quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Qual a diferença entre a Ortodoxia e as Confissões Ocidentais? (Metropolita Antony Khrapovitsky)

        Ao responder esta pergunta, muitos russos educados mencionariam os ritos, - mas nós não precisamos perder tempo com esse tipo de bobagem. Longe da verdade, no entanto, é outra opinião, bastante comum entre aqueles que são mais versados em teologia. Eles nos contam sobre o filioque, sobre a supremacia papal e outros ensinamentos rejeitados pela ortodoxia, e também sobre os ensinamentos das religiões latinas e ortodoxas que são rejeitados pelos protestantes. Pareceria que a Ortodoxia não tem uma substância específica própria, igualmente desconhecida para todas as confissões europeias. Mas devido ao fato de que as confissões ocidentais se originaram uma das outras, podemos esperar que existam certos tesouros da verdade de Cristo que não podem ser encontrados em nenhuma delas: uma heresia nascida de outra heresia deve manter uma parte dos pais, caso não estejam retornando a Verdadeira Igreja.

Resposta Incompleta 

      Os teólogos eslavófilos, Khomiakov em particular, foram os primeiros a traçarem a linha entre a verdadeira Igreja e as denominações ocidentais, não se baseando em nenhum elemento dogmático particular, mas sim na preferência geral do ideal interior da Ortodoxia. Esta é a excelente contribuição de Khomiakov para a teologia, para a Igreja, bem como para o Ocidente esclarecido, que a apreciou tão bem quanto os escritores religiosos russos. É mais evidente no fato de que todos os teólogos europeus simpáticos ​​à ortodoxia falam dela nos termos de Khomiakov, usando precisamente suas formulações das diferenças confessionais. Especificamente, os Velhos Católicos, que se sentiram atraídos pela Ortodoxia e se envolveram em uma longa correspondência oficial sobre uma aproximação conosco, seguem seus pontos de vista [de Khomiakov] na apresentação das principais questões que, na opinião deles, nos dividem, isto é, o filioque como uma inovação contrária à disciplina da Igreja (que nos leva a "guardar a unidade do espírito no vínculo da paz") e a transubstanciação na Eucaristia como um empréstimo de teólogos ocidentais, estranhos à tradição da Igreja.

        O breve livro de Khomiakov [A Igreja é Una e alguns outros ensaios] é o mais popular de todas as obras teológicas russas, tanto entre nossos homens cultos quanto no exterior. Não devemos, portanto, elaborar sobre isso. Basta lembrar que ele faz a distinção entre as denominações com base na compreensão da nona cláusula do Credo - isto é, em seus ensinamentos sobre a Igreja. Apresentando o ensinamento ortodoxo sobre a Verdade, severamente distorcido e quase perdido em todo o ocidente não-ortodoxo, Khomiakov demonstra com clareza o significado moral de nosso ideal espiritual, a preferência geral de nossa fé em contraste com as confissões ocidentais que perderam uma das verdades mais sagradas e edificantes do cristianismo.

        Khomiakov considera a Igreja não tanto como uma autoridade, mas sim como uma união de almas, complementando-se mutuamente por meio de sua comunhão mística com Cristo, que se revela aos fiéis apenas no amor mútuo, na sua unidade (epitomizada pelos Concílios Ecumênicos). Em todas as questões de disciplina da Igreja e no próprio processo de explorar a verdade divina, ele traz um espírito de alegria, um espírito estranho à subjugação, um espírito que nos transporta ao espaço ilimitado da comunhão com o mundo inteiro dos fiéis, com toda a eternidade.

        Assim, admitimos sem reservas que Khomiakov apresentou corretamente os ensinamentos ortodoxos sobre a Igreja e que ele mostrou claramente o valor da ortodoxia em comparação com as denominações ocidentais, que perderam o entendimento da união moral dos fiéis tanto na vida e no ensinamento e que reduziram o Reino de Deus ao nível de uma conquista pessoal ou de uma organização externa semelhante a um governo. Ao reconhecer isso e prestar homenagem a Khomiakov por suas grandes obras teológicas e missionárias, devemos notar que sua definição de ortodoxia ou, em outras palavras, do cristianismo verdadeiro, divinamente revelado, em oposição às denominações ocidentais, está incompleta. É nosso desejo há um bom tempo completá-lo.

A Teologia Ocidental e a Vida Cristã

Na verdade, a diferença entre as confissões é muito mais profunda.

        O ensinamento sobre a Igreja é, claro, extremamente importante, uma vez que nossa comunhão deve ser renovada continuamente em nossas mentes.  Mas, mesmo para além da questão Igreja, na forma como se aproxima de Deus e da própria vida, uma grande diferença é observada entre um ocidental não-ortodoxo e um ortodoxo.

        As grandes e pequenas coisas são permeadas por essa diferença. Tomemos, por exemplo, as fontes de instrução em nossa vida espiritual pessoal. Uma parte delas, que estudamos nas escolas como teologia dogmática e moral, é um empréstimo dos católicos e dos protestantes: apenas os erros mais evidentes da não-ortodoxia, conhecidos por todos e condenados pelas autoridades da igreja, são excluídos. Outra parte, bem conhecida dos homens educados e comuns, em nosso tempo e no passado, desde o século IX e antes, está em nossas orações, hinos dos ofícios divinos e os ensinamentos morais dos Santos Padres.

        Mas que coisa notável! Não há quase nada em comum entre as duas fontes. Os teólogos certificados não conhecem nossos prólogos, nossos hinos dogmáticos (stichera e cânones), nossas Vidas dos Santos - exceto, talvez, como simples fiéis da igreja, como amantes da música da igreja, mas não como estudiosos religiosos. Enquanto isso, esses escritos eslavos em livros grossos e desajeitados são a principal, se não a única, origem e nutrição da fé viva russa, tanto para os homens comuns quanto para os mais educados. Mas a teologia oficial não pode aproveitar esta fonte, mesmo por mera curiosidade.

        Agora considere os melhores cristãos entre nós, nossos mestres da vida cristã: o hieromonge Ambrósio de Optina [+1891], o padre João de Kronstadt [+1909] e o bispo Teófano o Recluso [+1894]; [todos os três já foram glorificados como santos]. De modo algum poderiam ser chamados de mentes pequena ou ignorantes; eles são diplomados gratos de nossos seminários e academias, mas procurem encontrar empréstimos e referências à teologia acadêmica em seus escritos. Exceto para alguns casos dispersos, não há nenhum.

        Ofereça-lhes montanhas de volumes acadêmicos para ajudar nos seus ensinamentos; eles vão tratá-los com respeito, mas, acredite, não encontrarão nada para tomar emprestado. O mesmo será verdadeiro para o cristão comum que busca a compreensão de qualquer evento ou experiência religiosa. É bastante óbvio que nossa teologia acadêmica, tendo sido construída sobre princípios ocidentais, embora livre dos erros ocidentais, está tão longe da realidade espiritual ortodoxa, tão pouco relacionada a ela, que não só é inútil como fonte de instrução, mas não nos ajuda a nos aproximar da vida espiritual real.

      Isso não poderia ter acontecido se a teologia ocidental fosse diferente dos ortodoxos apenas nos ensinamentos relacionados à Igreja. Como vemos, as religiões ocidentais alteraram a própria noção de vida cristã, de seus objetivos e condições.

Um Caso de Dois Professores

        Uma vez, como Reitor da Academia Teológica, passei uma tarefa a um estudante talentoso: compare e contraste os ensinamentos morais do bispo Teófano com os de Martensen. Martensen é um venerável pregador protestante, reconhecido como um excelente teólogo moral, influenciado menos do que outros por erros confessionais. O bispo Teófano é um teólogo russo educado, ex-reitor da Academia Teológica de São Petersburgo. E sabe de uma coisa? Nota-se que os dois autores apresentam a moral cristã de uma maneira totalmente diferente, muitas vezes oposta. Aqui está o resumo dos resultados:

        O bispo Teófano ensina como fazer a vida de alguém cumprir os padrões da perfeição cristã, enquanto o bispo ocidental (sit venia verbo) toma do cristianismo apenas aquilo que é consistente com os padrões da vida secular moderna. Ou seja, o primeiro aceita o cristianismo como o fundamento eterno da vida normal, e exige que nos mudemos forçosamente para que nossa vida se conforme com essa norma; o último aceita as realidades da vida secular moderna como imutáveis, e somente onde elas permitem algumas variações ele indica quais opções são preferidas do ponto de vista cristão. O primeiro pede heroísmo moral, por uma vida de luta; o último seleciona quaisquer elementos do cristianismo que nos sejam adequados em nosso modo de vida atual. Para o primeiro, a vida verdadeira a que se chama o homem é a vida eterna, enquanto nossa vida atual na Terra com todos os seus dispositivos historicamente moldados não passa de uma ilusão; para o último, a noção da vida futura é meramente uma idéia nobre e edificante, uma ideia que contribui para a melhoria contínua da nossa vida real aqui na Terra.

        Na diferença entre esses dois professores de moralidade, manifesta-se a diferença entre a fé ortodoxa e as religiões ocidentais. Uma é baseada no conceito de perfeição cristã, ou santidade, e, desse ponto de vista, avalia a realidade presente; o outro está firmemente estabelecido no status quo da vida terrena e se esforça para determinar o mínimo de prática religiosa que ainda permite a salvação - caso realmente acreditem na eternidade.
Metropolita Antony (Khrapovitsky) 

Princípio Sublime e Básico

        Você está apontando não para uma crença falsa, mas às atitudes religiosas pobres no Ocidente! - dizem os nossos críticos.

        Isso é correto, - responderemos, - até agora nos preocupamos com as atitudes, com a degeneração da vida e do pensamento religioso ocidental; agora examinemos um princípio sublime que perderam.

        O cristianismo é uma busca pela virtude durante toda vida. O cristianismo é uma pérola a qual o sábio comerciante da parábola evangélica teve que vender todas as suas posses. Parece que, no decorrer da história, este passo de negação de si, este levantamento da cruz, significou coisas diferentes: no tempo da vida terrena do Salvador, significava juntar-se aos seus discípulos, seguindo-o; mais tarde tornou-se confissão de fé e martírio; então, do século IV ao XX, - isolamento e monaquismo. Na verdade, no entanto, esses vários feitos eram apenas os meios para um fim, para um objetivo - a realização gradual da perfeição espiritual na terra, da liberdade das paixões, de todas as virtudes -, assim como pedimos na oração de São Efraim, repetindo-a diversas vezes durante a Grande Quaresma com muitas prostrações:
Ó Senhor e Mestre da minha vida, afasta de mim o espírito de preguiça, o espírito de desânimo, o desejo de poder e a vã loquacidade. Prostração
Mas concede a mim, Teu servo, o espírito da castidade, da humildade, da paciência e do amor. Prostração.
Sim, Senhor e Rei, concede-me que eu veja as minhas faltas e não julgue meus irmãos. Pois tu és bendito pelos séculos dos séculos. Amém. Prostração.
    "Esta é a vontade de Deus, a sua santificação" - diz o apóstolo; podemos alcançá-la apenas estabelecendo ela como o objetivo principal e único de nossa vida, vivendo por causa da santidade.

        É isso que é o verdadeiro cristianismo; esta é a essência da ortodoxia vs a heterodoxia do ocidente. A este respeito (e, conseqüentemente, por sua natureza), as heresias orientais, como os monofisitas e os armênios, estão muito mais próximas da ortodoxia do que as do ocidente: como nós, eles estabeleceram a perfeição espiritual como objetivo da vida cristã, mas diferem de nós nos ensinamentos sobre as condições para a consecução desse objetivo.


Fé Ascética ou Fé Mundana?

      Os cristãos ocidentais realmente dizem que não há necessidade de perfeição moral? Será que eles negam que o cristianismo nos ordena a sermos perfeitos?

        Eles não diriam isso, mas também não a consideram como a essência do cristianismo. Além disso, em sua visão de perfeição e os meios para alcançá-la eles discordam de nós em cada palavra; eles nem entenderiam, e muito menos concordariam, que é precisamente a perfeição moral o objetivo da vida cristã - e não apenas o conhecimento de Deus (como diriam os protestantes) ou o serviço à Igreja (católicos romanos), em virtude dos quais, em sua opinião, o próprio Deus nos dá a perfeição moral como uma recompensa.

       A perfeição moral é adquirida por um esforço intenso e árduo, pela luta interior, pelas privações e, sobretudo, pela auto-humilhação. Um cristão ortodoxo, em virtude de seguir sinceramente e cuidadosamente a disciplina espiritual, participa em grande parte nessa luta: a própria disciplina é projetada para facilitar a mortificação gradual das paixões e a aquisição da perfeição bem-aventurada. Nisto, somos auxiliados por nossos ofícios divinos, pelos esforços na preparação para a Sagrada Comunhão, pelo jejum, e por aquela ordem quase monástica da vida ortodoxa, codificada em nosso Typicon e seguida por nossos antepassados antes de Pedro o Grande e por todos aqueles que vivem pela tradição até o dia de hoje.

      Em suma, a fé ortodoxa é uma fé ascética; O pensamento teológico ortodoxo - que não está numa bagagem escolástica morta, mas influencia a nossa vida e se espalha entre as pessoas - é um estudo dos caminhos da perfeição espiritual. Como tal, é manifesto nos ofícios da igreja através de declarações teológicas, referências a eventos bíblicos, mandamentos e lembretes do Juízo Final.

        Isto, é claro, também não é estranho às denominações ocidentais; mas elas entendem a salvação como recompensa externa dada por uma certa quantidade de boas ações (também externas), ou por uma fé inabalável na divindade de Jesus Cristo. Elas não têm conhecimento, nem interesse, de como uma alma deve gradualmente libertar-se da escravidão das paixões, de como devemos ir de força a força no caminho da liberdade do pecado e da plenitude das virtudes. Há ascetas no ocidente, com certeza, mas suas vidas são dominadas por uma obediência abatida e sem sentido às antigas regras e exigências, pelas quais se lhes promete o perdão dos pecados e a futura vida eterna. A vida eterna já apareceu, como diz o apóstolo João, e a comunhão abençoada com Deus é obtida por um ascetismo implacável no momento, nas palavras de São Macário o Grande, - tudo isso é desconhecido para o ocidente.

    Essa ignorância está ficando cada vez pior e mais grosseira. Assim, os teólogos ocidentais contemporâneos perderam a compreensão do objetivo do cristianismo, da razão pela qual a encarnação de Cristo é exatamente essa - a perfeição moral do homem. Eles, por assim dizer, perderam a cabeça sobre a fábula da vinda de Cristo à terra para dar uma espécie de felicidade a uma humanidade de algumas eras do futuro - embora Ele tenha dito com toda a clareza que Seus seguidores devem suportar uma cruz de sofrimento, que eles seriam continuamente perseguidos pelo mundo, por seus próprios irmãos, filhos e até mesmo pais, especialmente próximo ao fim.

       As coisas boas, que os fiéis  com a "superstição do progresso" (uma frase de S.A. Rachinsky) esperam, são, na verdade, prometidas pelo Salvador na vida futura, mas nem os latinos nem os protestantes estão dispostos a aceitar isto pela simples razão de que, francamente falando, eles acreditam fracamente na Ressurreição, e bastante fortemente - na vida feliz aqui e agora, que os apóstolos, pelo contrário, chamam um vapor que desaparece (Tiago 4:14). É por isso que o ocidente pseudo-cristão não consegue compreender a renúncia a esta vida feita pelo cristianismo, que nos obriga a lutar "pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova segundo a imagem daquele que o criou" (Colossenses 3:9,10)

Amor, e como mantê-lo

       Mas o cristianismo é amor ao próximo, e o amor é a compaixão nas tristezas, - dirão os homens modernos e especialmente as mulheres, e o ascetismo é uma fabricação de monges.

        Não vou discutir o primeiro ponto como K. Leontiev [+1891, autor russo próximo dos Anciãos da Optina] fez; além disso, admito que, se o amor fosse possível sem esforços espirituais, sem guerra interior e sem trabalhos externos, nada disso seria necessário. Mas o amor esfriou entre os homens logo quando Lutero começou a falar em seu nome. A previsão tornou-se verdade que "por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará". Na ausência de trabalhos externos e luta interna, as paixões e a iniqüidade reina, e onde o pecado está no controle, o amor se esfria e os homens começam a odiar-se uns aos outros (Mateus 24:10).

        Agora vamos ao segundo ponto. É bem verdade que o amor é expressado sobretudo na compaixão, mas não tanto pelos problemas materiais de nossos semelhantes mas pela sua pecaminosidade, e essa compaixão só é possível para alguém que está chorando por seus próprios pecados, isto é, para um lutador.

      O ascetismo é uma fabricação de monges... Uma senhora moscovita já pontuou isso, ainda mais vividamente: "Toda a sua religião é uma fabricação dos fiéis da igreja. Reconheço apenas a Mãe de Deus de Iveron e o Mártir Triphon (l'Iverskaya et Triphon le martyr) [Como a maioria da nobreza russa do século XIX, a senhora falava em francês e não russo], o resto é uma bobagem." Isto, claro, é um testemunho da ignorância do significado do ascetismo entre a nossa classe educada.

        Essa idéia não predetermina em geral o caminho da nossa vida; não requer nem virgindade, nem jejum, nem reclusão. O ascetismo ou a luta espiritual é uma vida cheia de trabalho sobre si mesmo, uma vida destinada à destruição das próprias paixões - adultério, fornicação, amor próprio, ódio, inveja, gula, preguiça, etc. - preenchendo a alma com o espírito de castidade, humildade, paciência e amor; o amor nunca sobrevive como uma virtude autônoma, mas sempre segue e ajuda a alcançar outros traços da alma humana mencionados acima.

        Certamente, um cristão disposto a seguir seu próprio caminho descobrirá que ele deve se afastar das distrações mundanas, humilhar a carne e orar muito mais para Deus - mas essas ações não têm valor último aos olhos de Deus. Elas têm valor para nós apenas como meios para a aquisição dos dons do Espírito. De maior valor é a luta espiritual dentro da alma humana - auto-reprovação, auto-humilhação, auto-resistência, autocontrole, introspecção, visão do Juízo Final e da vida futura, controle sobre sentimentos, luta contra maus pensamentos, arrependimento e confissão, ira contra o pecado e a tentação, etc., coisas totalmente desconhecidas para nossos homens modernos e tão claras e conhecidas de qualquer aldeão de fé, no presente ou passado. Este é precisamente o alfabeto espiritual mencionado pelo bispo Tikhon de Zadonsk [+1783, glorificado como santo] -

        "Existem dois tipos de homens sábios: alguns estudam nas escolas a partir de livros, e muitos deles são menos inteligentes do que os simples e iletrados, pois não conhecem o alfabeto cristão; eles afiam a mente, corrigem e adornam palavras, mas não desejam reformar seus corações. Outros que estudam em oração com humildade e diligência e são iluminados pelo Espírito Santo, são mais sábios do que os filósofos desta época: são devotos, santos e amados de Deus; embora não conheçam o alfabeto, eles compreendem bem tudo; falam de forma simples, sem refinamento, mas vivem de forma bela e com alegria. Esses, ó cristão, devem ser imitados." (III, 193).

- e essa é a essência do cristianismo verdadeiro como um esforço vitalício. Desconsiderado pelas denominações ocidentais, ainda está no centro de toda a teologia ortodoxa que interpreta toda a revelação divina, todos os eventos e provérbios da Bíblia, no contexto desses estágios de perfeição espiritual.

        Tendo encarnado, tendo sido humilhado e afligido por nossos pecados, o Salvador nos concedeu, em Sua Pessoa e em comunhão com Ele, uma oportunidade para este esforço espiritual, que é o caminho para a nossa salvação. Alguns seguem (Fil 2:12) voluntariamente e conscientemente, vivendo uma vida espiritual; outros passam por isso quase contra a própria vontade, reformados pelos sofrimentos enviados por Deus e pela disciplina da Igreja; ainda outros apenas ao enfrentarem sua morte corrigem sua destruição pelo arrependimento e recebem iluminação na vida futura, mas o significado do esforço cristão está sempre no ascetismo, no trabalho sobre a alma; tal também é a essência da teologia cristã.

Ignorância vs. Razão

        Se rastreamos todas as tolices do ocidente, as que se desenvolvem em sua religião, bem como as enraizadas em seus costumes, que nos são transmitidas através da "janela da Europa", veremos que todas são derivadas da ignorância da natureza da fé cristã enquanto uma luta pessoal pela auto-perfeição gradual. Tal, por exemplo, é o conceito latino-protestante da Redenção como a vingança da Divina Majestade, uma vez ofendida por Adão, em Jesus Cristo - um conceito que surgiu da noção feudal da honra cavalheiresca, restaurável com o derramar o sangue do agressor; tal é o ensino material sobre os Sacramentos; tal também é o ensinamento sobre o novo instrumento da Revelação Divina - o Papa de Roma, quem quer que ele seja na vida real; da mesma forma, é o ensino de obras de obrigação e supererrogação. Tal é, finalmente, o dogma protestante da salvação através da fé, que rejeita a Igreja e sua estrutura.

        Em todas essas falacias, o cristianismo é visto como algo estranho para nós, para nossas mentes e corações, algum tipo de acordo negociado entre nós e a Divindade, estipulando, por razões desconhecidas, que aceitamos certas declarações e regras obscuras e recebemos em troca uma recompensa da salvação eterna.

        Para defenderem-se contra objeções óbvias, os teólogos ocidentais reforçaram seus ensinamentos sobre a suposta incompreensibilidade não só da natureza de Deus, mas também da Lei Divina, e procuraram - como os escolásticos, Lutero e até Ritschel em nossos tempos - condenar razão como inimigo da fé, enquanto os Padres da Igreja, como São Basílio, o Grande e até São Isaque, o Sírio, vêem o inimigo da fé não na razão, mas sim na estupidez humana, na negligência, na superficialidade e na teimosia.

Valores Morais Revisados

        Passando dos erros religiosos aos valores morais do ocidente, encontramos alguns deles diretamente opostos aos mandamentos cristãos, e essas perversões estão tão firmemente enraizadas no fundamento da vida social e pessoal ocidental que até mesmo as maiores revoltas, que derrubaram altares cristãos e destruíram tronos reais, não afetaram esses preconceitos selvagens e brutais. Assim, o Senhor nos ordena perdoar - mas a moralidade ocidental exige vingança e derramamento de sangue; o Senhor exige que humildemente pensemos em nós mesmos como grandes pecadores - mas o ocidente coloca a "auto-estima" acima de tudo; o Senhor nos chama para nos alegrarmos e rejubilarmos quando somos perseguidos e expulsos - mas o ocidente busca a "restauração da honra"; para o Senhor e os Seus apóstolos, o orgulho é um pecado demoníaco, mas para o ocidente ele é nobreza.

       Um pobre pedinte russo, ou mesmo um nativo "meio-crente", um converso recente que ainda não se separou completamente de suas práticas pagãs, pode dizer melhor sobre o mal do que as autoridades morais da milenar cultura ocidental, uma confusão dos restos do cristianismo com os delírios da antiguidade.

        E o motivo dessas tolices é o fracasso em compreender a verdade simples de que o cristianismo é uma religião ascética, um ensinamento sobre a libertação gradual das paixões, sobre os meios e as condições da aquisição gradual das virtudes, condições tanto internas, isto é, a luta pessoal, como externas, isto é,  princípios dogmáticos e mistérios cheios de graça, todos com um único propósito: curar a pecaminosidade humana e nos conduzir à perfeição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário