sábado, 3 de agosto de 2019

A política do Vaticano em relação aos imigrantes russos pós-1917 (Paul L. Gavrilyuk)

A retórica virulenta e anti-católica da obra "Rússia e Latinidade" foi parcialmente provocada pelos esforços expansionistas do Vaticano, que viu a queda do governo czarista na Rússia como uma oportunidade para espalhar a influência católica para o território antes inacessível. [47] Em 1917, reagindo prontamente às novas circunstâncias, o papa Bento XV fundou o Instituto Oriental, em Roma, com o objetivo de preparar os missionários católicos para trabalhar na Rússia. Florovsky aparentemente estava ciente desses movimentos, descrevendo a Rússia em 1922 como um país “onde crianças eram entregues para serem corrompidas pelos jesuítas, onde coisas sagradas estavam sendo blasfemamente saqueadas, onde a hierarquia da igreja era difamada, onde os santos estavam sendo executados como mártires, e as fundações da igreja estavam sendo abaladas. ” [48] De uma maneira que lembra o artigo de Savitsky em Rússia e Latinidade, Florovsky listou os horrores da perseguição estatal da Igreja lado a lado com as tentativas católicas romanas de proselitismo, descrevendo as últimas como “corrupção das crianças pelos jesuítas”.

Em 1923, o mesmo ano em que Rússia e Latinidade foi publicado, o sucessor de Bento XV, o papa Pio XI, lançou a encíclica Ecclesiam Dei, dirigida aos eslavos orientais, e mais ainda aos refugiados da Rússia. Neste documento, o papa lamentou a "separação dos gregos da unidade da Igreja Universal", como resultado do qual "os eslavos orientais também foram desviados e perdidos da fé". [49] A encíclica celebrou a vida e o “martírio” do bispo ruteno do século XVII, Josaphat de Polotsk, que teria sido morto por seus esforços em trazer os “cismáticos” ortodoxos para o interior da Igreja Grega-Católica [uniata]. [50] Voltando-se para a situação do século XX, o Papa encorajou os católicos a obras de caridade nas comunidades russas imigrantes, com o objetivo de reconciliar os cismáticos orientais com a Igreja Católica ao longo das linhas unionistas. [51] Para provar que ele realmente estava disposto, em 1929, o papa iniciou uma faculdade para treinar padres católicos gregos [uniatas] para a Ucrânia na capital italiana.

Comunidade Ortodoxa Russa em Paris
Quaisquer que tenham sido as intenções do papa, a encíclica deixou um gosto ruim na boca dos líderes imigrantes [russos], não apenas os eurasianos, mas também aqueles mais ecumenicamente inclinados. [52] Para tornar as coisas mais complicadas, o Vaticano apoiou a “Igreja Viva”. Esse considerável grupo cismático, que em certo momento contava com mais de trinta bispos, operou na Rússia de 1917 a 1946, e fez muito para minar a já precária posição do Patriarcado de Moscou. 

Além disso, em nível oficial, a Igreja Católica manteve-se em grande parte distante do movimento ecumênico. Certamente, essa política oficial não impediu que pensadores católicos e líderes eclesiásticos individuais estabelecessem contatos não oficiais e apoiassem os exilados ortodoxos em particular.[53] Mas a posição oficial da Igreja Católica permaneceu cautelosa e, às vezes, até mesmo hostil, antes do Concílio Vaticano II (1962-1965). Se os filhos dos exilados russos desejassem estudar nas escolas católicas, eram encorajados, às vezes até pressionados, a se converter ao catolicismo.[54] Para piorar, o clero católico grego [uniata] empenhou-se no proselitismo nas comunidades ortodoxas emigrantes da Turquia, Tchecoslováquia e outros Países europeus. [55] A mudança da Bulgária predominantemente ortodoxa para países europeus não-ortodoxos, como a Tchecoslováquia, a França e a Alemanha, na época da redação da obra Rússia e Latinidade, tornou os autores eurasianos particularmente alarmados com os perigos do proselitismo e assimilação. [56]


Notas
47 Veja N. Zernov, The Russian Religious Renaissance of the Twentieth Century, 254–5; Arjakovsky, Zhurnal “Put’ ” (1925–1940), 161; Étienne Fouilloux, “Vatican et Russie soviétique (1917–1939),” Relations internationals, 3 (1981), 303–18.
48 Florovsky, carta para P. P. Suvchinsky, July 13 (26), 1922, Vestnik RKhD, 196 (2010), 80.
49 Ecclesiam Dei, 3 at <http://www.papalencyclicals.net>.
50 Ecclesiam Dei, 9–15.
51 Ecclesiam Dei, 16–22.
52 Veja Bratstvo sviatoi Sofii, 44.
53 Berdyaev, carta para P. B. Struve, November 6, 1922 (de Berlim), Bratstvo sviatoi Sofii, 170–1.
54 Veja Gillian Crow, This Holy Man: Impressions of Metropolitan Anthony (Crestwood, NY: St Vladimir’s Seminary Press, 2006), 24.
55 S. Bulgakov, “Iz pamiati serdtsa,” Issledovaniia (1998), 118–21.
56 Veja P. Suvchinsky, “Strasti i opasnost’,” Rossiia i Latinstvo, 33.

Do livro Georges Florovsky and the Russian Religious Renaissance por Paul L. Gavrilyuk


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