sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Antinomia e a Teologia Catafática



Por “antinomia” na teologia refiro-me à afirmação de duas verdades opostas ou contrastantes, que não podem ser reconciliadas no nível da razão discursiva, embora uma reconciliação seja possível no nível superior da experiência contemplativa. Porque Deus se encontra "além" da ..., razão humana ou ... da linguagem ... a tradição cristã fala de forma anti-nômica ..., dizendo e não-dizendo para um efeito positivo. Se ficarmos satisfeitos com uma teologia estritamente “lógica” e “racional” - significando por isso a lógica e a razão do homem caído - então corremos o risco de fazer ídolos os nossos conceitos finitos e humanos. A antinomia nos ajuda a quebrar esses ídolos e a apontar, além da lógica e da razão discursiva, a realidade viva do Deus infinito e incriado. Kallistos Ware, “The Debate about Palamism” 


Para expressar essa dupla verdade, que Deus é tanto oculto como revelado, transcendente e imanente, a teologia Ortodoxa distingue entre a essência divina e as energias divinas. A essência (οὐσία) significa Deus como Ele é em Si mesmo, energias (ἐνέργειαι) indicam Deus em ação e Auto-revelação… Esta doutrina de energias imanentes implica uma visão intensamente dinâmica da relação entre Deus e o mundo. Todo o cosmos é um vasto arbusto ardente, penetrado mas não consumido pelo fogo das energias divinas incriadas. Estas energias são "Deus conosco". Kallistos Ware, “Dieu cache et révélé, la voie apophatique et la distinction essence-energie”


-----------------

A distinção palamita é "antinômica", porque a deificação leva necessariamente à antinomia. O realismo da comunhão divino-humana não deve ser limitado pelas regras formais da lógica. A inconsistência lógica, portanto, não pode ser invocada porque, como Papanikolaou enfatiza, "Seria incorreto caracterizar a distinção essência / energia como ilógica, pois a natureza paradoxal da distinção é fundamentada no paradoxo evento da comunhão divino-humana”. Nichifor Tănase - “Crucifixion” of the Logic

-----------------

Para falar mais concretamente, nos encontramos diante da diferença entre a teologia catafática mais peculiar ao ocidente católico, e especialmente a Tomás de Aquino e sua escola, por um lado, e por outro lado, a teologia apofática que prevalece nas obras dos Pais do oriente Ortodoxo. Para a teologia catafática, a noção de Deus é essencialmente idêntica à do ser, embora Ele sendo perfeito e absoluto. Portanto, todos os atributos e perfeições de Deus nada mais são que atributos e perfeições deduzidos analiticamente da noção de ser. É claro que eles devem ser concebidos não literalmente, mas analogicamente, mas isso não faz muita diferença para a questão. Assim, da noção de ser perfeito deduzem-se a unidade de Deus e Sua absoluta simplicidade. Ao mesmo tempo, esse ser perfeito é concebido como estando dentro do domínio da lógica. Em outras palavras, as leis fundamentais da lógica, entendidas como leis ontológicas e como o fundamento ideal do ser, são consideradas pelos expoentes da teologia catafática como estendendo sua ação até o ponto de incluírem o próprio Deus (já que Ele é também ser) e até mesmo como encontrando suas fundações Nele. Por causa de tudo isso, os "catafáticos" tendem a pensar que toda "distinção" objetiva em Deus, que eles interpretam como a distinção de "partes" ontologicamente diferentes de Seu "todo", é incompatível com a idéia de Sua perfeição absoluta: cada "parte" é menor que o todo, e portanto (de acordo com as leis da lógica) necessariamente menos perfeita do que o todo e assim destrói por sua existência a perfeição absoluta de Deus. Desnecessário será dizer que a noção de antinomia é estranha a esse tipo de teologia que supõe ser uma imperfeição de pensamento ou de construção teológica. Não nos propomos aqui a fazer um exame crítico desses traços característicos da teologia catafática e apenas observaremos que suas posições fundamentais nos parecem difíceis de conciliar com o dogma comum a todos os cristãos de um Deus Três em Um, com o ensino de Dionísio, o Areopagita, sobre a próodos Theoû ou com os ensinamentos de São João Damasceno sobre os 'tipos' e 'idéias' de todas as coisas eternamente existentes em Deus [1].

Contrastando com as idéias da teologia catafática, encontramos as da teologia apofática, cujas posições fundamentais foram examinadas no início deste capítulo, em conexão com o ensinamento de Gregório Palamas sobre Deus em Si mesmo. Agora vamos dizer mais uma vez que, de acordo com o espírito da teologia apofática, a aplicação a Deus de tais noções como ser, substância, etc., embora não totalmente errônea, é ainda inexata e puramente relativa e não define Deus como Ele é em Si mesmo, visto que Deus não é ser (por mais perfeito que seja), mas transcende-o como seu Criador (ainda que esta palavra não expresse Deus como Ele é). Portanto, também os atributos do ser não podem ser simplesmente assumidos e transformados em atributos da Divindade - isso é precisamente o que é feito no sistema "catafático" - na questão da simplicidade divina. Tão pouco as leis fundamentais da lógica podem ser aplicadas a Ele, precisamente por causa do caráter existencial delas e, portanto, criado. É claro que Deus não está abaixo das leis da lógica (como Ele não está abaixo do ser no sentido de não-ser), mas transcendendo-as Ele não está "incluído" nelas e, como resultado disso, nossas concepções de Deus devem necessariamente ser antinômicas. E essa antinomia teológica (que não deve ser confundida com a contradição lógica comum) não é meramente a inadequação de nosso pensamento para apreender a natureza divina, mas é objetivamente fundamentada no próprio Deus como algo inefavelmente existindo Nele (independentemente do sujeito que apreende). Tal é a doutrina da Trindade de Três Pessoas que combina em si mesmo as noções de trindade e unidade; tal é o ensinamento da Igreja sobre a única hipóstase e as duas naturezas, divina e humana, do Verbo Encarnado de Deus, em Quem a unidade da pessoa coexiste com a dualidade das naturezas de um modo que é incompreensível para nós. Tal é também o ensinamento de Gregório Palamas sobre a "supra-substância" divina e suas energias, sobre sua identidade - distinção, sua inconfundibilidade - inseparabilidade, sua comunicabilidade - não-comunicabilidade, sua cognoscibilidade - inacessibilidade. A defesa de Gregório da simplicidade e não-composição de Deus, juntamente com a distinção Nele da substância e energias, tem o mesmo caráter de antinomia. E é claro que 'substância' e 'energias' não são mais 'partes' do 'todo' divino do que cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade é uma parte, mas cada uma contém Ele completamente e inteiro em si mesma; com essa diferença, as energias expressam Deus não hipostaticamente nem substancialmente, mas apenas em Seu ato não-diminuído. O fracasso em compreender estes fundamentos da teologia de Gregório (brevemente descrita por nós como catafática e antinômica) que ele tem em comum com os principais representantes da tradição patrística Ortodoxa, é, em nossa opinião, uma das principais causas do desentendimento de seus ensinamentos pela maioria de seus oponentes.

[1] É interessante notar que Santo Agostinho entendeu a simplicidade divina diferentemente dos Pais orientais, uma vez que ele identificou a substância divina com seus atributos e operações (cf., por exemplo, suas afirmações de que Deus 'ideo simplex dicitur, quoniam, quod habet, hoc est. .. Propter hoc itaque natura dicitur simplex, cui non sit aliquid habere, quod vel possit amittere, tel aliud sit habens, aliud quod habet'— (De Civ. Dei II, 1o).  Ao mesmo tempo, no entanto, desde que ele manteve a opinião de que as idéias de todas as coisas estão na mente de Deus, ele foi forçado a explicar isso admitindo que Deus em Seu conhecimento, pelo qual ele conhece as idéias das criaturas, é 'simpliciter multiplex' (De Civ. Dei, 12, 18). Assim, Santo Agostinho admite a idéia antinômica da simplicidade divina e sua atitude nisto está relacionada com a dos Pais orientais (embora em outras maneiras seu ensinamento sobre a simplicidade divina está na origem da visão escolástica sobre o assunto).

Krivoshein - The ascetic and Theological teaching of gregory Palamas

-----------------

A lógica humana sempre corre o perigo de confundir ou dividir: quando tenta claramente descrever e definir o mistério de fato, através de conceitos e descrições, divide o que é em si mesmo indivisível por natureza. Quando a lógica humana lida com a descrição da mística, ela a confunde com o que existe por natureza sem confusão. No entanto, o homem não pode negar nem um nem outro método. Gregório também combina os dois métodos, no entanto, dando prioridade à contemplação mística”. [...] Palamas não precisou se refugiar nos padrões da filosofia secular, mas começou a partir da lógica trinitária “crucificada”. Essa lógica é verdadeiramente antinômica [...] O ritmo interno do pensamento de Palamas é realmente antinômico porque é trinitário e, ao mesmo tempo, cristológico. [...] Estas formulações antinômicas, tendo como base única a fé bíblica e a revelação como 'loucura' da cruz e 'crucificação' da lógica, descobrem que a teologia trinitária de Palamas é antes a visão interior santa e mística de um coração fiel iluminado pelo Espírito Santo, do que uma teologia no sentido usual da palavra.

Amfilohije Radovic, Le Mystère de la Sainte Trinité, p. 244.
Ibid, pp. 292-293.
Ibid, pp. 285-286.

-----------------

O apofatismo diferencia a Ortodoxia do ocidente em linguagem clara e impressionante. O ocidente negou o apofatismo da expressão teológica, entendendo a verdade como a "coincidência do significado com o objeto do pensamento". Identificou o poder de conhecer a verdade com a capacidade do indivíduo de entender conceitos, com a capacidade de pensar corretamente. E moldou uma linguagem teológica totalmente sujeita a essa prioridade do intelectualismo individualista, que é o completo oposto do modo de expressar a verdade da Igreja na linguagem e nas imagens apofáticas. [...] A negação do apofatismo implica uma inversão dos termos da ontologia Ortodoxa, uma confiança na prioridade da essência divina, que é acessível apenas intelectualmente, e não na prioridade da Pessoa, que é conhecida apenas no imediatismo experiencial de relação e revelação histórica. A negação do apofatismo implica uma rejeição da distinção entre a essência e as energias da essência, uma rejeição da participação da criatura na graça das energias do Incriado. Christos Yannaras - Orthodoxy and the West

-----------------

Os Padres Gregos Ortodoxos que estão na tradição na qual Palamas se posiciona ensinam a distinção entre a essência divina incriada e as energias divinas incriadas. Aqueles que são dignos participam das energias incriadas, já que a essência é inacessível, e essa distinção não rompe a unidade de Deus. Essa distinção é contrária à confusão ocidental da essência incriada com as energias incriadas, e isto pela afirmação de que Deus é "Actus Purus". Para evitar o panteísmo, os teólogos ocidentais ensinam que a graça é criada e que a criatura não participa da essência divina. Contudo. os escolásticos defendem a comunhão ou visão da essência divina pelos "eleitos" ou santos na "visão Beatífica" que acontecerá na vida futura. V. Lossky afirma desta maneira: "Os oponentes de Palamas estão defendendo uma noção filosófica da simplicidade divina quando afirmam a perfeita identidade da essência e da energia de Deus". E em outros lugares ele diz que "o cristianismo não é uma escola filosófica para especular sobre conceitos abstratos, mas é essencialmente uma comunhão com o Deus vivo" e que "não há filosofia mais ou menos cristã. Platão não é mais cristão que Aristóteles". Por essa razão, não se deve procurar uma "filosofia da essência" nos Padres Gregos.

Introduction to St. Gregory Palamas por George C. Papademetriou 







Nenhum comentário:

Postar um comentário