noção de antinomia é estranha a esse tipo de teologia que supõe ser uma imperfeição de pensamento ou de construção teológica. Não nos propomos aqui a fazer um exame crítico desses traços característicos da teologia catafática e apenas observaremos que suas posições fundamentais nos parecem difíceis de conciliar com o dogma comum a todos os cristãos de um Deus Três em Um, com o ensino de Dionísio, o Areopagita, sobre a próodos Theoû ou com os ensinamentos de São João Damasceno sobre os 'tipos' e 'idéias' de todas as coisas eternamente existentes em Deus [1].

Contrastando com as idéias da teologia catafática, encontramos as da teologia apofática, cujas posições fundamentais foram examinadas no início deste capítulo, em conexão com o ensinamento de Gregório Palamas sobre Deus em Si mesmo. Agora vamos dizer mais uma vez que, de acordo com o espírito da teologia apofática, a aplicação a Deus de tais noções como ser, substância, etc., embora não totalmente errônea, é ainda inexata e puramente relativa e não define Deus como Ele é em Si mesmo, visto que Deus não é ser (por mais perfeito que seja), mas transcende-o como seu Criador (ainda que esta palavra não expresse Deus como Ele é). Portanto, também os atributos do ser não podem ser simplesmente assumidos e transformados em atributos da Divindade - isso é precisamente o que é feito no sistema "catafático" - na questão da simplicidade divina. Tão pouco as leis fundamentais da lógica podem ser aplicadas a Ele, precisamente por causa do caráter existencial delas e, portanto, criado. É claro que Deus não está abaixo das leis da lógica (como Ele não está abaixo do ser no sentido de não-ser), mas transcendendo-as Ele não está "incluído" nelas e, como resultado disso, nossas concepções de Deus devem necessariamente ser antinômicas. E essa antinomia teológica (que não deve ser confundida com a contradição lógica comum) não é meramente a inadequação de nosso pensamento para apreender a natureza divina, mas é objetivamente fundamentada no próprio Deus como algo inefavelmente existindo Nele (independentemente do sujeito que apreende). Tal é a doutrina da Trindade de Três Pessoas que combina em si mesmo as noções de trindade e unidade; tal é o ensinamento da Igreja sobre a única hipóstase e as duas naturezas, divina e humana, do Verbo Encarnado de Deus, em Quem a unidade da pessoa coexiste com a dualidade das naturezas de um modo que é incompreensível para nós. Tal é também o ensinamento de Gregório Palamas sobre a "supra-substância" divina e suas energias, sobre sua identidade - distinção, sua inconfundibilidade - inseparabilidade, sua comunicabilidade - não-comunicabilidade, sua cognoscibilidade - inacessibilidade. A defesa de Gregório da simplicidade e não-composição de Deus, juntamente com a distinção Nele da substância e energias, tem o mesmo caráter de antinomia. E é claro que 'substância' e 'energias' não são mais 'partes' do 'todo' divino do que cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade é uma parte, mas cada uma contém Ele completamente e inteiro em si mesma; com essa diferença, as energias expressam Deus não hipostaticamente nem substancialmente, mas apenas em Seu ato não-diminuído. O fracasso em compreender estes fundamentos da teologia de Gregório (brevemente descrita por nós como catafática e antinômica) que ele tem em comum com os principais representantes da tradição patrística Ortodoxa, é, em nossa opinião, uma das principais causas do desentendimento de seus ensinamentos pela maioria de seus oponentes.

[1] É interessante notar que Santo Agostinho entendeu a simplicidade divina diferentemente dos Pais orientais, uma vez que ele identificou a substância divina com seus atributos e operações (cf., por exemplo, suas afirmações de que Deus 'ideo simplex dicitur, quoniam, quod habet, hoc est. .. Propter hoc itaque natura dicitur simplex, cui non sit aliquid habere, quod vel possit amittere, tel aliud sit habens, aliud quod habet'— (De Civ. Dei II, 1o).  Ao mesmo tempo, no entanto, desde que ele manteve a opinião de que as idéias de todas as coisas estão na mente de Deus, ele foi forçado a explicar isso admitindo que Deus em Seu conhecimento, pelo qual ele conhece as idéias das criaturas, é 'simpliciter multiplex' (De Civ. Dei, 12, 18). Assim, Santo Agostinho admite a idéia antinômica da simplicidade divina e sua atitude nisto está relacionada com a dos Pais orientais (embora em outras maneiras seu ensinamento sobre a simplicidade divina está na origem da visão escolástica sobre o assunto).

Krivoshein - The ascetic and Theological teaching of gregory Palamas

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A lógica humana sempre corre o perigo de confundir ou dividir: quando tenta claramente descrever e definir o mistério de fato, através de conceitos e descrições, divide o que é em si mesmo indivisível por natureza. Quando a lógica humana lida com a descrição da mística, ela a confunde com o que existe por natureza sem confusão. No entanto, o homem não pode negar nem um nem outro método. Gregório também combina os dois métodos, no entanto, dando prioridade à contemplação mística”. [...] Palamas não precisou se refugiar nos padrões da filosofia secular, mas começou a partir da lógica trinitária “crucificada”. Essa lógica é verdadeiramente antinômica [...] O ritmo interno do pensamento de Palamas é realmente antinômico porque é trinitário e, ao mesmo tempo, cristológico. [...] Estas formulações antinômicas, tendo como base única a fé bíblica e a revelação como 'loucura' da cruz e 'crucificação' da lógica, descobrem que a teologia trinitária de Palamas é antes a visão interior santa e mística de um coração fiel iluminado pelo Espírito Santo, do que uma teologia no sentido usual da palavra.

Amfilohije Radovic, Le Mystère de la Sainte Trinité, p. 244.
Ibid, pp. 292-293.
Ibid, pp. 285-286.

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O apofatismo diferencia a Ortodoxia do ocidente em linguagem clara e impressionante. O ocidente negou o apofatismo da expressão teológica, entendendo a verdade como a "coincidência do significado com o objeto do pensamento". Identificou o poder de conhecer a verdade com a capacidade do indivíduo de entender conceitos, com a capacidade de pensar corretamente. E moldou uma linguagem teológica totalmente sujeita a essa prioridade do intelectualismo individualista, que é o completo oposto do modo de expressar a verdade da Igreja na linguagem e nas imagens apofáticas. [...] A negação do apofatismo implica uma inversão dos termos da ontologia Ortodoxa, uma confiança na prioridade da essência divina, que é acessível apenas intelectualmente, e não na prioridade da Pessoa, que é conhecida apenas no imediatismo experiencial de relação e revelação histórica. A negação do apofatismo implica uma rejeição da distinção entre a essência e as energias da essência, uma rejeição da participação da criatura na graça das energias do Incriado. Christos Yannaras - Orthodoxy and the West

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Os Padres Gregos Ortodoxos que estão na tradição na qual Palamas se posiciona ensinam a distinção entre a essência divina incriada e as energias divinas incriadas. Aqueles que são dignos participam das energias incriadas, já que a essência é inacessível, e essa distinção não rompe a unidade de Deus. Essa distinção é contrária à confusão ocidental da essência incriada com as energias incriadas, e isto pela afirmação de que Deus é "Actus Purus". Para evitar o panteísmo, os teólogos ocidentais ensinam que a graça é criada e que a criatura não participa da essência divina. Contudo. os escolásticos defendem a comunhão ou visão da essência divina pelos "eleitos" ou santos na "visão Beatífica" que acontecerá na vida futura. V. Lossky afirma desta maneira: "Os oponentes de Palamas estão defendendo uma noção filosófica da simplicidade divina quando afirmam a perfeita identidade da essência e da energia de Deus". E em outros lugares ele diz que "o cristianismo não é uma escola filosófica para especular sobre conceitos abstratos, mas é essencialmente uma comunhão com o Deus vivo" e que "não há filosofia mais ou menos cristã. Platão não é mais cristão que Aristóteles". Por essa razão, não se deve procurar uma "filosofia da essência" nos Padres Gregos.

Introduction to St. Gregory Palamas por George C. Papademetriou 







quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Conhecimento profano e salvífico de acordo com São Gregório Palamas (George C Papademetriou)


O conhecimento profano (kosmike gnosis) não efetua a salvação. Aquilo que é verdadeiro na sabedoria secular não é necessário e não conduz à salvação. Alguém pode não saber nada sobre as ciências experimentais e ainda assim ter conhecimento de Deus (teognosia) que leva à salvação. [São Gregório Palamas] rejeitou as alegações barlaamitas e escolásticas de que o conhecimento intelectual (gnosis) é essencial para o conhecimento de Deus. Os escolásticos representados por Barlaão tinham como ponto de partida que o conhecimento de Deus é racional e as coisas não conhecidas de Deus são supranaturais. Portanto, temos a dicotomia e a justaposição das duas realidades; natural e super-natural. Para São Gregório Palamas, "o conhecimento de Deus é baseado na experiência supraracional dos profetas e santos; transcende todo o conhecimento racional e não pode, portanto, ser entendido ou definido em categorias racionais, ou tratado dialeticamente e silogisticamente, tomando universais existentes como ponto de partida". São Gregório Palamas vê a realidade na experiência espiritual da visão de Deus (tes theoptias) não em símbolos imaginários, mas em símbolos que são essencialmente reais em nossa experiência da realidade.

A maneira de obter conhecimento de Deus é pela pureza de coração, purificando nossas almas da imaginação imprópria. A única maneira pela qual o homem pode atingir a pureza necessária para o conhecimento de Deus é "purificando seu (poder) ativo pelas obras, seu (poder) cognitivo pelo conhecimento e seu (poder) contemplativo pela oração".

"Nunca pode ser alcançado por ninguém, exceto através da perfeição nas obras, através da perseverança (na via ascética), através da oração contemplativa." A oração em quietude (hesychia) é necessária para obter conhecimento de Deus. O verdadeiro conhecimento é alcançado através da purificação (katharsis). Na união com Deus, alcança-se a visão de "todo conhecimento imaterial" (pares ahylou gnoseos). Isso se dá não por "símbolos sensíveis" (aisiheton ton symbolon), mas pela comunhão da luz divina incriada.

O conhecimento salvífico perfeito foi dado ao homem por Cristo, e nas Escrituras Sagradas pode-se encontrar a "vida eterna". Este sendo o conhecimento perfeito (gnosis) e pela prática dos ditos divinos: "assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas" (Mateus 7 : 12) o homem se move em direção à perfeição. Aqueles que acreditam em Cristo alcançam o conhecimento supra-conceitual (hyper ennoian gnosis) que é o fim dos mandamentos. Nós não recebemos o conhecimento de Deus (theognosia) dos seres criados, mas da luz incriada, que é a glória de Deus e revelada a nós através de Cristo.

O conhecimento, portanto, de acordo com São Gregório Palamas, não é intelectual nem dialético, mas apodítico e experiencial. Pode-se dizer que é existencial porque é diretamente experimentado na contemplação (theoria) e não é derivado de silogismos e abstrações.




Do livro Introduction to St. Gregory Palamas por George C. Papademetriou 


segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Uma introdução teológica à Mistagogia de São Fócio (Joseph P. Farrell)

Prolegemena

A análise teológica da controvérsia filioque, uma questão de grande complexidade que se repetiu em toda a história cristã desde o século IX, provocou muitas avaliações diferentes. Estas avaliações têm variado todo o espectro: de uma grande indiferença para a resposta mais sóbria proferida por São Fócio em sua obra Mistagogia. Para alguns teólogos ocidentais, as declarações de Alan Richardson podem ser usadas como paradigma:
No ocidente, tornou-se costumeiro dizer que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, porque se sentiu que o Espírito, embora procedendo do Pai como fonte de todo ser, foi dado ao mundo por Jesus Cristo, e porque o próprio Novo Testamento fala dEle como o Espírito de Jesus, bem como o Espírito do Pai. Mas a Igreja Oriental nunca aceitou esse uso, embora fosse principalmente uma questão de palavras e terminologia, sem envolver nenhuma questão teológica vital. [1]
Padre Richardson ignora as razões que fundamentam a rejeição do filioque pela Igreja do Oriente, porque elas são para ele apenas “ninharias verbais.” [2]

Mas essa não foi a resposta de São Fócio, o primeiro grande teólogo oriental a confrontar a doutrina. Sua resposta foi nada menos que uma extensa acusação do filioque. A doutrina da dupla processão era para São Fócio uma espécie de soma de todo erro teológico; tal doutrina disse "todo o atrevimento imprudente que há para ser dito" . [3] São Fócio viu no filioque nada menos que uma reafirmação abrangente de todos os antigos problemas trinitários: o modalismo, o arianismo, o macedonianismo e até o politeísmo. Todas essas coisas, de acordo com Fócio, são implicações da doutrina do filioque. [4] Na época atual, é costume descartar ou desvalorizar declarações dogmáticas; mas essas acusações são muito sérias para serem descartadas tão levianamente. O próprio fato de sua menção ou implicação na Mistagogia indica que o próprio tratado é uma resposta historicamente informada.

Cônscio destes paralelos históricos do filioque, Fócio também baseou sua resposta à dupla processão em precedentes anteriores, entre eles os escritos dos Santos Atanásio, Basílio e Gregório de Nissa. Seu tratado, a Mistagogia, visto neste amplo contexto histórico e dogmático, assume assim o mesmo significado vis-à-vis o filioque que os outros grandes clássicos patrísticos sobre questões trinitárias. A mistagogia foi essencialmente a primeira resposta fundamentada a Agostinho e agostinismo de um ponto de vista oriental "capadócio" [5] e é, portanto, de importância primordial em todas as relações subsequentes entre oriente e ocidente, endividado como o ocidente é para Agostinho sobre esta e outras posições.  Não seria ir longe demais dizer que a Mistagogia deve formar o ponto de partida teológico e histórico para qualquer exame Ortodoxo do agostinismo.

Nosso interesse nesta introdução teológica à Mistagogia será, portanto, sinótico. Procuraremos colocar a Mistagogia dentro de um amplo contexto histórico que começa com Plotino e termina com Aquino, um período de aproximadamente mil anos. Como veremos, a obra de São Fócio foi exercer uma tremenda influência, não apenas na subsequente teologia Ortodoxa, mas até certo ponto nas formulações ocidentais subsequentes. Como consequência de nossa visão sinótica do problema do filioque, não poderemos examinar todo texto relacionado ao assunto, mas só poderemos retratar, em traços muito amplos, o progresso da simplicidade neoplatônica e sua dialética acompanhante através da história do pensamento trinitário ocidental.

Ao fazer isso, uma interpretação particular da história do agostinismo surge como uma consequência do nosso exame teológico. Espera-se, assim, que o leitor seja capaz de ver a incrível precisão lógica de São Fócio, às vezes predizendo algumas conclusões às quais o ocidente só chegaria ou responderia séculos depois. Espera-se também que se possa ver a base histórica da resposta de São Fócio ao filioque e, ao fazê-lo, perceber que a forte reação da Ortodoxia à dupla processão não é “uma questão de palavras e terminologia", ou um caso de mera recalcitrância contra uma "evolução dogmática inevitável", mas uma resposta baseada em um cuidado real e genuíno pelos fundamentos da Fé. Esta introdução, portanto, tenta justificar a acusação abrangente de São Fócio sobre a dupla processão, demonstrando que o filioque compartilha estruturas filosóficas comuns, vínculos e ancestralidade com as grandes heresias cristológicas e trinitárias. Essa filosofia compartilhada é o neoplatonismo.



Neoplatonismo e a Simplicidade Divina 

O neoplatonismo é uma filosofia relativamente fácil de explicar e difícil de avaliar. Todo o desenvolvimento da filosofia grega foi, do começo ao fim, uma busca racional; procurou explicar a realidade através da razão. O pintor Rafael sintetizou perfeitamente a história desse desenvolvimento em sua pintura “A Escola de Atenas”. Lá Platão aponta para cima, para as idéias, os universais imateriais, e Aristóteles aponta para baixo, em direção aos particulares materiais. Isso retrata perfeitamente a ferramenta necessária para a mente filosófica clássica, a dialética de oposições; algo poderia ser conhecido apenas por algum contraste com o seu oposto. A realidade foi tratada de uma forma muito moderna, como se fosse um gigantesco sistema binário. O foco estava sempre no celeste e no ideal ou no material e no particular. Mesmo o infinito só poderia ser infinito em oposição ao finito. Embora os filósofos antes de Plotino considerassem que o infinito estava além dos poderes da investigação racional, estritamente falando não havia razão formal, dadas suas pressuposições, por que tal investigação racional do infinito não poderia ser empreendida. Mas por centenas de anos os filósofos gregos se contentaram em explorar os problemas associados com o lado finito da tensão dialética do infinito e do finito.

Por que isso é assim é prontamente aparente. Para os gregos antigos, "o Ser perfeito" significava precisamente um ser finito e limitado, pois somente tal ser poderia ser definido. [6] Mesmo Platão não tinha ido além de uma pluralidade de universais finitos para postular um universal abrangente, um "Universal" universal. Tampouco Aristóteles havia proposto um gênero absoluto no qual todos os particulares pudessem ser compreendidos. Plotino faz as duas coisas. Ele postula o "Universal" universal, o gênero absoluto, o infinito Uno, e define esse Uno infinito como “simplicidade”. Assim, com Plotino e o advento do neoplatonismo, ocorreu uma mudança monumental na filosofia. Em seu pensamento, a filosofia teve seu primeiro ímpeto real para explorar o infinito no contexto de um sistema filosófico racional.

Esse Uno infinito era simplesmente "o não-isso". [7] Quintessencialmente falando, não era qualquer "coisa finita particular". [8] Estava além da pluralidade de seres finitos [9] como um ser que era infinito, indefinido, transcendente e absolutamente "simples", tendo nenhuma composição. Essa simplicidade foi descrita por Paul Tillich como “o abismo de tudo específico”. [10] Esse abismo, observa Tillich, não é simplesmente “algo negativo; é o mais positivo de todos porque contém tudo o que é.” [11] O Uno é, portanto, aquele ser em que, em virtude de Sua simplicidade, ser, existência, natureza, atividade e vontade são todos idênticos. [12] Em outras palavras, o que [o Uno] quer (Sua vontade), o que [o Uno] é (Sua natureza) e o que Ele faz (Sua atividade) são, por definição, “inteiramente indistinguível”. [13]

Nesta altura, é necessário fazer algumas observações. O fato de que o Uno não é uma coisa finita particular significa também que ele é definido pela oposição à essas coisas finitas, [14] e assim, de um ponto de vista puramente lógico, o Uno deve sempre ter coisas finitas em oposição a ele, a fim de ser assim definido. Deve sempre permanecer em alguma tensão dialética a algo particular e finito. É somente Uno pela sua oposição aos muitos; simples e universal apenas pela sua oposição ao composto e particular; e infinito e absoluto apenas pela sua oposição ao finito e ao relativo. Paradoxalmente, e quase ironicamente, Plotino elevou o finito, relativo e composto ao mesmo status lógico do infinito, exatamente o oposto (!) do que ele desejava fazer. Em outras palavras, a dialética dos contrastes é muito flexível e nem sempre fará o que se pretendia fazer.

Uma segunda observação deve ser feita. Como a simplicidade do Uno é tal que inclui, em vez de excluir, todos os particulares, então, segue que, como requisito lógico do sistema, todos particulares existem apenas pela ação do Uno. No entanto, isso de modo algum afirma uma criação de particulares no sentido cristão. O Uno não pode ter controle sobre a “criação” do ser finito [15] simplesmente porque tal criação é imposta ao Uno por sua própria simplicidade previamente definida! [16] O Uno deve sempre ter criado, estar criando e continuar a criar, se é para ser o que É. Em uma frase muito moderna, o Uno era o fundamento de toda a existência, mesmo de sua própria existência. Em termos práticos, a suposição da simplicidade divina torna impossível a concepção cristã de uma criação livre e espontânea por um Deus que não era obrigado a criar a partir de qualquer necessidade interna da natureza ou da necessidade externa da lógica. A criação era para os neoplatônicos uma necessidade absoluta; para os cristãos, a criação era caracterizada como um ato divinamente livre.

Porque o Uno era simples, qualquer ato do Uno em querer criar particulares finitos era também um ato de Sua essência, uma vez que essência, vontade e atividade são todas “inteiramente indistinguíveis”. A criação é apenas o “transbordamento da essência divina na criação". [17] Havia, em termos teológicos, nenhuma distinção entre a essência e as energias do Uno, ou entre teologia e economia. Esse é um ponto importante a ser lembrado na discussão que se segue.

Há dois particulares finitos que o Uno cria no sistema de Plotino: o Nous (mente) e a Alma-do-mundo. O Uno, sem qualquer atividade de sua parte, naturalmente produz o Nous. Este Nous, por sua vez, produz a Alma-do-mundo em companhia da agência do Uno. O universo neoplatônico assume, assim, uma subordinação estrutural definitiva de três níveis. No ápice está o Uno, agindo como a Causa Não-Causada de todos. Em uma posição intermediária vem o Nous (mente), causado pelo Uno e, junto com o Uno, causando a Alma-do-mundo. Na última posição, vem a alma do Mundo, emanando tanto da Causa Não-causada quanto da Causa Causada. Como estudo da lógica e da física aristotélica, essa subordinação é clássica: o Uno não tem absolutamente nenhuma distinção; o Nous tem uma distinção, a de ser causada pelo Uno e a Alma-do-mundo, tem duas distinções, aquelas de ser causada por dois tipos diferentes de causas.

Neste ponto, pode ser perguntado por que o Uno parou de criar com o Nous e com a Alma-do-mundo, ou porque a Alma-do-mundo, por sua vez, não causou algo subordinado a ela. E a resposta, é claro, é que não há razões, dadas as pressuposições e estrutura do neoplatonismo, por que essas sugestões não puderam ser realizadas. De fato, a história subsequente do neoplatonismo mostra exatamente essa tendência de multiplicar os componentes estruturais do sistema. Dentro do Nous, um dos discípulos de Plotino distinguiria três novos seres. [18] Jâmblico levaria a tendência muito mais além, não apenas multiplicando o número de seres subordinados ao Uno, mas mesmo fazendo do Uno de Plotino um ser intermediário, e postulando um Uno mais acima. [19]

Como devemos avaliar o neoplatonismo? Claramente, a estrutura e a dialética subjacente são bastante básicas e simples. A prioridade da unidade sobre a diversidade, da simplicidade sobre a composição, pode ser chamada sem reservas de impulso básico do sistema. [20] Mas também podemos dizer que existe uma ambiguidade inerente ao sistema, derivada em última instância da definição de simplicidade e da flexibilidade de sua dialética subjacente. Essa flexibilidade se apresenta de duas maneiras básicas. Se, por causa de sua simplicidade, todos os atos do Uno são atos de Sua essência, então como distinguiremos entre Sua simplicidade abrangente e os próprios particulares que, por contraste lógico a ela, a definem? Em outras palavras, não há nada que impeça o panteísmo se a definição de simplicidade for aceita como uma definição da essência divina; porque uma vez que qualquer particular é afirmado, ele imediatamente colapsa de volta em uma unidade indistinguível com o Uno, seu criador. Por outro lado, uma vez que ser, atividade causal, e vontade tem sido identificados [N. do T.: ser = atividade = vontade], por causa dessa mesma simplicidade, então o que é que impedirá alguém de afirmar a eternidade de particulares e multiplicar estes particulares para qualquer número de seres, cada um causando, com o Uno, o ser imediatamente subordinado a ele? Uma vez que a simplicidade é afirmada, ela deve, se é para permanecer o que é, colapsar em uma série potencialmente infinita de Unos, como no sistema de Jâmblico.

O sistema aparentemente simples do neoplatonismo é apenas uma aparência enganadora. Como mostra a história subsequente, ele poderia se desdobrar em uma variedade de posições, cada uma alegando derivar logicamente de seus pressupostos e métodos. Essa ambiguidade inerente é ainda mais confusa quando essa definição é feita para servir como base da doutrina trinitária na teologia de Santo Agostinho.

O Filioque e seu contexto na Teologia Agostiniana

A doutrina filioque é, em última instância, derivada da definição filosófica e da dinâmica lógica do sistema que acaba de ser avaliado. Cada um dos problemas que participaram desse sistema - a identificação do ser e da vontade; sua consequência em uma criação divina eterna; a flexibilidade da lógica; a definição de simplicidade no colapso em uma série infinita de seres, ou a tendência a apagar todas as distinções entre seres particulares; e a subordinação estrutural do sistema - todos estão até certo ponto envolvidos na controvérsia entre o ocidente carolíngio e São Fócio sobre a dupla processão do Espírito Santo. De fato, o próprio filioque, através da mente formidável de Santo Agostinho, combina essas características do neoplatonismo em uma expressão única e concisa.

A doutrina da dupla processão não pode ser adequadamente entendida sem uma avaliação correta do impacto de Santo (Bem-aventurado) Agostinho, nem pode ser adequadamente entendida como divorciada do seu contexto no programa agostiniano da teodiceia. Não é difícil multiplicar citações em relação ao significado de Santo Agostinho. Paul Tillich escreveu em termos inequívocos que "ele é o fundamento de tudo o que o ocidente tem a dizer". [21] O estudioso católico romano, Eugene Portalie, disse que “o ensinamento de Agostinho marca uma época distinta na história do pensamento cristão e abre uma nova fase no desenvolvimento da Igreja”. [22] De Santo Agostinho procede toda a prática dogmática e eclesiástica do ocidente: “cada nova crise e cada orientação de pensamento no ocidente pode ser rastreada (até ele)” . [23] Isso não significa, claro, que Santo Agostinho realmente disse o que mais tarde os teólogos ocidentais diriam em todos os casos, mas que ele determinou as questões e a maneira de pensar. De um modo geral, o agostinismo é uma maneira de olhar para a teologia; é o resultado da tentativa de Santo Agostinho de elaborar uma síntese da fé ortodoxa e do neoplatonismo. Como tal, o agostinismo é apenas um método particular de lidar com as ideias centrais da fé e da razão. [24] Este método resultou do mesmo desejo que inspirou os apologistas: o desejo de defender a racionalidade da fé cristã, buscando um terreno comum entre os filósofos e o cristianismo. Assim Santo Agostinho,
buscando como ele fez. . . o terreno comum entre as duas doutrinas (cristianismo e neoplatonismo). . . pôde vir a acreditar, sem base para isso, que ele encontrou cristianismo em Platão ou Platão nos Evangelhos. [25]
Com efeito, Santo Agostinho estava tentando afirmar a fé cristã em termos da filosofia neoplatônica. [26] Mas, como consequência de sua aceitação acrítica do neoplatonismo, os elementos filosóficos e teológicos de seu pensamento muitas vezes se tornaram tão intimamente ligados que não podiam ser divorciados. [27] Ao intensificar a ambiguidade e a flexibilidade já inerentes ao neoplatonismo, essa síntese ambígua veio a dominar toda a história do cristianismo ocidental. Assim, o agostinianismo é um divisor de águas tão importante na história da doutrina que alguém é ou não é um agostiniano. [28] Como resumo do agostinismo, pode-se dizer que o resultado final da reaproximação de Santo Agostinho com o neoplatonismo foi fazer da revelação uma filosofia, e a filosofia uma revelação.[29]

Santo Agostinho supôs que, se houvesse um terreno comum entre teologia e filosofia, também poderia haver definições comuns. Ele encontrou essa definição comum na simplicidade neoplatônica do Uno. [30] Apropriando-se desta definição como uma compreensão da essência divina da Trindade Cristã, da unidade do Deus cristão, ele fez dela a base última de sua tentativa de síntese. [31] Assim, é a doutrina agostiniana de Deus que o ponto de contato entre a revelação e filosofia, entre fé e razão, ocorre, e é através de sua doutrina de Deus que o agostinismo deve ser abordado.

Santo Agostinho, de fato, fez de seu "primeiro princípio filosófico um só. . . com seu primeiro princípio religioso” [32] de tal maneira que, como observou um estudioso católico romano francês, até mesmo sua noção de ser divino permaneceu grega, isto é, em última instância pagã. [33] É neste ponto que a essência divina começou a ser abstraída da Trindade das pessoas como um prolegômeno da teologia.

A Essência Divina

Tendo assumido a simplicidade da essência divina, Agostinho e depois dele o agostinismo, destacou a essência divina - como unidade e simplicidade - de todas as “pluralidades” divinas, isto é, os atributos e as pessoas. A dialética das oposições já está em evidência nesta etapa. Duas coisas ocorrem por causa disso. Primeiro, a unidade de Deus começa a ser vista em termos impessoais, abstratos e filosóficos, e não encontra um referente último na monarquia da Pessoa do Pai. Mas mais crítico é o fato de que as pessoas e os atributos, como pluralidades opostas à essência, recebem o mesmo status lógico. Falando do Pai, Santo Agostinho diz que
Ele é chamado a respeito de Si mesmo tanto Deus, e grande, e bom, e justo, e qualquer outra coisa do tipo; e assim como para Ele ser é o mesmo que ser Deus, ou ser grande, ou ser bom, então é a mesma coisa para Ele ser como ser uma pessoa. [34]
Subjacente a essas identidades mútuas está a simplicidade e, consequentemente, é difícil evitar a conclusão de que ou as pessoas foram feitas atributos ou os atributos foram feitos pessoas. [35]

Os Atributos Divinos

Como no neoplatonismo, onde o ser, a vontade e a atividade do Uno eram “inteiramente indistinguíveis”, assim é em Santo Agostinho, quando ele considera o que a definição de simplicidade implica para os atributos. A essência e os atributos de Deus são identificados: “A Divindade”, ele escreve, “é essência absolutamente simples e, portanto, ser é, então, o mesmo que ser sábio”. [36] Mas Santo Agostinho carrega a lógica além disso para insistir também na identidade dos atributos entre si. Como observa Portalie, os teólogos escolásticos posteriores que seguiram os passos de Santo Agostinho insistiram que “nossas ideias sobre os atributos divinos não são formalmente distintas, mas se compenetram mutuamente”. [37] Santo Agostinho é ainda menos hesitante e se expressa em um silogismo compacto: “Em relação à essência da verdade, ser verdadeiro é o mesmo que ser e ser é o mesmo que ser grande.... portanto, ser grande é o mesmo que ser verdadeiro”. [38] Novamente, lembramos as palavras de Paul Tillich, que disse que a simplicidade é “o abismo de todas as coisas específicas”. [39] Como a essência foi abstraída dos atributos e definida como simples, a aparente pluralidade dos atributos é apenas uma convenção artificial da linguagem teológica. Cada atributo funciona meramente como um rótulo semântico, como outra definição alternativa da essência divina, [40] e, assim, cada atributo pode ser identificado com todos os outros atributos.

Houve dois efeitos significativos resultantes dessa identidade de atributos entre si e com a essência. A primeira foi uma indefinição da distinção entre teologia e economia. O segundo foi o próprio filioque. A partir da definição de simplicidade, ficou evidente para Tomás de Aquino, como foi para Plotino, que “a vontade de Deus não é diferente de Sua essência” [41] e que “o principal objeto da vontade divina é a essência divina”. [42] Como em Plotino, isso torna a criação não apenas divina por sua natureza, mas também eterna: uma completa obliteração da distinção entre teologia e economia. Até mesmo a doutrina agostiniana da predestinação deve ser referida a essa identidade de atributos entre si, pois “predestinar é o mesmo que saber de antemão”. [43] O determinismo no agostinismo não é, portanto, em última análise, bíblico, mas é filosófico e lógico, uma vez que está enraizado em uma concepção dialética particular da essência divina.

Tão forte influência é a definição de simplicidade para Santo Agostinho que ele diz: “para Deus não é uma coisa ser, outra coisa ser uma pessoa, mas é absolutamente a mesma coisa. . . É a mesma coisa para Ele ser como ser uma pessoa”. [44]  "Deus" para Santo Agostinho, portanto, "não significava diretamente" os meios de tentar distinguir as pessoas umas das outras. Tendo assumido uma simplicidade absoluta, as pessoas não podem mais ser hipóstases absolutas, mas são meramente termos relativos entre si, ocorrendo assim num plano ainda mais baixo que os atributos propriamente ditos. “Os termos (Pai, Filho e Espírito Santo) são usados reciprocamente e em relação um ao outro”. Há um jogo sutil mas, apesar disso, real da dialética das oposições aqui. Não se começa mais com as três pessoas e depois se passa a considerar suas relações, mas começa com sua relativa qualidade, a relação entre as pessoas, em si. Em outras palavras, há uma oposição artificial de uma pessoa às outras duas. É nesse ponto que a flexibilidade do compromisso neoplatônico de Agostinho começa a emergir de uma forma mais intensa.

Quando Santo Agostinho escreveu Sobre a Trindade, ele pode ter feito isso em parte para combater a heresia ariana; mas ele tentou usar a própria lógica ariana como uma ferramenta em sua refutação. Os arianos definem a divindade confundindo a característica hipostática do Pai, a causalidade, com a natureza divina. Tendo assim definido a divindade, os arianos podiam negar a plena divindade de Cristo porque Ele não causou o Pai. Agostinho responde argumentando, a favor da plena divindade de Cristo, fazendo-O a causa de outra plena pessoa divina! “Assim como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim também Ele deu ao Filho para ter vida em Si mesmo”. [52] Agostinho prossegue argumentando que deve-se:
entender que, como o Pai tem em Si mesmo, que o Espírito Santo deve proceder dEle, então Ele deu ao Filho que o mesmo Espírito deve proceder Dele (do Filho), e  ambos à parte do tempo. Pois se o Filho tem do Pai o que Ele (o Pai) tem, então certamente Ele tem do Pai que o Espírito Santo também procede Dele. [53]
Assim veio Agostinho para defender a divindade de Cristo por meio do filioque; porque, se o Filho, agindo como uma causa junto com o Pai, causa o Espírito, então claramente o Filho é Deus. Mas por trás da resposta de Agostinho ao arianismo está sua aceitação da confusão ariana de pessoa e natureza pela aceitação da definição ariana da natureza divina em termos da causalidade do Pai.

Mas há um novo elemento estrutural nessa confusão. É o elemento de uma subordinação da categoria de pessoas à dos atributos. O Filho recebe Sua causalidade do Pai, não com base em uma dedução direta da definição de simplicidade, mas por uma referência mais indireta à simplicidade com base em atributos intercambiáveis comuns. Esse fato configura a ordo theologiae em que toda a teologia agostiniana prossegue: começando com a essência, move-se para os atributos e só no final considera as pessoas.[54] Em um nível estritamente formal de estrutura, há uma subordinação das pessoas aos atributos, que por sua vez estão subordinados à essência. No nível final do discurso, as pessoas, o Espírito Santo, é visto como procedendo de uma Causa Não-Causada, o Pai, e uma Causa Causada, o Filho, assim como a Alma-do-mundo neoplatônica procedia do Uno e do Nous.
Porque não podemos dizer que o Espírito Santo não é vida, enquanto o Pai é vida, e o Filho é vida; e, portanto, como o Pai. . . tem vida em Si mesmo; assim, Ele deu a Ele que a vida procedesse dEle, como também procede de Si mesmo. [55]
Aqui não apenas a propriedade da causalidade, a distinção única pessoal do Pai, foi trocada com o Filho com base no atributo comum de vida, mas aquele atributo que procede do Pai e do Filho é o Espírito Santo. É precisamente o Espírito Santo que é o atributo comum a ambos. Assim, uma pessoa foi confundida com um atributo comum das três pessoas. [56]

Todo o processo parece destruir a si mesmo em cada turno. Tendo feito o Espírito proceder do Pai e do Filho porque o Pai e o Filho compartilham atributos comuns, uma vez que a essência é simples, o Espírito então se torna um atributo, Ele define a essência e, de fato, é a essência, a unidade do Trindade:
Porque tanto o Pai é um espírito e o Filho é um espírito, e porque o Pai é Santo e o Filho é Santo, portanto. . . já que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Deus, e certamente Deus é Santo, e Deus é um espírito, a Trindade também pode ser chamada de Espírito Santo. [57]
Isto é, desde que o nome Espírito Santo define os atributos “apropriados ao Pai e ao Filho”, [58] Ele se torna o novo princípio de unidade em Deus, o “amor substancial e consubstancial de ambos” [59] o Pai e o Filho. Em suma, o Espírito Santo é a essência da qual todo o processo começou. Ele, por sua vez, não causa uma nova pessoa e assim ad infinitum, mas, como Tomás de Aquino observou, “o ciclo é concluído quando. . . retorna à mesma substância a partir da qual o proceder começou ”. [60] Tendo começado com uma definição - simplicidade - o processo terminou com a mesma definição, depois de uma exibição deslumbrante de dialética sublime, se não confusa. Pode ser útil neste momento antecipar um argumento de São Fócio. Se o Espírito Santo é vida, procedente do Pai e do Filho, o que impediria de fazer com que o Filho retirasse Sua vida do Espírito, de modo que "o Filho se revelasse filho não apenas do Pai, mas também do Espírito Santo?" [61]. No entanto, isso é "completamente absurdo", [62] pois "ser Pai não é comum a eles, de modo a serem Pais uns dos outros de maneira intercambiável." [63] O que torna essas observações tão significativas não é tanto que elas sejam argumentos que Fócio emprega, mas que vieram dos lábios do próprio Santo Agostinho. Vendo a lógica de sua posição, ele simplesmente repudiou-a como sendo absurdamente contraditória à fé. Santo Agostinho, por alguma razão, vê as implicações óbvias de sua teologia neste ponto, mas por algum motivo não consegue vê-la no ponto do filioque. Se ele estivesse ciente de que o filioque faz com que o Espírito esteja na mesma relação causal com o Filho, como o Filho com o Pai, ele sem dúvida o teria repudiado também. Mas o que ficou evidente para Santo Agostinho nesse ponto foi que sua triadologia estava se desintegrando no preciso momento em que ocorreu: a síntese da teologia com o neoplatonismo. Ele claramente não é confortável com a simplicidade neoplatônica ou sua dinâmica lógica. Nas palavras de Gilson, “a estrutura platônica está, por assim dizer, explodindo sob a pressão interna de seu conteúdo cristão”. [64]

Com o dogma do filioque chegamos ao coração da tensão que é o agostinismo. Com esta doutrina, alguém encontra-se sempre na presença de um ciclo incessante, uma dialética ansiosa e tensa que começa na unidade da essência; desdobra-se em uma artificial pluralidade de atributos, que então colapsa de volta na essência, depois se desdobra nas pessoas, daí colapsa de novo no Espírito Santo, a essência, mais uma vez. Richard Haugh resume adequadamente os efeitos dessa abordagem ao dogma trinitário:
Para Agostinho, a existência em si não é pessoal, pois tudo o que é pessoal na divindade não é absoluto, mas relativo. A pessoa é ad se idêntica à essência. A pessoa se torna meramente outro aspecto da existência; para Deus, existir é o mesmo que ser pessoa, [65] assim como é o mesmo ser bom, justo e sábio.
Nesse processo, o processo que veio a ser chamado de “dialética do amor” na Idade Média, a dinâmica do um e do múltiplo, de um que se desdobra em dois e colapsa de volta em um, está sempre presente. Mais uma vez, o Dr. Haugh está correto:
Embora a dialética de Agostinho tenha muitas formas, sempre há quatro elementos básicos:
1) essentia - a respeito da qual a dialética é.
2) essentia - se manifestando (o Pai).
3) essentia - como manifestado (o Filho).
4) essentia - unindo aquilo que se manifesta com aquilo que é manifestado (o Espírito Santo) ou a expressão daquilo que é ele mesmo com aquilo que é manifestado. [66]

Com o dogma do filioque, a razão e a dialética tornam-se a própria essência da essência divina. Deve ser enfatizado que o passo essencial na dinâmica do filioque era confundir as pessoas com os atributos e não diretamente com a essência, e então subordinar uma pessoa a esses atributos, fazendo uma relação divina dependente desses mesmos atributos comuns.

Antes de considerar os antecedentes históricos relacionados do filioque, será útil resumir a dinâmica estrutural do filioque na forma de esboço:

1. A Essência.

         A. A essência divina é considerada simples.

         B. Se a essência divina é simples, então várias coisas seguem:

             1. A essência é equivalente aos atributos tanto separadamente quanto individualmente.

             2. A essência é equivalente às pessoas, tanto separadamente e individualmente.

     C. Como o Uno neoplatônico, a simplicidade da essência divina transcende a multiplicidade das pluralidades divinas (atributos e pessoas) assim como a unidade transcende a multiplicidade. Várias coisas seguem.

2. Os Atributos.

         A. Os atributos têm o mesmo status lógico vis-à-vis a essência e, portanto,

         B. No que diz respeito uns aos outros.

         C. Os atributos são todos "inteiramente indistinguíveis".

3. As Pessoas.

         A. No nível mais baixo do discurso, as pessoas são subordinadas aos atributos porque a processão do Espírito do Pai foi dada ao Filho, uma vez que o Pai e o Filho compartilham atributos comuns (vida, santidade, espiritualidade).

             1. E dentro deste nível de discurso que lida com as pessoas, ocorre uma subordinação efetiva do Espírito Santo ao Filho e Pai; o Pai não tendo distinções, o Filho a [distinção] de ter sido causado e o Espírito Santo tendo duas distinções, sendo causado por duas classes diferentes de causas.

         B. O Espírito Santo, porque Ele procede do Pai e do Filho, torna-se o novo foco de unidade na Trindade.

                1. O nome "Espírito Santo" define assim a essência divina e

                2. é assim capaz de significar toda a Trindade.

O significado da estrutura delineada acima será inteiramente perdido, a menos que seja justaposto a estruturas paralelas encontradas nas antigas heresias cristológicas associadas ao arianismo, pois é a interposição de uma categoria entre a essência e as pessoas, ou seja, os atributos que tem alguma semelhança estrutural significativa com os sistemas de Ário e Eunômio. Devemos agora examinar o progresso do neoplatonismo no oriente, em Alexandria, antes de finalmente nos voltarmos para a resposta de São Fócio ao filioque.

Paralelos Heréticos à Dinâmica do Filioque

Foi na grande escola de Alexandria que o neoplatonismo fez as maiores incursões na teologia cristã. Foi reafirmado e transformado no trabalho teológico de Orígenes, para se tornar a base filosófica de todas as grandes heresias. Como a simplicidade neoplatônica não permitia distinções em Deus, toda atividade divina era ao mesmo tempo um ato da essência e da vontade. Da mesma forma, a teologia de Orígenes "também não conseguiu distinguir entre as dimensões ontológica e cosmológica". [67] Como V.V. Bolotov observou, o problema era especificamente um problema trinitário, porque “o elo lógico entre a geração do Filho e a existência do mundo ainda não estava rompido na especulação de Orígenes".[68]

Assim como Agostinho, os atributos divinos eram vistos como definições da essência divina. Portanto, para que Deus seja verdadeiramente Criador, Ele deve sempre ter sido criador, assim como no mesmo sentido Ele sempre teve que ser o Pai. [69] O impulso da teologia de Orígenes é, consequentemente, preservar a divindade do Filho, mas à custa de tornar a criação em si um ato eterno de Deus. A distinção entre o Criador e a criação não foi adequadamente feita e, nisto, o origenismo é um reflexo fiel das tendências panteístas de sua filosofia-mãe. “Como não se pode ser pai à parte de um filho, nem um senhor à parte de possuir um escravo, então nem mesmo podemos chamar Deus Todo-Poderoso se não haver ninguém sobre quem Ele possa exercer Seu poder.” [70] Assim, Orígenes pôde ir até o ponto de afirmar que o Filho foi gerado pela vontade de Deus. [71] Em um resumo perspicaz da problemática no origenismo, Pe. George Florovsky afirma que:
Em qualquer caso, as controvérsias do século IV só podem ser compreendidas adequadamente na perspectiva da teologia e da problemática de Orígenes. Dentro do próprio sistema, havia apenas duas opções opostas: rejeitar a eternidade do mundo ou contestar a eternidade do Logos. [72]
A última opção foi a que foi seguida pela Ário. Ário definiu deidade absoluta pela característica pessoal do Pai, isto é, como a única fonte e causa do ser. O que acontece na dinâmica do arianismo, em outras palavras, é que há uma espécie de confusão "sabeliana" da pessoa do Pai com a essência divina. Portanto,
Dois pontos principais foram feitos: (A) a dissimilaridade total entre Deus e todas as outras realidades que “tiveram princípio”, começo de qualquer tipo; (B) o "princípio" em si. O Filho tem um “princípio” simplesmente porque Ele era um filho, isto é, originado do Pai, como Seu arche: somente Deus (o Pai) era anarchos no sentido estrito da palavra. [73]
O Filho, como causado, permanece como a mais elevada das criaturas, a meio caminho entre a Essência do Pai e a ordem inferior criada. Estruturalmente, o Filho está na mesma relação com o Pai do que o Nous em relação ao Uno em Plotino.

Santo Atanásio, respondendo a essa estrutura, faz um comentário significativo que guiou a resposta de São Fócio ao filioque.  Se o Filho fosse ser verdadeiramente Deus no sistema ariano, então,
necessariamente afirma que, assim como Ele é gerado, Ele também gera e também Ele se torna o Pai de um filho. E novamente, aquele que é gerado por Ele, gera por sua vez, e assim por diante, sem limites; porque isto é fazer o gerado como Aquele que o gerou. [74]
Santo Atanásio admite assim que se a divindade pudesse ser definida como causalidade, então Deus seria um pai como homem e que “Seu Filho deveria ser pai de outro, e assim sucessivamente um do outro até que a série que eles imaginam cresça em uma multidão de deuses.” [75] Mais uma vez, a tendência neoplatônica de multiplicar os componentes estruturais do sistema se encontra em evidência. Essa mesma lógica de definição está por trás da pergunta de São Fócio, quando ele pergunta por que o Espírito Santo não é feito neto na dinâmica do filioque. [76]

A refutação de Santo Atanásio negava a raiz do erro ariano, a simplicidade e sua implicação de que Deus poderia ser definido. Todo o tom de seu argumento foi definido pela pressuposição de uma "distinção básica entre 'essência' e 'vontade', que unicamente poderia estabelecer a diferença real em tipo entre 'geração' e 'criação'". [77] A distinção absoluta de pessoas, atributos e essência foi mantida em toda a teologia de Santo Atanásio, embora essas categorias ainda não tivessem se cristalizado em um conjunto de vocabulário teológico. Mais importante, o ser trinitário de Deus recebeu uma prioridade ontológica sobre Sua ação e Vontade [78] - a ordem estrutural precisamente oposta à teologia agostiniana, na qual os atributos e a essência recebem uma prioridade em relação às pessoas. Com base nessa distinção entre ser e vontade, observa Pe. Florovsky, Atanásio respondeu que era "uma ideia insana e extravagante colocar 'vontade' e 'conselho' entre o Pai e o Filho". [79] Nessa estrutura, a prioridade ontológica da categoria de atributos em relação às pessoas era precisamente o ponto em questão entre Santo Atanásio e Ário.

São Gregório de Nissa enfrentou o mesmo problema quando confrontou com o eunomianismo. Eunômio, de acordo com Gregório, passou a declarar “que uma certa energia que se segue ao primeiro Ser (o Pai). . . produziu o Filho de Deus. . . Que é uma obra comensurável com a energia produtora.” [80] Para Eunômio, como para Ário, havia uma outra categoria que, seguindo a definição inicial, deveria “ser concebida como anterior ao [Filho] unigênito”, [81] precisamente porque foi a causa do unigênito. São Gregório dirige a estrutura para um reductio ad absurdum perguntando: “Por que continuamos falando do Todo-Poderoso como o Pai, se não foi Ele, mas uma energia que O segue externamente, que produziu o Filho, e como pode o Filho ser um Filho por mais tempo?” [82] Neste contexto, a teologia eunomiana do Espírito Santo é mais significativa; São Gregório diz que Eunômio:
separa aquela igualdade com o Pai e o Filho da correta dignidade e conexão do Espírito Santo, que é proclamada pelo Nosso Senhor, colocando-O entre os súditos e declarando-O como sendo uma obra de ambas as pessoas - do Pai, que fornece a causa de Sua constituição; e do Unigênito, o artífice de Sua subsistência. [83]
O sistema eunomiano, tendo feito do Filho um produto de uma energia do Pai, segue fazendo do Espírito uma obra do Pai e do Filho. Parece que mais uma vez ocorreu a subordinação neoplatônica dos seres. São Gregório chama toda essa estrutura de “blasfêmia. . . simples e visível.” [84] Para São Gregório, o sistema de Eunômio “parte de dados que não são concedidos, e então constrói por mera lógica uma blasfêmia sobre eles”. [85] Quais são esses dados que “não são concedidos?” A simplicidade divina. [86]

O ponto de discórdia para São Gregório, como para Santo Atanásio, era a subordinação estrutural imposta às hipóstases divinas por uma definição inerentemente pagã. E notavelmente, uma controvérsia particularmente intensa concentra-se na presença da prioridade lógica de uma categoria de energias ou atributos em relação a qualquer uma das pessoas divinas. Tal posição sempre foi percebida como arianismo. A semelhança que esta energia na estrutura de Eunômio tem com os atributos da triadologia agostiniana é mais do que uma coincidência. Tendo assumido a definição de simplicidade, tanto Eunômio e Santo Agostinho foram obrigados por essa definição a produzir estruturas teológicas semelhantes, mesmo que tivessem objetivos completamente diferentes ao fazê-lo.

Vale ressaltar que houve uma controvérsia menor entre Teodoreto de Kyros e São Cirilo de Alexandria sobre a processão do Espírito Santo. São Cirilo ensinou que o Espírito procedia do Pai através do Filho. [87] Em palavras que podiam ser tiradas de Agostinho, Cirilo observa “na medida em que o Filho é Deus e [a partir] de Deus, por natureza, uma vez que Ele foi verdadeiramente gerado por Deus Pai, o Espírito é o Seu, e Ele está nEle e é [a partir] dEle ”. [88] A tendência de Cirilo, por vezes, de confundir os termos “pessoas” e “natureza” é bem conhecida. Talvez o bem-aventurado Teodoreto tenha entendido que São Cirilo fez isso afirmando essa compreensão da processão, porque sua resposta é abrupta e inequívoca.
Se Cirilo quer dizer que o Espírito Santo tem sua existência a partir Filho ou através do Filho, nós repudiamos isso como uma blasfêmia irreligiosa. Acreditamos que, nas palavras do próprio Senhor, o Espírito procede do Pai. [89]
Embora possa ser que São Cirilo tenha entendido a processão do Espírito Santo no sentido filioquista, é mais provável que ele tenha pretendido significar o envio do Espírito na economia. Isso parece corresponder melhor com suas observações em sua trigésima nona carta a João de Antioquia:
A . . . disputa dos latinos. . . era razoavelmente considerada pelos Ortodoxos como levando à confusão das três pessoas hipostáticas com os atributos comuns de cada pessoa, e às suas manifestações e relações com o mundo.[90]
No entanto, o significado desta pequena controvérsia entre Teodoreto e Cirilo não deve ser descartado com muita precipitação. É bastante significativo que Cirilo, um produto da teologia alexandrina, influenciado pelo neoplatonismo, seja infelizmente ambíguo em sua escolha de palavras, e não é menos significativo que Teodoreto, um antioquino, e assim oposto à teologia alexandrina, reaja tão fortemente a esse ponto.

Isso encerra a investigação do pano de fundo da obra Mistagogia. Muitos tópicos foram debatidos, e será útil reiterá-los antes de examinar a resposta de São Fócio ao filioque.
1) A definição neoplatônica de simplicidade e sua dialética produziu uma estrutura simples, apresentando uma subordinação básica e gradação de uma hierarquia de seres.

2) Essa estrutura tendia a fazer duas coisas. Ou colapsou em uma unidade absoluta de um tipo quase panteísta, ou se expandiu para uma série cada vez maior de seres. Isso ficou evidente não apenas no neoplatonismo, mas também esteve presente na controvérsia ariana.

3) A definição de simplicidade, tendendo a obscurecer todas as distinções, impossibilitou uma verdadeira distinção entre natureza, atividade e vontade. Tanto para Plotino quanto para Aquino, o ato principal da essência de Deus também era um ato da vontade. A criação torna-se assim impossível se considerada como criação ex nihilo.

4) A subordinação estrutural do neoplatonismo era aparente no filioquismo de duas formas. No modelo teológico de Agostinho, ela ocorre começando com a essência, passando então a considerar os atributos e, por fim, as pessoas. Esta estrutura era oposta à de Santo Atanásio, cuja experiência do pessoal era primária em sua teologia. Mas a subordinação também ocorre fazendo o Espírito Santo proceder de duas classes diferentes de causas: do Pai, a Causa Não-Causada, e do Filho, a Causa Causada, parecido como a Alma-do-mundo emanava do Uno e do Nous.

5) A subordinação estrutural das pessoas aos atributos ou à categoria abstrata de “energia” ou “vontade”, a estrutura presente nos argumentos agostinianos para o filioque, também ocorreu no arianismo e no eunomianismo, sendo a diferença que nos dois últimos sistemas é o Filho e não o Espírito que é subordinado.

6) A confusão entre natureza e pessoas ocorre no arianismo quando esse define a divindade pela característica pessoal do Pai. O mesmo também ocorre no pensamento de Santo Agostinho, embora também esteja claro que este se sente desconfortável com essa dinâmica quando vê suas implicações modalísticas.
Esses pensamentos devem ser mantidos em mente no exame da resposta de São Fócio ao filioque na Mistagogia. 



A Resposta de São Fócio à Estrutura e Dinâmica Lógica do Filioque

A tensão inquieta na própria teologia de Santo Agostinho entre seu compromisso com o monarquia do Pai, por um lado, [91] e sua definição filosófica de divindade, por outro lado, deu, na época dos carolíngios, lugar a uma quase ênfase exclusiva na essência divina como princípio da divindade. Os carolíngios, ao fazê-lo, foram inteiramente fiéis à lógica da posição de Santo Agostinho. Mas eles ignoraram totalmente o próprio desconforto de Santo Agostinho com as implicações modalistas de sua teologia, e não foram de forma alguma fiéis ao seu espírito mais crítico e tradicional. Este fato intensifica o conflito entre Fócio e os carolíngios.

Os argumentos de São Fócio podem ser agrupados em quatro grandes categorias. Tendo amplo precedente na literatura patrística anterior para guiar sua resposta, ele se concentrará em qualquer um dos dois pólos da dialética das oposições, dirigindo o filioque para a multiplicação dos seres divinos, politeísmo, ou reduzindo todos os seres a uma unidade modalista absoluta. Esses mesmos precedentes também servem como precedentes contra a unidade. Assim, existem dois outros tipos de argumentos que o Fócio emprega, e ambos dizem respeito aos dois tipos de subordinação estrutural que ocorrem na teologia agostiniana. O primeiro desses argumentos trata da ordo theologiae da essência, atributos e pessoas. O segundo lida estritamente com a subordinação das três pessoas: com as implicações cristológicas e pneumatológicas da estrutura subordinacionista imposta à teologia pelo filioque.

Como vimos, o contraste da essência divina com as pluralidades divinas de atributos e pessoas fez uma de duas coisas logicamente falando. Ou fez dos atributos pessoas, ou fez das pessoas atributos. Respondendo à primeira alternativa, Fócio diz que o Espírito deveria proceder de cada atributo, uma vez que Ele é obviamente de cada atributo:
Ele não é também o Espírito da plenitude? . . Por que você franze a testa? Nos dons, as próprias coisas que Ele fornece e dá? É porque você também luta contra a processão do Espírito Santo a partir de cada um desses dons? [92]
Se é assim, diz Fócio, então os latinos devem fazer de cada atributo uma pessoa, uma “sabedoria e verdade enhipostatizada”, [93] enhipostatizada, ou personalizada, porque os atributos são o que as pessoas são - causas, e como causas, definições de divindade. Mas se os atributos são logicamente anteriores às pessoas, então, diz Fócio (em uma citação quase literal de São Gregório de Nissa), “não é muito possível chamar o Filho pelo nome nestes dizeres também”. [94] Se os atributos causam as pessoas, então o Pai não é mais Pai, e o Filho não é mais Filho.

Dentro da estrutura trinitária de pessoas, vimos que a dupla processão do Espírito Santo deu a essa revelação especificamente cristã tal estruturação neoplatônica que é difícil imaginar que os nomes Pai, Filho e Espírito Santo não tenham simplesmente substituído os nomes Uno, Nous e Alma-do-mundo. São Fócio detecta esta estrutura e usa-a para questionar a própria definição de simplicidade:
É possível evitar a conclusão de que o Espírito foi dividido em dois? Por um lado, Ele procede do Pai, que é a primeira causa e também não-gerado. Por outro lado, no entanto, Ele procede de uma causa segunda, e essa causa é derivada.[95]
“Não se segue”, pergunta Fócio, “próximo a esta conclusão de que o Espírito é, portanto, composto?” Se o Espírito composto foi feito o amor consubstancial de “tanto o Pai como o Filho”, então “como então a Trindade é simples?” [96]

São Fócio observa que os latinos, por manterem uma dupla processão, caíram em outra heresia antiga, tornando o Espírito uma divindade menor, porque o “Espírito, que é de igual honra e dignidade, é privado da prerrogativa igual de uma processão essencial de Si mesmo”. [97] Isso era, claro, nada além de “insanidade macedoniana”. [98] Se o Espírito fosse verdadeiramente Deus em um sistema onde a divindade foi definida como causa, então, Fócio diz, da mesma forma, outra pessoa deveria proceder do Espírito, e assim não deveríamos ter três, mas quatro pessoas. E se a quarta pessoa é possível, então outra processão é possível a partir dela, e assim por diante, até um número infinito de processões e pessoas, até que essa doutrina seja transformada no politeísmo grego. [99]

A força desse argumento claramente lembra a própria lógica dos arianos registrada anteriormente por Santo Atanásio, e indica que a estrutura e as pressuposições subjacentes à heresia ariana e ao filioque são uma e a mesma: a definição de divindade como causalidade.

É nesse preciso momento que a incrível precisão lógica de Fócio colocou uma dificuldade para a teologia ocidental posterior. A força do argumento anterior era demais para ignorar e alguma resposta teve que ser feita. Aquele que fez foi Tomás de Aquino, escrevendo quatrocentos anos depois de Fócio. “É claro”, ele diz, “[a processão] não procede adiante dentro de si mesma, mas o ciclo é concluído quando. . . ela retorna à mesma substância a partir da qual o proceder começou.” [100] Mas esse argumento serviria apenas para tornar a processão uma característica da essência divina, e não da pessoa do Espírito Santo. São Fócio está pronto com uma resposta a este aspecto antes de Tomás escrever: Se a dupla processão fosse uma característica da essência divina e não uma propriedade pessoal, então todas as produções do Pai eram características da essência, e assim a processão pessoal ou o Espírito a partir do Filho e até mesmo a partir do Pai era artificial e supérflua. “Se Ele [o Espírito] é mais plenamente conhecido em outra processão que é própria à essência”, pergunta Fócio, “então que coisa precisa essa formação por outra pessoa fornece?” [101] Em outras palavras, se alguém aceita o conceito de processões pessoais que são de alguma forma também essenciais, então não pode haver Trindade, e o filioque realmente será, como Padre Richardson apontou, uma questão de palavras!

Se a processão do Espírito Santo pudesse ser uma característica da essência, então também poderia a geração do Filho: assim, por que o Filho não poderia se opor ao Espírito e ao Pai, e os dois últimos poderiam assim gerar o Filho? Nesse ponto, é importante lembrar que Santo Agostinho também viu essa ramificação e se recusou a aceitá-la. [102] De fato, pergunta Fócio, por que não se deve simplesmente rasgar as Escrituras, de modo a permitir “a fábula que o Espírito produz o Filho, desse modo, concordando com a mesma dignidade para cada pessoa, permitindo que cada pessoa produza a outra pessoa?" [103] A divindade é definida como causalidade, e se cada pessoa é totalmente Deus, então cada uma deve causar as outras, “porque a razão exige igualdade para cada pessoa, de modo que cada pessoa intercambie a graça da causalidade indistinguivelmente.” [104] Com a palavra “ indistinguivelmente," a máscara se desprende da simplicidade neoplatônica, na qual o ser, a existência, a vontade e a atividade são todos “totalmente indistinguíveis”. Quando Santo Agostinho viu essa implicação de seu método trinitário, ele simplesmente negou e disse que as pessoas “não intercambiavelmente são pais uma das outras" [105] O mesmo ponto é feito por Fócio:
Pois se, de acordo com os raciocínios dos ímpios, as propriedades específicas das pessoas são opostas e transferidas umas para as outras, então o Pai - ó profundida impiedade! - vem sob a propriedade de ser gerado e o Filho gerará o Pai. [106]
Neste ponto, está bem claro que a estrutura neoplatônica não está apenas “explodindo sob a pressão de seu conteúdo cristão”, mas que ela completamente colapsou. A simplicidade é uma definição inadequada do Deus cristão, pois, em última análise, tudo o que é dito sobre Ele se torna logicamente equivalente a tudo o mais que foi dito sobre Ele: começando com a definição da essência divina como simples, a característica hipostática do Pai foi distribuída a todas as pessoas e, consequentemente, toda a base de distinções reais pessoais foi perdida na essência. [107]

Em uma frase muito marcante, São Fócio resume os efeitos do novo dogma:
Por um lado, você estabelece firmemente a ideia de que não há nenhuma fonte - anarquia - nEle, mas ao mesmo tempo você reintroduz uma fonte e uma causa, e então continua simultaneamente transferindo as distinções de cada pessoa. [108]
Na melhor das hipóteses, o filioque fez da triadologia ocidental um exercício fútil no misticismo semântico, na ginástica gnóstica e, na pior das hipóteses, contém em cada passo as sementes da heresia, seja subordinacionista, sabeliana ou politeísta.

Neste ponto, todas as principais figuras da controvérsia convergem. De um lado estão os santos Atanásio, Gregório de Nissa, Agostinho e Fócio, que, quando veem as implicações absurdas dessa estrutura teológica, evitam ela. Do outro lado estão os carolíngios e os escolásticos posteriores  que, quando veem a estrutura, a aceitam e endossam sem crítica. Para os Pais, Deus é o que Ele é à parte da lógica; para os carolíngios e Tomás de Aquino, até certo ponto, Deus é o que Ele é porque Ele é lógico. Para Tomás de Aquino e o empreendimento escolástico como um todo, o Espírito, porque Ele une o Pai e o Filho por Sua dupla processão, torna-se o exemplo divino da analogia entis do Pai e do Filho, expressão de ser comum a ambos. O filioque é, portanto, um componente necessário do empreendimento escolástico, pois interioriza todo o esforço escolástico dentro da própria Divindade, tornando a essência divina racionalmente acessível por analogia. Todo o embrião do desenvolvimento filosófico greco-pagão foi transplantado para a doutrina do Deus cristão.

Isso simplesmente reitera a tensão na doutrina inerente desde o começo. Repete a situação de Plotino, pois há uma limitação fundamental que a dialética das oposições impõe às relações trinitárias. Ela pode lidar com apenas dois termos, duas polaridades ao mesmo tempo, e é, portanto, totalmente inadequada para lidar com a Trindade. A lógica deve sempre, em algum lugar, comprometer o status absoluto da Trindade, comprometendo a divindade absoluta e a pessoa do Espírito Santo. Por outro lado, também deve comprometer a simplicidade da essência, pois há sempre uma dialética interior dentro dela. A Trindade das pessoas é incompleta, pois precisamente no momento exato em que o Espírito procede do Pai e do Filho, todo o processo, de acordo com Aquino, entra em colapso na essência "a partir da qual o proceder começou". Existe, portanto, na doutrina do filioque, um binitarianismo onipresente e nascente, [109] uma tendência que São Fócio não hesita em chamar de “semi-sabelismo”. [110]

Em última análise, a triadologia filioquista não tem uma verdadeira Trindade, mas apenas uma díade de Pai-Filho, oposta à Essência-Espírito. [111]

Implicações e conclusões

O filioque tornou possível tratar, com base na razão, a teologia trinitária sem a Trindade. “Nada poderia impedir [alguém] de aplicar o mesmo método a cada um dos dogmas cristãos.” [112] A história doutrinal do ocidente subsequente ao período carolíngio é a história da aplicação desse princípio e da crescente reação contra, e finalmente de apatia para com o empreendimento teológico. Anselmo tornou possível discutir a Encarnação sem Cristo [113] e a subsequente teologia escolástica estendeu a explicação racional da teologia para abranger quase todos os aspectos da crença e prática da Igreja. Mas, do mais amplo ponto de vista histórico e eclesiástico possível, é a doutrina agostiniana de Deus, na qual o filioque desempenha um papel proeminente e fundamental, que desencadeia esse processo. Embora “essa ambição ousada de procurar razões necessárias para os dogmas revelados nunca tenha entrado na mente de Agostinho. . . , estava fadado a seguir de um tratamento meramente dialético da fé cristã ”. [114] O filioque, como um exemplo desse "tratamento dialético da fé cristã", é um ponto crucial da teologia agostiniana. Por que, por exemplo, Anselmo pôde mais tarde tentar sua “prova ontológica” da existência de Deus? Porque a prova ontológica era uma “dedução essencialmente dialética da existência de Deus, cuja necessidade interna é a do princípio da contradição”, ou, em outras palavras, a dialética das oposições. [115]

Este é o resultado: há duas concepções opostas e mutuamente contraditórias de Deus em ação na controvérsia. O Filioque implica que Deus é perfeitamente capaz de definição, que há um certo grau de necessidade lógica nEle.  Assim,
. . . com o dogma do filioque. . . a essência incognoscível de Deus recebe qualificações positivas. Torna-se o objeto da teologia natural. Temos um Deus em geral, que poderia ser o Deus de Descartes, ou o Deus de Leibnitz, ou até certo ponto o Deus de Voltaire e os deístas descristianizados do século XVIII. [116]
Mas para São Fócio, representando a tradição de Atanásio e os Capadócios, o Espírito Santo é, em termos tipicamente dionisíacos e apofáticos, "da essência-essência" e, portanto, "além dos poderes da razão". [117]

A triadologia Ortodoxa subsequente, construída sobre o fundamento que São Fócio estabeleceu, também explicava as preocupações legítimas do filioque, ou seja, a preocupação por uma relação entre o Filho e o Espírito. Teólogos bizantinos posteriores que seguiram Fócio tentaram “mostrar que, por um lado, uma relação de origem entre o Filho e o Espírito Santo não era necessária e que, por outro lado, existia uma certa relação que distinguia o Filho e o Espírito Santo como pessoas.” [118] Gregório de Chipre, o Patriarca de Constantinopla de 1283 a 1289, descreveu a relação entre o Filho e o Espírito como a habitação eterna do Espírito no Filho. [119] Nesse caso, Gregório simplesmente elaborou o significado da palavra “processão”. A palavra não significava apenas:
a simples passagem de alguém a partir de outrem, como, por exemplo, no caso do nascimento. Significa, antes, a partida proveniente de algum lugar em direção a um objetivo definido, a saída de uma pessoa a fim de chegar a outra. Quando o Espírito procede do Pai, Ele parte em direção ao Filho; o Filho é o objetivo no qual Ele irá parar. [120]
A fórmula de Gregório expôs outro perigo latente não apenas no filioque, mas em certa medida também na resposta de São Fócio a ele. Na teologia de Gregório, era impossível separar o Filho e o Espírito, pois havia uma relação pessoal e eterna entre eles. Se assim não fosse, e o Espírito Santo procederia além do Filho como de um ponto de origem, então resultariam importantes ramificações eclesiológicas: “nesse caso, o fiel pode possuir o Espírito sem estar em Cristo, ou pode possuir Cristo sem estar no Espírito.” [121] É precisamente essa “habitação do Espírito no Filho” que fornece a base teológica na própria vida da Trindade para o fato de que a Ortodoxia não separa as Escrituras e a Tradição como duas fontes de autoridade isoladas, independentes e opostas. Em vez disso, vê-as como implicando e complementando uma a outra, ambas tendo o mesmo peso porque estão relacionadas.

De Gregório de Chipre, mais tarde a teologia Ortodoxa herdou o conceito de que havia uma relação entre o Filho e o Espírito, e que essa relação seria destruída se o Espírito fosse desligado do Filho ao proceder além dEle como no filioque. São Gregório Palamas poderia assim afirmar que o Espírito não procede em “isolamento da geração do Filho, permanecendo assim ao lado do Filho, por assim dizer, sem qualquer relação pessoal com ele”. [122] O teólogo ortodoxo Dumitru Staniloae, do século XX, encontrou no filioque, além de certas implicações eclesiológicas, outras ramificações para o padrão e a estrutura da autoridade no ocidente contemporâneo. Ele vê nele a base teológica para confundir o Espírito com a subjetividade humana: sem aquilo que constitui a marca distintiva da divindade nesse sistema, a causalidade, torna-se muito fácil igualar os movimentos do Espírito aos movimentos do espírito humano. [123]

Certamente estaríamos errados ao tentar estimar a estatura de São Fócio como um santo ou um teólogo da Igreja através de uma leitura apenas da Mistagogia; mas nós igualmente erraríamos tentando fazê-lo sem ler a Mistagogia. É principalmente por essa contribuição que ele é lembrado tanto no oriente quanto no ocidente. Um estudioso católico romano escreve sobre sua importância em termos inequívocos:
O caso de Fócio não é meramente uma questão de interesse bizantino. Trata-se da história do cristianismo e do mundo, pois a avaliação de Fócio e sua obra está no centro das controvérsias que separam igrejas orientais e ocidentais. [124]
Fócio, sempre tolerante com práticas divergentes dentro da Igreja, responde de maneira penetrante ao filioque. No entanto, essa resposta não é sem causa e tem apoio patrístico. Infelizmente, seu trabalho caiu em grande parte em ouvidos surdos, de modo que todas as trágicas consequências do filioque não desapareceram, mas antes impuseram à teologia uma ordem e um método fundamentalmente divergentes das preocupações da tradição. Assim, sua acusação abrangente da doutrina não é sem justificativa; se o filioque pode agora ser visto apenas como uma disputa sobre palavras, isso só pode indicar a ausência de percepção histórica, ou uma teologia modalista, ou ambos. Isso significa que não é necessário apenas insistir que o filioque seja retirado dos credos e confissões ocidentais para que a unidade ocorra, mas que, como Karl Rahner observou tão pertinentemente, há necessidade do ocidente retornar a uma teologia não-agostiniana. [125] De fato, isso significa que a própria ordo teologiae agostiniana deve ser evitada como sendo em última instância contraditória à experiência cristã de Deus enquanto primariamente pessoal e concreta e não impessoal, abstrata e filosófica. Nesta luz, é fácil ver por que a doutrina nunca foi uma mera insignificância verbal. Ela carregou implicações que afetam a própria natureza da experiência cristã. Foi para São Fócio então, e permanece para nós agora, uma questão de incalculável urgência ecumênica, teológica e espiritual.

Texto original pode ser encontrado em: http://www.anthonyflood.com/farrellphotios.htm

NOTAS

1 Alan Richardson, Creeds in the Making: A Short Introduction to the History of Christian Doctrine (Philadelphia, 1981), p. 122.

2 Ibid., p. 123.

3 St. Photios, Mystagogy, p. 16.

4 Ibid., pp. 9,32,37.

5 Richard Haugh, Photius and the Carolingians: The Trinitarian Controversy (Belmont, 1975), p. 204.

6 J. M. Rist, Plotinus: The Road to Reality (Cambridge, 1980), p. 24, citing Fr. Sweeney.

7 Ibid.,p.25.

8 Vladimir Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (Crestwood, 1974), p. 30.  Lossky escreve: “O que é descartado no modo negativo de Plotino é a multiplicidade, e chegamos à unidade perfeita que está além do ser - já que o ser está ligado à multiplicidade e subsequente ao Uno. O êxtase de Dionísio é uma saída do ser como tal. O de Plotino é antes uma redução do ser à simplicidade absoluta ”. Para um excelente tratamento da dinâmica das oposições e da definição de simplicidade, veja o levantamento de Rist nas pp. 21-37.

9 Rist, p. 25.

10 Paul Tillich, A History of Christian Thought (New York, 1968), p. 51.

11 Ibid.

12 Eugene Portalie, A Guide to the Thought of St. Augustine (Norwood, 1975), p. 99.

13 Veja Rist, pp. 66, 71, 77 pela ausência desta distinção: “nós não devemos,” ele diz, “quebrar as próprias regras de Plotino separando a existência do Uno de sua 'atividade'. Em vez disso, devemos considerá-los idênticos ”.

14 Ibid., pp. 25, 35.

15 Ibid., pp. 67, 75.

16 Ibid., P. 76. “O problema da necessidade de emanação do Uno deve ser reduzido ao problema de por que o Uno é o que é.”

17 “Neoplatonism” in The Westminster Dictionary of Church History, ed. Herald C. Bauer, p. 591.

18 Frederick Copleston, A History of Philosophy, vol. 1, Greece and Rome (New York, 1962), part 2, p. 216.

19 Ibid., p. 219.

20 Dom Placid Spearitt, “Neoplatonism” in A Dictionary of Christian Thought, ed. Alan Richardson, p. 227.

21 Tillich, p. 103.

22 Portalie, pp. 81-82.

23 Ibid., p. 83.

24 Vernon J. Bourke, The Essential Augustine (Indian-apolis, 1978), p. 19.

25 Portalie, p. 97.

26 Ibid., p. 96.

27 Ibid., p. 90.

28 J. M. Hussey observa que “na medida em que é possível atribuir ou descobrir uma linha divisora de águas, esta deve ser encontrada no final do século IV: de um lado está Agostinho, cujos escritos formam a base da tradição latina; do outro, os gregos que seguiram a escola capadócia." Church and Learning in the Byzantine Empire, 867-1185 (Oxford, 1937), p. 203.

29 Justo Gonzalez, A History of Christian Thought, vol. 2. From Augustine to the Eve of the Reformation (Nashville, 1971), p. 113, citando João Scotus Erigena: “Filosofia é religião verdadeira e vice-versa, religião verdadeira é filosofia verdadeira.”

30 Portalie, pp. 99-100.

31 Ibid., p. 100.

32 Etienne Gilson, God and Philosophy (New York, 1962), p. 41.

33 Ibid., p.61.

34 St. Augustine, On the Trinity, 7.6.11 .

35 Santo Agostinho, na realidade, leva sua lógica muito além, dizendo em um ponto: “uma vez que as três juntas são um só Deus, por que não também uma só pessoa? . . “(7.4.8.). Em outro lugar ele realmente usa a frase “a pessoa da Trindade” (2.10.18). Richard Haugh observa que “está claro em que direção Agostinho está inclinado”. Haugh, p. 199

36 St. Augustine, 7.1.2.

37 Portalie, p. 128.

38 St. Augustine, 8.1.2.

39 Tillich, p. 51.

40 Esse tratamento silogístico de atributos e essência é a própria marca da divindade: “Nem na Trindade é uma coisa ser e outra ser Deus. . . “(7.3.6). Esta declaração é complementada por “é a mesma coisa para Ele ser Deus como ser”; 7.4.9.

41 Thomas Aquinas, Summa contra Gentiles. Book One, God (Notre Dame, 1975), p. 242.

42 Ibid., P. 244. A persistência de preocupações neoplatônicas é surpreendente. Rist diz: "O ato pelo qual o Uno é o que é deve ser admitido ser idêntico e indistinguível de fato do ato pelo qual ele faz o que faz" (p. 71). “De fato, a vontade do Um e sua essência são idênticas” (p. 71). De fato, um dos principais problemas que os escolásticos tinham que explicar era a operação de Deus ad extra, um problema muito difícil se o “princípio objeto da vontade divina” é a sua própria essência.

43 St. Augustine, Ad Romanum Expositio, 8.29, cited in Gonzalez, p. 31.

44 St. Augustine, On the Trinity, 7.6.11.

45 Portalie, pp. 130-31.

46 Ibid.,p. 132.

47 Ibid., p. 131.

48 Vladimir Lossky, “The Procession of the Holy Spirit in Orthodox Trinitarian Doctrine,” em The Image and Likeness of God (Cresttwood, 1974),p. 77.

49 St. Augustine, Trinity, 1.8.15.

50 Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition: A History of the Development of Doctrine, vol. 3, The Growth of Medieval Theology (600-1300) (Chicago, 1982), p. 65.

51 St. Augustine, Trinity, 6.5.6.

52 Ibid., 7.3.5.

53 Ibid., 15.27.47.

54 Uma palavra de cautela deve ser dita aqui sobre a maneira como estou usando os termos ordo theo-logiae. Não concebo isso como um esquema rápido e rígido, a ser seguido universalmente, mas sim como um padrão geral facilmente detectável, olhando de relance para várias teologias sistemáticas produzidas pelo ocidente. No Livro I de sua Summa contra Gentiles, Tomás de Aquino discute Deus em Sua essência e atributos; somente no quarto livro ele considera as pessoas da Trindade. Outros tratados intercalam entre o padrão geral de essência, atributos e pessoas (notavelmente, um deles é o atributo da providência). No início do século XX, o americano Episcopal Francis J. Hall faz o mesmo. O volume três de sua teologia dogmática é intitulado "O Ser e Atributos de Deus", enquanto o quatro volume trata de "A Trindade". Tão enraizada é essa ordo theologiae que chega até as obras fundamentalistas dispensacionalistas de Lewis Sperry Chafer, fundador e primeiro presidente do Seminário Teológico de Dallas. O volume I de sua Teologia Sistemática é intitulado "Prolegômenos: Bibliologia, Teologia Própria". Somente no volume seis ele discute o Espírito Santo. O que estou sugerindo é que este ordo pode ser modificado, acrescentado ou elaborado de várias maneiras, mas que permanece sempre o mesmo em seu esquema trinitário geral, e que esse método de teologia em si deve ser um assunto para um exame mais minucioso. Não é preciso dizer que, na maioria dos seminários, raramente, ou nunca, um estudante é ensinado a refletir sobre as implicações da ordo disciplinae em que aprendeu teologia. De fato, isso pode surgir inconscientemente de seus compromissos filosóficos e ser simplesmente tomado como certo. Nisto, discordo de Bernard Lonergan apenas na maneira como percebemos esta ordo. Para ele, a “ordo disciplinae que Aquino queria em livros de teologia para principiantes” é ilustrada pelo fato de que “no Scriptum super Sententias não há separação do tratamento de Deus como um e de Deus como Trindade. . . . Mas na Summa contra Gentiles é efetuada uma separação sistemática: o primeiro livro lida somente com Deus como um; Os capítulos do 2 até o 26 do quarto livro lidam exclusivamente com Deus como Trindade. Na primeira parte da Summa theologiae as questões 2 e 26 consideram Deus como um, enquanto as questões 27 a 43 consideram a Trindade. O que no Contra Gentiles foi tratado em livros muito separados, na Summa theologiae está unido em um fluxo contínuo.” Lonergan, Method in Theology (Nova York, 1979), p. 346. O ponto é que, independentemente dos refinamentos e diferenças entre os dois trabalhos sistemáticos de Tomás, a ordo geral da teologia trinitária permanece essencialmente a mesma. Eu sugiro que o filioque e este método estão intimamente ligado um ao outro.

55 St. Augustine, Trinity, 15.27.48.

56 John Karmires, A Synopsis of the Dogmatic Theology of the Orthodox Catholic Church (Scranton, 1973), p. 18.

57 St. Augustine, Trinity, 5.11.12.

58 Ibid.

59 Ibid., 15.27.50.

60 Thomas Aquinas, Summa, Book Four, Salvation, (London, 1975),p.145.

61 St. Augustine, Trinity 15.19.37.

62 Ibid.

63 Ibid., 7.4.7.

64 Etienne Gilson, Reason and Revelation in the Middle Ages (New York, 1966), p. 23.

65 Haugh, Photius, p. 199.

66 Ibid., p. 202.

67 Georges Florovsky, “St. Athanasios’ Concept of Creation,” Volume 4 of The Collective Works of Georges Florovsky: Aspects of Church History (Belmont, 1975), p. 42.

68 Citado em Florovsky, p. 42.

69 Ibid., p. 43.

70 Citado em , p. 45.

71 Ibid., p. 46.

72 Ibid.

73 Ibid., p. 47.

74 St. Athanasios, First Discourse Against the Arians, Nicene and Post·Nicene Fathers (Grand Rapids, 1978), p. 319.

75 Ibid.

76 St. Photios, Mystagogy, p. 60.

77 Florovsky, p. 53.

78 Ibid., p. 52.

79 Ibid., p. 58.

80 St. Gregory of Nyssa, Against Eunomios, Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids, 1976), p. 58.

81 Ibid.

82 Ibid.

83 Ibid., p. 54.

84 Ibid., p. 53.

85 Ibid. p. 56.

86 Ibid. p. 57. Cf. As observações de São Gregório sobre a simplicidade na p. 58. Estes são os mais significativos, dada a preocupação bem conhecida de São Gregório com outras teses e doutrinas neoplatônicas.

87 St. Cyril of Alexandria, “Letter 17 to Nestorios,” in The Later Christian Fathers, ed. Henry Bettenson (Oxford, 1977), p. 265.

88 Ibid. p. 266.

89 Theodoretos, “Reprehensio (12 Captium seu) anathematissmorum Cyrilli,” em Bettenson, p. 275.

90 Karmires, Synopsis, p. 18.

91 St. Augustine, Sobre a Trindade, 4.20.29: “O Pai é o início (principium) de toda divindade.”

92 St. Photios, Mystagogy, p. 56.

93 Ibid. p. 24.

94 Ibid.. p. 57.

95 Ibid. p. 43.

96 Ibid. p. 4.

97 Ibid. p. 38.

98 Ibid. p. 32.

99 Ibid. p. 37.

100 Aquinas, Summa, Volume 4, Salvation, p. 145.

101 St. Photios, Mystagogy, p. 42.

102 St. Augustine, Sobre a Trindade, 5.12.13: “Não falamos do Filho do Espírito Santo, para que o Espírito Santo não seja entendido como Seu Pai.”

103 St. Photios, Mystagogy, p. 3.

104 Ibid.

105 St. Augustine, Trinity, 7.4.7.

106 St. Photios, Mystagogy, p. 17.

107 Ibid. p. 18.

108 Ibid. p. 14.

109 Ibid. pp. 9,12, 15.

110 Ibid. p. 9.

111 A este respeito, São Fócio salienta que não há propriedade hipostática que seja compartilhada por duas pessoas. Tudo o que pode ser dito ser comum a mais de uma pessoa é dito sobre a essência. Mas tudo o que não pode ser dito sobre as três pessoas, portanto, pertence apenas a uma das três pessoas (Mistagogia, p. 63). Nisto ele ecoa São Basílio, o Grande, "Carta 33 a Gregório", sobre as diferenças de ousia e hypostasis.

112 Gilson, Reason and Revelation, p. 26.

113 Anselm, Cur Deus Homo (St. Anselm: Basic Writings), trans. S. N. Deane (Chicago, 1981), p. 177. A própria declaração sucinta de Anselmo sobre sua metodologia não pode ser melhorada: “Ao deixar Cristo fora de vista (como se nada fosse conhecido dele), prova, por razões absolutas, a impossibilidade de que qualquer homem seja salvo sem ele. "

114 Gilson, Reason and Revelation, p. 27.

115 Ibid., p. 25 (emphasis mine).

116 Lossky, “Procession,” p. 88.

117 St. Photios, Mystagogy, p. 6.

118 Staniloae, Theology and the Church, p. 15.

119 Ibid., pp. 20-21.

120 Ibid., p. 22.

121 Ibid., p. 26.

122 Ibid., p. 30.

123 Ibid., p. 43.

124 Francis Dvornik, The Photian Schism (Cambridge, 1970), p. 15.

125 John Meyendorff, Christ in Eastern Christian Thought (Crestwood, 1978), p. 213.  Cf. Karl Rahner, “Current Problems,” p. 188.  Mas essa avaliação precisa ser temperada com o fato de que Rahner, em seu livro The Trinity, ainda emprega métodos e preocupações (por exemplo, a preocupação com a ideia latina de taxis) mais ou menos peculiares à Igreja Romana. Outra contribuição importante e recente para a crescente conscientização dos problemas do filioque no ocidente é Spirit of God, Spirit of Christ, editado por Lukas Vischer.