segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Francos, Romanos, Feudalismo e Doutrina: uma interação entre teologia e sociedade (Pe. John Romanides) - PARTE 1:






Uma interação entre Teologia e Sociedade


No pano de fundo do diálogo e do Movimento Ecumênico para a reunião da Cristandade, jaz o fato geralmente reconhecido como o elemento subjacente à interação entre Teologia e Sociedade, que pode conduzir a uma formulação dogmática e tornar-se a verdadeira causa das diferenças dogmáticas.
No interior do Império Romano, conflitos doutrinários tomaram lugar frequentemente entre os cidadãos romanos em uma atmosfera de pluralismo religioso e filosófico. Com o reconhecimento oficial da Cristandade Ortodoxa, nós testemunhamos o início do uso de diferenças doutrinais para a sustentação de movimentos nacionalistas de identidade separatista e da cisão da regra Romana, tanto política quanto eclesiástica. Tanto o nestorianismo, quanto o assim chamado monofisismo, ainda que inicialmente promovidos pelos nacionalistas romanos, foram finalmente sustentados por estas tendências separatistas entre grupos étnicos tais como Sírios, Coptas e Armênios. De fato, tanto os persas quanto os árabes cuidaram de manter a Cristandade separada.
Pelo início do século oitavo, nós encontramos pela primeira vez o despontar de um racha na Cristandade que, desde seu início, tomou contornos étnicos ao invés de ser designado pela heresia em si mesma ou pelo nome de seu líder. Assim, na Europa Ocidental encontramos fontes que designam uma separação entre o Leste Grego e o Ocidente Latino. Nas fontes romanas esta mesma separação constitui um cisma entre os Francos e os Romanos.
Detecta-se em ambas as terminologias uma base étnica ou racial para o cisma que pode ser mais profunda e importante para uma análise mais descritiva, do que verdadeiramente para uma reivindicação doutrinal. A doutrina pode ser instrumentalizada em favor de uma luta política, militar e étnica e por conseguinte, inteligível, apenas se posta em uma perspectiva diversificada. A interação entre a doutrina e a luta étnica ou racial, só pode ser compreendida se estes dois aspectos puderem ser distinguidos, mas não separados.
O cisma entre o Leste e a Cristandade Ocidental não foi entre os Romanos do Oriente e do Ocidente. Verdadeiramente, foi uma cisão entre os Romanos orientais e os conquistadores do Ocidente Romano.
O Império Romano foi conquistado em três estágios: 1) Pelas tribos germânicas que se transformaram na conhecida Cristandade Latina; 2) Pelos muçulmanos árabes, e finalmente, pelos muçulmanos turcos. Em oposição a isto, a administração eclesiástica do Império Romano desapareceu em etapas da România Europeia Ocidental (a parte ocidental da nação romana), mas sobreviveu nos tempos modernos nos Patriarcados Romanos Ortodoxos de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém.
A razão para isto é que os conquistadores do Ocidente Romano usaram a Igreja para suprimir a nação romana, enquanto que sob o Islã a nação romana sobreviveu por meio da Igreja. Em cada circunstância de conquista, os bispos se tornaram os etnarcas dos romanos conquistados e administraram a lei romana em benefício do imperador de Constantinopla. Enquanto os bispos perseveraram como romanos, a unidade da Igreja Romana foi mantida, a despeito de conflitos teológicos. O mesmo foi verdadeiro quando os francos romanizados tornaram-se bispos durante a era merovíngia e compartilharam com os bispos romanos a administração da igreja.


A revolução Romana e o Surgimento do Feudalismo e da Doutrina Francos


Durante o século sétimo, porém, as sementes do cisma apareceram. Os visigodos na Espanha abandonaram sua heresia ariana e tornaram-se nominalmente ortodoxos. Mas eles preservaram seus costumes arianos de administração eclesiástica, que se tornou aquela dos Francos Carolíngios, e finalmente, dos normandos. Os visigodos começaram a subjugar os romanos espanhóis, substituindo os bispos romanos pelos godos e em 654, aboliram a lei romana.
Durante este mesmo século, especialmente após 683, os Francos também apontaram os bispos francos em massa e libertaram sua administração governamental dos oficiais romanos.
Previamente, durante os séculos sexto e sétimo, rebeliões de líderes na França reuniram conspirações de Francos e Romanos. Em 673, porém, as rebeliões se tornaram puramente francas.
O fato de que Constantinopla tenha enviado duas vezes sua armada para a Espanha no final do século sétimo e início do oitavo para restabelecer o controle da costa, perdido em 629, é testemunho do apuro em que se encontravam os cristãos romanos na Espanha. Em face da vitória árabe, que completara suas conquistas no Oriente Médio e tinha atravessado o Norte da África, a uma distância impressionante de Cartago, Constantinopla pareceu despreparada para tais empreendimentos militares na Espanha. No entanto, a julgar o padrão dos eventos, parece que estas tentativas de ocupação dos romanos orientais na Espanha deveriam ter despertado um levante geral dos romanos cristãos e judeus na Espanha e na Gália contra o governo visigodo e franco. O sucesso de tais rebeliões na Espanha e na Gália teriam talvez ajudado Constantinopla a deter o maremoto árabe, que por vezes parecia ter inundado todo o Império.
No Sétimo Concílio de Toledo de 694, os judeus foram condenados à escravidão por terem confessado participar de uma trama para derrubar os “cristãos” (ou seja, os godos) na Espanha, com a ajuda “daqueles que habitavam as terras além do mar”, os Romanos, e não com ajuda daqueles que habitavam as províncias árabes da África, como se acreditou comumente. Os árabes neste tempo não haviam alcançado Cartago, a capital desta província ou exarcado. Egica (687-701) , o Rei Gótico, havia lutado no sentido de restabelecer o controle da costa perdido em 629. Não pode haver dúvida de que os judeus foram condenados no sétimo Concílio de Toledo em 694 por conspirar com Constantinopla e com os Romanos Espanhóis pela revogação da lei Gótica na Espanha.
O rei Witiza (701- 708/9), o filho de Egica, também defendeu o Leste Romano na tentativa de libertar algumas das cidades do Sul da Espanha. Desde 698 os árabes haviam firmado controle de Cartago e seus arredores estabeleceram seu controle na área de Ceuta.
Estas tentativas de Constantinopla falharam e o Berbere Romano (Numidia) governador de Ceuta em 711 e um pouco mais tarde, os Gallo-Romanos, escolheram aquilo que pareceu o menor dos males ao estabelecer ad hoc alianças com os árabes contra os visigodos e os francos. (1) Estas alianças árabes romanas derrubaram as regras visigodas na Espanha (711-719), mas foram derrotadas pelo senhor da guerra franco, Charles Martel, primeiro em Poitiers em 732 e depois em Provence em 739.
As revoltas romanas reduziram a França aos reinos do norte da Austrasia e da Neutrasia. Eudo, o duque romano da Aquitânia, que fez a primeira aliança com os árabes contra os francos, tinha ocupado temporariamente Paris na tentativa de manter os Francos Merovíngios pro-romanos no poder. (2) Isso desabou com Charles Martel, Pepino III e Carlos Magno que restauraram a regra franca sobre a Borgonha, Auvergne, Aquitânia, Gascunha, Septimânia e Provença.
O feudalismo carolíngio teve sua origem na necessidade de prevenir o desastre que atingiu os visigodos na Espanha. Os francos foram obrigados a desenvolver e estender o já existente sistema de controle de escravos. Sua meta era manter os romanos subjugados e pacificados, primeiro na Austrasia e na Neustrasia e então em qualquer outro lugar da Gália, e finalmente no norte da Itália, dadas as circunstâncias permitidas. (3)
Enquanto ainda consolidavam seu controle sobre a Gália, os francos conquistaram a România do Norte e Central na metade do século oitavo, à guisa dos libertadores da România papal e da opressão lombarda. Neste tempo, o papado foi profundamente envolvido na controvérsia iconoclasta, tendo tomado uma firme posição contra os imperadores romanos e patriarcas da Nova Roma que estavam sustentando o movimento iconoclasta.
Os francos aplicaram sua política de destruição da unidade entre os Romanos sob sua regra e os Romanos sob a regra de Constantinopla e os árabes. Eles colocaram um partido romano contra o outro, sem tomarem nenhum lado, e finalmente condenaram ambos os iconoclastas no Sétimo Sínodo Ecumênico (786/7) em seu próprio Concílio de Frankfurt em 794 e na presença dos legados do Papa Adriano I (771-795), o firme defensor da prática ortodoxa.


No tempo de Pepino de Heristal (697- 715) e Charles Martel (715-741), muitos dos francos que substituíram o bispado romano foram líderes militares que, de acordo com São Bonifácio, "derramaram o sangue dos cristãos como aquele dos pagãos”. (4)
De modo a se defender contra a ingerência estrangeira e proteger-se a si mesmo do destino dos conquistadores romanos em toda parte, o papado promulgou leis eleitorais em 769, de acordo com as quais os candidatos à dignidade papal teriam que ser cardeais diáconos ou presbíteros da cidade de Roma, e romanos de nascimento. Apenas aos romanos de nacionalidade seriam permitidas a participação nas eleições. 13 bispos francos estavam presentes quando tais decisões foram tomadas. (5).
Enquanto isso, a atividade revolucionária na Gália não havia sido totalmente suprimida. Pepino III havia morrido um ano antes e Carlos Magno e seu irmão Carlomano assumiram a regra da Austrasia e da Neustria. Dentro de um período surpreendentemente curto de 22 anos, de 732 a 754, os francos derrotaram a aliança árabe-romana, inundaram todas as províncias da Gália e varreram todo o Norte da Itália. Isto se tornou possível pela nova ordem feudal que foi estabelecida da Austrasia e Neustria. A unidade romana administrativa das civitates foi abolida e substituída pelas comitates militares. Os romanos livres foram transferidos em massa das cidades e estabeleceram o trabalho escravo nos campos chamados villae e mansi, junto aos servos. Eles foram chamados de villains, um termo que, por razões compreensíveis, vieram a significar os inimigos da lei e da ordem.
Os visigodos na Espanha foram derrubados pelos romanos, que abriram os portões de suas cidades aos Berberes e árabes. Os francos reagiram com determinação para rejeitar a ocorrência do mesmo fato na França (terra dos francos) ao abolir a sociedade romana urbana.
Em meio ao século oitavo, os exércitos francos de ocupação foram excessivamente ampliados para além da Austrasia e da Nestria, onde o principal corpo de suas nações foram estabelecidos. Eles não podiam ainda se dar ao luxo de tocar na administração papal como tinham feito em outros lugares. Era conveniente desempenharem o papel de libertadores por enquanto. Por conseguinte, apontavam o papa de Roma como um vassalo da França.
A medida de liberdade deixada aos romanos na România Papal dependeu de seu direito a ter um papa romano, bispos e um clero. Perder este direito equivaleria a perder a liberdade sofrida por seus compatriotas no norte da Itália e da França. Logo eles teriam que ser permanentemente vigilantes para não incitar os francos.


A Coroação Imperial de Carlos Magno


Uma tentativa sem sucesso foi efetivada pelo Papa Leão III (795-816), o sucessor de Adriano. O papa Leão foi então acusado de conduta imoral. Carlos Magno tomou um interesse todo pessoal na investigação que levou Leão a lhe ser trazido em Paderborn. Leão foi enviado novamente a Roma, seguido por Carlos Magno, que deu prosseguimento às investigações. O rei franco requereu finalmente que Leão jurasse sua inocência sob a Bíblia, o que ele fez em 23 de dezembro de 800. Dois dias mais tarde Leão coroou Carlos Magno “Imperador dos Romanos”.
Carlos Magno quis o título de “Imperador”, mas não o de “Imperador dos Romanos”. Seu biógrafo Einhard reivindica que Carlos Magno sabia que se o papa não estivesse preparado, ele não teria entrado na Igreja. (6).
Carlos Magno acordou o título de Imperador em troca da exoneração de Leão. Leão quase estragou tudo porque Carlos Magno quis o título reconhecido por Constantinopla-Nova Roma cujo título real de “Imperador dos romanos”, jamais seria reconhecido plenamente a um franco. Esta é a razão pela qual Carlos Magno nunca tenha usado este título em seus documentos oficiais, usando em seu lugar os títulos de “Imperador e Augusto, que governa” ou “administrador do Império Romano”. Ao afirmar que ele legislou sobre o Império Romano, Carlos Magno quis assim deixar explícito que governara sobre todo Império Romano. Os francos decidiram que a parte oriental do Império tornou-se grega, e seu líder, um imperador dos Gregos. Esta é a razão de porque Otto III (983-1002) é descrito no ano 1000 por seu cronista como “visitando o Império Romano”, significando simplesmente, os Estados papais. (7)
Os romanos chamaram seu império de România e respublica. Os francos reservaram estes nomes exclusivamente aos Estados Papais e literalmente condenaram a parte oriental do Império para ser a Graecia (8). Os Francos eram muito cuidadosos em sempre condenar os “gregos” como heréticos, mas nunca os Romanos, ainda que o Oriente e Ocidente Romano fossem uma só nação. Assim, no Concílio de Frankfurt (794), os francos condenaram os “gregos” e seu Sétimo Sínodo Ecumênico na presença dos legados do papa romano Adriano II, um agressivo promotor deste mesmo Sétimo Sínodo Ecumênico.
Adriano já havia excomungado todos aqueles que não haviam aceitado o Sétimo Sínodo Ecumênico. Tecnicamente os Francos estavam em estado de excomunhão. Mas ao implementar isto, derrubariam a România Papal e colocariam os romanos sob o jugo do feudalismo franco, como havia sido o destino dos romanos no resto da França (Galia, Germana e Itália).
Carlos Magno também causou a adoção do Filioque no Credo Franco, sem consultar o papa. Quando a controvérsia sobre esta adição irrompeu em Jerusalém, Carlos Magno convocou o Concílio de Aachen em 809 e decretou que esta adição era um dogma necessário à salvação. Com isto fait accomplit sob seu cinturão, ele tentou pressionar o Papa Leão III em aceita-lo. (9)
Leão rejeitou o Filioque não apenas como uma adição ao Credo, mas também como dogma, reivindicando que se os padres o deixaram fora do Credo não foi nem por ignorância, nem por negligência, nem por descuido, mas por um propósito e por uma divina inspiração.
O que Leão está dizendo claramente, ainda que seja em termos diplomáticos, é que a adição ao Filioque no Credo é uma heresia. Os francos eram uma presença muito perigosa na România papal, assim Leão agiu como fizera Adriano antes dele. Leão não rejeitou o Filioque fora do Credo, uma vez que existe na tradição ocidental romana um Filioque ortodoxo que foi e é aceito como tal pelos romanos do leste até hoje. No entanto, este Filioque Ortodoxo Romano do Oeste não poderia ser adicionado ao Credo, onde o termo procissão passa a ter um significado diferente. Em outras palavras, em um contexto alterado, errado.
Em todo caso, Carlos Magno em nada se importava com os pensamentos do papa sobre os ícones e o Filioque. Ele necessitava a condenação dos romanos orientais como heréticos de modo a provar que não eram mais romanos, mas gregos, e ele conseguiu isso da forma como era possível a uma mente “franca”. Acreditando que os francos eventualmente tomariam o papado, ele sabia que papas francos futuros aceitariam o que os papas de sua época haviam rejeitado. Carlos Magno em sua juventude ouvira histórias sobre seu pai e tio que havia salvado a França das revoluções romanas, que haviam destruído a lei visigoda na Espanha Gótica, e que já tinha destruído os francos na Gália.
Muitos historiadores têm como garantido que por esta época Romanos e gauleses tornaram-se uma nação, e que os romanos foram supostamente incluídos sob o nome de Francos ou populus francorum.
Para que não haja dúvida sobre a identidade dos revolucionários na Gália, nós citamos um cronista franco contemporâneo que reporta em 742, o ano do nascimento de Carlos Magno. Gascons levantou-se em revolta sob a liderança de Hunald, o duque de Aquitânia e filho de Eudo, mencionado acima. O pai e o tio de Carlomagno "uniram suas forças e cruzaram o Loire na cidade de Orleans. Esmagando os romanos, eles cumpriram o Burges". [10] Como Hunald é aqui descrito como um romano espancado, isso significa que seu pai Eudo também foi um Romano, e não um Franco, como afirmam alguns.
O ódio carolíngio resultante aos romanos é refletido no Libri Carolini de Carlos Magno e na Lei Sálica, e é claramente expressa por Liutprando, Bispo de Cremona, durante o século seguinte, como teremos a ocasião de ver.
Enquanto isso, os Romanos Ocidentais e o papa continuaram a rezar na Igreja para o imperador de Constantinopla. Mesmo os irlandeses rezavam pelo Imperium Romanum. Porém, quando o imperador sustentou uma heresia como o iconoclasmo, os romanos ocidentais pararam de rezar por ele e rezavam apenas pelo Imperium.
O nome Romano veio a significar Ortodoxo enquanto que o nome Grego, do tempo de Constantino Grande, passou a significar pagão. (11) Pela lógica dos francos isto significou que o leste romano tornou-se herético, isto seria prova de que haviam desistido da România e que seu império não era mais a România. Assim, os devotos romanos ocidentais não mais se refeririam aos imperadores heréticos dos ‘gregos’, mas ao imperador franco ortodoxo da ‘verdadeira doutrina’ romana. Também parte da lógica franca era a crença de que Deus garante vitória aos ortodoxos e fracasso aos hereges. Isto supostamente explica o crescimento explosivo da França já descrito, mas também o encolhimento  da România nas mãos dos germanos e das tribos árabes.
Estes princípios francos de raciocínio são claramente expressos na carta do Imperador Luis II (855-875) ao imperador Basil (867-886) em 871. Luis se chama a si mesmo de “Imperador Augusto dos Romanos” e rebaixa Basil como “Imperador da Nova Roma”. Basil desmoraliza Luis, insistindo que ele não era imperador de toda a França, já que ele legislava apenas sobre uma parte dela, e que certamente não era imperador dos romanos, mas dos francos. Luis replica afirmando que ele era imperador de toda a França porque os outros reis francos eram seus parentes por sangue. Ele faz a mesma afirmação encontrada nos Annals de Lorsch: aquele que defende a cidade da antiga Roma recebe o título de “Imperador dos Romanos”. Luis afirmou que: “Nós recebemos do céu este povo e cidade para guiar e nós recebemos a mãe de todas as igrejas de Deus para defendê-la e exaltá-la”.
Luis afirmou que Roma, seu povo e o papado foram dados aos francos por Deus por causa de suas crenças ortodoxas e os ‘gregos’ foram rejeitados por Deus , que eram romanos quando eram ortodoxos.
Luis respondeu ao dizer: “Nós recebemos o governo do Império Romano por nossa ortodoxia. Os gregos deixaram de ser imperadores dos romanos por conta de sua cacodoxia. Não apenas eles desertaram a cidade (de Roma) e a capital do Império, mas também abandonaram a nacionalidade romana e mesmo a língua latina. Eles migraram para outra capital e tomaram uma língua e nacionalidade completamente distinta.” (12)
Estas notas explicam o uso franco do nome România para os territórios que eles conquistaram dos romanos orientais e dos turcos durante as assim chamadas Cruzadas. Estas províncias e a língua grega tornaram-se agora a România porque os francos os restabeleceram à “ortodoxia” do papado e à “supremacia” da língua latina. (13)


As reações romanas à política de Carlos Magno
O Imperador Basil I entendeu plenamente os perigos dos planos francos revelados na carta do Imperador Luis II e respondeu enviando seu exército para expulsar os árabes no Sul da Itália em 876. A ocupação franca do papa da România e a pressão árabe do Sul colocaram uma enorme pressão sobre o papado e deram origem a um partido pró franco dos romanos que conseguiram eleger Nícholas I (858-867) como papa.
Porém, com o exército romano agora estabelecido no sul, o papado ganhou liberdade suficiente e independência para reagir doutrinariamente aos francos na questão dos ícones e do Filioque. O papa João VII (872-882) sentiu força suficiente para participar do Oitavo Sínodo Ecumênico de 879 em Constantinopla, que condenou o Concílio de Carlos Magno de Frankfurt (794) e Aachen (809). Porém, este Sínodo de Constantinopla não mencionou estes Concílios Francos ou os Francos pelo nome. Ele simplesmente condenou e excomungou todos aqueles que rejeitaram o Sétimo Sínodo Ecumênico (14) e alterou o credo, ou por adição ou por anulação. (15).
O papa João VIII estava em bons termos com as regras dos francos e manteve-os satisfeitos com presentes e títulos de imperador. Ele nunca cessou de apelar para a ajuda deles contra os sarracenos. Os francos não eram tão poderosos como no tempo de Carlos Magno, mas eram ainda perigosos e podiam ser úteis.  
Em uma carta privada ao Patriarca Focio (858-867, 877-886), o papa João VIII assegurou ao seu colega que o Filioque jamais seria adicionado ao Credo em Roma (como foi feito pelos francos quando eles feudalizaram o Norte da Itália), pois isto era uma heresia, mas que a questão deveria ser tratada com cautela ... “para que não sejamos forçados a permitir a adoção...” (16) Esta carta papal foi adicionada ao fim das minutas do Sínodo e explica porque o Sínodo não nomeou os hereges que estavam condenados. (17)
O papa João também propôs o mesmo Sínodo de Constantinopla a adoção de duas provisões de 769 o decreto sobre as eleições papais feita por um colégio de cardeais. Porém, eles deveriam ser aplicados à eleição do Patriarca de Constantinopla. Um cânone proposto proibia a candidatura de leigos. O segundo restringia a candidatura ao clérigo cardinal da cidade de Constantinopla. (18). Tanto as propostas papais foram rejeitadas como inaplicáveis à Nova Roma, mas aceitas como aplicáveis à Velha Roma (19). Assim, de maneira indireta, o decreto de 769 das eleições papais tornou-se parte da lei romana quando os atos deste Sínodo foram assinados pelo imperador.
O papa João não podia exigir que a eleição papal de 769 fosse incorporada à lei romana, já que isto seria admitir que há mais de cem anos os papas foram eleitos ilegalmente. Os francos e os romanos pró francos estavam promovendo o argumento de que a prática da eleição papal não era dos Patriarcados Romanos do Oriente, nem legais, já que não faziam parte da lei romana. Agora passava a ser pelo menos parte da lei romana.
Era muito importante para o Romanismo e a Ortodoxia do papado que ele permanecesse autoperpetuante, sem a possibilidade de infiltração de pró-francos tal como Nicholas I, ou mesmo que os francos tomassem o poder, se o clero fora do papado pudesse se candidatar, como acontecia no Leste onde era permitido que um presbítero de um patriarcado se tornasse patriarca de outro.
Em adição, os cânones que proibiram a transferência de bispos tornou-se extremamente importante. O sucessor de João VIII não era reconhecido como papa pelo Imperador Basil I porque ele tinha sido bispo e tinha se tornado papa por transferência.


Os decretos de Pseudo-Isidoro


O sexto e o sétimo século testemunharam uma controvérsia na França sobre o lugar do Rei da França na eleição dos bispos. Uma partido insistiu que o rei não tinha nenhum partido nas eleições. Um segundo grupo permitiria que o rei simplesmente aprovaria as eleições. Um terceiro grupo daria ao rei o poder de veto sobre eleições. Um quarto grupo sustentava o direito dos reis de apontar os bispos. Gregório de Tours e muitos membros da classe senatorial pertenciam a este quarto grupo. Porém, enquanto sustentava o direito do rei de apontar bispos, Gregório de Tours protestou contra a prática real de vender bispado para o melhor posto.
Desde o tempo de São Gregório Magno, os papas da Velha Roma tentaram convencer os reis francos a permitir a eleição de bispos de acordo com a lei canônica pelo clero e o povo. Claro, os reis francos sabiam muito bem que o que o papa queria era a eleição de bispos pela maioria romana. Porém, uma vez que os francos substituíram o bispado romano e reduziram o populus Romanorum à servidão como villeins, não houve mais qualquer razão de porque os cânones não deviam ser aplicados. Assim, Carlos Magno emitiu seu capítulo de 803, que restaurou a livre eleição de bispos pelo clero e o povo secunda statuta canonum. Carlos Magno restaurou a carta da lei, mas tanto seu propósito quanto aquele dos papas foram frustrados. A Igreja na França permaneceu sob o jugo da minoria tirânica teutônica.
Em tal contexto que surgem os Decretos de Pseudo-Isidoro, uma larga coleção de documentos forjados, misturados e fundidos a outros autênticos e em uso por volta de 850.
Incorporada a esta coleção estava a falsificação conhecida como Doação de Constantino cuja proposta foi impedir os Francos de Estabelecer sua capital em Roma. Isto é fortemente indicado pelo fato de que Otto III (983-1002), cuja mãe era uma romana oriental, declarou este documento uma falsificação como parte de sua razão em estabelecer a Velha Roma como sua capital. Constantino, o Grande, alegou ter dado seu trono imperial ao papa e seus sucessores porque “não é certo que um imperador terreno tenha poder em um lugar onde o governo dos padres e da cabeça da religião cristã tenha sido estabelecida pelo Imperador Eterno.” Por esta razão ele moveu seu “império e poder” para Constantinopla. Esta era a esperança de que os francos cairiam neste ardil e deixariam Roma aos romanos.
Traduzido em um contexto feudal, os Decretos sustentaram a ideia de que bispos, metropolitas ou arcebispos, patriarcas e papas se relacionam uns aos outros como vassalos aos seus senhores em uma série de relações piramidais, similares ao feudalismo franco, exceto o papa que não está vinculado aos estágios e procedimentos hierárquicos e pode intervir diretamente em qualquer ponto da pirâmide. Ele está ao mesmo tempo no pináculo e diretamente envolvido por um procedimento jurídico especial em todos os níveis. Os clérigos estão sujeitos apenas aos tribunais eclesiásticos. Todos os bispos têm o direito de apelar diretamente ao papa que é o juiz último. Todos os apelos de nível inferior da Igreja são reportados ao papa. Ainda que nenhuma apelação seja feita, o papa tem o direito de trazer processos ante este tribunal.
O trono de São Pedro foi transferido de Roma para Antioquia. Constantino, o Grande, deu seu trono ao papa Silvestre I e seus sucessores em Roma. Assim o papa sentou simultaneamente nos tronos de São Pedro e de Constantino. Que ponto mais poderoso poderia haver do que parte da nação Romana subjugada à opressão Teutônica?
Os Decretos foram fortemente rejeitados pelos poderosos membros da hierarquia franca. Porém, eles muito rapidamente tiveram larga distribuição e tornaram-se populares entre os oprimidos. Os Reis Francos sustentavam os Decretos quando podiam usar contra os bispos e de acordo com seus interesses. Eles também eram respeitados por francos pios do clero e pelos leigos e mesmo por bispos francos que apelavam ao papa para anular decisões tomadas contra eles por seus Metropolitas.
As partes esquecidas dos Decretos foram escritas em latim franco, uma indicação de que o trabalho atual fora realizado na França por Romanos locais. O fato de que os francos aceitassem os Decretos como autênticos, apesar de não atender aos seus interesses de estabelecimento feudal, significou claramente que eles não acreditavam em falsificação. Os francos nunca suspeitaram da falsificação até séculos mais tarde.
Tanto a Antiga quanto a Nova Roma sabia que os Decretos eram falsificações. (20) e o procedimento romano de verificação de textos oficiais não deixa dúvida quanto a isto. Logo, é muito possível que agentes de Constantinopla, e certamente, agentes de Roma, tivessem em mãos esta compilação.
O mais forte argumento que Hincmar, arcebispo de Reims (845-882) pode conjurar contra a aplicação destes Decretos na França, foi que eles se aplicavam apenas à România Papal. Ele fez uma distinção nítida entre os Sínodos Ecumênicos, que são imutáveis e aplicáveis a toda a Igreja por terem sido inspirados pelo Espírito Santo, e as leis que são limitadas em sua aplicação para uma certa era e que são apenas uma parte da Igreja. (21). Pode-se ver o contemporâneo de Hincmar, o papa João VIII (872-882), expressando ao patriarca Fócio sua esperança, e que ele, João, podia ser capaz de persuadir os francos a omitir o Filioque no Credo. O que o papa João não compreendeu totalmente foi a determinação com a qual os Francos decidiram que os Romanos do Leste seriam apenas “gregos” e heréticos, como está claro da tradição franca agora inaugurada a escrever trabalhos contra os erros dos “gregos”.  (22)
Os Decretos foram um ataque ao coração do sistema feudal franco, já que eles extirpavam seus oficiais administrativos mais importantes, i.e. , os bispos, e colocava-os diretamente sob o controle, de todas as coisas, da cabeça Romana do estado.
Os franco astutos entenderam o perigo muito bem. Por trás de seus argumentos contra a aplicação dos Decretos na França, encontravam-se duas preocupação francas. Por um lado, eles entraram em contenda com um papa romano e, por outro lado, levaram este papa muito a sério, por medo que os villeins tornarem-se perigosos ao estabelecimento feudal se incitados pelo etnarca em Roma.
O papa Adriano II (867-872), predecessor de João VII, tratou de restaurar o Imperador Luis II (855-875) a sua possessão correta em Lotharingia, tomada por Carlos o Calvo (840-875), que foi coroado por Hincmar de Reims (845-882)(23). Hincmar respondeu a isto com uma carta ao papa. Ele advertiu Adriano a não tentar “fazer-nos escravos dos francos”, já que os predecessores do papa “não colocaram tal jugo em nossos predecessores, e que não conseguiríamos suportá-lo... assim que lutaremos até a morte por nossa liberdade e direito de nascença”. (24) Hincmar não estava tão interessado com os bispos tornando-se escravos do papa, mas que um romano ‘se tornasse escravo dos francos’.
Em 990, o Rei Hugh Capet (987-996) da França Ocidental (da Gália) e seus bispos solicitaram ao Papa João XV (985-996) a suspensão do Arcebispo Arnulfo de Reims como requerido pelos Decretos. Arnulfo tinha sido nomeado por Hugh Capet, mas posteriormente traiu seu benfeitor, em favor do Duke Carolíngio Carlos de Lotharingia que era seu tio. (25)
Impaciente com a demora de 18 meses do papa em tomar uma decisão, Hugh Capet convocou um concílio em Verzy perto de Reims em 990. Arnulfo declarou-se culpado e rogou por clemência. No entanto, um grupo de abades desafiou o processo como ilegal porque seus procedimentos não estavam de acordo com os Decretos. (26) O Concílio depôs Arnulfo. Hugh Capet fez com que Gerbert de Aurillac, o futuro Papa Silvester II, fosse nomeado em seu lugar. (27).
O Papa João, porém, rejeitou este concílio como ilegal e não autorizado. Ele enviou um abade romano chamado Leão para depor Gerbert, restaurar Arnulfo e pronunciar a suspensão de todos os bispos que haviam tomado parte no Concílio. O legado do papa anunciou a decisão do papa no Conselho de Mouson em 995. (28)
Gerbert vigorosamente se defendeu. (29) Ele rejeitou a decisão papal na presença do legado papal Leão e recusou o conselho dos colegas de desistir de seus deveres até que a questão pudesse ser trazida ao Concílio de Rheims. O O bispo de Triers finalmente o persuadiu a não celebrar a missa até chegar a decisão final sobre o caso. (30)
Deste modo, Gerbert foi completamente abandonado tanto pela estrutura eclesiástica quanto pelos nobres francos que sentiram a obrigação de explicitar, ao menos publicamente, sua concordância com a decisão do papa. Eles mesmos rejeitaram todo tipo de contato com Gerbet. O abade Leão despertou os fiéis em apoio ao papa, que estava sentado nos tronos de São Pedro e de Constantino, o Grande. Por prudência, Gerbet entrou em reclusão.
No próximo Concílio de Rheims em 996, Gerbert foi deposto e Arnulfo restaurado. (31) A nobreza eclesiástica franca não podia se opor ao apoio popular ao papa.  
Parece que não era uma superstição popular e mera piedade o que estava no fundamento do fervor popular em apoio ao papa, mas sim o Romanismo Comum que a maioria das pessoas compartilhavam com o papa. E é este Romanismo que constituiu o poder fundamental para o trono papal de São Pedro e Constantino, o Grande.
O problema fundamental era o conflito entre os romanos e os francos, que foi claramente estabelecido por Geret em uma carta a Wilderod, bispo de Estrasburgo. Ele escreveu: “A Igreja inteira dos Francos Ocidentais jaz sob a opressão e a tirania. O remédio não deve vir dos francos ocidentais, mas daqueles (os romanos)”. (32) É fácil entender o entusiasmo com o qual o sujeito do Populus Romanorum acolheu as intervenções do papa romano, punindo e humilhando os nobres francos culpados de injustiça. Que o legado Leão pudesse reverter as decisões de Hugh Capet e seus bispos, e conduzir a nobreza em conformidade com a vontade papal e Gerbert ter ficado recluso por meio dos fiéis, indica que os ingredientes de uma revolução estavam presentes.


O contra-ataque franco
O estabelecimento franco, porém, tinha o poder de reagir, e o fizera em duas frentes. Ele intensificou sua propaganda contra a “corrupção” papal e, acima de tudo, o “analfabetismo”, fazendo um movimento decisivo em favor de substituir os papas romanos por papas germânicos “pios” e “letrados”.
Os alegados papas romanos corruptos poderiam ter sido substituídos por papas romanos piedosos. Naquele tempo havia pelo menos uns 200 monastérios e 50000 monges romanos no sul de Roma. (33) Mas este era exatamente o perigo que tinha de ser rejeitado. Os Decretos nas mãos de papas Romanos Piedosos eram mais perigosos do que nas mãos de papas corruptos. O objetivo desta campanha de difamação era destruir a confiança das pessoas no papado romano e justificar a necessidade de limpeza com Francos e Lombardos “virtuosos” e “letrados”.
Otto II (973-983) apontou um Lombardo, Pedro de Pavia para o papado em 983. Ele se tornou o primeiro papa não Romano como João XIV (983-984) e assim provocou uma revolução do populacho romano auxiliado por Constantinopla. Porém, levou-se 40 anos para os nobres vassalos do Rei Roberto, o Pio (996-1031) coragem suficiente para fazer um juramento de que não mais violariam “mulheres nobres”. Eles tiveram o cuidado de não incluir mulheres villeins e servas no juramento.
A preocupação dos bispos francos com a moralidade dos bispos de Roma é coisa peculiar, uma vez que não se preocupavam com sua própria moralidade quando havia sentença de morte em suas cotes episcopais. As muitas esposas de Carlos Magno e as suas quinze crianças bastardas vivam em perigo, junto ao fato de que suas filhas estavam proibidas de se casar. Mas Carlos Magno não se preocupou em ter filhos ilegítimos, ainda que castigasse tais práticas entre seus súditos.
No Concílio de Rheims em 991, já mencionado, Arnuldo, bispo de Orleans, listou e atacou violentamente os “papas” corruptos e, claro, rogou a Pedro de Pavia, isto é, Papa João XIV, o Lombardo já mencionado. Não é acidental que o alegado clero corrupto fosse o romano unido a Constantinopla e o piedoso fosse um Lombardo.
No mesmo discurso, Arnulfo observa: “Mas como neste momento em Roma (como é publicamente conhecido) dificilmente haja alguém familiarizado com os estudos (como já foi escrito) e que possa dificilmente ser o guarda da casa de Deus – com que cara aquele que não aprendeu dos outros nem de si mesmo pode ensinar? Claro, em comparação com o pontífice romano, a ignorância pode ser tolerada entre os prelados, mas quando se trata daquele a quem é dado o poder de rever a fé, a moral, a disciplina do sacerdócio da Igreja Universal, a ignorância não pode ser de nenhum modo tolerável”. (34)
Esta fabricação deliberada deveria levantar a questão da veracidade de tais fontes francas interessadas na corrupção e analfabetismo dos papas Romanos. Certamente muitos deles nem fossem mesmo santos ou estudiosos, mas não eram como a propaganda exagerada dos francos fez acreditar, exagerando em suas fraquezas e não se detendo em sua fabricação.
No mesmo discurso, Arnulfo lista entre os “monstros” papais o Papa João XII (955-964), que foi posto em tribunal por Otto I (936-973) e condenado in absentia. O relatório de Liutprando, o bispo Lombardo de Cremona, dizia que nenhum dos crimes imputados ao papa precisavam ser provados, já que eram publicamente conhecidos, o que parece-nos razão suficiente da necessidade de se reexaminar tais casos.
Talvez o melhor incentivo para substituir um papa romano por um franco ou lombardo é aquele revelado por este mesmo Liutprando, um conselheiro Chefe de Otto I. Ele escreve: “Nós... lombardos, saxões, francos, lotharingianos, lotharigianos, bajoranos, borgonheses, temos muito desprezo [pelos romanos e seus imperadores] que quando ficamos enfurecidos com nossos inimigos, não pronunciamos nenhum insulto senão “romanos” (nisi romane), apenas isto, i.e., o nome dos Romanos (hoc solo, id est romanorum nomine) significando: o que é ignóbil, avarento, licencioso, mentiroso, em suma, mau”. (35)
Talvez a real razão para que o papa João XII se tornasse o monstro da propaganda franca, fosse o fato dele ter ousado restaurar a velha tradição dos documentos papais nos anos do reino do Imperador Romano em Constantinopla. Em qualquer caso, o discurso de Liutprando contra os romanos, acima mencionado, revela muito bem que o Oeste e o Leste eram uma só nação, e que o imperador de Constantinopla era o imperador dos romanos.
Este relatório também revela o fato que Liutprando não estava ciente da teoria predominante entre os modernos historiadores europeus de que as nações germânicas tornaram-se uma nação com os Romanos e a Europa Ocidental. Como é claro de Liutprando, os povos germânicos deste tempo teriam sido insultados por tais reivindicações.
Otto III (983-1002) resolveu o principal problema dos francos em 996 ao apontar ao papado Bruno de Carinthia, um franco do leste, que, como Gregório V (996-999), pediu a reposição de Arnulfo como arcebispo de Reims. Gerbet de Aurillac desistiu de tentar ser restaurado em Reims. Ele foi compensado, porém, pelo seu companheiro franco, agora no trono papal, com a confirmação de sua nomeação como arcebispo de Ravenna (998-999).
Após a morte de Bruno, Gerbet foi nomeado ao papado por Otto III e governou a România papal como Silvestre II (993-1003). Para os historiadores europeus e americanos, este Silvestre II é um dos grandes papas na história do papado. Mas para os romanos, ele foi a cabeça do exército franco  de ocupação que introduziu o sistema feudal de supressão na România Papal e escravizou os romanos à nobreza franca. Não havia outro jeito para que o povo da Antiga Roma aceitasse papas Germânicos.
Ao se defender contra a decisão do papa romano, João XV, o futuro papa franco Gerbert d’Aurillac, firmemente e eloquentemente apoiou as posições de Hincmar cotra a aplicação universal dos decretos. Quando d’Aurilac tornou-se o Papa Silvestre II, ele achou útil sua aplicação universal. Os decretos nas mãos do papado franco, selaram a tumba do Ocidente Romano firmemente por muitos séculos.
Entre os anos 973-1003, e especialmente entre 1003-1009, os papas romanos da România papal fizeram valentes esforços para preservar sua liberdade e independência do feudalismo franco tentando ter seus próprio papas; uma vez, pelo menos, com a assistência do exército do Leste Romano que tinha chegado a Roma e ocupado a cidade. Os imperadores germânicos, porém, criaram um método para pacificar os romanos, confirmando a eleição de papas romanos da família Tusculana romana, que assegurou o papado por si mesmo, em troca da traição à Constantinopla e sua ortodoxia representada pela Família Crescenti. No entanto, esta tática temporária foi abolida no Concílio de Sutri em 1046. Desde então, os papas germânicos foram novamente apontados por imperadores alemães, até que os normandos se tornaram o fator decisivo ao permitir que reformadores francos arrancassem o papado dos imperadores germânicos. Mesmo papas italianos como Gregório VII descenderam do exército franco de ocupação e se estabeleceram na Itália no tempo de Carlos Magno. Não é de se admirar que Beatriz e Matilde, esposa a filha de Bonifácio II, marquês da Toscana, tornaram-se as grandes apoiadoras da reforma do Papado, já que também uma família franca estivesse se estabelecido lá desde o século nono.


Conclusões:
As conclusões, creio eu, são claras. As forças subjacentes que romperam a batalha não eram os Decretos, a lei canônica e o Filioque, mas os Romanos e os Francos. Os Francos usaram a estrutura da Igreja e o dogma, de modo a manter seu direito de nascimento e a sujeitar a nação romana. Os romanos também usaram a estrutura da Igreja para reagir por sua própria liberdade contra a opressão e por sua independência.
Ambos os lados usaram as armas mais convenientes que tinham à mão. Assim, os mesmos argumentos e decretos canônicos estavam em um lado, uma hora, em outro lado, em outro momento, de acordo com a corrente ofensiva ou as necessidades defensivas de cada nação. O Filioque, porém, tornou-se uma característica permanente de conflito entre o Leste Romano e os Francos e com o Ocidente Romano de se pôr ao lado do Leste Romano.
De tudo o que foi apontado, deve ser evidente notar que há uma forte indicação de que os termos históricos romanos estão muito mais próximos à realidade do que o cisma em sua terminologia franca. O primeiro é consistente com seu próprio passado, onde o segundo é uma provocação deliberada para romper com o passado.
Para falar do cisma como um conflito etre os francos e os romanos, a teologia foi subjugada como uma arma ofensiva pelos francos, e como um escudo defensivo e contra ofensivo pelo lado Romano, algo próximo a uma cena de cinema. Por outro lado, falar de um conflito entre a Cristandade Latina e a Grega, equivale a encomendar Carlos Magno e seus descendentes a profetizar o futuro e ver que a profecia fora cumprida.  
Há uma forte evidência de que a mais alta e baixa nobreza do feudalismo europeu era majoritariamente de conquistadores germânicos e nórdicos, e que os servos eram majoritariamente descendentes de romanos conquistados, assim como de celtas e saxões romanizados. Isto explica porque o nome Franco significava tanto nobreza e liberdade em contraste com os servos. Este uso era suficientemente forte para entrar na língua inglesa por ação dos normandos. Assim, até mesmo os Afro-Americanos são descritos como recebendo uma “franquia” quando se tornam livres.
As implicações são bastante tentadoras quando aplicadas à tarefa de entender o quadro do cristianismo ou da teologia franco ou latino em relação ao cristianismo e à teologia romanas. O feudalismo, a inquisição e a teologia escolástica eram claramente o trabalho dos francos, alemães, lombardos, normandos e godos, que assumiram a Igreja e seus bens e usaram a religião dos romanos para manter os romanos conquistados em um estado servil. Em contraste com isso, os romanos conquistados pelos muçulmanos árabes e turcos tinham seus próprios bispos romanos. Assim, em um caso, os aspectos institucionais do cristianismo se tornaram uma ferramenta de supressão e, no outro, os meios de sobrevivência nacional.
Porque é algo impossível de crer que Quatro Patriarcados romperam com o Papado Franco, os francos forjaram o mito mais credível de que Quatro Patriarcados “Gregos” cooperam com o “Papado Romano”, mas na realidade, Papado Franco. Os historiadores americanos e europeus continuam a ensinar e a sustentar isso.
O cisma começou quando Carlos Magno ignorou tanto o papa Adriano I e Leão III em questões doutrinais e decidiu que os Romanos do Leste não eram nem ortodoxos, nem romanos. Oficialmente, este desafio franco foi respondido com o Oitavo Sínodo Ecumênico em 879 por todos os cinco Patriarcas Romanos, incluindo a Antiga Roma.
Não houve Cisma entre a Antiga e a Nova Roma durante dois séculos e meio de controle franco e germânico sobre a România Papal. (36). O assim chamado cisma entre o Leste e o Oeste foi, na realidade, a a importação para a Antiga Roma do cisma provocado por Carlomagno e levado a cabo pelos francos e alemães que assumiram o papado.
Parecia haver uma unidade mais forte entre os Romanos se estendendo do Atlântico ao Oriente Médio do que pôde ter existido entre aqueles que trabalham pela união baseada unicamente na Europa Carolíngia.
Talvez o melhor caminho para a reunião política da Europa é primeiro perceber que as repúblicas romanas já existentes devem, e podem, unir-se em uma Federação das repúblicas romanas. Em outras palavras, as chamadas revoluções "francesas" e "gregas" devem ser completadas tornando-se uma revolução romana.
Porém, o caminho de reunificação da Cristandade não é de natureza política ou étnica. O envolvimento da Igreja na política e nas estruturas estatais ou para a preservação ou supressão da sociedade romana produziram uma interação entre a Igreja e a Sociedade, mas não necessariamente entre o Dogma e a Sociedade.
O papado medieval incorporou a estrutura feudal em sua fábrica administrativa e elevou-o a nível de dogma.  
As igrejas ortodoxas também se adaptaram a estas circunstâncias adversas que afetaram seu tecido administrativo, mas deixaram isto ao nível da lei canônica.
As igrejas protestantes rejeitaram não apenas os aspectos dogmáticos da estrutura papal medieval, mas também, deixaram de lado todo o desenvolvimento ortodoxo também, e tentaram retroceder para aquilo que eles compreendem como Cristandade Bíblica e Apostólica.
Deste modo, os Romanos Ortodoxos e os assim chamado “Católicos Romanos” encontram-se em diferenças devido a circunstâncias históricas e os protestantes se vêem a si mesmos como um tipo de terceira alternativa.
1 ] Há dois fatores que podem ajudar na compreensão dos eventos que envolvem o papel desempenhado pelo governador de Ceuta na derrubada do governo gótico na România hispânica. O primeiro é mencionado por Ibn Khaldoun, que afirma que as tribos berberes (os númidas da história romana) foram convertidas ao islamismo doze vezes. Isto significa que os tribos berberes que participaram da libertação da Espanha ainda eram cristãos romanos, ou ainda cristãos romanos no sentimento e não diferentes do seu líder, o governador de Ceuta que era um bereber, um romano e um Cristão Ortodoxo. O segundo fator, testemunhado por São João Damasceno (cerca de 675-749) é que os romanos neste momento ainda consideravam o Islã como uma heresia cristã. O Corão (S.30) considera os romanos como correligionários. Isso significa que os romanos hispânicos aceitaram os númidas como companheiros romanos e árabes como cristãos heréticos. Esses fatores explicam a rapidez misteriosa e a eficácia total da derrubada do poder gótico. A tradição de que os judeus sozinhos ajudaram os bereberes e os árabes a conquistar Gothia (ocidental gótico ocupado) é claramente uma fabricação. Tanto os romanos judeus quanto os romanos cristãos ajudaram na libertação que, na realidade, foi a implementação de planos revolucionários de várias décadas, com duas tentativas conhecidas de incitar rebeliões através dos desembarques do exército romano já mencionado.
2 ] "Quando Duke Eudo se viu como objeto de desprezo, ele convocou assistência do povo sarraceno contra o príncipe Carlos e seus francos. Então eles se levantaram ... e atravessaram o Garonne ... Daí eles avançaram em Poitiers..." Fredegarii, Chronica Continuationes 13, trans. J.M. Wallace-Hadril (London, 1960), p. 90
3 ] On the origins of European feudalism, see my books Romanism, Romania, Roumeli (in Greek) (Thessaloniki, 1975).
4 ] Migne, PL 89: 744.
5 ] F. Mourret, A History of the Catholic Church, 3 (London, 1936), pp. 351-55. As principais condições deste decreto foram atualizadas em 817 em um acordo entre Louis the Pious (814-840) e o Papa Pascal I (817-824), mas que retroagiu em 824 pelo imperador Lothar (823-855), que acrescentou que a o papa deveria ser eleito com o seu consentimento e consagrado depois de jurar um juramento de fidelidade. Brian Pullan, Sources for the History of Medieval Europe (Oxford, 1971), pp. 47-52.
6 ] Há nesse contexto uma aparente contradição entre Einhard e a Annals of Lorsch may be resolved.
7 ] Thietmar of Mersebourg, Chronicon, 4.47; Brian Pullan, Sources for the History of Medieval Europe (Oxford, 1971), pp. 120-121.
8 ] John S. Romanides, Romanism, pp.33, 50-51, 205-249.
9 ] For a review of the historical and doctrinal aspects of this question, see J.S. Romanides, The Filioque, Anglican-Orthodox Joint Doctrinal Discussions, St. Albans 1975-Moscow 1976 (Athens, 1978).
10 ] Fredegarii, Chronica Continuationes 25.
11 ] Thus Saint Athanasios the Great's work entitled Discourse against the Greeks, Migne, PG 25: 3-96.
12 ] Pullan, Sources, pp. 16-17.
13 ] Romanides, Romanism, pp. 224- 249.
14 ] Mansi, 17. 493-496.
15 ] Ibid., 17.516-517.
16 ] Ibid., 17.525. Romanides, Romanism, p. 62ff.
17 ] Foi argumentado que a versão sobrevivente desta carta é um produto do século XIV. No entanto, a letra se encaixa perfeitamente com as condições da România papal neste momento e não poderia ter sido conhecida nem pelos francos nem pelos romanos do leste no século XIV.18 ] Mansi 17.489.
19 ] Ibid., Romanides, Romanism, pp. 149-50,, 325-27.
20 ] Não é acidental que Otto III declarou que a Doação de Constantino era uma farsa, como já mencionado, um fato que provavelmente aprendeu de sua mãe romana oriental e de seus tutores. Porèm, ele evidentemente nunca suspeitou que o restante dos Decretos haviam sido adulterados.
21 ] Os argumentos abundantes de Hincmar estão contidos em seus escritos sobre o apelo ilegal de seu sobrinho ao papado, Opuscula et Epistolae quae spectant ad causam Hincmari Laudunensis, Migne, PL 126:279-648.
22 ] Destes, os seguintes três sobrevivem: 1) Responsio De Fide S. Trinitatis Contra Graecorum Haeresim, Migne, PL 110:111-112; 2) Ratramnus of Corbie, Contra Graecorum Opposita, Migne, PL 121:225-346; 3) Aeneas of Paris, Liber Adversus Graecos, Migne, PL 121:685-762.
23 ] Mansi 16.555-60.
24 ] "...nos Francos non jubeat servire, quia istud jugam sui antecessores nostris antecessoribus non imposuerunt, et nos illud portare non possumus, qui scriptum esse in sanctis libris audimus, ut pro libertate et haereditate nostra usque ad mortem certare debeamus." Migne, PL 126:181.
25 ] Mansi 19.97-100.
26 ] É interessante notar cuidadosamente que Richerus (Historiae 68), um estudante de Gerbet, afirma que todos os abades foram retrucados de que é impossível notificar o romano pontífice sobre tal questão por causa dos obstáculos causados pelos inimigos e pelas más condições desta rota.
27 ] Mansi 19.103-08. Para a versão espontânea do processo de Gerbert, veja seu relatório a Wilderod, bispo de Strassbourg. Mansi 19.107-68. É claro que Richerus está tentando lançar o material factual de forma a encobrir o choque que estava em processo entre o estabelecimento do oeste franco e o papado romano. Isso não está evidente, como no fato de que ele evita com cuidado mencionar que Gerber e os bispos que o ordenaram foram depostos pelo papa João XV, fato que o próprio Gerber denuncia em sua carta à Imperatriz Adelaide. Mansi 19.176-78.
28 ] Mansi 19.193-96. Esta evidência deve ser usada à luz da carta de Gerbert à imperatriz Adelaide, já mencionada na nota de rodapé anterior. Richerus faz uma fraca tentativa de apresentar o papa João como tendo enviado Leão para simplesmente investigar o assunto no Conselho de Mouzon (Historiae 4.95) e, por essa razão, o texto da decisão papal teve que ser omitido em seus atos do Conselho. Pode-se entender por que esse texto também desapareceu dos arquivos papais muito provavelmente quando Bruno of Carinthia ou Gerbert assumiu o papado.29 ] Richerus, Historiae 4.101-05. Mansi 19.193-96.
30 ] Mansi 19.196. Richerus nos dá uma chave importante para essas deliberações. Gerbert finalmente prometeu abster-se da celebração da missa para evitar a aparição de uma revolta aberta contra o papa. Historiae 4.106. Em outras palavras, havia um acordo geral entre os nobres leigos e igrejas (isto é, os francos) que o papa e a multidão galo-romana (valónia) deveriam estar fora do flanco e, por esse motivo, uma decisão final foi evitada a todo custo. Que um candidato franco para o papado estivesse sendo preparado para a sucessão de João XV, talvez já estivesse decidido e conhecido pelos principais líderes francos. A fim de governar a multidão predominantemente romana de forma eficaz, os francos tiveram que sempre dar a impressão de que eram fiéis e obedientes ao papa romano.
31 ] Mansi 19.197-200. Richerus mentions this council, but is silent about its decisions. Historiae 4.108. Como já mencionado, ele evita cuidadosamente a divulgação de informações que Gerbert foi suspenso por John XV. Ao não mencionar a morte deste papa, Richerus nos dá a impressão de que Gerbert visitou duas vezes o mesmo papado, que também reconheceu sua nomeação ao Arcebispado de Ravenna.
32 ] "Pressa jacet tyrannide omnis Ecclesia Gallorum; atqui non a Gallis, sed ab his sperabatur salus," Mansi 19.166. Gallia, Germania e Itália eram partes do Império Franco governadas no passado por membros das famílias Carolíngeas. Neste contexto, Ecclesia Gallorum significa a Igreja dos Francos Ocidentais e certamente não os franceses, que neste momento eram predominantemente servos galo-romanos e habitantes das vilas sob o domínio franco. Isto é claro a partir do uso do título Rex Francorum pelos Reis Capetianos. See, e.g., Mansi, 19.93-94, 97, 105, 107-08, 113, 129, 171-72, 173-74.
33 ] F. Mourret, A History of the Catholic Church, 3 (London, 1936), p. 439; J. Gay, L'Italie Meridionale et L'Empire Byzantine (867-1071) (Paris, 1904), p. 285.
34 ] Mansi 19.132-33.
35 ] Relatio de Legatione Constantinopolitana 12. Migne, PL 136. 815
36 ] In his letter to Emperor Michael I (811-813), Carlos Magno refere-se à restauração da unidade das Igrejas no contexto do estabelecimento da paz entre os impérios ocidentais e orientais, Monumenta Germaniae Historica, Epistolae 4, p. 556ff. Carlos Magno está aqui pensando em termos do Ocidente franco e do Oriente romano. O Papa Leão III nunca aceitou as aventuras doutrinárias de Carlos Magno sobre os ícones e o Filioque, e os Patriarcas romanos do Oriente desistiram de reagir contra eles, evidentemente em apoio à delicada e perigosa posição dos romanos ocidentais sob ocupação franca. Em qualquer caso, as observações de Carlos Magno são sua própria admissão de que ele próprio provocou um cisma que existia apenas em sua própria mente, uma vez que os cinco Patriarcas romanos evitavam ser provocados e não pareciam levar os francos a sério. Para uma tradução em inglês desta carta, veja Robert Folz, The Coronation of Charlemagne (London, 1974), pp. 242-43.



tradução: Rochelle Cysne


fonte: http://www.romanity.org/htm/rom.03.en.franks_romans_feudalism_and_doctrine.01.htm

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