sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A Catolicidade da Igreja Ortodoxa (Pe. Georges Florovsky)

A Igreja é una. Há apenas uma Igreja de Cristo. Pois a Igreja é o Seu corpo e Cristo nunca está dividido. A unidade não é uma marca da Igreja entre as outras. Ela denota antes a própria natureza da Igreja: uma Cabeça e um corpo. "A unidade do Espírito" foi concedida desde o início no mistério de Pentecostes. Mas esta unidade deve ser mantida e fortalecida "pelo vínculo da paz", por um esforço sempre crescente de fé e caridade, para que " seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Efésios 4, 3.15). "Unidade" e "catolicidade" são dois aspectos da mesma realidade viva. A Igreja una é intrinsecamente a Igreja Católica.

O termo "católico" é usado nos antigos credos. A origem do termo é incerta. Por sua etimologia, a palavra denota principalmente "união" ou "totalidade" em oposição a qualquer "particularidade". Nos primeiros documentos, o termo "católico" nunca foi usado no sentido quantitativo para denotar a expansão geográfica ou a universalidade territorial da Igreja. Foi usado antes para enfatizar a integridade de sua fé e doutrina, a lealdade da Grande Igreja à tradição original e primitiva, em oposição aos hereges e sectários que se separaram desta totalidade original, cada um para seguir uma linha particular e particularista.  "Católico" naquela época significava "ortodoxo" em vez de "universal". É neste sentido que o termo foi usado pela primeira vez na Epístola de Santo Inácio de Antioquia à Igreja de Esmirna e no Martírio de São Policarpo. Em suas Orações Catequéticas, São Cirilo de Jerusalém mais tarde deu uma descrição sintética do termo onde o significado original foi bem enfatizado:
A Igreja é chamada "católica" porque existe em toda a superfície da terra, de um extremo ao outro; porque ensina integralmente e sem omissão (kathotikos kai anelleipos) todos os dogmas que devem ser levados ao conhecimento dos homens, tanto nas coisas visíveis como nas invisíveis, nas coisas celestes e nas coisas terrenas; porque leva ao mesmo culto todas as categorias de pessoas, governantes e súditos, instruídos e ignorantes; por fim, porque ela cuida e cura integralmente (katholikos) todos os tipos de pecados, tanto carnais como da alma; e mais, porque ela possui todos os tipos de virtudes, em atos, em palavras, em dons espirituais de toda sorte.
A ênfase original na integridade e na abrangência qualitativa é óbvia nesta descrição. A expansão universal em todo o mundo é antes uma manifestação desta integridade interna, da plenitude espiritual da Igreja. Foi somente no Ocidente que a palavra "católico" recebeu um significado quantitativo, especialmente por Santo Agostinho, para combater o provincialismo geográfico dos donatistas. Santo Agostinho sabia bem, porém, que a palavra "católico" significava secunditm totum, quia per totum est. Desde então, as duas palavras "católico" e "universal" passaram a ser consideradas sinônimas, primeiro no Ocidente e, por fim, também no Oriente Ortodoxo. Esta foi uma lamentável redução da grande concepção católica, uma mutilação da ideia original. Ela transferiu a ênfase do significado primário para o secundário e derivado. A catolicidade essencial não é uma concepção topográfica. A Igreja de Cristo não era menos "católica" no dia de Pentecostes, quando não era mais que uma pequena comunidade em Jerusalém, nem mais tarde, quando as comunidades cristãs eram como ilhas espalhadas no oceano do paganismo. Além disso, nenhuma redução territorial pode afetar sua natureza católica. Em resumo, na frase de um teólogo [católico] romano contemporâneo, "a catolicidade não é uma questão de geografia ou de números".

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Além disso, "católico" não é apenas um termo coletivo. A Igreja é católica não apenas como um conjunto de todas as igrejas locais, não apenas como uma comunidade mundial. A Igreja é católica em todos os seus elementos e ramos, em todos os seus atos e em todos os momentos da sua vida. Cada membro da Igreja é e deve ser também "católico", não só na medida em que é membro de um corpo católico, mas sobretudo na medida em que a sua personalidade é espiritualmente integrada e, neste sentido, "catolicizada". "Católico" denota um estado ou atitude espiritual, sem qualquer "particularismo" ou "sectarismo". A meta e o critério desta catolicidade interna é "que a multidão dos crentes era de um só coração e uma só alma" (At 4,32). 

A catolicidade é tanto um dom inicial de graça - na integridade da fé apostólica e na caridade integral - como uma tarefa ou um problema a ser resolvido repetidamente. Objetivamente, a Igreja é católica nos seus sacramentos. A graça sacramental é sempre uma graça de unidade. O Espírito Santo une-nos ao Senhor, incorporando-nos no Seu corpo. O espírito nos une para formar "um só corpo", a Igreja católica. E em cada alma fiel o Espírito é a fonte viva da paz e da concórdia interior, daquela paz que "o mundo não pode dar". Em Cristo e "na comunhão do Espírito Santo", a catolicidade da Igreja já está dada e fundamentada. Por outro lado, ela é ainda uma tarefa e uma meta a ser atingida por cada nova geração, em cada comunidade local, por cada pessoa fiel. A catolicidade interna implica a transformação ou transfiguração total da vida e do comportamento, que só pode ser realizada com um esforço espiritual constante, com a prática constante da renúncia e da caridade. Na estrutura católica da Igreja não há lugar para o egoísmo e exclusividade, nem para qualquer auto-suficiência individualista. 

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A Igreja Ortodoxa afirma ser a Igreja. Não há orgulho nem arrogância nesta tremenda reivindicação. Pelo contrário, implica uma pesada responsabilidade. É um lembrete constante de inadequação, um chamado ao arrependimento e à humildade. De modo algum é uma reivindicação de "perfeição". A Igreja ainda está em peregrinação, em trabalho, in via. Ela tem os seus fracassos e perdas históricas; tem as suas tarefas e problemas inacabados. Nem é apenas uma reivindicação. É antes uma expressão da mais profunda convicção - do mais profundo autoconhecimento espiritual - humilde e agradecida. A Igreja Ortodoxa é consciente de sua identidade através dos tempos, apesar de todas as provações e tribulações históricas. Ela acredita que manteve intacta e imaculada a herança sagrada da Igreja primitiva, dos Apóstolos e dos Padres, a "fé uma vez por todas confiada aos santos". Ela está consciente da identidade do seu ensinamento com a pregação apostólica e a tradição da Igreja antiga, mesmo que tenha falhado ocasionalmente e provavelmente com demasiada frequência em transmitir esta mensagem e esta tradição às gerações particulares em todo o seu esplendor e de uma forma que carrega convicção. Em certo sentido, a Igreja Ortodoxa é uma continuação, uma "sobrevivência", do antigo cristianismo, tal como se formou na era dos Concílios Ecumênicos. Ela representa a tradição dos Padres, que se encarna também na sua estrutura litúrgica e na sua prática espiritual. Trata-se de uma tradição viva, que confere à Igreja ortodoxa a sua identidade. Também não se trata de uma mera tradição humana, mantida pela memória e imitação humanas. A identidade última da Igreja fundamenta-se na sua estrutura sacramental, na continuidade orgânica do corpo. A Igreja Ortodoxa encontra-se numa sucessão ininterrupta de vida sacramental e de fé. Ela tem consciência de ter sido sempre a mesma desde o início. E por isso mesmo a Igreja Ortodoxa se reconhece, na nossa cristandade dividida, como verdadeira guardiã da antiga fé e ordem, isto é, como sendo a Igreja. Todo o programa de ação ecumênica está implícito nesta eclesiologia Ortodoxa.

Do capítulo "The Historical Problem of a Definition of the Church" no livro "Ecumenism II: A Historical Approach"  (Vol. das obras reunidas)



Num certo sentido, a Igreja Ortodoxa é uma sobrevivência do antigo cristianismo, tal como foi moldada na era dos Concílios Ecumênicos e dos Santos Padres. A Igreja Ortodoxa representa exatamente a tradição Patrística. Certamente ela foi, e deve ser, a tradição comum tanto do Oriente como do Ocidente, e aqui reside a sua importância primordial e o seu poder unificador. Mas no Ocidente, na Idade Média, esta tradição Patrística foi reduzida ou empobrecida (por um período considerável de tempo "Patrística" significava no Ocidente simplesmente "Agostinianismo", e todo o resto foi ignorado ou esquecido,) e mais uma vez foi obscurecida e sobrecarregada com uma superestrutura escolástica mais tarde. Assim, no Ocidente, ela tornou-se uma espécie de reminiscência histórica, apenas uma parte do passado que aconteceu e deve ser redescoberta por um esforço de memória. Apenas no Oriente ela se manteve viva durante séculos até aos nossos dias. Não se trata, de forma alguma, apenas de uma relíquia arcaica, um remanescente sombrio de épocas passadas. É uma tradição viva. É o que dá ao Oriente a sua identidade cristã. É o que manteve a sua identidade através de séculos de contendas e tentações. Não estou falando aqui de opiniões Patrísticas, mas precisamente da mentalidade e atitude Patrísticas. 

Do capítulo "The Greek and Latin Mind in the Early Ages of the Church" no livro "Ecumenism II: A Historical Approach"  (Vol. 14 das obras reunidas)










quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A União de Brest; "Irmandades"; o Mosteiro das Cavernas de Kiev (Pe. Georges Florovsky)

A Unia começou como um cisma e permaneceu um cisma. Na frase pertinente do historiador da igreja moderna Metropolita Makarii (Bulgakov), "a União na Lituânia, ou melhor, nas terras da Rússia Ocidental, originou-se com um anátema". A Unia foi fundamentalmente um movimento clerical, obra de alguns bispos, separados e isolados da comunidade da Igreja, que agiram sem o consentimento livre e conciliar, sem consensus plebis, ou como se lamentava na época, "secretamente e furtivamente, sem o conhecimento [porazumenie] do povo cristão". Assim, não pôde senão dividir a Igreja Ortodoxa, fragmentar a comunidade de fé e afastar a hierarquia do povo.

Este mesmo padrão foi seguido posteriormente em outras áreas, na Transilvânia e na região Cárpato-Russa da Hungria. O resultado em toda a parte foi uma situação peculiar e anormal: à cabeça do povo Ortodoxo estava uma hierarquia uniata. As hierarquias viam a sua submissão à autoridade romana como uma "reunião da Igreja", mas na realidade as Igrejas estavam agora mais afastadas do que nunca. Enquanto que, por um lado, seguindo sua própria lógica, a nova hierarquia uniata entendia a resistência do povo como sendo desobediência incondicional à autoridade estabelecida, a rebelião de um rebanho rebelde contra seus pastores legítimos, por outro lado, os crentes Ortodoxos, entendiam a resistência à hierarquia, sua chamada "desobediência", como o cumprimento do dever cristão, a inevitável exigência de lealdade e fidelidade.  "Nem sacerdotes, nem bispos, nem metropolitas nos salvarão, mas o mistério da nossa fé e a observância dos mandamentos divinos é o que nos salvará", escreveu Ivan Vishenskii do Monte Athos. E ele logo em seguida defendeu o direito dos fiéis cristãos de depor e expulsar qualquer bispo apóstata, "para eles não irem para a Geena com o mau olhado ou pastor". Este foi um conselho perigoso. Mas a situação tinha se tornado cheia de ambiguidade e complexidade.

A Unia na Polônia não só fragmentou a Igreja Oriental, mas também dividiu a comunidade Católica Romana. Ao criar um segundo santo corpo sob autoridade papal, ela originou uma dualidade dentro da Igreja ocidental. A “paridade total de ritos” nunca foi alcançada ou reconhecida, nem os dois rebanhos de obediência comum jamais se tornaram um - de fato, isso não foi exigido no acordo original. As tensões entre o Oriente e o Ocidente entraram então na vida da Igreja Católica Romana. À medida que se espalhavam, intensificavam-se. Assim, sociologicamente, a Unia provou ser um fracasso. A única saída para este impasse, ou assim alguns vieram a acreditar, era através da integração gradual (i.e., "latinização") da Igreja Uniata. Esta tendência foi reforçada por mais um outro sentimento. Muitos, desde o início, viam o rito oriental como "cismático", mesmo que dentro da obediência romana. Eles sentiam que era uma acrescência estranha, uma concessão tática a ser tolerada por razões estratégicas, mas destinada a dar lugar à plena integração em um rito uniforme, isto é, latino. Daí que a história posterior da Unia no Estado Polaco-Lituano passou a ser dominada apenas por esse desejo de uniformidade, esse desejo de "latinização".

Tem sido argumentado por alguns do lado Católico Romano que este desenvolvimento foi normal, um sinal de vida orgânica e prova de vitalidade. Em certo sentido, isso é verdade. Mas qualquer que seja o caso, deve-se reconhecer que a Unia em sua forma madura foi bem diferente daquela concebida em 1595, e até mesmo daquela nutrida pelos primeiros líderes Uniatas. Também tem sido argumentado que tal instituição "bizantina" dificilmente poderia ter sobrevivido em um estado que por princípio e aspiração era totalmente ocidental, ainda mais depois que várias regiões eslavas orientais foram para Moscou e os grupos Ortodoxos mais "intransigentes" foram removidos dos cuidados poloneses. Todas estas são apenas formas suaves e eufemísticas de dizer que, em princípio, a Unia significava "Polonização", que é o que aconteceu historicamente. Este era, naturalmente, um dos objetivos originais. Os interesses do Estado Polonês exigiam a integração cultural e espiritual do seu povo cristão, e é por esta razão que o Estado primeiro encorajou e depois apoiou a Unia. Realmente, o fato de ter sobrevivido foi devido à intervenção do Estado. Mas também politicamente, a Unia foi um fracasso. Ela promoveu a resistência em vez da integração e acrescentou ao "cisma na alma", um "cisma no corpo político".  O outro impulso primordial para a Unia (aparentemente a ideia comovente de missionários Católicos Romanos tal como Possevino) buscou uma verdadeira "reunião das Igrejas", abrangendo toda a Igreja Russa e, se possível, todas as Igrejas Orientais. A esta aspiração distintamente religiosa foi dado um golpe fatal por aquilo que foi alcançado política e culturalmente, precisamente por aquilo que foi elogiado como prova de sucesso ou de vitalidade.

A União de Brest permaneceu como começou, um "arranjo local" em sua maior parte gerado e preservado por razões e forças de caráter não teológico. A União de Brest não nasceu de um movimento religioso popular. Foi a composição de vários bispos Ortodoxos então responsáveis pelas dioceses Ortodoxas no Estado Polaco-Lituano, juntamente com autoridades da Igreja Romana e do Reino da Polônia. Uma vez que se percebeu que o ato não garantiria o acordo ou a simpatia de todo o corpo da Igreja, ela só poderia continuar como um caso clandestino.  Aparentemente temerosos de que mais atrasos pudessem subverter todo o empreendimento, os Bispos Pociej e Terletskii (Terlecki) partiram para Roma. Mas as notícias do plano secreto deles tornaram-se públicas, e mesmo enquanto estavam fora, o protesto público contra a Unia começou na Igreja. O Concílio de Brest foi convocado no regresso deles. Foi planejado para uma promulgação solene de um  fait accompli [fato consumado], não para uma discussão. Mas antes que os membros se reunissem, apareceu uma divisão nas fileiras dos Ortodoxos. Dois "concílios" resultaram, reunindo-se simultaneamente e movendo-se para resoluções opostas. O "Concílio Uniata" contou com a presença de representantes da Coroa Polonesa e da hierarquia latina, bem como de várias hierarquias da Igreja Ortodoxa. Ele elaborou um instrumento de fidelidade Ortodoxa à Santa Sé, que foi então assinado por seis bispos e três arquimandritas. O “Concílio Ortodoxo” contou com a presença de um exarca do patriarca ecumênico (Nicephorus), um emissário do patriarca de Alexandria (Cirilo Lucaris), três bispos (Lucas, o metropolita de Belgrado, Gedeon Balaban, e Mikhail Kopystenskii), mais de duzentos clérigos e um grande número de leigos reunidos em uma câmara separada. O Concílio rejeitou a Unia e depôs os bispos que seguiram ela, anunciando as suas ações em nome e sob a autoridade do patriarca ecumênico, que tinha jurisdição suprema sobre a metrópole das terras da Rússia Ocidental. As decisões do "Concílio Ortodoxo" foram denunciadas pelos bispos Uniatas e - de maior importância - repudiadas pelo Estado polonês. A partir de então, toda resistência à Unia foi interpretada como oposição à ordem existente, e qualquer escrito crítico ao ato foi classificado como ofensa criminal. O exarca Nicéforo, que presidiu o "Concílio Ortodoxo", foi perseguido e condenado como agente de um estado estrangeiro. Como uma medida final, foi declarado que a "fé grega" não seria reconhecida por lei. Aqueles que permaneceram fiéis à Ortodoxia não seriam mais simplesmente estigmatizados como "cismáticos", mas também perseguidos como "rebeldes". O que até então para o estado tinha sido essencialmente um problema de "unidade religiosa" foi instantaneamente transformado em um problema de "lealdade política". Quanto aos crentes Ortodoxos, eles tinham agora que preparar uma defesa teológica de sua fé e, mais urgentemente, lutar pelo reconhecimento legal.

A luta dos Ortodoxos contra a Unia forçada foi sobretudo uma manifestação da consciência coletiva do povo da Igreja. Inicialmente os principais centros eram Vilna e Ostrog. Mas logo Lvov veio à tona, e juntou-se a Kiev no início do século XVII. De maior importância foi a mudança nos estratos sociais sobre os quais os apologistas Ortodoxos podiam contar com a simpatia e apoio. Enquanto nos dias de Kurbskii e Ostrozhskii a causa Ortodoxa foi principalmente apoiada pela alta aristocracia [szlachta], na geração seguinte as famílias nobres experimentaram um êxodo para a Unia ou mesmo para a Igreja Católica Romana. O estudo nas escolas jesuítas frequentemente precipitou ou promoveu o êxodo, e a integração cultural na alta sociedade polonesa sempre o exigiu. Outra pressão foi a exclusão dos "cismáticos" de todas as posições importantes no serviço público, ou seja, em qualquer ramo da vida. Para substituir a aristocracia nas linhas de frente da defesa Ortodoxa, os citadinos tomaram a posição. E com a virada do século, os cossacos, ou mais especificamente a chamada "Irmandade dos Cavaleiros do Regimento de Zaporozhe", assumiram as armas. Nesses mesmos anos ocorreu também uma importante mudança institucional. O papel principal na defesa da Ortodoxia era agora assumido pelas famosas "irmandades" [bratstva], cuja rede logo se espalhou por todas as terras ocidentais.

A origem das irmandades ainda é obscura. Várias teorias foram apresentadas, mas nenhuma é totalmente convincente. A visão mais sensata sugere que elas começaram como organizações paroquiais e, em algum momento nos anos conturbados anteriores à Unia, provavelmente na década de 1580, se transformaram em "corporações para a defesa da fé", e depois disso receberam confirmação eclesiástica. As irmandades de Vilna e Lvov tiveram seus “estatutos” aprovados pelo Patriarca Jeremias em 1586, e então, inesperadamente, receberam cartas reais. Nos assuntos internos, as irmandades eram autônomas. Algumas também gozavam do status de stauropegia; isto é, estavam isentas da jurisdição do bispo local e isso, com efeito, as colocava diretamente sob o domínio do patriarca de Constantinopla. A primeira irmandade a receber tal status foi Lvov, seguida por Vilna, Lutsk, Slutsk e Kiev, e ainda mais tarde Mogilev. A irmandade de Lvov, por um tempo, teve até mesmo a autoridade do patriarca para supervisionar as ações de seu bispo local, incluindo o direito de julgá-lo como uma corte de instância final. Qualquer decisão de culpa proferida pela irmandade carregava o anátema automático dos quatro patriarcas do oriente. Esse arranjo incomum só pode ser explicado pela anormalidade da situação, na qual o elemento menos confiável na Igreja da Rússia Ocidental era a hierarquia. Ainda assim, conceder tal poder aos corpos leigos era um empreendimento ousado. Sem dúvida, esse crescimento sem precedentes do poder leigo, provavelmente com abusos concomitantes, foi um forte fator que levou alguns bispos em direção a Roma, na crença de que Roma conseguiria restaurar a autoridade adequada. O conflito e o distanciamento gerado entre a hierarquia e os leigos após a Unia criaram uma atmosfera nociva que afetava profundamente a consciência religiosa de ambos. De fato, nenhum período na vida da Igreja da Rússia Ocidental foi mais difícil do que aquele entre o Concílio de Brest e a “restauração” da hierarquia Ortodoxa pelo Patriarca Teófanes de Jerusalém em 1620, época em que o episcopado Ortodoxo estava quase extinto. Os mal-entendidos e os confrontos destes anos entre as irmandades e as autoridades eclesiásticas locais foram tão numerosos e graves que mesmo o restabelecimento de uma hierarquia canônica não pôde restabelecer a ordem na Igreja. E a continuação dos problemas foi ainda mais assegurada quando o Estado polonês se recusou obstinadamente a reconhecer esta nova hierarquia.
O complexo da Irmandade de Kiev incluía o Mosteiro da Irmandade e sua escola religiosa 
A restauração de uma hierarquia canônica foi precedida por prolongadas negociações entre o Patriarca Teófanes IV e vários círculos na Rússia Ocidental, onde permaneceu por dois anos. Ele então foi para Moscou, onde teve a oportunidade de discutir a situação com as mais altas autoridades locais, o Patriarca Filareto e o Tsar Mikhail. No seu regresso a Jerusalém, Teófanes voltou a visitar a Polônia. Seus contatos desta vez incluíram os cossacos, então liderados por Hetman Peter Konashevich-Sagadaichny, um ex-aluno da escola Ostrog, um dos fundadores da escola da irmandade de Kiev, e um homem de genuína inclinação cultural. Em movimentos que dificilmente foram não premeditados, Teófanes, em duas ocasiões, organizou a consagração dos bispos, criando no total seis novos hierarcas, entre eles o Metropolita de Kiev. Vários dos novos bispos eram conhecidos por sua educação: Iov Boretskii, ex-diretor das escolas de Lvov e Kiev, agora feito Metropolita de Kiev; Meletii Smotritskii, ex-aluno da Academia de Vilna, que também havia frequentado várias universidades alemãs; e Ezekiel Kurtsevich, filho de uma família principesca e por um tempo estudante da Universidade de Pádua. Apesar de tais qualificações, os novos hierarcas Ortodoxos se viram imediatamente envolvidos em uma amarga luta por autoridade. Tanto a Igreja Uniata como o Estado polonês contestaram as consagrações, alegando que Teófanes era um intruso, um impostor e até mesmo um espião turco. Somente em 1632, logo após a morte do rei Sigismundo III, a hierarquia Ortodoxa conseguiu obter do seu sucessor, o rei Wladyslaw IV, o reconhecimento da lei. Mas, mesmo assim, as dificuldades não tinham cessado completamente. 

Os problemas com o Estado polonês não foram os únicos que os fiéis Ortodoxos enfrentaram. Em geral, foi um período inconveniente, uma era de lutas e conflitos internos, uma era de guerras e revoltas. Ser construtivo em tais condições não era fácil. Era difícil organizar atividades religiosas sistemáticas e criar um sistema escolar regular. Era ainda mais difícil preservar alguma forma de calma e clareza de pensamento, tão indispensável à vida da mente. No entanto, um pouco foi alcançado, embora ainda não seja possível avaliar seu pleno significado.

No campo da educação, as irmandades assumiram a liderança. Eles organizaram escolas, montaram centros de publicação e livros impressos. As primeiras escolas da irmandade - como a escola de Ostrog - foram planejadas segundo o padrão grego. Afinal, a população grega nas cidades do sul da Rússia e da Moldávia era bastante considerável naquele tempo, com toda a região servindo como uma área importante da diáspora grega. O contato com Constantinopla era frequente e regular. A influência grega podia ser sentida em tudo, e não começou a desaparecer até o final do século XVII. A escola da irmandade em Lvov foi fundada por um prelado emigrante, Arsenius, arcebispo de Elassona e um ex-aluno do patriarca Jeremias. Lá, depois de 1586, a língua grega tornou-se um destaque, se não a característica principal do currículo. Inevitavelmente, parte da nomenclatura tornou-se grega. Professores, por exemplo, eram chamados didascais e os alunos chamados spudei. Em 1591, Arsenius compilou uma gramática grega, que ele publicou em grego e eslavo. Baseado principalmente na notável gramática de Constantine Lascaris, também se baseou nos manuais de Melanchthon, Martin (Kraus) Crusius, e Clenard de Louvain. Na sua escola da irmandade em Lvov, como também em Vilna e Lutsk, não era incomum os alunos aprenderem a falar grego fluentemente. Também não havia falta de literatura grega disponível. Os catálogos das bibliotecas da irmandade listam edições inteiras dos clássicos - Aristóteles, Tucídides e similares. Os pregadores citariam o texto grego das Escrituras em seus sermões. Em todos os lugares, os títulos gregos eram a moda para os livros e panfletos e, em geral, a língua literária da Rússia Ocidental naquela época era saturada pela terminologia grega. Aparentemente, todo o espírito de ensino, assim como o ethos, era helênico. Também é verdade que o latim fazia parte do currículo das escolas da irmandade desde o início. Mas, em geral, o “aprendizado do latim” era visto como um ornamento desnecessário, ou mesmo como uma “sofística” perigosa. O comentário de Zakharii Kopystenskii era bastante típico: “Os latinizadores estudam silogismos e argumentos, treinam-se para disputas e depois tentam vencer debates entre si. Mas gregos e eslavos Ortodoxos mantêm a verdadeira fé e recorrem às Sagradas Escrituras para suas provas.”

Em 1615, no mesmo ano em que a famosa irmandade de Kiev foi fundada, uma colônia de monges eruditos residia no Mosteiro das Cavernas de Kiev, reunidos principalmente em Lvov pelo novo arquimandrita e abade Elisei Pletenetskii. Em 1617, a imprensa Balaban foi levada de Striatin ao mosteiro, onde foi posta em uso imediato. As principais publicações eram livros litúrgicos e os escritos dos Padres, mas outras obras e autores também merecem destaque. Em primeiro lugar, existe o valioso léxico eslavo-ucraniano [Leksikon Slaveno-Rossiskii i imen tolkovanie] compilado por Pamvo (Pamfil) Berynda, um moldavo, e impresso em 1627. Das obras originais dos estudiosos de Kiev, a mais interessante e significativa é o Livro de Defesa da Santa Igreja Apostólica Ecumênica Apostólica [Palinodiia] de Zakharii Kopystenskii, que em 1624 sucedeu a Pletenetskii como abade do Mosteiro das Cavernas. Foi escrito como resposta ao livro uniata, Defesa do Encontro da Unidade da Igreja [Obrono jednosci cerkiewney, (Vilna, 1617)], de Leo Krevsa. Kopystenskii procurou em seu estudo elucidar o entendimento oriental da unidade da Igreja e, com grande talento artístico, substanciou seu argumento através das Escrituras e dos Padres. A partir da obra Palinodiia e outros escritos, fica claro que Kopystenskii era um homem de ampla erudição. Ele conhecia os Padres e conhecia historiadores e canonistas bizantinos, além de livros modernos sobre o Oriente (por exemplo, Turko-Graeciae de Crusius) e também tinha lido alguns livros em latim (por exemplo, De republica ecclesiastica por Marco Antonio de Dominis e De Papa Romano de Lubbertus). Kopystenskii - como Máximo, o Grego antes dele - silenciosamente e sobriamente rejeitou o escolasticismo ocidental. É evidente que Kopystenskii conhecia seu material e o havia trabalhado por conta própria. Ele não era um imitador, nem simplesmente um fatologista, mas um estudioso criativo no molde bizantino. Seu Palinodiia, obra de muitos anos, ainda é um modelo de lucidez. Infelizmente, não foi publicado em sua época e, em verdade, até o século XIX. Kopystenskii morreu logo após sua conclusão. Seu sucessor no Mosteiro das Cavernas, Pedro Mogila, era um homem de temperamento e persuasão bastante diferentes. Ele não podia ter simpatia pelo livro de Kopystenskii, pois era muito direto e franco.

Ainda outro nome a ser adicionado à lista dos primeiros estudiosos de Kiev, cujos escritos foram significativos, é o de Lavrentii (Tustanovskii) Zizani (falecido depois de 1627). Antes de vir para Kiev, ele ensinou em Lvov e Brest e publicou em Vilna, em 1596, uma gramática eslava e um léxico. Uma vez em Kiev, Zizani voltou-se para seu talento como especialista grego para a tradução do Comentário de Santo André de Creta sobre o Apocalipse e para a supervisão de uma edição das homilias de São João Crisóstomo. Mas a obra principal de Zizani continua sendo seu Catecismo [Katekhizis]. Quando concluído, o livro foi enviado a Moscou para publicação. Lá houve dificuldades. Primeiro, teve que ser traduzido do "dialeto lituano" - como os moscovitas denotavam a língua literária da Rússia Ocidental - para o eslavão eclesiástico. Mas a tradução foi mal feita. Além disso, as autoridades de Moscou detectaram graves erros doutrinais no livro. Zizani, ao que parece, sustentou uma série de opiniões peculiares com toda a probabilidade derivadas de suas fontes estrangeiras: protestantes e católicas romanas. Ele próprio escapou da condenação, mas a versão impressa de seu catecismo foi retirada da circulação e em 1627, queimada. No entanto, cópias em forma de manuscrito sobreviveram e receberam ampla divulgação e popularidade. No decorrer do século XVIII, o livro foi três vezes reimpresso pelos Velho-Crentes de Grodno. Zizani, como Berynda, Kopystenskii e a maioria dos primeiros estudiosos de Kiev, trabalhou principalmente com fontes gregas e eslavônicas, e os escritos desses monges instruídos refletem uma autêntica inspiração cultural. Mas, enquanto trabalhavam, uma nova onda estava emergindo naquele mesmo ambiente de Kiev.

À medida que o século XVII se desenrolava, Kiev começou a sentir cada vez mais o impacto do “aprendizado do latim”. As novas gerações estavam por necessidade se voltando aos livros ocidentais e com crescente frequência estudando em escolas jesuítas, onde, como se inexoravelmente, elas se impregnaram com o padrão latino de estudo. Até Elisei Pletenetskii, em seu esforço para neutralizar a iniciativa uniata do Metropolita Veliamin Rutskii, parece ter pensado em um modelo ocidental quando procurou criar uma "ordem Ortodoxa". Sob sua direção, a vida comunitária no Mosteiro das Cavernas foi restaurada, mas sob a regra de São Basílio, em vez da regra mais comum Estudita. Um "tema latino" também pode ser observado em alguns dos livros publicados na época por certos membros do círculo no Mosteiro das Cavernas. Ocasionalmente, esse viés se infiltrava através de fontes gregas contaminadas; outras vezes, entrava diretamente a partir da literatura latina. Tarasii Zemka, compositor de versos laudatórios e editor erudito dos livros litúrgicos de Kiev, fez um uso considerável da famosa obra de Gabriel Severus sobre os sacramentos, que apareceu em Veneza em 1600. O livro de Severus era permeado pela influência latina, mesmo que apenas na fraseologia que Zemka adotou livremente. (Para dar um exemplo, onde Severus usou "metaousiosis", ou o equivalente grego de "transubstanciação", Zemka empregou o "prelozhenie suchchestv" em eslavão ["as metástases das substâncias"]). A influência do pensamento latino é ainda mais nítida em Kirill Trankvillion-Stavrovet-skii. Seu livro Espelho da Teologia [Zertsalo bogosloviia], publicado no mosteiro de Pochaev em 1618, pode ser considerado como a primeira tentativa de um estudioso de Kiev de um sistema teológico. Um estudo subseqüente, Comentários sobre o Evangelho [Uchitel noe Evangelie, impresso em 1618], também se preocupa com a doutrina. Ambos os trabalhos refletem o tomismo, e até algo do platonismo. Em Kiev e Moscou, eles foram censurados devido a "erros heréticos" [ereticheskie sostavy] e condenados à destruição. Mas a rejeição oficial não impediu sua disseminação em manuscritos nem atenuou sua ampla aceitação no sul e no norte da Rússia. Mesmo assim, desapontado por seus livros terem sido repudiados por seus superiores eclesiásticos, Stavrovetskii entrou para a Unia.

Ainda outra figura em que uma influência tomista pode ser vista é Kassian Sakovich (1578-1674), diretor da escola de irmandade de Kiev de 1620-1624. É mais transparente em Sobre a alma [O dushe], impresso em Cracóvia em 1625. De Kiev, Sakovich foi para Lublin, onde estabeleceu contato com os dominicanos e participou de aulas de teologia. Mais tarde, ele continuou este estudo em Cracóvia. E, por fim, Sakovich também se juntou à Unia, e depois disso lançou uma polêmica virulenta contra a Igreja Ortodoxa. Dessa maneira, então, na segunda e terceira décadas do século XVII, o estilo de teologia Católica Romana começou a penetrar na comunidade de estudiosos de Kiev. A década seguinte, a de 1630, viu a dominação Católica Romana. A mudança ocorreu simultaneamente com uma mudança de administração no Mosteiro das Cavernas de Kiev, quando Pedro Mogila se tornou abade.

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A "pseudomorfose" do pensamento Ortodoxo.

Do ponto de vista cultural e histórico, a educação Kievana não foi um mero episódio passageiro, mas um evento de significado inquestionável. Este foi o primeiro encontro direto com o Ocidente. Poder-se-ia até chamar de encontro livre se não tivesse terminando em cativeiro ou, mais precisamente, em rendição. Mas, por esse motivo, não poderia ter ocorrido um uso criativo do encontro. Uma tradição escolástica foi desenvolvida e uma escola começou, mas nenhum movimento espiritualmente criativo emergiu dali. Em vez disso, surgiu um escolasticismo imitativo e provincial, em seu sentido literal uma theologica scholastica ou "teologia escolar". Isso significou um novo estágio na consciência religiosa e cultural. Mas, no processo, a teologia foi arrancada de suas raízes vivas. Um cisma maligno estabelecido entre a vida e o pensamento. Certamente o horizonte dos eruditos de Kiev era amplo o suficiente. O contato com a Europa era ativo, com notícias dos estudos e tendências contemporâneas no Ocidente chegando facilmente a Kiev. Ainda assim, a aura de ruína pairava sobre todo o movimento, pois estabelecia um "pseudomorfismo" da consciência religiosa da Rússia, uma "pseudomorfose" do pensamento Ortodoxo.



Do livro "Caminhos da Teologia Russa" do Pe. Georges Florovsky 

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Ortodoxos e monofisitas: compartilhamos as mesmas crenças?

Calcedonianos e monofisitas: compartilhamos as mesmas crenças? (autor anônimo) 


Neste breve artigo, não tentarei dar uma perspectiva abrangente a respeito das controvérsias cristológicas dos séculos 5 a 7; estou apenas tentando trazer à tona alguns pontos que são importantes para quem deseja abordar as discussões atuais sobre a reunião entre a Igreja calcedoniana [Ortodoxa] e os não-calcedonianos, com uma compreensão informada das questões envolvidas.

Atualmente, tem-se afirmado que a Igreja Ortodoxa calcedoniana e os não-calcedonianos (monofisitas) realmente creem nas mesmas coisas com relação à Encarnação de Cristo e que expressamos nossa crença comum em palavras diferentes. Para entender claramente se isso é de fato verdade, devemos estar cientes dos significados de quatro termos centrais usados nos séculos IV e V, na época da controvérsia trinitária (século IV) e da controvérsia cristológica (século V). Esses quatro termos são prosopon, hypostasis, physis e ousia.

Quatro termos centrais

Prosopon (plural: prosopa) tinha o significado básico de face ou semblante. Assim, também era usado para significar um personagem (em uma peça), máscara, aparência ou expressão externa, papel, um eu ou pessoa individual, um indivíduo em particular ou uma pessoa no sentido legal.

Hypostasis (plural: hypostaseis) vem do verbo grego uphistemi, que é um composto de upo (debaixo) e istemi (sustento); assim, o significado básico de uphistemi é o que sustenta / está por baixo como um suporte ou fundamento. Etimologicamente, hypostasis é o equivalente ao latim substantio (substância). No meu dicionário de grego patrístico, as definições de hipóstase gastam 7 páginas, mas, em geral, podemos dizer que a gama de significados incluía a substância, o material (do qual é feito algo); a fundação (de um edifício ou de uma linha de raciocínio); a existência substantiva de um ser, ou também aquele que possui essa existência substantiva (aproximando-se do significado de pessoa); podia ser usado como equivalente à ousia (essência), ou podia se referir a uma instanciação concreta de uma essência abstrata, isto é, a natureza realizada em um indivíduo em particular. Como você notará, neste artigo eu uso a palavra grega hypostasis em vez da palavra "pessoa"; é somente depois de Calcedônia que "pessoa" se torna uma tradução confiável para hypostasis.

Physis (plural: physeis) podia se referir à natureza como manifestada no mundo físico; teologicamente, significava "natureza" com o significado de uma essência com os atributos próprios a ela; portanto, se referia a uma realidade concreta, seja um tipo específico ou espécie de ser (como a raça dos homens) ou, mais especificamente, a um ser em particular com seus atributos - como poderíamos, em inglês, por um lado, falar de "a natureza dos homens" ou "a natureza de Deus" e, por outro lado, dizer: "Ele é de natureza tímida, enquanto ela é de natureza extrovertida". É útil ter em mente que, antes de Calcedônia, muitas pessoas sentiam que "para ser algo mais do que uma abstração mental, a physis deve ser realizada em uma entidade independente e concreta, uma hypostasis" (Lampe, A Patristic Greek Lexicon, p. 1500). Assim, para muitas pessoas, falar de duas physeis implicava necessariamente a existência de duas hypostaseis.

Ousia (plural: ousiai) é um particípio do verbo "ser"; podia ser traduzido como "substância" (como em homoousios - consubstancial), mas ainda em uma ampla gama de significados: propriedade, bens ou substância de alguém; a substância material da qual uma coisa é feita; ser imutável e estável, realidade última; uma coisa real em oposição a um nome ou símbolo da coisa; a verdadeira natureza de uma coisa ou a posse de tal natureza; o primário verdadeiro que subjaz todas as mudanças e processos na natureza.

Como vimos, cada um desses termos podia ser usado de várias maneiras (pense em todas as maneiras pelas quais usamos a palavra "natureza" em inglês). Isso poderia, e causou, dificuldades quando a Igreja tentou expressar em linguagem humana a plenitude da verdade que lhe fora dada no dia de Pentecostes. Por exemplo, a palavra prosopon tinha um significado bastante fraco para a ideia de "pessoa" - dizer que o Deus Único tinha três prosopa poderia ser interpretado de maneira Ortodoxa, mas também poderia ser interpretado de maneira sabeliana ou modalista: um Deus com três faces, um Deus que desempenhou os três "papéis" de Pai, Filho e Espírito Santo. Da mesma forma, dizer que Jesus Cristo tinha um prosopon podia ser interpretado de uma maneira Ortodoxa, mas foi também a maneira como os nestorianos expressaram sua ideia herética de que em Jesus Cristo o Verbo de Deus estava unido a um homem específico em uma espécie de união moral.

Outro problema surgiu no uso dos três termos hypostasis, physis e ousia. Embora physis e hypostasis geralmente fossem usadas para se referir a uma realidade concreta, enquanto ousia geralmente possuía um sentido mais geral e abstrato, ainda assim, as três poderiam ser usadas de forma intercambiável em muitos casos. Assim, no Primeiro Concílio de Niceia, hypostasis e ousia foram usadas mais ou menos como sinônimos. Na linguagem teológica disponível para a Igreja nos séculos IV e V, simplesmente não havia termos claros e óbvios para expressar as idéias teológicas de "pessoa" e "natureza".

No curso das controvérsias trinitárias do século IV, ficou claro que a Igreja precisava de uma linguagem mais precisa para expressar a unidade e a distinção dentro da Trindade, e os três Padres Capadócios resolveram brilhantemente esse problema, limitando e esclarecendo o significado desses termos, expressando a unidade de Deus falando de uma ousia e as distinções entre Pai, Filho e Espírito Santo, falando de três hypostasis. No entanto, não ficou claro imediatamente como os termos usados pelos Capadócios na teologia trinitária poderiam ou deveriam ser aplicados na cristologia - por exemplo, falar da ousia divina unida à ousia humana em Cristo poderia soar como se toda a Trindade tivesse se encarnado. Uma maneira clara e Ortodoxa de aplicar esses termos à Encarnação ainda precisava ser elaborada. E assim entramos nas controvérsias cristológicas do século V.

As controvérsias cristológicas do século V

Na época dessas controvérsias, havia duas principais escolas teológicas de pensamento dentro da seção oriental do império romano: as escolas "Antioquina" e "Alexandrina". Havia várias diferenças entre elas, como seus métodos de interpretação das Escrituras. Para nossos propósitos, é mais importante considerar seus diferentes entendimentos de como nossa salvação foi realizada.

A escola Antioquina foi caracterizada por uma insistência na humanidade plena de Cristo. Contra Apolinário, que disse que o Verbo de Deus havia assumido apenas carne humana, os teólogos antioquinos estavam preocupados em preservar toda a natureza humana, incluindo a livre vontade, do Cristo Encarnado. Para eles, foi a união e cooperação do humano com o divino em Cristo que trouxe a nossa salvação - se Cristo não fosse plenamente humano, não seríamos salvos. A deficiência deles estava em um entendimento fraco ou mal expresso da união entre as naturezas humana e divina; levado ao seu extremo lógico (e a maioria ou todas as heresias são uma tentativa de fazer a Revelação Cristã se encaixar na lógica humana de uma maneira ou de outra), isso levou à heresia de Nestório.

A escola Alexandrina, por outro lado, era caracterizada por uma profunda oposição à heresia de Ário, que sustentara que o Logos não era Deus, mas um ser criado, embora superior aos humanos. Assim, os alexandrinos insistiram especialmente na divindade de Cristo - se o Filho de Deus não tivesse unido nossa humanidade a Si mesmo tão completamente que a tornasse completamente Sua, não teríamos sido salvos. A fraqueza dessa escola de pensamento era uma tendência a reduzir a humanidade de Cristo a um elemento puramente passivo que parece perder sua humanidade distintiva e ser absorvida pela divindade; o extremo lógico disso é o monofisismo.

São Cirilo de Alexandria, embora de totalmente Ortodoxo, estava dentro da tradição teológica alexandrina. Por isso, e também por sua intensa oposição à heresia de Nestório, ele estava especialmente preocupado em afirmar a unidade do Verbo Encarnado. Para fazer isso, ele pegou a frase "uma natureza (physis) do Verbo de Deus Encarnado" a partir de um escrito que estava sendo divulgado sob o nome de Santo Atanásio, o Grande. Por acaso, no século VI, esse escrito foi descoberto ser uma fraude - a obra havia sido na verdade escrita por Apolinário. Para os antioquinos, a frase usada por São Cirilo soava apolinariana e, de certa forma, eles estavam certos; ao mesmo tempo, São Cirilo (que acreditava que essa frase possuía a autoridade de Santo Atanásio) a interpretava de maneira Ortodoxa. A falta de São Cirilo foi simplesmente uma certa imprecisão em sua maneira de expressar a união de Deus e do homem na Encarnação - ou melhor, em sua preocupação em enfatizar a unidade do divino e humano em Cristo, ele não conseguiu encontrar uma maneira clara de expressar a realidade da humanidade completa de Cristo. Sua teologia era Ortodoxa, mas sua linguagem era um tanto ambígua. Ele entendeu que a visão Ortodoxa da Encarnação poderia ser expressa em outros termos; em suas cartas, ele indicou que também aceitava falar de Cristo como tendo duas naturezas, desde que isso fosse interpretado de maneira Ortodoxa. Sua preferência, no entanto, permaneceu com a fórmula "uma natureza", porque ele sentiu que era uma melhor proteção contra o nestorianismo.

Devemos ter em mente que, naquele tempo, a palavra "natureza" (physis) ainda tinha uma gama bastante ampla de significados. Todos, alexandrinos e antioquinos, comumente usavam a physis hypostasis como equivalentes. Os antioquinos tendiam a falar de duas physis e duas hypostaseis, a fim de mostrar claramente a humanidade plenamente funcional de Cristo, mas dessa maneira eles só tinham a fraca palavra prosopon para indicar a unidade do divino e humano. Os alexandrinos geralmente falavam de uma physis e uma hypostasis; São Cirilo usou as frases "uma natureza (physis) do Verbo de Deus Encarnado" e "uma hypostasis do Verbo de Deus Encarnado" de forma intercambiável. Falando em uma physis e uma hypostasis, os teólogos alexandrinos mostraram claramente a união completa do divino e do humano em Cristo, mas não encontraram uma maneira satisfatória de indicar a humanidade plena de Cristo. Restou ao Concílio de Calcedônia combinar as ideias de ambas as escolas, separando os dois termos e usando hypostasis para se referir à única Pessoa de Cristo e physis para se referir à plena divindade e à plena humanidade que estavam unidas Nele.

São Cirilo de Alexandria
O Concílio de Calcedônia

Como vimos, as escolas de pensamento antioquina e alexandrina enfatizavam um aspecto da Encarnação que era absolutamente vital para nossa salvação: os antioquinos enfatizavam a importância de uma humanidade completa e plenamente funcional em Cristo, cooperando livre e perfeitamente com o divino. Os alexandrinos insistiam na necessidade de uma união entre o humano e o divino que fosse tão íntima, tão abrangente, que o Verbo de Deus verdadeiramente tornou-a Sua própria humanidade que Ele havia assumido. Os Padres do Concílio de Calcedônia, evitando os extremos heréticos de cada posição, combinaram o melhor de ambas as escolas na definição calcedoniana:
Seguindo, então, os Santos Padres, todos nós, com uma só voz, ensinamos que deve ser confessado que nosso Senhor Jesus Cristo é um só e o mesmo Filho, o Mesmo perfeito em Divindade, o Mesmo perfeito em Humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, o  Mesmo [consistindo] de uma alma racional e um corpo; homoousios (consubstancial) com o Pai quanto à Sua Divindade, e o Mesmo homoousios (consubstancial) conosco quanto à Sua humanidade; em todas as coisas semelhante a nós, exceto no pecado; gerado do Pai antes das eras quanto à Sua Divindade, e nos últimos dias, o Mesmo, para nós e para a nossa salvação, [nascido] de Maria, a Virgem Theotokos, quanto à Sua humanidade; 
Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Unigênito que devemos reconhecer em duas naturezas, [que existem] sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só prosopon e uma só hypostasis - não dividido ou separado em duas prosopa, mas um só e o Mesmo Filho e Unigênito, o Logos divino, o Senhor Jesus Cristo; assim como os profetas da antiguidade [falaram] a respeito Dele, e como o próprio Senhor Jesus Cristo nos ensinou, e como o Símbolo dos Padres (o credo de Niceia) nos transmitiu. 
A "conquista" de Calcedônia foi possível pelo menos parcialmente pela contribuição de São Leão, o Grande, Papa de Roma, que, em seu Tomo, descreveu uma imagem equilibrada e harmoniosa do Cristo Encarnado como existindo em duas naturezas (substantiae no original em latim), unidas em uma pessoa (persona em latim). Os bispos reunidos em Calcedônia compararam cuidadosamente o Tomo de São Leão com os escritos de São Cirilo e declararam que a teologia de São Leão era plenamente Ortodoxa. Dióscoro, no entanto, recusou-se a aceitar a frase "união de duas naturezas" ou "... em duas naturezas". Ele insistiu na frase "união [oriunda] de duas naturezas" ou "...a partir de duas naturezas" (ek duo physeon). Essa formulação foi amplamente utilizada nas décadas anteriores a Calcedônia, mas tinha a desvantagem de poder ser interpretada de maneira monofisita, como foi por Eutiques, que declarou que aceitava duas naturezas antes da união, mas apenas uma natureza depois da união - isto é, quando as duas naturezas da Divindade e da humanidade se uniram na Encarnação de Cristo, elas se uniram e se tornaram uma natureza composta, divina-humana. Dióscoro, ao sustentar que a Encarnação era uma união a partir de duas naturezas, não uma união de duas naturezas, negou que as duas naturezas continuassem a existir, cada uma preservando suas próprias características, no Senhor Encarnado. A sua posição foi decisivamente rejeitada pelo Concílio.

Após Calcedônia

Calcedônia permaneceu fiel ao pensamento de São Cirilo de Alexandria, mas para expressar esse pensamento com clareza, o Concílio teve que abandonar suas palavras ("uma natureza do Verbo de Deus Encarnado"). Grandes grupos, no entanto, recusaram essa modificação e insistiram em manter a redação de São Cirilo; estes eram os monofisitas (de "mono" [uma] e "physis"). Devido à insistência nas palavras exatas de São Cirilo, alguns historiadores os chamam de "cirilianos fundamentalistas".

Como as regiões onde estavam a maioria dos monofisitas situavam-se às margem do Império (Egito, Palestina e Síria) e porque o imperador tentou impor a aceitação de Calcedônia pela força bruta, alguns historiadores explicam a divisão entre os calcedonianos e os não-calcedonianos como resultado de tensões políticas e culturais. Isso é simplista demais, como percebemos quando observamos que os cristãos na Síria estavam divididos entre nestorianos, calcedonianos e monofisitas.

Pode parecer mais plausível, pelo menos na superfície, dizer que a diferença entre calcedonianos e monofisitas é apenas uma questão de linguagem - tendo em mente também que alguns dos monofisitas eram falantes de siríaco, o que levou ao problema de encontrar traduções adequadas de termos teológicos sutis. Não é possível, dizem alguns, que os calcedonianos estão usando a palavra physis de uma maneira, e os não-calcedonianos de outra maneira - e que estejam simplesmente usando uma linguagem diferente para expressar o mistério incompreensível da união entre humano e divino no Cristo Encarnado? Se este for o caso, todos nós acreditamos na mesma coisa, mas estamos simplesmente expressando de maneiras diferentes. Essa é a linha de raciocínio seguida pelos diálogos calcedonianos / não-calcedonianos dos últimos anos. Parece convincente, mas é falso, como podemos ver quando analisamos mais adiante a controvérsia monotelita, a teologia de São Máximo, o Confessor, e o 6º Concílio Ecumênico, como faremos na seção final deste artigo.

Tentativas de Reunião

Entre os 4º e 6º Concílios Ecumênicos (451-680), houve muitas tentativas de reunião entre os monofisitas e os calcedonianos. Algumas foram regionais; outras foram a política oficial do Império. Em alguns casos, tentou-se desfocar os problemas e apresentar uma declaração vaga o suficiente para que todos pudessem aceitá-la e interpretá-la como quisessem; em outros casos, o imperador ou o patriarca de Constantinopla simplesmente proibiu a discussão dos pontos de divisão. Nenhuma dessas tentativas de reunião durou.

Na tentativa atual de reunião com os monofisitas, vemos as mesmas tendências de desfocar os problemas e evitar mencionar pontos sobre os quais discordamos. Vejamos, por exemplo, uma palestra proferida na terceira consulta entre os teólogos Ortodoxos e os Ortodoxos Orientais [Não-calcedonianos] em Genebra, em 1970, por Pe. Paul Verghese e impresso no Greek Orthodox Theological Review, vol. XVI, n. 1 e 2, 1971, pp. 133-143 (Esta palestra também está impressa em "Does Chalcedon Divide or Unite?" [Calcedônia nos Une ou nos Divide?], pp. 127-137, sob o nome do Metropolita Paulos Mar Gregorios, nome que Pe. Verghese adotou quando foi consagrado metropolita). O autor, teólogo da Igreja Siríaca Ortodoxa da Índia, afirma que:
aqueles que aceitam Calcedônia e aqueles que rejeitam esse concílio concordam que Cristo é consubstancial conosco em sua humanidade e que a natureza humana com todas as suas propriedades e faculdades permanece distinta e não absorvida em Cristo. ... Estamos felizes que as Igrejas Ortodoxas em a comunhão com Constantinopla e até mesmo nossos amigos Católicos Romanos aceitam essa dupla consubstancialidade. A esse respeito, todos nós aderimos à única tradição autêntica, mesmo quando alguns de nós não aceitam o concílio de Calcedônia. Isso significa que, para nós, Calcedônia não é um elemento essencial da tradição autêntica e, no que diz respeito a nós, outras igrejas também podem rejeitar Calcedônia e ainda estar dentro da tradição autêntica (Review, pp. 134-135; Does Chalcedon, pp. 128-129).
A ideia expressa nesta passagem - de que mantemos a mesma fé, embora um grupo aceite todos os sete concílio, enquanto o outro grupo rejeita os últimos quatro - também foi declarada em várias discussões durante a consulta de 1970 (todas as citações retiradas do Review, pp. 30 -34):
Bispo Gregorios [Copta]: Nos perguntam por que, se aceitamos a fé de Calcedônia, não aceitamos o concílio em si. O fato é que temos dificuldades com os horos [definições] de Calcedônia. Nossos pais encontraram nestorianismo no horos de Calcedônia ... Mesmo se aceitarmos os ensinamentos de Calcedônia, não somos obrigados a aceitar Calcedônia.
Liqe Seltanat Habte Mariam [Etíope]: Definitivamente, continue crendo em Calcedônia; mas não espere que nós aceitemos Calcedônia. 
Bispo Zakka [Siríaco]: Quando dizemos que aceitamos a fé, queremos dizer a fé que a Igreja tinha antes de Calcedônia, formulada pelos três concílios ecumênicos aceitos por todos. Sejamos claros; Calcedônia não é aceitável para nós. 
Verghese: Uma vez que a fé já existe sem Calcedônia, por que insistir em que Calcedônia seja aceito? Não deve haver nenhum mal-entendido sobre a posição das Igrejas não-calcedonianas; não haverá aceitação formal de Calcedônia.
Mais tarde, Pe. Paul Verghese fez uma declaração na qual começou dizendo: "Em minha opinião, é claro que concordamos com a substância do ensino não apenas do 4º, mas também dos 5º, 6º e 7º concílios" e concluiu, "eu só queria enfatizar o fato de que é um grande obstáculo para nós se os calcedonianos afirmarem que os 7 concílios são inseparáveis".

A importância do Sexto Concílio Ecumênico

A afirmação veemente desses teólogos não-calcedonianos de que "Calcedônia não é aceitável para nós" levanta a questão de se eles de fato aceitam a fé de Calcedônia. A fé de Calcedônia foi expressa na definição de Calcedônia; se eles não podem aceitar a definição, parece razoável concluir que eles não aceitam a fé. Ainda assim, alguém poderia argumentar que eles estão apenas resistindo a uma determinada linguagem que parece, para eles, ter conotações nestorianas. A questão permanece: temos a mesma crença sobre a Encarnação de Cristo, simplesmente expressando-a com palavras diferentes? Para ver se esse é o caso, vejamos mais detalhadamente o artigo apresentado pelo Pe. Verghese, no qual ele considera "o Sexto Concílio que nos parece muito confuso, para não dizer em grave erro" (Review, p. 137; Does Chalcedon, p. 131). Em relação à definição dogmática do Sexto Concílio, ele declara:
Aqui, como anteriormente no decreto, o Tomo de Leão é expressamente afirmado. O decreto realmente chama o Tomo de "o pilar da fé correta". Talvez você possa entender que tudo isso é bastante difícil para nós aceitarmos. Para nós, Leão ainda é um herege. Talvez nos seja possível abster-nos de condená-lo pelo nome, no interesse de restaurar a comunhão entre nós. Mas não podemos, em sã consciência, aceitar o Tomo de Leão como "o pilar da fé correta" ou aceitar um concílio que fez tal declaração. O concílio aprova explicitamente o que claramente considero heresia no Tomo de Leão: "Cada natureza realiza em comunhão com a outra o que lhe pertence apropriadamente, ou seja, o Verbo, faz o que pertence ao Verbo, e a carne o que pertence à carne." Se alguém entende corretamente a união hipostática, não é possível dizer que a carne faz algo por si mesma, mesmo que se diga que está em união com o Verbo. A carne não tem sua própria hypostasis. É a hypostasis do Verbo que age através da carne. É a mesma hipóstase do Verbo que realiza as ações do Verbo e de sua própria carne. O argumento do horos [definição dogmática] neste Sexto Concílio é basicamente inaceitável para nós (Review, p. 139; Does Chalcedon, p. 133).  
Não podemos dizer o que este concílio diz quando afirma "duas vontades naturais e duas operações, que juntas concorrem à salvação do gênero humano."...
Resumindo: A aceitação do Sexto Concílio é muito mais difícil para nós do que a aceitação de Calcedônia. A seguir, os principais motivos: ... 
b) Não podemos aceitar a fórmula dithelita [duas vontades], atribuindo vontade e energia às naturezas, e não à hypostasis. Só podemos afirmar a única natureza divina-humana unida e inconfusa, vontade e energia de Cristo, o Senhor encarnado. 
c) Concluímos que este Sexto Concílio exalta como padrão principalmente os ensinamentos de Leão e Agatão, papas de Roma, venerando apenas com os lábios [NT: isto é, de boca pra fora] os ensinamentos do bem-aventurado Cirilo. Consideramos Leão um herege por seu ensino de que a vontade e a operação de Cristo devem ser atribuídas às duas naturezas de Cristo, e não à hypostasis única. A natureza humana é tão "natural" para Cristo, o Verbo encarnado, como é a divina. É a hypostasis única que agora é divina e humana, e todas as atividades provêm da hypostasis única (Review, pp. 140-141; Does Chalcedon, pp. 134-135).
É surpreendente que o autor dessas declarações também possa dizer que "Em minha opinião, é claro que concordamos com a substância do ensino não apenas do 4º, mas também dos 5º, 6º e 7º concílios"(Review, 34). A questão de saber se a vontade é atribuída à natureza ou à hypostasis foi um grande ponto de discórdia na controvérsia monotelita e, portanto, de importância central nas considerações e decisão final do Sexto Concílio. Embora Verghese, nas primeiras páginas do The Greek Orthodox Theological Review que estamos analisando, tenha afirmado que "O encontro na Universidade de Bristol, na Inglaterra, em 1967 ... eliminou a possibilidade de que a posição monotelita fosse a adotada pela Ortodoxia Oriental [isto é, pelos não-calcedonianos]" (Review, página não numerada), aqui ele declarou um princípio central da posição de monotelita, isto é, que a vontade pertence à hypostasis única e não às duas naturezas. Mas se, como ele aponta, a hypostasis do Cristo Encarnado é a hypostasis da Palavra, então há duas possibilidades: [1] que a hypostasis (pessoa) da Segunda Hypostasis (Pessoa) da Santíssima Trindade mudou na Encarnação e se tornou uma hypostasis composta com uma vontade composta, como parece estar implícito na referência do Pe. Verghese à "hypostasis única que agora é divina e humana" - mas isso é inaceitável para nós, pois não podemos imaginar a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade mudando e se tornando composta. Ou, [2], que se a vontade pertence à hypostasis, e a hypostasis é o Verbo de Deus, então a natureza humana de Cristo é inteiramente movida e controlada pela hypostasis (pessoa) do Verbo de Deus - em outras palavras, a humanidade de Cristo é um instrumento puramente passivo de Sua divindade, completamente desprovida de liberdade e sem operação (energia) própria. Nesse caso, a humanidade de Cristo não é, de fato, uma humanidade livre e plenamente funcional; embora ainda seja possível aos não-calcedonianos dizerem que Cristo é consubstancial a nós em relação à Sua humanidade, eles claramente não compartilham as mesmas crenças que nós em relação a Cristo como Deus perfeito e Homem perfeito.

O Sexto Concílio Ecumênico, no entanto, é "muito mais do que a dogmatização de duas vontades em Cristo", como o Dr. Joseph Farrell aponta em seu excelente estudo, Free Choice in St. Maximus the Confessor [Livre Escolha em São Máximo, o Confessor] (St. Tikhon's Seminary Press, 1989, 191). A teologia de São Máximo é excepcionalmente ampla, profunda e sutil; neste breve artigo, não posso esperar abordar a análise do Dr. Farrell sobre São Máximo, mas mencionarei brevemente algumas de suas conclusões sobre a importância de São Máximo e a aceitação de sua teologia pela Igreja Ortodoxa no Sexto Concílio Ecumênico. Como ele diz, o Sexto Concílio é a confissão, não tanto de duas vontades em Cristo, mas de Sua vontade humana e, portanto, da natureza voluntária de Sua Paixão; é também a confissão da livre escolha [livre arbítrio] humana e da necessidade da cooperação da vontade humana em nossa salvação (p. 191). O Dr. Farrell também apresenta São Máximo e, portanto, o Sexto Concílio Ecumênico, como um elo importante na cadeia do desenvolvimento teológico Ortodoxo, desde a controvérsia ariana no século IV à teologia de São Gregório Palamas e ao concílio hesicasta de 1351:
O Sexto Concílio Ecumênico é, portanto, muito mais importante para os Ortodoxos do que a definição calcedoniana, porque em sua definição estão também ocultas as respostas de um dos mais brilhantes teólogos da Igreja Oriental às questões vitais da predestinação divina e do livre arbítrio humano. Além disso, é importante porque também está oculto o pressuposto de um vasto desenvolvimento teológico, que remonta à triadologia [teologia trinitária] dos Capadócios, à controvérsia ariana, à problemática origenista e suas fundações neoplatônicas subjacentes. Mais do que qualquer outro concílio, foi levado a refletir de maneira sistemática sobre as relações da triadologia, da cristologia e as vontades divinas e humanas. De uma maneira importante, confronta a questão da revelação e da razão, da teodicéia [o problema do mal em um mundo criado por um Deus amoroso e onipotente] e o possível uso (ou rejeição) dos significados filosóficos dos termos filosóficos ... (pág. 192).
O Dr. Farrell procede e contrasta o entendimento monotelita da impecabilidade de Cristo como uma mera determinação passiva da natureza humana pela natureza divina com a doutrina detelita de São Máximo, que "toma como ponto de partida não a humanidade caída, mas a humanidade deificada de Cristo e dos santos no eschaton" (p. 193), e salienta que:
São Máximo delineou verdadeiramente uma doutrina única do livre arbítrio... Ao fazê-lo, ele foi levado a postular a existência de uma distinção real entre a categoria da essência divina e as energias divinas, e das energias divinas entre si. .... Ao fazer isso, ele apontou claramente a direção do desenvolvimento subsequente da formulação da doutrina para [São Gregório] Palamas (p. 193).
O Sexto Concílio é inseparável do Concílio de Calcedônia, que esclarece-o e interpreta-o; é meu argumento, portanto, que é através da atitude deles [dos não-calcedonianos] em relação ao Sexto Concílio, bem como ao Quinto e Sétimo, que podemos ver se uma comunhão cristã em particular realmente aceita ou não os ensinamentos de Calcedônia.

Pe. Verghese conclui seu artigo afirmando que, se a aceitação dos 4º, 5º, 6º e 7º Concílios for necessária para a reunião, há pouca esperança de que ela seja alcançada em um futuro próximo. Mas se, como sugeriram alguns dos participantes calcedonianos, os quatro últimos Concílios não devem ser considerados iguais em importância aos anteriores, ele sugere que as igrejas "iniciem conversas formais com o objetivo de restaurar a comunhão entre nossas duas famílias", sendo o primeiro passo a emissão de uma declaração comum que "deve exprimir com clareza que compartilhamos, entre nossas duas famílias, substancialmente a mesma tradição autêntica da igreja cristã indivisa";
A declaração também deixaria claro que, embora não seja possível que as Igrejas calcedonianas repudiem ou rejeitem qualquer um dos sete concílios, é igualmente difícil para os não-calcedonianos agora aceitarem formalmente os quarto, quinto, sexto e sétimo concílios reconhecidos por a família calcedoniana. Poderia deixar claro que os não-calcedonianos se absteriam de condenar formalmente o Concílio de Calcedônia ou o Papa Leão. A declaração também deixará claro que as Igrejas calcedonianas se absteriam de condenar Dióscoro e Severo como hereges (Review ;, pp. 141-142; Does Chalcedon, pp. 135-136).
Nesta sugestão, vemos a inclinação de buscar uma intercomunhão desonesta, que evita chegar em um acordo em nossos pontos de diferença - por exemplo, a oferta que os não-calcedonianos se absteriam de condenar formalmente São Leão, o Grande, embora Pe. Verghese tenha afirmado repetidamente que eles o consideram herege - e que apresenta uma declaração de "acordo" tão ampla que todas as partes podem se inscrever, cada uma interpretando-a como bem entenderem. Em resposta a isso, podemos dizer com Pe. John Romanides (da Igreja Grega), um dos participantes calcedonianos, que
Sentimos fortemente que ... sempre fomos objetos de uma técnica ecumênica que visa a realização de intercomunhão ou comunhão ou união sem concordância sobre Calcedônia e os Quinto, Sexto e Sétimo Concílios Ecumênicos... a fé confessada pelos Padres de Calcedônia é a verdadeira fé. Se aceitarmos essa fé, também devemos aceitar os Padres que professam essa verdadeira fé (Review, p. 30).
Autor Anônimo - Chalcedonians and Monophysites: Do We Share the Same Beliefs? (Original)

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Ortodoxia Calcedoniana e Heterodoxia Não-Calcedoniana (por Nicholas Marinides)

O título deste ensaio pode surpreender muitos que assumem que a união dos Ortodoxos com os não-calcedonianos (as igrejas históricas copta, etíope, eritreia, síria ocidental (siríaca / jacobita), armênia e indiana (Malankara)) está prestes a acontecer. Tal suposição se deve à ignorância entre muitos Ortodoxos anglófonos das críticas às quais eminentes teólogos Ortodoxos de outros países têm feito ao diálogo entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos. Essa ignorância não é culpa dos muitos fiéis simples e clérigos da paróquia que receberam a idéia de reunião entre irmãos separados há muito tempo com alegria sincera e inocente. É devido à escassez de vozes críticas no Ocidente (ou seja, fora das terras tradicionalmente Ortodoxas) e especialmente no mundo de língua inglesa. A seguir, tentarei contribuir com minha pequena parte para remediar esse "apagão da mídia", como o teólogo ortodoxo francês Jean-Claude Larchet o chamou. [1. “La question christologique. À propos du projet d’union de l’Église orthodoxe avec les Églises non chalcédoniennes : problèmes théologiques et ecclésiologiques en suspens,” Le Messager orthodoxe 134 (2001): 11–200; republicado em sua obra Personne et nature. La Trinité – Le Christ – L’homme. Contributions aux dialogues interorthodoxe et interchrétien contemporains (Paris: Cerf, 2011), 65–158; faz menção de um media blackout (ele usa a palavra em inglês) na mídia Ortodoxa ocidental na p. 68.] É claro que não poderei cobrir tudo, mas espero que meu ensaio sirva como um alerta e um incentivo para uma investigação mais aprofundada por parte dos leitores.

Uma breve história do diálogo

O diálogo entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos começou com quatro consultas não oficiais em Aarhus (1964), Bristol (1967), Genebra (1970) e Addis Abeba (1971). Os principais teólogos de cada lado participaram de pelo menos algumas delas, como os Pe. Georges Florovsky, John Meyendorff e John Romanides, assim como o Prof. John Karmiris, do lado Ortodoxo, e o Bispo Paul Verghese e Pe. V.C. Samuel do lado Não-Calcedoniano. Foi sucedido por um diálogo oficial que começou no final da década de 1970 e culminou em duas declarações de acordo em 1989 e 1990. Elas foram então submetidas às respectivas igrejas locais de ambos os lados para serem aprovadas como base teológica suficiente para a reunião; pretendia-se que os detalhes complicados do verdadeiro processo fossem elaborados em reuniões subsequentes, bem como em nível local. A base para a união foi afirmada como o reconhecimento da teologia de ambos lados como ortodoxa, apesar das diferenças terminológicas, e o acordo de que ambos os lados poderiam manter sua respectiva enumeração de concílios, santos e tradições locais. Parece que não houve reuniões oficiais depois de 1998, provavelmente por causa da controvérsia que as declarações de acordo causou, de ambos os lados, mas principalmente entre os Ortodoxos. Parte da resistência foi mais silenciosa e passiva, como a postergação das declarações de acordo pela Igreja Ortodoxa Russa para estudos adicionais, mas algumas foram mais ativas e vociferantes, como a declaração conjunta da comunidade monástica atonita que opondo-se aos planos de reunião com base nas declarações de acordo. [2. O memorando da Santa Comunidade do Monte Athos (o órgão representativo oficial dos vinte mosteiros governantes) pode ser consultado em inglês aqui. Para uma visão alternativa, consulte o artigo do Bp. Alexander Golitzin, que foi tonsurado no Monte Athos] Estes últimos foram apoiados por uma série de obras do mosteiro atonita de São Gregório (Grigoriou), liderado por seu abade, o arquimandrita George Kapsanis, de abençoada memória. Mas o protesto não se limitou aos círculos monásticos. Teólogos acadêmicos como Athanasy Yevtić (ex-bispo de Zuma e Herzegovina e atualmente professor da Escola Teológica de Belgrado), Pe. Theodore Zisis (professor da Universidade de Thessaloniki), e o acima mencionado Jean-Claude Larchet, também entraram no debate.

Claramente, um considerável diálogo intra-Ortodoxo sobre esse assunto ocorreu desde o início dos anos 90. No entanto, é assumido por muitos, especialmente leigos e clérigos da paróquia, mas também incluindo bispos, que a união foi praticamente alcançada. Consequentemente, houve uma pressa em realizá-la em um nível prático. O exemplo mais flagrante disso é a política da intercomunhão eucarística sob uma ampla gama de circunstâncias que foi estabelecida sinodalmente pelo sínodo do patriarcado Ortodoxo de Antioquia com os Não-Calcedonianos em 1991. Embora o acordo pareça nunca ter sido totalmente implementado devido ao medo das possíveis reações de outras igrejas Ortodoxas locais, ele criou muita confusão em relação à posição Ortodoxa. De qualquer forma, a intercomunicação tácita é muito comum em nível paroquial no Oriente Médio e nos Estados Unidos. Também há cooperação frequente em áreas práticas, como a educação, tanto em seminários quanto em grupos de jovens. Isso teve alguns efeitos benéficos em ajudar os Não-Calcedonianos a redescobrir a tradição patrística, tanto em suas raízes pré-Calcedonianas quanto em seus frutos Calcedonianos, mas geralmente isso ocorre em uma cultura relativística do campus (pelo menos nos seminários dos EUA) que já aceita os Não-Calcedonianos como totalmente Ortodoxos.

O entusiasmo pela união é certamente compreensível. No caso dos Não-Calcedonianos, isso é sentido especialmente por causa das óbvias semelhanças entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos na liturgia e no ascetismo. Qualquer pessoa que tenha passado algum tempo em igrejas e mosteiros Não-Calcedonianos (como eu fiz nos EUA e em Damasco, Jerusalém e Wadi al-Natrun, antiga Scetis, no Egito) não pode deixar de apreciar a beleza de seu culto e a seriedade da devoção que se encontra lá. Tais observações freqüentemente levam a uma percepção de que os Ortodoxos são de fato muito mais próximos dos Não-Calcedonianos, apesar de rejeitarem a teologia Calcedoniana, do que de outras igrejas Calcedonianas, como os Católicos Romanos, cuja cristologia [dos Católicos Romanos] está formalmente de acordo com o dogma Ortodoxo, mas cuja liturgia e espiritualidade muitas vezes parecem bastante estranhas. O sentimento de familiaridade e simpatia é reforçado pela sina comum dos Ortodoxos e dos Não-Calcedonianos no Oriente Médio, onde ambos há muito são oprimidos pela hegemonia política e social islâmica e agora enfrentam o extermínio nas mãos dos jihadistas. Outro elemento, é preciso admitir, é o fascínio que muitos Ortodoxos têm por igrejas Não-Calcedonianas como as da Etiópia e da Índia (Malankara). Dado que a Igreja Ortodoxa é, na prática, esmagadoramente “branca”, a presença de comunidades antigas, indígenas e supostamente Ortodoxas na África e no Subcontinente parece reforçar empiricamente as afirmações da Ortodoxia de ser a Igreja Católica, que contém todos fiéis sob os céus. No entanto, por mais compreensíveis que sejam esses motivos, eles não são suficientes quando não existe um acordo teológico real.

Objeções a priori aos resultados do diálogo

Infelizmente, o diálogo até agora encobriu os problemas substantivos, em vez de enfrentá-los francamente. Antes de abordar algumas questões cristológicas específicas, mencionarei alguns problemas que qualquer Ortodoxo deve prestar atenção ao examinar as recomendações para a reunião.

Em primeiro lugar, dados os pressupostos eclesiológicos da Ortodoxia, deveria ser preocupante que o diálogo pareça ter assumido que a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica está visivelmente dividida por 1.500 anos. Isso parece implicar uma "teoria dos ramos" que vê todas as igrejas como ramos de uma igreja invisível. Tal teoria dos “ramos” ou “igreja invisível” é negada nos textos fundamentais que definem a participação Ortodoxa no movimento ecumênico (como as declarações de Toronto e Oberlin), mas ela entrou pela porta dos fundos no caso do diálogo com os Não-Calcedonianos? [3 O texto da Declaração de Toronto do encontro do Comitê Central do WCC - World Council of Churches - em 1950 (redigida pelo P. Georges Florovsky) pode ser lido aqui. Especialmente significativas são as seguintes declarações: “(IV.4) As igrejas membros do Conselho Mundial consideram o relacionamento de outras igrejas com a Santa Igreja Católica que os credos professam como um assunto para consideração mútua. No entanto, a associação não implica que cada igreja deva considerar as outras igrejas membros como igrejas no verdadeiro e pleno sentido da palavra." Infelizmente, isso é invalidado de alguma forma pelo parágrafo anterior, que é discutível (pelo menos) do ponto de vista Ortodoxo: “(IV.3) As igrejas membros reconhecem que a pertença à Igreja de Cristo é mais abrangente do que a pertença de seus próprios corpos de igreja.” A declaração de Oberlin, formulada para a Conferência Norte-Americana de Estudos sobre Fé e Ordem de 1957 e na qual Florovsky também estava envolvido, pode ser encontrada aqui.]

Intimamente ligada a isso está a segunda objeção. Se os Não-Calcedonianos não são obrigados a aceitar o Quarto Concílio Ecumênico (Calcedônia) e os três subsequentes, e a não aceitar os Padres cuja teologia desempenhou um papel fundamental na formulação das definições dos concílios, o que isso implica na epistemologia teológica Ortodoxa, dado que a Ortodoxia acredita ser a Igreja dos Sete Concílios e de santos como Savas, o Santificado, Máximo, o Confessor, e João de Damasco, que eram firmes opositores dos Não-Calcedonianos de seu tempo?

Às vezes, os participantes do diálogo argumentam que essas pessoas (e seus opositores, os pais da teologia Não-Calcedoniana, como Dioscóro, Philoxenus e Severo) foram cegados pela polêmica e política contemporâneas. Alega-se, ou pelo menos está implícito, que agora somos capazes de nos aproximarmos com mais amor e compreensão hoje, porque esses fatores circunstanciais foram removidos. Mas podemos admitir facilmente que esses grandes santos - um dos quais, São Máximo, compôs um conjunto magnífico de Quatro Centúrias sobre o Amor e exemplificou seus princípios durante sua perseguição pelas autoridades imperiais monotelitas - foram impedidos pelo Zeitgeist do império romano antigo tardio de entender e expressar a vontade de Deus em uma questão tão importante? Temos a auto-confiança (para não dizer audácia) para afirmar que nos sobressaímos mais na virtude do amor do que essas pessoas santas? E mesmo que um ou outro Padre possa às vezes errar, como ocorreu no curso da história da igreja, a concordância deles, expressa em última instância nos dogmas dos concílios ecumênicos, é considerada decisiva e vinculativa para a crença Ortodoxa.

O registro teológico, brevemente

Quando, na verdade, recorremos ao registro teológico da Igreja sobre as posições dos Não-Calcedonianos, vemos um obstáculo aparentemente insuperável à união nos termos acordados no diálogo. Os monofisitas (também designados por escritores patrísticos como Severans, Akephaloi etc.) são condenados não apenas pelo Quarto Concílio Ecumênico de Calcedônia, mas também por todos os concílios ecumênicos subseqüentes, como parte da refutação do próprio monofisitismo ou heresias posteriores que foram percebidas como decorrentes dele, como monotelismo e a iconoclastia. As definições mais ou menos concisas dos concílios foram informadas e apoiadas pelos escritos polêmicos detalhados de luminares como Máximo, o Confessor e João de Damasco, já mencionados, além de outros que são menos conhecidos fora dos círculos especializados, como como João, o Gramático, Leôncio de Jerusalém, Leôncio de Bizâncio, Santo Anastácio do Sinai e Theodore Abu Qurrah (este último foi o primeiro teólogo Ortodoxo a escrever em árabe, no início do século IX).

Essas decisões foram confirmadas rotineiramente por concílios e Padres posteriores, mais autoritariamente no Synodicon da Ortodoxia, que é estabelecido para ser lido no Domingo da Ortodoxia, embora, na prática, muitas vezes apenas seja recitado um breve trecho, que não cita nenhuma heresia específica. Certamente, houve tentativas posteriores de reaproximação e diálogo com o objetivo de reunir os Ortodoxos e os Não-Calcedonianos (principalmente as tentativas de São Fócio para uma reunião com os armênios no século IX - que conseguiram trazer grande parte do povo armênio de volta à Ortodoxia - e sob o imperador Manuel Comnenus, no século XII), mas sempre com base na tradição conciliar e patrística. Essa tradição foi seguida por santos mais recentes, como Nectário de Aegina (um considerável escritor teológico) e pelo recém-canonizado Paisius do Monte Athos. [4. São Nectário de Pentapolis e Aegina discutiu a questão em seu livro sobre os Concílios Ecumênicos, Αἱ οοκουμενικαὶ σύνοδοι (Thessaloniki 1972), 134ss. As opiniões de São Nectário sobre o diálogo com os heterodoxos estão resumidos em grego pelo falecido Metropolita Meletius de Preveza e Nicópolis aqui. As opiniões de São Paisius estão resumidas em Hieromonk Isaac Atallah, da Stavronikita, Βίος Γέροντος Παϊσίου του Ἁγιορείτου (Mt. Athos 2004), 690–91. (Cito o grego porque não tenho a tradução em inglês).] Além disso, pelo menos dois dos gigantes da teologia Ortodoxa no século XX, Georges Florovsky e Dumitru Staniloae, depois do entusiasmo inicial, manifestaram preocupações sobre a direção que o diálogo estava tomando. [5. Para Pe. Staniloae, veja Met. Methodius of Axum (agora Pisidia), «Τό ἔργον τῆς Διορθοδόξου Θεολογικῆς Ἐπιτροπῆς διά τόν διάλογον τῶν Ὀρθοδόξων καί τῶν Ἀρχαίων Ἀνατολικῶν Ἐκκλησιῶν» em Abba Salama 7 (Athens 1976), 206 (non vidi), e para Pe. Florovsky veja abaixo.]

A base declarada para a reunião como resultado do Diálogo tem sido a alegação de que a separação de um milênio e meio de duração não foi causada pela divergência real no conteúdo entre os dois lados, mas por mal-entendidos verbais e obstinação. Tal alegação é baseada predominantemente em pesquisas teológicas acadêmicas realizadas ao longo do século passado. Começando com a monografia de Joseph Lebon, Le Monophysisme sévérien, muitos estudiosos distinguiram entre o extremo monofisismo do arquimandrita Constantinopolita Eutiques (o principal condenado no Quarto Concílio Ecumênico, ao passo que seu seu protetor Dioscoro, patriarca de Alexandria, foi formalmente condenado apenas por transgressões canônicas) e o monofisismo moderado de Severo de Antioquia, que é seguido até hoje pelas igrejas Não-Calcedonianas. Essa distinção é inquestionável como tal (e já foi reconhecida por muitos Padres antigos), mas a afirmação adicional de que esse monofisismo moderado é apenas verbal - simplesmente uma fidelidade obstinada à terminologia de São Cirilo de Alexandria - e, portanto, substancialmente Ortodoxa, não ganhou a mesma aceitação geral. Isso levou ao novo e solecista termo “Miafisitas” para denotar os Não-Calcedonianos de uma maneira que eles não consideram ofensivo: o argumento é que eles crêem em uma natureza [oriunda, originária] de duas naturezas após a união em Cristo, mas não em uma natureza simples [não-composta]. A ginástica mental envolvida nessa justificativa do eufemismo é óbvia.

Como resultado dessa premissa de concordância em conteúdo, os acordos conjuntos emitidos pelo Diálogo pareciam uma reescrita moderna do Henoticon, o notório edito de união emitido pelo imperador Zenão no final do século V, que tentou varrer Calcedônia pra baixo do tapete e retroceder a cristologia de volta aos dias de São Cirilo, criando uma união artificial baseada em concordar em discordar. Nos acordos de hoje, como no caso do Henoticon, os Ortodoxos renunciam mais do que ganham [6. Desnecessário será dizer que o diálogo sobre dogma não deve ser conduzido como um processo de compromisso e troca de qualquer maneira!]. Os Não-Calcedonianos resistiram com sucesso a todas as tentativas de tornar obrigatório o reconhecimento dos Concílios Ecumênicos 4 até o 7, e não foram seriamente desafiados pelos participantes Ortodoxos quanto às suas objeções a doutrinas como as duas energias e vontades de Cristo e mesmo ao entendimento Ortodoxo da deificação.[7 A articulação de São João Damasceno da doutrina da deificação foi criticada pelo falecido V.C. Samuel, um dos eminentes participantes indianos do diálogo, no último capítulo de seu livro The Council of Chalcedon Re-examined (Madras 1977, repr. Kent, UK 2005). O falecido papa copta Shenuda III também foi muito hostil [à doutrina da deificação]: veja o postscript em Stephen Davis, Coptic Christology in Practice: Incarnation and Divine Participation in Late Antique and Medieval Egypt (Oxford 2008), 271–78. Os oponentes de Shenuda nesta questão, o falecido abade do Mosteiro de São Macário em Wadi al-Natrun, Mateus, o Pobre, e seus monges, foram influenciados em sua teologia pela leitura dos Padres gregos e russos. O encontro deles com a tradição Calcedoniana tem sido parte do motivo do renascimento da vida espiritual monástica e leiga no Egito nas últimas décadas e é motivo de certo otimismo em relação à trajetória da teologia Não-Calcedoniana contemporânea, mas até agora levou à confusão em relação à própria tradição deles, em vez de críticas e esclarecimentos.]

A heresia de Severo, de acordo com os Padres (mais uma vez, brevemente)

Uma citação patrística usada e abusada para apoiar os resultados do Diálogo é a afirmação de João de Damasco de que os “Monofisitas. . . são ortodoxos em tudo. . .” Como a elipse sugere, há mais nessa citação do que aparenta. Eu traduzo a passagem inteira [8. CH. 83 da obra de São João, Sobre as Heresias] para suprir o que está faltando:
Egípcios, também chamados de Esquemáticos [9. Alguns editores desejam corrigir essa palavra pra "Cismáticos", mas a tradição manuscrita apóia a leitura acima.] e os monofisitas, que, a pretexto da composição do tomo em Calcedônia, entraram em cisma com a Igreja Ortodoxa. Eles são designados egípcios porque foram os egípcios que começaram esse esquema [10. Veja a nota anterior.] no reinado de Marciano e Valentiniano, os imperadores, mas eles são ortodoxos em tudo o mais. Estes, por apego a Dióscoro de Alexandria, que havia sido deposto no Concílio de Calcedônia como um aliado das doutrinas de Eutiques, tornaram-se hostis ao Concílio e, na época, eles fizeram inúmeras acusações contra o Concílio, as quais nós suficientemente descartamos no início deste livro, mostrando que essas pessoas são desonestas e de cabeça vazia. Seus líderes eram Teodósio, o Alexandrino (daí "teodosianos") e Jacó, o Sírio (daí "jacobitas"). Os defensores, garantidores e aliados desses são Severo, o corruptor de Antioquia, e o trabalhador fútil João, o Triteísta, [11. Em grego, isso é um trocadilho com o epíteto pelo qual João era conhecido, "Philoponus", que significa "trabalhador esforçado" e tem uma conotação positiva; João o chama de "Mataioponus".] que negam o mistério da salvação comum. Eles escreveram muitas coisas contra o ensino inspirado por Deus dos 630 em Calcedônia, e colocaram muitos obstáculos no caminho para aqueles que foram arruinados pela destruição deles e, ao expor essências particulares, eles confundem o mistério da economia.
Sem a elipse, João dificilmente pode ser citado em apoio à abordagem adotada pelo Diálogo. [12. A passagem é deturpada no volume editado pelo P. Thomas Fitzgerald,  Restoring the Unity in Faith: The Orthodox–Oriental Orthodox Theological Dialogue (Brookline, MA: Holy Cross, 2007), 20: “aqueles que não aceitaram a terminologia de Calcedônia eram, no entanto, ortodoxos em todas as coisas”; disponível on-line aqui] É claro que, para ele, os monofisitas são ortodoxos em tudo, exceto na cristologia deles - e isso não é uma exceção insignificante, pois os leva a negar "o mistério da salvação comum". [13. Significado, a expiação realizada por Cristo por todas as pessoas, sujeito à resposta voluntária de cada uma.] Isso pode ser confirmado lendo o restante de suas obras cristológicas. Mesmo em seu livro Contra os Jacobitas, que às vezes é citado como reconhecendo uma ortodoxia "ideológica" na doutrina Não-Calcedoniana por causa de seu tom mais pacificador, ele de fato extrai todas as implicações heréticas dos ensinamentos de Severo e seus seguidores.

É precisamente esse fenômeno que deixa muitas pessoas desconfortáveis com as obras polêmicas dos Padres em geral, e particularmente aquelas dirigidas contra os Não-Calcedonianos. A tática polêmica mais comum dos Padres é o reductio ad absurdum, partindo das premissas de seus oponentes e levando-as passo a passo à sua conclusão lógica, que se mostra algo repugnante ao senso comum cristão. Em Contra os Jacobitas, João mostra como uma recusa em aceitar duas naturezas em Cristo pode levar a excluí-Lo da natureza comum da Trindade - e esse é apenas um dos possíveis absurdos aos quais a doutrina de severiana pode levar. São Máximo, em alguns de seus escritos, usa a técnica para mostrar como a cristologia severiana leva ao monoenergismo e ao monotelismo (tarefa não muito difícil, pois Severo ensinou essas doutrinas explicitamente) e é baseada nas mesmas premissas de Nestório (um pouco menos óbvio, o argumento é que os dois começaram a partir de uma confusão entre natureza e hypostasis e depois tiraram conclusões opostas, mas igualmente blasfemas). Para nós hoje, educados em diferentes formas de argumentação, essa tática pode parecer injusta, mas tal sentimento vago não pode negar o fato de que é perfeitamente lógico e tem um longo pedigree que remonta à matemática e à filosofia gregas antigas, de onde passou para a caixa de ferramentas da argumentação patrística. Não podemos negar isso sem jogar fora a maior parte da literatura polêmica patrística. E devemos reconhecer que, em seu contexto cristão, ela pretende ajudar-nos a "falar a verdade com amor", mostrando as perigosas consequências às quais os primeiros princípios aparentemente inócuos podem levar.

Quando examinada assim, a cristologia Não-Calcedoniana, representada preeminentemente por Severo, tropeça devido à sua negação da realidade plena e da concretude da natureza humana de Cristo. Expressando a linha de argumentação patrística em termos mais compreensíveis para o homem moderno, Pe. Georges Florovsky escreveu:
Os seguidores de Severo não podiam falar da humanidade de Cristo como uma "natureza". Esta foi decomposta em um sistema de traços, pois a doutrina do Logos "assumindo" a humanidade ainda não tinha sido totalmente desenvolvida pelo monofisismo na inter-pessoalidade [isto é, carácter inter-hipostático]. Os monofisitas geralmente falavam da humanidade do Logos como οἰκονομία. Não é sem fundamento que os Padres do Concílio de Calcedônia detectaram aqui um sabor sutil do docetismo original. Certamente este não é o docetismo dos antigos gnósticos, nem é o apolinarianismo. No entanto, para os seguidores de Severo, o "humano" em Cristo não era inteiramente humano, pois não era ativo, não era "auto-motivado". Nessa contemplação dos monofisitas, o humano em Cristo era como um objeto passivo da influência divina. A divinização, ou theosis, parece ser um ato unilateral da Divindade sem levar suficientemente em consideração a sinergia da liberdade humana, cuja aceitação de forma alguma implica um "segundo sujeito". [14. The Byzantine Fathers of the Fifth Century, Collected Works Vol. 8 (Liechtenstein: Büchervertriebsanstalt, 1987).]
Conclusão

Onde é que isso nos deixa? Os argumentos apresentados acima obviamente não pretendem negar aos nossos irmãos Não-Calcedonianos sua fervorosa devoção a Cristo, que eles mantiveram corajosamente em circunstâncias angustiantes, passadas e presentes. Também não pretendo negar a verdadeira beleza de sua antiga liturgia e prática monástica. Apontar as falhas na herança teológica deles não é regojizar-se delas triunfalisticamente, mas convidá-los a um estudo mais aprofundado da tradição comum anterior aos cismas dos séculos V e VI. [15. Cf. o princípio enunciado na Declaração de Toronto citada acima: “(IV.5) As igrejas membros do Conselho Mundial reconhecem em outras igrejas elementos da verdadeira Igreja. Elas consideram que esse reconhecimento mútuo as obriga a dialogar seriamente, na esperança de que esses elementos da verdade levem ao reconhecimento da verdade plena e à unidade baseada na verdade plena.”] Esse amor firme é baseado na esperança de que eles reconheçam que o "fundamentalismo ciriliano" que eles herdaram de Severo e de seus outros mestres não é, de fato, um desenvolvimento fiel da tradição antiga, nem mesmo do próprio Cirilo, porque nega a Reconciliação de 433 na qual ele concordou com João de Antioquia para resolver o cisma que resultou do controverso Concílio de Éfeso de 431 (Terceiro Concílio Ecumênico). Há espaço para a expressão "uma natureza encarnada do Verbo de Deus", mas apenas com base na explicação dessa expressão consagrada pelos Padres Ortodoxos do Quinto Concílio Ecumênico, em harmonia com Calcedônia.

Nem deve diálogo necessariamente ser encerrado. Mas, para continuar de maneira verdadeira e responsável, deve ser reiniciado em novas fundações. As discussões iniciadas na década de 1960 carregam o espírito inconfundível do tipo confuso de ecumenismo que começava a substituir, nos círculos Ortodoxos na WCC [Conselho Mundial das Igrejas], o tipo intelectualmente rigoroso e teologicamente honesto que foi iniciado por Florovsky anteriormente (é significativo que ele participou apenas do primeiro diálogo não oficial e fez apenas algumas contribuições lacônicas, conforme registrado nas atas). Devemos ser claros sobre nossa eclesiologia: a Una Sancta - a Igreja Ortodoxa, Calcedoniaana - é o pilar e o fundamento da verdade. Devemos ser claros sobre nossa cristologia: os Concílios Ecumênicos - todos os sete - são o critério incontestável dela. Devemos ser claros em nossa terminologia: eufemismos como "Oriental Orthodox" * (uma distinção que nem mesmo pode ser traduzida para a maioria das outras línguas) servem apenas para enlamear as águas da doutrina e confundir o rebanho que procura beber delas. A intercomunhão que foi aprovada sinodicamente em Antioquia e é tacitamente difundida em outros lugares deve parar, embora com a devida consideração pelas dificuldades pastorais da situação atual no Oriente Médio hoje, onde movimentos bruscos seriam imprudentes. Sempre foi um princípio básico do diálogo Ortodoxo com os heterodoxos que a comunhão deve ser o resultado de um pleno acordo teológico, não meios de criar fatos falsos. 

Embora a cooperação prática deva continuar entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos em questões urgentes, como a coordenação de esforços filantrópicos e políticos para a resolução, ou pelo menos mitigação, das trágicas circunstâncias das crises no Oriente Médio, devemos pensar criticamente sobre novos passos em direção à reunião. Isso exigirá de nós Ortodoxos discussões mais intensas entre nós, com consciência das opiniões críticas como resumi aqui, a fim de estabelecer um diálogo futuro em cima de um consenso Ortodoxo sólido. Para que essa discussão intra-Ortodoxa seja informada, precisamos de mais literatura on-line sobre aspectos específicos das objeções Ortodoxas à cristologia dos monofisitas, especialmente traduções para o inglês de textos patrísticos relevantes e estudos acadêmicos. Enquanto isso, espero ter dado aos leitores material suficiente para uma reflexão séria.

Nicholas Marinides - Chalcedonian Orthodoxy and Non-Chalcedonian Heterodoxy (original)

* Nota do tradutor: Uma forma comum de diferenciar os Ortodoxos e os Não-Calcedonianos em inglês é referir-se aos Ortodoxos como "Eastern Orthodox" e aos Não-Calcedonianos como "Oriental Orthodox".  Essa forma de diferenciar as duas igrejas ("eastern" e "oriental" significam praticamente o mesmo em inglês) causa confusão devido a semelhança entre os significados e em outras línguas, como no português, é ainda mais difícil traduzir a suposta diferença entre as palavras "eastern" e "oriental". Sendo assim, o autor corretamente critica essa maneira de diferenciar as duas igrejas.