Recentemente, revisando alguns antigos manuais e catecismos
dogmáticos católicos romanos, uma posição estranha se destacou para mim que eu
não tinha visto anteriormente. Há muito tempo conheci as especulações de
Agostinho sobre a Trindade e as relações inter-trinitárias baseadas na falsa
analogia da psicologia e da fisiologia humana, mas quanto a sua elevação ao
status de elemento oficial do filioquismo, não havia percebido. Naturalmente, a
teologia Ortodoxa oriental rejeitou oficialmente essas premissas falsas que levaram a uma heresia, mas exatamente o tipo de heresia agora tornou-se
ainda mais impressionante.
Em primeiro lugar, consideremos uma das formas cruciais de
argumento que Santo Atanásio usa para defender a Ortodoxia contra a heresia
ariana de que o Filho era uma criação. De fato, se assim fosse, o argumento
diz: o Filho seria um produto da vontade do Pai. Se o Filho fosse um produto da
vontade, então Sua vinda ao ser não é eterna, Ele não é o Logos, e a geração
realmente não é diferente da criação. Todos esses elementos constituem a
apologética atanasiana, mas considere o seguinte de De Synodis, onde o Santo descreve
a doutrina ariana:
Blasfêmias de Ário
"O próprio Deus, em sua própria natureza, é inefável a todos os homens. Igual ou como Ele mesmo, não há ninguém. E não-gerado nós O chamamos, por causa Daquele que é gerado por natureza. Nós O louvamos como aquele que não tem princípio por causa Daquele que tem um princípio. E O adoramos como eterno, por causa Daquele que, com o tempo, veio a ser. Aquele que não tem um princípio fez do Filho um começo de coisas originadas; e o avançou como um Filho para si mesmo por meio da adoção. [...] Pois Ele não é igual, não há nenhum essencialmente igual a Ele. Sábio é Deus, pois Ele é o mestre da Sabedoria. Existe uma prova plena de que Deus é invisível para todos os seres; tanto para as coisas que são através do Filho, quanto para o Filho, Ele é invisível. Digo-o expressamente, como pelo Filho é visto o Invisível; pelo poder que Deus vê, e em Sua própria medida, o Filho perdura para ver o Pai, como é lícito. Assim, há uma tríade, não em glórias iguais. Não se misturam entre si as suas subsistências. Um mais glorioso do que o outro em suas glórias até a imensidão. Exterior do Filho, em essência, é o Pai, pois Ele não tem princípio. Entenda que a Mônada era; mas a Díada não era, antes de existir. Segue de uma vez que, embora o Filho não fosse, o Pai era Deus. Por isso, o Filho, não sendo (pois Ele existiu à vontade do Pai), é Deus Unigênito, e Ele é exterior. A sabedoria existia como Sabedoria pela vontade do Deus Sábio. Por isso, ele é concebido de várias maneiras: Espírito, Poder, Sabedoria, glória de Deus, Verdade, Imagem e Palavra. Compreenda que Ele é concebido para ser Luz e Radiância. Um igual ao Filho, o Superior é capaz de gerar; mas um mais excelente, ou superior, ou maior, ele não é capaz. Pela vontade de Deus, o Filho é tudo aquilo que Ele é. E quando e desde que Ele era, a partir desse momento Ele subsistiu a partir de Deus. Ele, sendo um Deus forte, louva em seu grau o Superior. Para ser breve, Deus é inefável para o Seu Filho. Pois Ele é para Ele o que Ele é, isto é, indizível. De modo que o Filho não pode falar sobre nada do que está além do que é compreensível; pois é impossível para Ele investigar o Pai. O Filho não conhece a Sua própria essência, pois, sendo Filho, Ele realmente existiu, pela vontade do Pai. Que argumento, em seguida, permite dizer que aquele que vem do Pai deve compreender Seu próprio Pai? Pois é claro que, para aquele que tem um começo, conceber ou ter ideia daquele que não tem um começo, é impossível." [1]
Assim, no Arianismo, pelo fato de a definição do Pai ser "não-gerado", a simplicidade divina obriga Ário a dizer que a Paternidade
e a ousia (substância ou essência) são sinônimas (como Eunômio diria depois contra São Gregório de
Nissa). Outro ser introduzido seria impossível, pois as distinções
implicariam divisões e intervalos de tempo na "essência do Pai"
não-gerado. Tanto para o ariano como para o eunomiano, a essência do Pai é uma mônada completamente fechada dentro de si, enquanto que, juntamente com a criação,
essa essência emanou uma criação secundária, o "Filho". O
interessante é que a resposta de Santo Atanásio é baseada em Colossenses e muitos
outros textos, que o Filho é a imagem expressa da hipóstase do Pai, e esta
geração é de toda a eternidade e, portanto, não é pela vontade.
Essa geração feita pela vontade é um alicerce do argumento
ariano e sua rejeição é fundamental para o dogma ortodoxo de que o Filho é
homoousios (de mesma essência) com o Pai. Na medida em que existe uma vontade em Deus, e a vontade
é uma propriedade da natureza, o Pai, o Filho e o Espírito compartilham a mesma
vontade natural. Este fato básico deve ser conhecido e admitido por todos, mas
surge um problema devastador quando chegamos ao dogma consagrado de Roma sobre
a chamada "dupla" processão do Espírito — Roma não só afirma erroneamente que o Pai-Filho opera como uma unica fonte de "princípio único", mas também é dito que a espiração do Espírito origina-se da vontade do Pai e do Filho.
O teólogo
sistemático tradicional católico Ludwig Ott explica:
"O Espírito Santo procede da vontade ou do amor mútuo
do Pai e do Filho".
O Catecismo Romano ensina que o "Espírito Santo procede
da Divina Vontade, inflamada, por assim dizer, com amor (uma divina voluntate
veluti amore inflamata)".
"O Espírito Santo designa uma... Pessoa Divina, o nome
pneuma indica que o Espírito Santo, através de uma atividade da vontade divina,
procede como o Princípio da Atividade Divina (por modum voluntatis)... o
Espírito Santo procede como um ato de amor".
"O objeto da Vontade Divina, pelo qual o Pai e o Filho
produzem o Espírito Santo é primariamente o que Deus necessariamente ama, a
saber, a Essência Divina e, secundariamente, o que Ele ama livremente, coisas criadas..." [2]
O absurdo disso deve ser imediatamente evidente, e para ser
claro a citação é do Catecismo do Concílio de Trento, páginas 93-4. Note-se que
isto é sententia certa, o nível de classificação tola que faz disso uma
proclamação romana do que é parte da teologia revelada — funcionando "mais
elevado" do que o ensino ordinário comum. Sabemos, é claro, que esta doutrina
surgiu com base na "analogia" agostiniana da psicologia humana. Para
ser ainda mais claro, este ensinamento é explícito em Denzinger 296, onde o
errôneo Concílio ocidental de Toledo adicionou o Filioque para proteger-se contra o arianismo, ao mesmo tempo que exige a simplicidade
divina absoluta. Isto significa que a doutrina em questão é um dogma Católico Romano e não uma mera opinião:
Profissão de Fé sobre a Trindade
"Que a designação desta "vontade" — embora através de uma semelhante comparação da Trindade, onde se chama memória, inteligência e vontade - refira-se à pessoa do Espírito Santo; de acordo com isso, no entanto, o que se aplica a si, é predicado substancialmente. Pois a vontade é o Pai, a vontade é o Filho, a vontade é o Espírito Santo; assim como Deus é o Pai, Deus é o Filho, Deus é o Espírito Santo e muitas outras coisas semelhantes, que, segundo a substância, aqueles que vivem como protetores da fé católica não hesitam em dizer por nenhuma razão. E assim como é católico dizer: Deus de Deus, luz da luz, vida da vida, é uma afirmação comprovada da fé verdadeira dizer vontade da vontade; assim como sabedoria da sabedoria, essência da essência; e como Deus, o Pai, gerou a Deus o Filho, assim a Vontade, o Pai, gerou o Filho, a Vontade. Assim, embora de acordo com a essência o Pai seja vontade, o Filho é vontade e o Espírito Santo é vontade, não devemos, no entanto, acreditar que existe unidade de acordo com um sentido relativo, já que um é o Pai que se refere ao Filho, outro o Filho, que se refere ao Pai, outro o Espírito Santo que, por Ele proceder do Pai e do Filho, se refere ao Pai e ao Filho; não é o mesmo, mas um de um jeito, um no outro, porque a quem há um ser na natureza da deidade, a estes há uma propriedade especial na distinção de pessoas."
Em uma passagem confusa, supostamente refutando Eunômio,
Agostinho escreve sobre o Filho, Espírito e vontade:
"Certamente foi uma resposta afiada que alguém deu ao herege, que lhe perguntou sutilmente se Deus gerou o Filho de forma voluntária ou involuntária, pois, se ele falasse involuntariamente, seguiria o absurdo que Deus era miserável; mas, se falasse de forma voluntária, ele imediatamente inferiria, como por uma razão invencível, que estava dizendo, a saber, que Ele era o Filho, não da Sua natureza, mas da Sua vontade. Mas aquele outro, com grande atenção, exigiu dele, por sua vez, se Deus Pai era de Deus, de forma voluntária ou involuntária; a fim de que, se ele respondesse de forma involuntária, aquela miséria seguiria, que acreditar em Deus é pura loucura; e se ele dissesse de forma voluntária, seria respondido a ele, então Ele é Deus também por Sua própria vontade, não por Sua natureza. O que resta, então, exceto que ele deve manter a paz, e discernir que ele próprio estava preso por sua própria pergunta em um vínculo insolúvel? Mas se alguma pessoa na Trindade também deve ser especialmente chamada de vontade de Deus, este nome, como o amor, é mais adequado ao Espírito Santo; pois o que mais seria o amor, exceto a vontade?" [3]
A pessoa, a vontade, a essência, o ato ou a energia estão
aqui fundidos e confundidos, como será a norma perene para a teologia ocidental,
mas cito isso para mostrar que Agostinho estava bem ciente do argumento
Eunomiano e Ariano de que o Filho era um produto da vontade do Pai. Embora seja
certamente um argumento ruim, a resposta de Agostinho é que se qualquer Pessoa
na Trindade é a vontade (ou um produto da vontade), é o Espírito! Por quê?
Porque nesta tradição latina, em Deus, Suas ações são estritamente Sua essência
— e não só isso, elas também são Pessoas. Ao invés da formulação Ortodoxa do
amor como uma energia divina natural - em que todas os Três têm em comum - aqui
"amor" é de alguma forma mais uma Pessoa do que outra. A
"justiça" também é uma pessoa divina? E a Onisciência? Se o Espírito
é a vontade, e também é um produto da vontade, a estupidez deste erro se torna
manifesto, pois o Espírito espira a Si mesmo. Esta longa e louca confusão é justamente
refutada no famoso tratado de São Fócio, o Grande, a Mistagogia do Espírito
Santo.
Resumidamente, vamos ver que este é também o ensinamento
de Tomás de Aquino (seguindo a linha de Agostinho) em seu argumento combinado
com a dupla procissão:
"Além disso, a ordem da processão de cada um concorda com esta conclusão. Pois foi dito acima (I: 27: 4; I: 28: 4), que o Filho procede pelo caminho do intelecto como a Palavra e o Espírito Santo por meio da vontade como Amor. Agora, o amor deve proceder de uma palavra. Pois não amamos nada, a menos que a compreendemos por uma concepção mental. Daí também, desta maneira, é manifesto que o Espírito Santo procede do Filho". [4]
A essência divina é a hipóstase, vontade e ação,
todos os predicados de Deus se misturam em um eunomianismo clássico. O modalismo de Eunômio, como mostrado no volumoso tratado de
São Gregório de Nissa, foi baseado em uma identificação isomórfica de vários
termos e nomes com a essência divina. Proclamando saber o que ele não sabia,
Eunômio, como Ário antes dele, imaginava tolamente as pessoas divinas como
produtos da vontade divina. Santo Atanásio e o resto da teologia ortodoxa
continuaram enfaticamente e dogmaticamente a rejeitar essas noções e,
especificamente, a heresia das hipóstases divinas como produtos da vontade.
O Catolicismo Romano, no seu zelo para defender este erro, simplesmente transferiu um antigo argumento subordinacionista ariano sobre o Filho para o Espírito! A ironia aqui é que o filioquismo é ignorantemente apresentado como uma resposta ao Arianismo, ao mesmo tempo que fazia o mesmo argumento que os arianos fizeram sobre o Filho e aplicando-o ao Espírito — que Ele é um produto da vontade. Além disso, isto é promovido em seus manuais dogmáticos, apologias cotidianas e catecismos clássicos. Admitir que isso é um erro é realmente o colapso de todo o edifício (o que já está acontecendo de qualquer maneira).
De fato, na mesma obra, Santo Atanásio repreende
especulações baseadas em analogias humanas para termos como "gerado"
e explica que não é pela vontade:
Assim, ao falarmos em "prole", não temos pensamentos humanos, e, embora conheçamos a Deus por ser um Pai, não cogitamos ideias materiais sobre Ele, mas enquanto ouvimos essas ilustrações e termos, pensamos adequadamente sobre Deus, pois ele não é como homem, de modo semelhante, quando ouvimos falar de "coessencial", devemos transcender todos os sentidos e, de acordo com o provérbio, "entenda pelo entendimento o que está estabelecido para nós" (Provérbios 23:1); de modo a saber, não pela vontade, mas na verdade, Ele é genuíno do Pai, como Vida da Fonte e Radiância da Luz. Por outro lado, por que devemos entender "prole" e "filho", de forma não corpórea, enquanto concebemos "coessencial" à maneira corpórea? Especialmente porque esses termos não são usados aqui sobre diferentes sujeitos, mas de quem a "prole" é predicada, dEle também é "coessencial". [5]
O Espírito, também, possui a mesma Divindade, Essência,
Poder, Glória e Vontade do Pai e do Filho, sem ser a Vontade, Pai ou Filho:
"E em um só Senhor Jesus Cristo, Seu Filho, Deus unigênito (João 1:18), que foi gerado do Pai antes de todos os tempos, Deus de Deus, todo do todo, único do único, perfeito do perfeito, Rei do Rei, Senhor do Senhor, Palavra viva, Sabedoria viva, Luz verdadeira, Caminho, Verdade, Ressurreição, Pastor, inalterável e imutável; imagem exata da Divindade, Essência, Vontade, Poder e Glória do Pai; o primogênito de toda criatura, que estava no princípio com Deus, Deus o Verbo, como está escrito no Evangelho, "e o Verbo era Deus" (João 1: 1); por quem todas as coisas foram feitas, e em quem consistem todas as coisas; que nos últimos dias desceu dos céus e nasceu de uma Virgem segundo as Escrituras, e foi feito homem, mediador entre Deus e homem, e apóstolo de nossa fé, e príncipe da vida, como ele diz: desci do céu, não fiz a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou (João 6:38); que sofreu por nós e ressuscitou no terceiro dia, e subiu aos céus, e sentou-se à direita do Pai, e voltará em seu poder e glória, para julgar os vivos e os mortos." [6]
[1] De
Synodis 2.15
[2]
Fundamentals of Catholic Dogma, pgs. 66-7
[3] On the
Holy Trinity 20.38
[4] Summa Theologica, I. Q36, 3
[5] De Synodis 3.42
[6] Ibid. 2.23Tradução: Felipe Rotta
(revisado pelo Skemmata)
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ResponderExcluiro dono deste blog literalmente pega um artigo do Dyer que usa uma explicação anagógica, uma forma simplificada de explicar, e coloca isso como se esta forma simples fosse uma heresia. É uma piada mesmo. Ninguém nunca vai conhecer 100% a Deus cá na Terra, nem mesmo no Céu, quando é dito que Deus Espírito é uma """vontade""" é no sentido Dele preencher a tudo e a todos, quando diz que Ele é """amor""" entre Pai e Filho é no sentido Dele ser igual a AMBOS EM RELAÇÃO A SQUILO QUE ELE É E SEMPRE FOI. Eu não consigo enxergar diferença entre um Dyer e um pastor da Presbiteriana que usa de distorções para provar algo.
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