Uma parte significativa dos debates no Concílio de Ferrara-Florença foi dedicada à questão do purgatório e, mais amplamente, à questão do perdão dos pecados após a morte. Tanto latinos quanto gregos concordaram que há cristãos que fazem parte do chamado "estado intermediário" e que, auxiliados pelos sufrágios da Igreja, se juntarão, no devido tempo, ao grupo dos salvos. Mas eles discordaram sobre como essas almas alcançarão a salvação. Os latinos enfatizavam a justiça divina, a punição e a satisfação. A justiça divina exige que aqueles que falharam em oferecer plena satisfação pelos pecados perdoados nesta vida terão que passar por uma punição por meio do fogo no purgatório, até que a satisfação devida seja finalmente oferecida. Os gregos, por outro lado, enfatizavam o amor e o perdão de Deus. Eles repudiaram a idéia do purgatório e do fogo material que queima as almas (imateriais), e rejeitaram a concepção latina de que as almas são punidas pelos pecados já perdoados. Eles argumentaram que as almas das pessoas que morrem com pecados menores e não perdoados experimentarão sofrimentos espirituais na vida após a morte, os quais, no entanto, não são punições divinas, mas consequências auto-infligidas desses pecados. Essas almas serão eventualmente purificadas e salvas graças ao amor e perdão de Deus.[...]
Apesar de suas diferenças, no entanto, latinos e gregos concordaram em dois pontos fundamentais. Primeiro, há um estado intermediário das almas que estão, por assim dizer, entre o Céu e o Inferno. Em segundo lugar, as orações, as liturgias e os sufrágios em geral da Igreja contribuem para a salvação delas.
No entanto, claramente, os gregos e latinos discordaram sobre o porquê e como essas almas são purificadas e conduzidas à salvação. Os latinos propuseram um princípio metafísico que enfatizava a justiça divina, que exige a punição dos pecadores que já haviam sido perdoados, em nome da satisfação. [...] Os latinos entenderam a purgação principalmente como um processo punitivo por meio de fogo material, no final do qual a justiça divina é satisfeita e a alma é finalmente autorizada a entrar no Paraíso. Neste contexto, os sufrágios dos cristãos devem ser entendidos como oferendas vicárias de satisfação, que reduzem assim a quantidade de tempo que as almas dos falecidos terão que passar no purgatório. A doutrina latina bastante controversa das indulgências se encaixa muito bem dentro deste sistema teológico.
Os gregos abordaram a questão a partir de um ângulo diferente. Como André de Halleux argumentou, eles reagiram "contra uma teologia escolástica que os latinos apresentaram como a fé da Igreja". Embora se referissem repetidamente à justiça divina, a ênfase deles era no amor divino, na purificação e no perdão. [Os gregos] entendiam os sofrimentos das almas não como punições divinas, mas como consequências auto-infligidas do pecado. Eles acreditavam que, através de suas dolorosas experiências após a morte, as almas são purgadas e perdoadas pelo amor divino, com a ajuda das orações e, em geral, com os sufrágios da Igreja. [...]
Ao comentar a concepção latina, Jugie argumentou que uma alma no purgatório é como um prisioneiro. Ela é enviada para cumprir uma certa quantidade de tempo e, depois disso, é liberada quase automaticamente e transferida para o Paraíso. Mas de acordo com Marcos de Éfeso - Jugie continua - embora haja uma purificação das almas graças aos seus sofrimentos pós-vida, a liberação vem apenas de Deus, de fora, ab extrinseco. A observação de Jugie está correta. Para os latinos, a punição vem de Deus, enquanto a liberação vem por si mesma. Para os gregos, a punição vem por si mesma, sendo uma conseqüência do pecado, enquanto o perdão e a liberação da punição vêm somente de Deus. As duas abordagens são claramente diferentes. A ênfase latina é na justiça e punição de Deus. A ênfase grega está no amor e perdão de Deus.
O exame dos textos em latim e grego sobre o purgatório no Concílio de Ferrara - Florença levou-me à conclusão de que as seguintes observações de John Meyendorff não estão longe da verdade:
O debate sobre o purgatório entre gregos e latinos, no qual Marcos foi o principal porta-voz grego, expôs uma radical diferença de perspectiva. Enquanto os latinos tomaram por certo sua abordagem legalista da justiça divina - que, segundo eles, requer uma retribuição por todo ato pecaminoso - os gregos interpretaram o pecado menos em termos dos atos cometidos e mais em termos de uma doença moral e espiritual que seria curada pela clemência e amor de Deus. [...] O legalismo, que aplicava ao destino humano individual a doutrina anselmiana da "satisfação", é a ratio theologica da doutrina latina do purgatório. Para Marcos de Éfeso, porém, a salvação é comunhão e "deificação".
[...] As concepções gregas sobre o purgatório apresentaram um poderoso desafio ao sistema medieval penitencial católico-romano, sua projeção para a vida após a morte e a teologia que o sustentava. Marcos e os gregos deram o melhor de si para serem ouvidos pelos latinos. Mas eles não foram. ... A Igreja latina havia desenvolvido um sistema penitencial completo, que estendia seu poder neste mundo e no próximo. [...] Assim, as doutrinas latinas sobre o purgatório que os gregos contestaram no Concílio unionista de Ferrara - Florença estão por trás do surgimento do protestantismo e da subsequente, e provavelmente irreversível, destruição da unidade do cristianismo ocidental. Nas palavras de Le Goff, "graças ao Purgatório, a Igreja desenvolveu o sistema de indulgências, uma fonte de grande poder e lucro, até que se tornou uma arma perigosa que por fim voltou-se contra a Igreja". Até mesmo Gill teve que admitir que "o Concílio de Florença tornou a Reforma inevitável".
Fonte: Love, Purification, and Forgiveness versus Justice, Punishment, and Satisfaction: The Debates on Purgatory and the Forgiveness of Sins at the Council of Ferrara – Florence por Demetrios Bathrellos
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Em seu livro A Alma após a Morte Pe. Serafim Rose faz o seguinte comentário introdutório sobre as homilias de São Marcos que refutam o fogo purgatorial:
O ensinamento ortodoxo sobre o estado das almas após a morte é algo que muitas vezes não é totalmente compreendido, mesmo pelos próprios cristãos ortodoxos; e o ensinamento latino relativamente tardio do "purgatório" causou ainda mais confusão na mente das pessoas. A doutrina ortodoxa em si, no entanto, não é de todo ambígua ou imprecisa. Talvez a exposição ortodoxa mais concisa seja encontrada nos escritos de São Marcos de Éfeso, no Concílio de Florença, em 1439, composta precisamente para responder ao ensinamento latino sobre o "purgatório". Estes escritos são especialmente valiosos para nós, uma vez que são do último dos Padres Bizantinos, antes da era moderna com todas as suas confusões teológicas. Ambos nos apontam para as fontes da doutrina Ortodoxa e nos instruem sobre como abordar e entender essas fontes. Essas fontes são: as Escrituras, as homilias patrísticas, os ofícios da Igreja, as Vidas dos Santos e certas revelações e visões da vida após a morte, como as contidas no Livro IV dos Diálogos de São Gregório Magno.Os teólogos acadêmicos de hoje tendem a desconfiar dos últimos dois ou três tipos de fontes, e é por isso que freqüentemente se sentem desconfortáveis ao falar sobre esse assunto e às vezes preferem manter uma "reticência agnóstica" em relação a ele (Timothy Ware, The Orthodox Church, p. 259). Os escritos de São Marcos, por outro lado, mostram-nos o quanto "em casa" estão os genuínos teólogos com essas fontes; aqueles que estão "desconfortáveis" com elas revelam talvez uma infecção insuspeita de incredulidade moderna.Das quatro respostas de São Marcos sobre o purgatório, compostas no Concílio de Florença, a Primeira Homilia contém o relato mais conciso da doutrina ortodoxa, contra os erros latinos, e é principalmente dela que esta tradução foi compilada. As outras respostas contêm sobretudo material ilustrativo para os pontos discutidos aqui, assim como respostas a argumentos latinos mais específicos.O "Capítulo Latino" ao qual São Marcos responde são aqueles escritos pelo cardeal Juliano Cesarini (tradução russa em Pogodin, pp. 50-57), que expõe o ensinamento latino, definido anteriormente no Concílio de "União" de Lyon (1270), sobre o estado das almas após a morte. Esse ensinamento choca o leitor ortodoxo (como de fato chocou São Marcos) devido ao seu caráter inteiramente "literalista" e "legalista". Os latinos nessa época passaram a considerar o céu e o inferno como "finais" e "absolutos" e aqueles que estavam neles já possuíam a plenitude do estado que terão após o Juízo Final; assim, não há necessidade de orar por aqueles que estão no céu (cujo destino já é perfeito) ou por aqueles no inferno (pois eles nunca podem ser libertos ou purificados do pecado). Mas como muitos dos fiéis morrem num estado "intermediário" - não suficientemente perfeito para o céu, mas não suficientemente mau para o inferno - a lógica dos argumentos latinos exigia um terceiro lugar de purificação ("purgatório"), onde mesmo aqueles cujos pecados já tinham sido perdoados tinham que ser punidos ou oferecer "satisfação" por seus pecados antes de serem suficientemente purificados para entrar no céu. Esses argumentos legalistas de uma "justiça" puramente humana (que na verdade nega a suprema bondade de Deus e o amor da humanidade) os latinos passaram a defende-los através de interpretações literalistas de certos textos patrísticos e várias visões; quase todas essas interpretações são bastante arbitrárias e inventadas, porque nem mesmo os antigos Padres latinos falaram de um lugar como "purgatório", mas apenas da "purificação" dos pecados após a morte, que alguns deles referiam (provavelmente alegoricamente) como por "fogo".Na doutrina ortodoxa, por outro lado, que São Marcos ensina, os fiéis que morreram com pequenos pecados não confessados, ou que não produziram frutos de arrependimento pelos pecados que confessaram, são purificados destes pecados ou no processo da própria morte com seu medo, ou após a morte, quando eles estão confinados (mas não permanentemente) no inferno, pelas orações e Liturgias da Igreja e boas ações executadas para eles pelos fiéis. Mesmo os pecadores destinados ao tormento eterno podem receber um certo alívio de seu tormento no inferno por esses meios também. Não há fogo que atormenta os pecadores agora, nem no inferno (pois o fogo eterno começará a atormentá-los somente depois do Juízo Final), nem muito menos em qualquer terceiro lugar como o "purgatório"; todas as visões de fogo que são vistas pelos homens são, por assim dizer, imagens ou profecias do que será na era futura. Todo perdão dos pecados após a morte vem somente da bondade de Deus, que se estende até aos que estão no inferno, com a cooperação das orações dos homens, e nenhum "pagamento" ou "satisfação" é oferecida pelos pecados que foram perdoados.Deve-se notar que os escritos de São Marcos dizem respeito primariamente ao ponto específico do estado das almas após a morte e pouco falam sobre os eventos que ocorrem à alma imediatamente após a morte. Sobre isso há uma literatura ortodoxa abundante, mas este ponto não estava em discussão em Florença.
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Sobre alguns conceitos da teologia Católica Romana
Os comentários abaixo foram retirados de uma discussão no forum orthodoxchristianity (http://www.orthodoxchristianity.net/forum/index.php/topic,13820.0.html)
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O Purgatório existe para lidar com a expiação da pena temporal devido ao pecado pessoal pós-batismal, aquela parte da pena que a pessoa não pôde expiar enquanto esteve na terra.
O propósito do purgatório é a expiação do pecado, ou a quitação da dívida da pena temporal (Trento, Sessão 6, Canon 30). O Catecismo da Igreja Católica fala sobre "aqueles que estão expiando seus pecados no purgatório" (parágrafo 1475). "Expiar" significa reparar uma ofensa ou injúria. Essa expiação é alcançada através do sofrimento da alma. A menos que seja completada na terra, "a expiação deve ser feita na próxima vida através do fogo e tormentos ou purificação por punições". E novamente, aqueles "que não ofereceram satisfação com a penitência adequada de seus pecados e omissões são purificados após a morte com punições destinadas a expurgar suas dívidas" (Vaticano II, Constituição Apostólica sobre a Revisão de Indulgências, 1967).
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Sobre a pena temporal
Que a pena temporal é devida ao pecado, mesmo depois que o próprio pecado foi perdoado por Deus, é claramente o ensino da Escritura. Deus de fato tirou o homem de sua primeira desobediência e lhe deu poder para governar todas as coisas (Sabedoria 10: 2), mas ainda o condenou a "comer seu pão com o suor de sua testa" até que ele volte ao pó. Deus perdoou a incredulidade de Moisés e Arão, mas como punição os manteve fora da "terra da promessa" (Números 20:12). O Senhor perdoou o pecado de Davi, mas a vida da criança foi levada porque Davi fez os inimigos de Deus blasfemarem Seu Santo Nome (2 Samuel 12: 13-14). Tanto no Novo Testamento como no Velho, a esmola e o jejum e, em geral, os atos penitenciais são os verdadeiros frutos do arrependimento (Mateus 3: 8; Lucas 17: 3; 3: 3). Todo o sistema penitencial da Igreja testifica que a assunção voluntária de obras penitenciais sempre fez parte do verdadeiro arrependimento e o Concílio de Trento (Sess. XIV, can. Xi) lembra aos fiéis que Deus nem sempre perdoa a punição total devida a pecado junto com a culpa. Deus requer satisfação e punirá o pecado, e essa doutrina envolve como conseqüência necessária a crença de que o pecador que não fizer penitência nesta vida pode ser punido em outro mundo e, assim, não ser afastado eternamente de Deus. (Enciclopédia Católica - http://www.newadvent.org/cathen/12575a.htm)
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O Papa Bento XVI reconhece uma diferença substancial entre os ortodoxos e a posição da igreja católica romana sobre o assunto:
Há ainda um motivo que deve ser mencionado aqui, porque é importante para a prática da esperança cristã. No antigo judaísmo, existe também a ideia de que se possa ajudar, através da oração, os defuntos no seu estado intermédio (cf. por exemplo, 2Mac 12,38-45: obra do I século a.C.). A prática correspondente foi adotada pelos cristãos com grande naturalidade e é comum à Igreja oriental e ocidental. O Oriente não conhece um sofrimento purificador e expiatório das almas no « além », mas conhece diversos graus de bem-aventurança ou também de sofrimento na condição intermédia. Às almas dos defuntos, porém, pode ser dado « alívio e refrigério » mediante a Eucaristia, a oração e a esmola. O fato de que o amor possa chegar até ao além, que seja possível um mútuo dar e receber, permanecendo ligados uns aos outros por vínculos de afeto para além das fronteiras da morte, constituiu uma convicção fundamental do cristianismo através de todos os séculos e ainda hoje permanece uma experiência reconfortante. (Carta Encíclica - Spe Salvi)
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Essa definição dual de 'pena' é estranha à teologia ortodoxa:
1473. O perdão do pecado e o restabelecimento da comunhão com Deus trazem consigo a abolição das penas eternas do pecado. Mas subsistem as penas temporais. O cristão deve esforçar-se por aceitar, como uma graça, estas penas temporais do pecado, suportando pacientemente os sofrimentos e as provações de toda a espécie e, chegada a hora, enfrentando serenamente a morte: deve aplicar-se, através de obras de misericórdia e de caridade, bem como pela oração e pelas diferentes práticas da penitência, a despojar-se completamente do «homem velho» e a revestir-se do «homem novo» (83). (Catecismo da Igreja Católica)
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Sobre a natureza do fogo do purgatório
O padre Hardon tem sido um dos principais defensores da fé católica nos últimos 40 anos. Seus trabalhos estão em toda parte, na EWTN, etc., O pe. Hardon serviu como consultor para a elaboração do Catecismo da Igreja Católica, promulgado pelo papa João Paulo II em 1992:
Os escritores da tradição latina são bastante unânimes em afirmar que o fogo do purgatório é real e não metafórico. Eles argumentam a partir do ensino comum dos Padres latinos, de alguns Padres gregos e de certas declarações papais como a do papa Inocêncio IV, que falou de “um fogo transitório” (DB 456). ("A Doutrina do Purgatório" do Pe. John A. Hardon,)
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