sábado, 26 de outubro de 2019

A declaração de Oberlin: A Unidade Cristã vista pela Igreja Ortodoxa

Declaração dos Representantes da Igreja Ortodoxa Grega nos EUA na Conferência Norte-Americana de Estudo de Fé e Ordem, Oberlin, Ohio, de 3 a 10 de setembro de 1957



Como delegados da Conferência Norte-Americana de Estudo de Fé e Ordem, nomeados por Sua Eminência, Arcebispo Michael, para representar a Arquidiocese Ortodoxa Grega da América do Norte e do Sul, queremos fazer as seguintes declarações preliminares.

Temos o prazer de participar de uma conferência de estudo, dedicada a uma necessidade tão básica do mundo cristão como a Unidade. Todos os cristãos devem buscar a unidade. Por outro lado, sentimos que todo o programa da discussão a seguir foi estruturado a partir de um ponto de vista que não podemos admitir conscientemente. "A Unidade que buscamos" é para nós uma dada Unidade que nunca foi perdida e, como um dom Divino e uma marca essencial da existência cristã, não poderia ter sido perdida. Esta unidade na Igreja de Cristo é para nós uma Unidade na Igreja Histórica, na plenitude da fé, na plenitude da vida sacramental contínua. Para nós, essa Unidade está incorporada na Igreja Ortodoxa, que manteve, catholikos e anelleipos, tanto a integridade da Fé Apostólica quanto a integridade da Ordem Apostólica.

Nossa participação no estudo da Unidade Cristã é determinada por nossa firme convicção de que essa Unidade só pode ser encontrada na comunhão da Igreja Histórica, preservando fielmente a tradição católica, tanto na doutrina quanto na ordem. Não podemos nos comprometer a discutir essas premissas básicas, como se fossem apenas hipotéticas ou problemáticas. Começamos com uma concepção clara da Unidade da Igreja, que acreditamos ter sido incorporada e realizada na longa história da Igreja Ortodoxa, sem nenhuma mudança ou interrupção desde os tempos em que a Unidade visível da Cristandade era um fato óbvio e era atestada e testemunhada por unanimidade ecumênica, na era dos concílios ecumênicos.

Admitimos, claro, que a Unidade da Cristandade foi quebrada, que a unidade da fé e a integridade da ordem foram gravemente violadas. Mas não admitimos que a Unidade da Igreja, e precisamente a Igreja "visível" e histórica, tenha sido violada ou perdida, de modo que agora seja um problema de busca e descoberta. O problema da Unidade é para nós, portanto, o problema do retorno à plenitude da Fé e da Ordem, em plena fidelidade à mensagem da Escritura e da Tradição e na obediência à vontade de Deus: "que todos sejam um" .

Muito antes da quebra da unidade da cristandade ocidental, a Igreja Ortodoxa tinha um profundo senso da importância essencial da unidade dos crentes cristãos e, desde o seu início, ela deplorou as divisões no mundo cristão. Como no passado, assim como no presente, ela lamenta desunião entre aqueles que afirmam ser seguidores de Jesus Cristo, cujo propósito no mundo era unir todos os crentes em um corpo. A Igreja Ortodoxa sente que, por não ter tido parte nos eventos relacionados ao colapso da unidade religiosa no Ocidente, ela tem uma responsabilidade especial de contribuir para a restauração da unidade cristã. E apenas a unidade cristã pode tornar eficaz a mensagem do Evangelho em um mundo perturbado pelas ameaças de conflito mundial e incerteza geral sobre o futuro.

É com humildade que expressamos a convicção de que a Igreja Ortodoxa pode dar uma contribuição especial à causa da unidade cristã, porque desde o Pentecostes ela possui a verdadeira unidade pretendida por Cristo. É com essa convicção que a Igreja Ortodoxa está sempre preparada para encontrar-se com cristãos de outras comunhões em deliberações inter-confessionais. Ela se alegra com o fato de ser capaz de articular com outras denominações em conversas ecumênicas que visam remover as barreiras à unidade cristã. No entanto, nos sentimos compelidos com toda a honestidade, como representantes da Igreja Ortodoxa, a confessar que devemos qualificar nossa participação, conforme exigido pela fé e prática históricas de nossa Igreja, e também declarar a posição geral que deve ser tomada nessa conferência interdenominacional.

Ao considerar em primeiro lugar "a natureza da unidade que buscamos", queremos começar deixando claro que nossa abordagem está em desacordo com a comumente defendida e comumente esperada pelos representantes participantes. A Igreja Ortodoxa ensina que a unidade da Igreja não se perdeu, porque ela é o Corpo de Cristo e, como tal, nunca pode ser dividida. É Cristo como sua cabeça e a habitação do Espírito Santo que assegura a unidade da Igreja através dos tempos.

A presença de imperfeição humana entre os membros [da Igreja Ortodoxa] é impotente para obliterar a unidade, pois o próprio Cristo prometeu que "as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja". Satanás sempre semeou joio no campo do Senhor e as forças da desunião muitas vezes ameaçaram, mas nunca conseguiram realmente dividir a Igreja. Nenhum poder pode ser mais poderoso do que a onipotente vontade de Cristo, que fundou uma Igreja apenas para trazer os homens à unidade com Deus. A unidade é uma marca essencial da Igreja.

Se é verdade que Cristo fundou a Igreja como um meio de unificar homens divididos pelo pecado, então deve naturalmente seguir que a unidade da Igreja foi preservada por Sua onipotência divina. A unidade, portanto, não é apenas uma promessa ou uma potencialidade, mas pertence à própria natureza da Igreja. Não é algo que se perdeu e deve ser recuperado, mas é um caráter permanente da estrutura da Igreja.

O amor cristão nos impele a falar abertamente de nossa convicção de que a Igreja Ortodoxa não perdeu a unidade da Igreja desejada por Cristo, pois ela representa a unidade que na cristandade ocidental só tem sido uma potencialidade. A Igreja Ortodoxa ensina que ela não precisa buscar por uma "unidade perdida", porque sua consciência histórica determina que ela é a Una Sancta e que todos os grupos cristãos fora da Igreja Ortodoxa podem recuperar sua unidade apenas entrando no seio dessa Igreja que preservou sua identidade com o cristianismo primitivo.

Essas são reivindicações que surgem não da presunção, mas de uma consciência histórica interna da Igreja Ortodoxa. De fato, esta é a mensagem especial da Ortodoxia a uma cristandade ocidental dividida.

A Igreja Ortodoxa fiel à sua consciência histórica declara que ela manteve uma continuidade ininterrupta com a Igreja de Pentecostes, preservando a fé e a política apostólica sem adulteração. Ela manteve a "fé que uma vez por todas foi dada santos" livre das distorções das inovações humanas. As doutrinas criadas pelo homem nunca chegaram à Igreja Ortodoxa, uma vez que ela não tem nenhuma associação necessária na história com o nome de um só Padre ou teólogo. Ela deve a plenitude e a garantia de unidade e infalibilidade à operação do Espírito Santo e não ao serviço de um indivíduo. É por essa razão que ela nunca sentiu a necessidade do que é conhecido como "um retorno à pureza da fé apostólica". Ela mantém o equilíbrio necessário entre liberdade e autoridade e, assim, evita os extremos do absolutismo e do individualismo, os quais causaram violência à unidade cristã.

Reafirmamos o que foi declarado em Evanston e o que foi divulgado no passado em todas as conferências interdenominacionais assistidas por delegados da Igreja Ortodoxa. Não é devido ao nosso mérito pessoal, mas à condescendência divina que representamos a Igreja Ortodoxa e somos capazes de expressar suas reivindicações. Temos a consciência de declarar explicitamente o que é logicamente inferido; que todos os outros corpos foram direta ou indiretamente separados da Igreja Ortodoxa. Unidade do ponto de vista Ortodoxo significa um retorno dos corpos separados à Igreja Ortodoxa, Una, Santa, Católica e Apostólica histórica.

A unidade que a Ortodoxia representa repousa na identidade de fé, ordem e culto. Todos os três aspectos da vida da Igreja são externamente protegidos pela realidade da sucessão ininterrupta de bispos, que é a garantia da continuidade ininterrupta da Igreja com as origens apostólicas. Isso significa que a plenitude inabalável da Igreja exige a preservação de sua estrutura episcopal e da vida sacramental. Aderindo firmemente à sua herança apostólica, a Igreja Ortodoxa mantém que não é possível uma verdadeira unidade onde o episcopado e os sacramentos estão ausentes, e lamenta o fato de que ambas as instituições tenham sido descartadas ou distorcidas em certas partes da cristandade. Qualquer acordo sobre a fé deve repousar sobre a autoridade das promessas dos sete Concílios Ecumênicos que representam a mente da Igreja única da antiguidade e a tradição subsequente, como protegida na vida da Igreja Ortodoxa.

Lamentamos que o problema mais vital do Ministério e da Sucessão Apostólica, sem o qual, em nossa opinião, não há nem unidade nem igreja, não tenha sido incluído no programa da Conferência. Todos os problemas da Ordem parecem estar ausentes no programa. Estes, em nossa opinião, são básicos para qualquer estudo da Unidade.

A unidade visível expressa na união organizacional não destrói a centralidade do espírito entre os crentes, mas sim testemunha a realidade da unidade do Espírito. Onde houver plenitude do Espírito, também haverá harmonia externa. Desde os tempos apostólicos, a unidade dos crentes cristãos se manifestava por uma estrutura organizacional visível. É a unidade no Espírito Santo que se expressa em uma organização visível e unificada.

A Santa Eucaristia, como principal ato de adoração, é a afirmação externa da relação interior que surge da unidade no Espírito Santo. Mas essa unidade envolve um consenso de fé entre os participantes. A intercomunhão, portanto, só é possível quando há acordo de fé. A adoração comum em todos os casos deve pressupor uma fé comum. A Igreja Ortodoxa mantém que a adoração de qualquer natureza não pode ser sincera, a menos que exista unicidade de fé entre os participantes. É com essa crença que os Ortodoxos hesitam em participar dos serviços de orações em conjunto e se abstêm terminantemente de participar dos serviços de comunhão interdenominacionais.

Uma fé comum e uma adoração comum são inseparáveis na continuidade histórica da Igreja Ortodoxa. No entanto, isoladamente, nenhuma delas pode ser preservada integral e intacta. Ambas devem ser mantidas em relacionamento orgânico e interno entre si. É por essa razão que a unidade cristã não pode ser realizada apenas determinando quais artigos de fé ou que credo devem ser considerados como constituindo a base da unidade. Além de subscrever certas doutrinas de fé, é necessário alcançar a experiência de uma tradição comum ou communis sensus fidelium preservada através da adoração comum, dentro da estrutura histórica da Igreja Ortodoxa. Não pode haver verdadeira unanimidade de fé, a menos que essa fé permaneça na vida e na tradição sagrada da Igreja, que é idêntica ao longo dos tempos. É na experiência de adoração que afirmamos a verdadeira fé e, inversamente, é no reconhecimento de uma fé comum que asseguramos a realidade da adoração em espírito e em verdade.

Assim, a Igreja Ortodoxa em cada localidade insiste em uma concordância de fé e adoração antes de considerar a possibilidade de participar em qualquer atividade interdenominacional. As diferenças doutrinárias constituem um obstáculo à participação irrestrita em tais atividades. A fim de proteger a pureza da fé e a integridade da vida litúrgica e espiritual da Igreja Ortodoxa, abster-se de atividades interdenominacionais é incentivado em nível local. Não há fase da vida da Igreja não relacionada à sua fé. A intercomunhão com outra igreja deve ser fundamentada em um consenso de fé e em um entendimento comum da vida sacramental. A Santa Eucaristia deve especialmente ser a demonstração litúrgica da unidade da fé.

Temos plena consciência das profundas divergências que separam as denominações cristãs, em todos os campos da vida e existência cristãs, no entendimento da fé, na formação da vida, nos hábitos de adoração. Estamos buscando, portanto, uma unanimidade na fé, uma identidade de ordem, uma comunhão na oração. Mas para nós todas as três estão organicamente ligadas. A comunhão na adoração só é possível na unidade das fés. A comunhão pressupõe a unidade. Portanto, o termo "intercomunhão" parece-nos uma síntese dessa concepção que somos obrigados a rejeitar. Uma "intercomunhão" pressupõe a existência de várias denominações separadas, que se juntam ocasionalmente em certos atos ou ações comuns. Na verdadeira Unidade da Igreja da Cristo, não há espaço para várias "denominações". Assim, não há espaço para "'intercomunhão". Quando todos estiverem verdadeiramente unidos na Fé e Ordem Apostólica, haverá Comunhão e Irmandade abrangente em todas as coisas.

Foi declarado pelos delegados Ortodoxos já em Edimburgo, em 1937, que muitos problemas são apresentados nas Conferências de Fé e Ordem de uma maneira e em um ambiente que são absolutamente incompatíveis para os Ortodoxos. Novamente, devemos repetir a mesma afirmação agora. Mas, mais uma vez, como anos atrás, em Edimburgo, queremos testemunhar nossa disposição e vontade de participar dos estudos, a fim de que a Verdade do Evangelho e a plenitude da Tradição Apostólica sejam levadas ao conhecimento de todos os que, verdadeiramente e altruistamente buscam com devoção a Unidade em Nosso Abençoado Senhor e Sua Santa Igreja, Una, Católica e Apostólica.

Bispo Athenagoras Kokkinakis, Presidente
Reverendíssimo Georges Florovsky
Reverendíssimo Eusebius A. Stephanou
Rev. George Tsoumas
Rev. John A. Poulos
Rev. John Hondras
Rev. George P. Gallos

* * * 

Comentários do Bispo Kallistos Ware (do livro Igreja Ortodoxa):

No entanto há um campo no qual diversidade não pode ser permitida. A Ortodoxia insiste sobre unidade em questões da Fé. Antes que possa haver reunião entre os Cristãos, deve existir primeiro completa concordância na fé: Este é um princípio básico para os Ortodoxos em todas as suas relações ecumênicas. É a unidade da fé que conta, não a unidade organizacional; e assegurar unidade de organização ao preço de um compromisso no dogma e como atirar fora a semente de uma noz e guardar a casca. Os Ortodoxos não estão desejosos de tomar parte num esquema de Reunião «mínima,» que assegure concordância em alguns pontos e deixe todo resto para opiniões particulares. Só pode existir uma base para a união — A totalidade da fé; pois os Ortodoxos olham para a fé como um todo unido e orgânico. Falando da conferência Anglo-Russa em Moscou em 1956, o Arcebispo de Canterbury, Dr. Michael Ramsey, expressou o ponto de vista Ortodoxo com exatidão: 
«Os Ortodoxos com efeito disseram:…»A Tradição é um fato concreto. Aqui está ela, em sua totalidade. Vocês Anglicanos aceitam-na, ou vocês a rejeitam? A Tradição é para os Ortodoxos um todo indivisível: A vida inteira da Igreja em sua completitude de crença e costumes através dos séculos, incluindo Mariologia e a veneração dos ícones. Defrontado com esse desafio, a resposta tipicamente Anglicana foi: «Nós não olharíamos veneração de ícones e Mariologia como inadmissíveis, desde que em determinando o que é necessário para a salvação, nós nos confinemos à Sagrada Escritura.» Mas essa resposta só põe em relevo o contraste entre o apelo Anglicano para o que considerado necessário para a salvação e o apelo Ortodoxo para o organismo Uno e Indivisível da Tradição, e que mexer com qualquer parte do qual é estragar o todo do mesmo modo que uma única mancha numa pintura pode estragar sua beleza. («The Moscow Conference in Retrospect» Em Sobormost, serie 3, nº23, 1958, pg. 562-563).
Nas palavras de outro escritor Anglicano: «Foi dito que a Fé é como uma rede e não um ajuntamento de dogmas separados; corte-se um fio e a rede toda perde seu significado» (T.M.Parker, «Devotion to the Mother of God,» em The Mother of God, editado por E.L.Mascall, pg. 74). Os Ortodoxos, então, pedem aos outros Cristãos que eles aceitem a Tradição como um todo; mas deve ser lembrada a diferença entre Tradição e Tradições. Muitas crenças mantidas pelos Ortodoxos não são parte da Tradição Una, mas são simples opiniões teológicas, theologumena; e não pode haver a questão de impor simples questões de opinião a outros Cristãos. Os homens podem possuir completa unidade na fé, e no entanto sustentar opiniões teológicas divergentes em certos campos. Esse princípio básico — não reunião sem unidade na Fé — tem um corolário importante: Até que a união na Fé tenha sido alcançada, não haverá comunhão nos sacramentos. Comunhão na Mesa do Senhor (A maioria dos Ortodoxos crê) não pode ser usada para assegurar a unidade na fé, mas deve vir como conseqüência e coroamento de uma unidade já obtida. A Ortodoxia rejeita todo o conceito de «Intercomunhão» entre corpos Cristãos separados, e não admite a forma de companheirismo sacramental antes da comunhão total. Ou as Igrejas estão em comunhão umas com as outras, ou não estão: Não pode haver meio-termo.


Fonte: http://orthodoxinfo.com/ecumenism/oberlin.aspx

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