terça-feira, 7 de agosto de 2018

O hesicasmo de São Gregorio Palamas e o ascetismo oriental


Na primeira parte desta introdução tentarei expor as teses básicas do pensamento de São Gregório Palamas sobre o hesicasmo, como elas são desenvolvidas nas Tríadas e abordarei os seguintes tópicos:

1. O método da oração e seu significado antropológico
2. O propósito da oração e seu perfeito cumprimento.
3. E suas pressuposições e condições teológicas.

Na segunda parte, especialmente, tentarei comparar e interpor as teses anteriores com algumas características da espiritualidade hindu. O tema básico é a demonstração se a experiência de Deus, que fala São Gregório Palamas, é exclusiva para o cristianismo, ou há experiências paralelas em outras tradições religiosas. Tem sido apontado que as duas experiências do cristianismo e do hinduísmo alcançam a extrema perfeição. Um escritor católico romano contemporâneo escreve categoricamente que: Se o cristianismo não pode aderir à experiência espiritual hindu à luz de uma verdade superior, a conclusão é que o Advaita  contém e supera a verdade do cristianismo e trabalha em um nível superior do nível do cristianismo. Voltaremos a este assunto abaixo.

No final do século XIII e na primeira metade do século XIV, o ideal de hesicasta atingiu o seu auge e se relacionou a um método técnico, onde a memória do nome de Jesus é acompanhada de uma vigilância disciplinada da respiração. São Gregório Palamas (1296-1359), em sua obra "sobre os santos hesicastas" e em outros escritos seus, expôs o fundamento teológico e antropológico da oração hesicasta e destacou seu valor como um meio que possibilita o homem de entrar em uma união e kinonia (comunhão, conexão) com Deus.

O ascetismo da oração começa com a metanoia e conecta-se inseparavelmente aos mandamentos evangélicos e o trabalho pelas virtudes. No que se refere ao método técnico de oração, Gregório enfatiza que é necessário que a oração delimite seu nous dentro do corpo, porque "nosso corpo é o templo do Espírito Santo em nós". (Cor 6,19). Assim, já que o Espírito Santo habita no corpo humano, não é desprezível para o nous que Ele habite o seu interior. Ele ainda enfatiza que o asceta pode alcançar a desejada união com Deus dentro de si, porque "a Realeza incriada de Deus está dentro de nós" (Lc 17,21). São Gregório persiste na antropologia bíblica sintética e sustenta que a psique e o corpo do homem são predestinados à imortalidade. Mau são os logismoi carnais (pensamentos) e o fato de que o nous pode ser aprisionado por eles. O asceta deve libertar seu nous da tirania deles. No caminho da luta, as dinamis (poderes e energias) da psique e do corpo são limpas, purificadas e metamorfoseadas, mas não anuladas. A apatheia (ausência de paixões maus e perversas) é alcançada com a substituição da lei do pecado que se instala nos membros do homem pela observação e vigilância da nous.

O coração é definido por Gregório como o lugar do nous. Este é o centro da parte logística da psique e o primeiro órgão logístico carnal. Seguindo a terminologia de São Dionisio o Aeropagita dos três movimentos do nous, o Santo fala sobre dois dos três movimentos do nous: o direto que depois da queda é enganoso e induz ao erro e o cíclico que é natural, inequívoco e inconfundível. O primeiro provoca a propagação do nous para fora e o segundo faz com que o nous retorne a si mesmo e opere e aja corretamente. O propósito da oração de Jesus é a união com Deus, é por isso que a ajuda da Jaris divina (graça, energia incriada) é essencial.

Um meio externo que nos ajuda a retornar o nous em si mesmo é a reunificação cíclica do corpo. Assim a atenção é fixada no tórax ou no umbigo e a força e energia do nous desce ao coração. Deste modo, a aquisição do movimento cíclico do nous e a obtenção da "reunificação unitária uniforme" é auxiliada, porque "o homem interior caiu aprisionado e assimilou às imagens externas depois da queda". Mas geralmente o método corporal para a oração não é essencial. O mesmo resultado pode ser alcançado de várias maneiras. Mas seja qual for a técnica externa, a ênfase especial é sempre dada à participação do corpo na oração, para que a santificação do homem seja plena pelo Deus encarnado.

Até agora, à primeira vista, alguns pelo menos, pode encontrar paralelos extraordinários entre o exercício da técnica hesicasta e a técnica hindu. Tendo destituído tudo e tendo se purificado com ascese (yama e niyama), então o buscador do brahmavidya (da gnosis do Ser Supremo) aprofunda-se em seu interior. Ele também usa o método psicossomático pela técnica clássica do yoga, ou seja, pela atitude do corpo em combinação com a atenção da sua respiração (panayama), de modo que a auto-concentração seja alcançada. Isso pode ser acompanhado pela recitação de um mantra curto. O objetivo é alcançar o coração, porque a "verdade", isto é, a experiência do Vedanta (anulação de qualquer dualidade) está escondida ali. Aqui, também, a necessidade do conselho de um guia (guru) para o iniciante é enfatizado. O que chama a atenção é que o importante na meditação não é a técnica, psicossomática ou não, mas seu conteúdo e propósito. Da mesma forma, como no hesicasmo, aqui também é certificada uma analogia entre o agente espiritual e o somático (corpóreo) e o valor deste último na busca pela theoria (contemplação).

Quanto à perfeição da oração de Hesicasta, São Gregório assegura que ela é coroada com a união com Deus dentro da visão da Luz Incriada. O Santo defende os Hesicastas contra a acusação de que eles recebem visões demoníacas, dizendo que a Luz é divina, incriada e deifica os dignos e merecedores com sua comunhão. O homem, cheio de luz, torna-se a mesma luz e vê a luz incriada dentro e fora de si.

Experiências em abundância são escritas na Índia dos Unipanisads ao Tantrismo. Os participantes dessas experiências percebem-nas como "súbito esplendor divino" ou como visão da luz interior (antah yoti). A luz é principalmente a imagem do atman (isto é, do eu humano), bem como do atman (Supremo Absoluto). Uma sagrada escritura hindu diz: Guie-me do falso para o verdadeiro, das trevas para a Luz e da morte para a Imortalidade!

Além disso, há muitas coleções e textos sagrados que implicam que o homem se torna Deus. Vamos examinar, por exemplo, o seguinte: Aquele que conhece o supremo Braham tornou-se o mesmo Braham, porque esse homem desapareceu na glória, este que queria conhecer a glória; assim como a borboleta que caiu na chama e se tornou uma chama e desapareceu.

Mas, vamos ver separadamente o conteúdo do hesicasmo e o da meditação hindu.

A oração Hesicasta é por excelência a imploração e, como tal, baseia-se no ensinamento dogmático da Igreja Ortodoxa. É verdade que a teologia não pode ser separada da gnosis e da experiência, como sustenta Floroski. Vice-versa também é válido: a vida e a experiência espirituais ortodoxas são baseadas no "dogma ortodoxo, na doxa = glória correta". Como Floroski corretamente aponta: todo o ensinamento de São Gregório Palamas pressupõe a energia incriada e o ato do Deus Pessoal. O Deus que cria do nada, e a separação do abismo que existe entre o criado e o incriado. O discernimento de São Gregório entre essência e energia resulta logicamente do fato de que Deus é pessoal. Deus permanece absolutamente transcendental sobre a Sua essência, mas cria, mantém, metamorfoseia e apocalipta (revela) através de Suas energias. Basicamente, a theosis do homem, da qual falamos antes, é uma doação do Deus Pessoal. O homem foi criado com destino ou finalidade sua theosis. E apesar disso, o homem na theosis permanece criado e o Deus permanece o que ele é, incriado.

Da mesma forma, a espiritualidade hindu é baseada em sua própria "teologia", cosmologia e antropologia. Mas, ao contrário do cristianismo, nas religiões hindus, o conceito de Deus, o Criador, está ausente. A gênese do mundo é mais emanação do que criação. O cosmos de uma maneira emana do Princípio Divino, movido por uma força centrífuga. Assim, não há discernimento claro entre os dois. Por um lado, os antigos Upanisads eram claramente panteístas, por outro lado, os posteriores imaginavam uma transcendência divina metacósmica, de modo que se torna exocósmica (exo, fora, exterior), a única Realidade que exclui todas as outras. Portanto, por causa do caráter essencialmente impessoal do Absoluto, o mundo tende a se fundir com ele. O axioma básico é: "Se houvesse algo que não é Deus, Deus não seria Deus". É verdade que em nenhum lugar dos Upanisads o panteísmo foi totalmente superado. Como Zaehner corretamente observa, nos Unipanisads "o monismo, o panteísmo e o monoteísmo coexistem e são considerados reciprocamente irreconciliáveis". O Absoluto Impessoal Hindu pressupõe e condiciona a ausência de qualquer contrário dentro do próprio Absoluto. Para o hindu "o infinito é um oceano de quietude, sem horizonte e onda que seria possível medir ou encontrar orientação". Basicamente a ausência do oposto significa superar cada qualidade, essencialmente a do bem e do mal e finalmente a do Ser, de modo que o Absoluto desmorona de certo modo dentro do Não-Ser. Portanto, conclui-se que o dialogismo ou meditação hindu difere muito do hesicasmo cristão, porque imagina um Princípio de Causa impessoal e, por essa razão, a imploração ou invocação não é com o mesmo conceito e significado que o Cristianismo. Sabe-se que na meditação predomina o relaxamento do corpo, enquanto na oração cristã o corpo e o nous estão em completa tensão durante a sua presença diante do Deus Pessoal.

Todos os itens acima nos levam ao próximo ponto. A oração Hesicasta é essencialmente cristocêntrica. É realizada pela imploração do nome do Salvador Jesus Cristo e é uma busca de união com Ele. O argumento central de São Gregório Palamas contra seus acusadores é exatamente que a luz incriada de Cristo que os hesicastas vêem e participam, é a mesma luz (incriada) que foi revelada por Ele aos seus discípulos no Monte Tabor, a luz incriada da Transfiguração que se revelará aos santos durante sua segunda Presença. A condição básica do ensinamento de São Gregório Palamas, e é verdade que é da tradição patrística, é que sem fé na divindade de Cristo, a verdadeira visão de Deus não pode acontecer. O Ancião Sofrônio declara categoricamente que os Apóstolos se tornaram dignos de entrar na esfera da Luz Divina incriada na Transfiguração no Monte Tabor, uma vez que anteriormente confessaram a divindade de Cristo. Ele também enfatiza que a mesma visão Divina testifica sobre a divindade de Cristo, assim como isto aconteceu com o apóstolo Paulo no caminho de Damasco. Para São Gregório, também todas as visões da luz do Absoluto que são testemunhadas nas Escrituras são cristocêntricas. Deste modo, ele interpreta o Novo e o Antigo Testamento. De acordo com o ensinamento de São Gregório Palamas, a oração Hesicasta é inseparável da história da salvação, na qual o Logos Divino foi encarnado para nossa cura e salvação. É claro que a meditação ou dialogismo hindu não têm um conteúdo desse tipo. Não é orientado para um Deus pessoal e não constitui o clamor pela redenção com significado e sentido cristão.

Como já assinalamos, o fruto da oração hesicasta para São Gregório Palamas é a união do homem com Deus e a conseqüente theosis ou glorificação do homem (pela Jaris incriada). Isso ocorre com uma extensão ou êxtase do nous superior à sua natureza. Mas Deus também se move em direção ao homem, envolvendo-o com sua Jaris em um modo de êxtase ou extensão condescendente de agapi (amor energia incriada), sem por isso deixar sua inefável, invisível luz incriada, na qual ele habita eternamente. Seguindo o pensamento de São Dionísio, o Aeropagita ele escreve: "Por um lado, o nosso nous sai de si mesmo e, portanto, une-se a Deus. Por outro lado, Deus também sai de si mesmo e se une a nós por condescendência... ".

Deus energiza e age livremente e chama o homem a responder em uma práxis de sinergia (cooperação de vontades). Nisto vemos um relacionamento dinâmico de Deus e homem, pessoa para Pessoa ou face a face. Durante a theosis do homem a união não anula o discernimento de Deus e do homem. (Tal como na encarnação, assim também na theosis, a união torna-se firme, inalterável, indivisível e inseparável). Além disso, quando essa união é alcançada, a autognosía ou autoconhecimento do homem não apenas não desaparece, mas adquire uma percepção espiritual clarividente sem precedentes: a visão de uma terrível contradição entre ele mesmo como uma criação caída e o Deus Misericordioso. São Gregório escreve: "Vença as fantasias e imaginações más, os pensamentos delas ... e sempre piedosamente com devoção e com amor a Deus ... coloque-se como 'surdo e mudo'... diante de Deus ... assim você se constrói em criação sublime ..."

[...]

Com a energia incriada e a condução da luz incriada, "ele é conduzido sobre montanhas eternas" (Sl 75) e admiravelmente se torna um visionário de coisas hipercósmicas. Então, com a percepção indescritível, ele ouve "logos, verbos indescritíveis" e "vê os invisíveis ... como um anjo verdadeiro, convertido como outro Deus na terra. E este não é o fim. Além disso, torna-se um intermediário entre Deus e a criação ... ". Desta forma, a "semelhança" é realizada com precisão e atesta que a verdadeira obra do homem deificado é a intercessão entre a criação e Deus. Esse crescimento ampliado ou ontológico é a perfeição infinita e a realização do homem como pessoa. A mesma experiência também expressa o Ancião Sofrônio, escrevendo que através da energia incriada desta Luz Incriada dentro do homem metanoizado (arrependido e convertido) brota uma flor admirável: A Pessoa - Hipóstase.

Pelo contrário, no dialogismo ou na meditação oriental, o sábio que retorna ao seu eu interior é libertado de todas as coisas, inclusive de si mesmo. O propósito da meditação é alcançar a autoconsciência ou o conhecimento da "realidade pura". Mas isso finalmente significa que o "Ego ou eu" da pessoa que entra no dialogismo não existe mais; seu "ego" é o "Ego" do Absoluto.

Assim como a água limpa que é lançada na água se torna uma com ela, o mesmo acontece com o eu que conhece a fusão silenciosa.

É uma tensão que tem como finalidade "anular as flutuações da consciência". Ao contrário do hesicasmo onde a pessoa deificada é introduzida em um novo relacionamento com o Salvador Deus, a relação Pai e filho, noiva e Noivo, nova criação e Criador, enquanto que no dialogismo ou meditação hindu ocorre o cancelamento de qualquer relacionamento, incluso o relacionamento com o Absoluto. A morte da pessoa humana é descrita da seguinte maneira: "Finalmente, o Arunachala (outro nome do Absoluto) não é mais Pai, nem Amante, nem Criador. Existe apenas Si mesmo. Quem mais falta para que ele pudesse ser Pai, Amante ou Criador?" Isto significa que o hinduísmo tem um caráter negativo da fuga ou saída do homem do mundo, do corpo e finalmente de si mesmo.

Mas qual é a natureza da luz contemplada pelo asceta hindu? Em seus escritos, São Gregório discerne entre diferentes tipos de luzes. Além da luz divina e deificante, há também a luz natural do nous humano (do espírito do coração psicossomático ou da psique humana) e a luz demoníaca. Referindo-se à luz intelectual, o Santo afirma que o nous criado "como imagem de Deus" tem uma natureza iluminada e, portanto, pode ser visto como luz com meios naturais. No que se refere à última luz nos mostra que ela vem do engano demoníaco e pode ser discernida da luz incriada da Jaris por suas "energizações, operações e atos". Acima de tudo, não traz "energia bondosa" para a psique, nem paz, nem alegria, nem humildade. Apesar do nosso respeito pelo ascetismo oriental e pela força dos argumentos que desenvolvemos anteriormente, a possibilidade da visão da primeira luz, isto é, da luz divina incriada, nesta tradição (hindu), é excluída. Não parece ser a luz incriada do Autor, Deus Criador. Em relação às duas últimas possibilidades, é possível que a seleção não seja tão clara. É interessante notar aqui que o escritor Aldous Huxley para adquirir a experiência religiosa Védica, foi necessário tomar o narcótico mescalina. Assim distingue-se que esta experiência pode ser obtida por meios técnicos naturais. Também seria relativo aqui que o catálogo de virtudes do yoga não se refere à humildade, nem ao orgulho ou arrogância como um impedimento à experiência.

Geralmente, com tudo o que foi dito acima, a solução para o dilema que os teólogos ocidentais estão combatendo é dada. A experiência do ascetismo hindu não é apenas inferior à experiência do hesicasmo, mas tem origens e conteúdos completamente diferentes. Pressupõe e condiciona uma teologia radicalmente oposta ou, antes, pressupõe uma ausência de teologia e a existência de uma cosmologia e antropologia diferentes. Os aparentes paralelos permanecem no nível do físico e do técnico. Mas há um desvio da orientação espiritual que é tão grande e distante quanto a diferença entre o criado e o incriado.

Arquimandrita Zacarías Doutor da Universidade de Thessaloniki


Traduzido de http://www.logosortodoxo.com/san-gregorio-palamas/el-hisijasmo-de-san-gregorio-palamas-y-la-ascetica-occidental/

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