quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Uniatismo: um problema no diálogo entre os Católicos Romanos e Ortodoxos (Pe. Theodore Zissis)

Pe. Theodore Zissis, Theological Orthodox Theological Review 35, primavera de 1990, pp. 21-31

(Artigo lido na Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Ortodoxa e a Subcomissão Mista da Igreja Católica Romana sobre Uniatismo. Viena - 26 a 31 de janeiro de 1990)


Para que a subcomissão do diálogo criado para estudar o problema do uniatismo seja bem-sucedida em sua tarefa, ela deve evitar análises longas e irrelevantes que possam afastar a subcomissão de seu objetivo principal e deve concentrar sua atenção em satisfazer a razão pela qual foi criada. Esta razão reside no fato de que o lado Ortodoxo, baseado em sérios fundamentos históricos, eclesiológicos e práticos, considera inaceitável a promoção do uniatismo pelos Católicos Romanos e um grande obstáculo ao progresso do Diálogo.

Mesmo antes do início do Diálogo, a perspectiva positiva trazida pelo decreto do Concílio Vaticano II "Sobre o ecumenismo" a respeito do relacionamento entre as duas Igrejas foi acompanhada de uma profunda decepção no decreto "Sobre as Igrejas Católicas Orientais", que propõe uma melhor organização e a expansão das igrejas uniatas, bem como o estabelecimento de novos patriarcados uniatas. A Terceira Conferência Pan-Ortodoxa em Rodes (1964) criticou fortemente esse decreto. O professor Ioannis Karmiris, que participou da Conferência em Rhodes, expressou o espírito desta conferência por escrito o seguinte: "Este decreto é totalmente inaceitável para os Ortodoxos e, por esse motivo, foi fortemente criticado na Terceira Conferência Pan-Ortodoxa em Rhodes, que havia estabelecido como condição obrigatória para iniciar o Diálogo entre a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica Romana, a abolição das Igrejas uniatas e sua sujeição e absorção no rebanho Católico Romano. Esse decreto é geralmente considerado pelos Ortodoxos como uma "pedra de escândalo" e um barril de pólvora capaz de destruir o diálogo entre o Oriente Ortodoxo e o Ocidente Latino" (1).

De acordo com essa decisão pan-Ortodoxa, para que o Diálogo iniciasse, os uniatas precisariam ser incorporados ao rito latino do Catolicismo Romano, e o uniatismo histórico deveria deixar de existir. Portanto, pode-se entender a difícil posição em que os membros Ortodoxos do Diálogo se encontraram no início quando, em vez de uma declaração dos Católicos Romanos na direção proposta pela Conferência Pan-Ortodoxa, eles se viram diante de algo provocador - como foi caracterizado - indivíduos pertencentes a Igrejas uniatas sendo nomeados como membros da Comissão. As reações, que quase levam à interrupção do Diálogo no início, são bem conhecidas. Mas um espírito de reconciliação e compreensão prevaleceu; um espírito que leva à adoção de uma declaração de texto Ortodoxa pela Comissão Mista como um todo. Nesta declaração, foi aceito que "Primeiro, a presença de Católicos Romanos uniatas de rito oriental na delegação Católica Romana não implica que a Igreja Ortodoxa reconheça o uniatismo; e, segundo, a questão do uniatismo permanece em aberto, como um dos problemas com os quais o Diálogo lidará "no futuro.

A razão pela qual essa subcomissão foi criada foi para o estudo do problema do uniatismo. Certamente, nós, Ortodoxos, podemos avaliar agora que fomos flexíveis e concessivos demais e que, depois de tantas sessões da Comissão Mista, apesar de nossa insistência, nenhum passo foi dado em direção à solução do problema. Além disso, os acontecimentos na Ucrânia e em outros países têm-nos deixado para trás, consequentemente, prejudicando a delegação Ortodoxa ainda mais. O Patriarcado de Jerusalém - representado pelo Metropolita Germano de Petra, que, todos nós lembramos, sempre protestou enfaticamente contra o problema do uniatismo e do prosiletismo - declarou que não participará mais do Diálogo. O representante da Igreja da Polônia está ausente e não sabemos o porquê; talvez porque Roma procedeu à ordenação de um bispo uniata na Polônia, como o bispo Nossol nos informou em seu artigo. Devemos dizer que essa reação é justificada e talvez possa continuar se a subcomissão não adotar propostas concretas imediatamente. Porque, embora a Conferência Pan-Ortodoxa de Rodes exija a abolição do uniatismo, Roma planeja reforçar os uniatas nos países do Oriente, onde há uma instabilidade devido as reorganizações políticas. É realmente justo forçar as Igrejas autocéfalas Ortodoxas locais a enfrentar o problema do uniatismo, em vez de ajudá-las de maneira fraterna nos primeiros passos em direção à liberdade?

Ademais, a insistência dos Ortodoxos de que o espinho do uniatismo seja eliminado é, como já foi dito, baseada em sérios fundamentos históricos, eclesiológicos e pastorais, os quais abordarei brevemente.

Desenvolvimento Histórico e a Definição de uniatismo

O uniatismo é algo desconhecido antes do cisma, quando havia apenas uma forma de comunhão na Igreja: a plena unidade dos fiéis na fé, no culto e na administração. Alguma diversidade era permitida, como tradições locais, quando não afetava os elementos essenciais da unidade. Particularmente no Ocidente, a insistência na uniformidade era tão inflexível que nenhuma outra língua, exceto o latim, era permitida no culto. Isso é claramente visível na reação à missão dos dois irmãos, Santos Cirilo e Metódio, que foram enviados de Constantinopla à Boêmia e à Morávia para cristianizar os eslavos. Hereges e cismáticos eram recebidos no corpo da Igreja não porque reconheceram a primazia do bispo de Roma - cuja idéia não existia na época, pois ele era comemorado como alguém que era igual aos outros patriarcas na estrutura da pentarquia dos patriarcas - mas porque eles formalmente rejeitaram sua heresia e aceitaram a fé da Igreja católica.

Após o cisma, Roma se viu isolada do grande "tronco" da Igreja católica, representada no Oriente pelos quatro patriarcas restantes, e limitada apenas à igreja local do Ocidente. A Igreja Romana carecia geograficamente de sua catolicidade, bem como dos tesouros da fé e  culto com os quais a Igreja Católica Ortodoxa Oriental era ricamente dotada. Para que ela pudesse preencher os elementos que faltavam em sua catolicidade, em vez de buscar uma união autêntica, ela preferiu uma união falsa, reconhecendo a jurisdição do papa como sendo sobre toda a Igreja e adquirindo os tesouros litúrgicos e outros do Oriente. Desse modo, pareceria, tanto geográfica quanto espiritualmente, como se a Igreja Latina fosse católica porque abrangia o Oriente e o Ocidente.

A união com os cristãos orientais foi buscada inicialmente através da latinização forçada, o que é claramente evidente durante o período das cruzadas. A história de muitas regiões Ortodoxas é cheia de horrores, perseguições e mártires devido a essa imposição forçada da fé latina. Esse método de retornar os heréticos e cismáticos [a Roma], que provocou o ódio dos povos nativos pelo Ocidente, foi abandonado e condenado no fim, porque, apesar da latinização forçada não ter resultados permanentes e muitos terem retornados à fé original, ele não satisfez a necessidade de multiformidade e diversidade no culto, indispensável à catolicidade do Ocidente. Para neutralizar essas desvantagens, um novo método de proselitismo para o Oriente foi concebido e aplicado. E esse é o uniatismo, que não requer a latinização para incorporação na Igreja, mas permite a preservação de formas litúrgicas e outros costumes e usos; e, em alguns casos, nem sequer exige unidade na fé [*], mas simplesmente o reconhecimento da primazia papal.

Esse método de união que é claramente proselitização e que externamente dá a impressão de que nada muda, de fato provou ser eficaz. O bem conhecido monge assumpcionista Raymond Janin, em seu livro Les Eglises orientales et les Rites orientaux (2), descobriu que um dos três meios usados para "retornar" os cristãos orientais a Roma - latinização forçada, proselitismo individual e uniatismo - este último, que começou no dia seguinte ao Concílio de Ferrara-Florença e que mais tarde criou um sistema com a intenção de usá-lo como meio de retornar o Oriente através dos cristãos orientais ("le retour de l'orient par les orientaux"), é o mais bem-sucedido e eficaz (C'est assurement la meilleure de toutes les methodes et la plus pratique).

Portanto, com base nos objetivos e no método do uniatismo, a definição de uniatismo desenvolvida pelo grande historiador eclesiástico ortodoxo e arcebispo de Atenas, Chrysostomos Papadopoulos, fornece uma imagem precisa de como os Ortodoxos compreendem o uniatismo. Segundo essa definição, "o uniatismo é uma união fraudulenta e engana as pessoas simples, por meio do qual alguém que se une à Igreja Latina, aceita a primazia do Papa e toda a doutrina da Igreja Latina, por um lado, mas por outro preserva sua própria ordem litúrgica e alguns de seus próprios usos e costumes, de acordo com o axioma jesuíta unite dans la foi, varieté dans les rites (unidade na fé, diversidade de ritos) para que os unidos sejam gradualmente assimilados na Igreja Latina não abruptamente" (3).

Essa forma de união com a Igreja de Roma dos "separados" aparece pela primeira vez no século XIII e toma forma definida no Concílio de Ferrara-Florença (1437-1439), onde os primeiros bispos uniatas, membros do Concílio que se converteram ao Catolicismo Romano, foram os metropolitas Ortodoxos Bessarion de Nikaia e Isidoro de Kiev. Foi sistematicamente organizada mais tarde pelos jesuítas que, através de pressões e maquinações intoleráveis, a impuseram com sucesso pela primeira vez aos Ortodoxos da Ucrânia durante o Concílio de Brest (1596), aproveitando a submissão política dos ucranianos sob o rei Sigismundo da Polônia. Ele prometera abolir a discriminação política e econômica contra o clero Ortodoxo e colocar os Ortodoxos no mesmo nível dos Católicos Romanos se eles prosseguissem em direção à união com Roma com base nas decisões do Concílio de Ferrara-Florença. As perseguições sofridas pelos Ortodoxos ucranianos para fazê-los aceitar o Concílio de Brest foram descritas sombriamente na historiografia da igreja russa. Até o arqumandrita Nikephoros Katakouzenos, enviado a Brest como delegado do Patriarcado Ecumênico, foi condenado supostamente como espião dos turcos e abandonado para morrer de fome nas prisões de Marienburg. O outro delegado, Cyril Lucaris, do Patriarcado de Alexandria, que mais tarde se tornou Patriarca Ecumênico, foi capturado, mas conseguiu escapar. É sabido que, no final, como Patriarca de Constantinopla, ele não escapou da ira dos jesuítas.

O experimento de Brest foi repetido na Transilvânia (Romênia), onde até o século XVII havia uma população Ortodoxa inalterada. Mas em 1688, quando a Transilvânia tornou-se livre do domínio turco e foi colocada sob o jugo da Austro-Hungria Católica Romana, os jesuítas novamente convenceram o imperador Leopoldo I a impor a "união", que de fato foi imposta através de perseguições e martírios depois que o Metropolita Athanasios se converteu oficialmente à Igreja Romana em 1698 em Alba Julia. Os Ortodoxos, que se recusaram a se sujeitar a Roma, organizaram-se em três igrejas autônomas: a de Karlovic, de Vukovina e de Hermanstat. O uniatismo progrediu posteriormente nos países dos Balcãs e do Oriente Médio, enquanto estava sob jugo turco. Esses países, considerados terrae missionis, tornaram-se o campo de rivalidade entre missionários Católicos Romanos e Protestantes, que se aproveitaram selvagemente da escravidão cruel, da ignorância e da pobreza dos fiéis Ortodoxos. Mesmo na sé do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, monges assumpcionistas conhecidos estabeleceram um mecanismo uniata. Após a guerra entre a Grécia e a Turquia em 1922, o uniatismo foi trazido para a Grécia pelo conhecido bispo uniata de Theodoroupolis, Georgios Chalavazis, que estabeleceu uma comunidade uniata em Atenas, se favorecendo da miséria dos refugiados vindos da Ásia Menor e da Trácia. Ele foi sucedido por Hyakinthos e mais tarde por Anargyros, o atual bispo uniata que havia sido nomeado por Roma apenas alguns anos antes da abertura do Diálogo, apesar do forte apelo do Santo Sínodo da Igreja da Grécia e da Faculdade Teológica de Atenas, que essa nomeação seria um obstáculo ao Diálogo. Como representante da Igreja da Grécia, compreendo plenamente a amargura dos Ortodoxos poloneses com a ordenação de um bispo uniata na Polônia em setembro de 1989, pergunto: de que importância são as propostas da subcomissão para resolver o problema quando Roma, continuando o Diálogo através do trabalho da subcomissão, prossegue com o reforço do uniatismo nos países do oriente? O ato desmente as teorias.

De modo que não pareça que o quadro histórico que expus seja minha própria concepção arbitrária, mencionarei dois Católicos Romanos, um latino e um uniata, que testemunham isso. O monge jesuíta Gabriel Patasci, em um artigo publicado na Irenikon (4), escreve: "Geralmente, o uniatismo foi criado quando os países Ortodoxos estavam em um período de declínio político. Não é por acaso que, enquanto Constantinopla estava sendo ameaçada pela invasão muçulmana, o Concílio de Florença escolheu precisamente esse momento para estabelecer os fundamentos jurídicos do uniatismo, por assim dizer. Durante o período das uniões parciais, o oriente grego e os Bálcãs estavam sob jugo turco e a Ucrânia sujeita ao rei da Polônia." Além disso, o bispo uniata de Theodoroupolis, Georgios Chalavazis, mencionado acima, em uma palestra proferida em Bruxelas em Bruxelas em 14 de fevereiro de 1936, na presença do cardeal Van Roey e publicada como artigo principal sob o título "Supreme priere" na Revista Catholique des Idées et des Faits (5), tentou convencer sua audiência de que as condições no Oriente Ortodoxo são muito favoráveis para proselitizar através do uniatismo porque o Partiarcado Ecumênico está sucumbindo às flagelações das maquinações turcas e do filetismo das nações Ortodoxas; a hierarquia vacila e está corroída por rivalidades e, além disso, o clero sem instrução não pode opor-se às circunstâncias: La dislocation de 1'Orthodoxie se marque tout a coup d'une manière evidente. Le grand Patriarcat succombe sous les coups des manoeuvres turques et les revendications philetistes des nations orthodoxes, la hierarchie vacille, rognee par les querelles de competitions, le clerge ignorant est au dessous de sa tache (6).

O uniatismo como uma anomalia eclesiológica

Não são apenas as lembranças de suas experiências - situações de escravidão política e miséria econômica - que levam os Ortodoxos a rejeitarem o uniatismo. Existem sérias razões eclesiológicas pelas quais o uniatismo é rejeitado como modelo para a união das igrejas.

Primeiro, o uniatismo, como já foi dito, envolve a aplicação das decisões do Concílio de Ferrara-Florença que foram condenadas pela consciência eclesial da Igreja Ortodoxa e, consequentemente, possui o modelo de unidade que saiu dessas decisões. Pesquisas recentes sobre este concílio, como o Bispo Nossol nos informa, indicam que essa assembléia eclesiástica de representantes do Oriente e do Ocidente não pode ser caracterizada como um concílio em direção à unidade no verdadeiro sentido da palavra.

Com os Católicos Romanos de Rito Oriental Roma tenta dar a impressão de catolicidade enquanto oculta a ferida da separação e divisão. Seguindo essa linha de pensamento, a Igreja Romana não é uma Igreja local limitada aos limites da jurisdição de Roma, como quando existia a pentarquia, mas a igreja católica com jurisdição sobre toda a Igreja, Ocidente e Oriente. Mas, de acordo com nosso entendimento ortodoxo, os patriarcas legítimos no Oriente não são os unidos ao bispo de Roma, mas os patriarcas Ortodoxos que continuam a ordem eclesiástica estabelecida desde o período anterior ao cisma. Patriarcas uniatas são produtos do Bispo de Roma que visam preencher o vácuo deixado pela falta de catolicidade. Por outro lado, os Ortodoxos evitaram estabelecer um patriarca Ortodoxo no lugar do bispo de Roma. Antes, eles continuam a respeitar a legitimidade histórica do trono de Roma.

A existência de Igrejas Orientais unidas a Roma torna as Igrejas Ortodoxas contestáveis do ponto de vista eclesiológico e desafia a condução do Diálogo em termos iguais. Os Ortodoxos eclesiologicamente não constituem uma das duas partes iguais no Diálogo, mas fazem parte de uma substância eclesiológica reduzida que pode ser substituída a qualquer momento pelos uniatas.

O reconhecimento da primazia da jurisdição do papa sobre toda a Igreja é constantemente a condição indispensável - sine qua non - da existência do uniatismo. Esta reivindicação constitui o maior obstáculo à reaproximação entre as Igrejas. A preservação do uniatismo, no entanto, significa automaticamente também a preservação da primazia do papa.

Uma conseqüência precisamente relativa a essa revindicação eclesiologicamente inaceitável é a degradação do ofício patriarcal pelo papa, uma vez que é o papa quem transmite a autoridade patriarcal. A desvalorização dos patriarcas uniatas no decreto "Sobre as Igrejas Orientais" causou uma intensa reação por parte deles, que foi expressa em seu sínodo pelo Patriarca Maximos IV de Antioquia que, entre outras coisas, disse: "O patriarca não é apenas algum tipo de distinção honorária. Portanto, seu ofício não deve ser apenas uma expressão externa de sua real importância. É por isso que não é benéfico banhar os patriarcas orientais com estima e posições de honra, e depois tratá-los como servos, cuja autoridade depende em todos os aspectos sempre de recursos obrigatórios à congregação da Cúria Romana para coisas insignificantes "(7) O monge beneditino Hoeck disse no concílio: "Hoje, os patriarcados não são senão sombras de sua substância primitiva, e são vistos com desdém e o Catolicismo é o responsável por isso. A instituição partiarcal é o verdadeiro pivô de todo o Oriente. Nossos irmãos separados nos julgam precisamente com base nesse ponto, pois constitui, segundo eles, o teste mais essencial. De fato, eles se perguntam como acabariam se houvesse uma reunião com Roma. Eles dependeriam dos cardeais ou da cúria? Mas um cenário como esse seria totalmente impossível e é contrário à totalidade da tradição ... Por mil anos, a Igreja Oriental elegeu livremente seus patriarcas e bispos, fundou suas eparquias eclesiásticas, regulou sua vida litúrgica, seu direito canônico etc. A autonomia dos patriarcas era absoluta "(8).

Existe uma descrição mais dramática sobre a direção da eclesiologia de Roma, exclusiva para si mesma, como foi expressa até no Concílio Vaticano II?

Uniatismo e Proselitismo

A preservação pelos uniatas dos ritos litúrgicos, costumes e usos do Oriente, e das vestimentas externas do clero é rejeitada pelos Ortodoxos não apenas porque as formas e os ritos separados da fé perdem sua alma e morrem, mas também porque quando os uniatas aparecem como Ortodoxos, é fácil para as pessoas inocentes serem seduzidas por seu proselitismo deliberado. O problema dos ritos e das vestimentas litúrgicas do clero se intensifica ainda mais se se levar em consideração que na Igreja Católica Romana, não apenas os uniatas, mas também o clero do rito latino, podem celebrar liturgias do rito bizantino e usar o traje litúrgico do clero Ortodoxo. 

Com relação à separação forçada dos ritos litúrgicos e da fé do fiel, citarei simplesmente a opinião muito característica de Louis Bouyer, ex-membro da Comissão Conjunta de nosso Diálogo: "Nada melhor prova a astúcia incurável daqueles que desejam utilizar a liturgia bizantina à parte de sua corporalidade, a fim de atrair os Ortodoxos orientais para o cristianismo latino, e essa separação é inconcebível. Não podemos tomar a liturgia de Bizâncio sem tomar o cristianismo bizantino em sua totalidade. Caso contrário, aquilo que tomamos se assemelha tão pouco à liturgia de Hagia Sophia ou aos santos apóstolos quanto um fantoche se assemelha a uma pessoa real "(9). Da mesma forma, Congar escreve que o uniatismo, neste caso, parece ser uma caricatura e uma contradição à própria unidade: "L'Unia apparait comme etant la caricature et la contradiction meme de l'unite" [A unia parece ser a caricatura e a própria contradição da unidade.] (10) 

A astúcia sedução dos fiéis com formas litúrgicas e aparências externas, a fim de promover o proselitismo, causou e causa a reação justificada dos Ortodoxos. O grande Patriarca Joaquim III apelou ao governo turco e conseguiu proibir os uniatas de usar vestimentas litúrgicas Ortodoxas. Da mesma forma, na Grécia, o uso de vestimentas Ortodoxas é proibido por lei e mantido por decisões judiciais. Da vasta quantidade de material, eu gostaria de referir à resposta de Chrysostomos Papadopoulos, Arcebispo de Atenas e Professor da Faculdade Teológica da Universidade de Atenas, ao Bispo uniata Georgios Chalavazis: "Acredite em mim que o uniatismo é sempre horrível para nós Ortodoxos, pois representa fraude e mentira em questões religiosas. O uniatismo é um produto ilegítimo que, através da mentira, tenta atrair o Cristão Ortodoxo para a Igreja Latina. Não é uma tentativa sincera de união. Respeitamos o sermão sincero dos clérigos latinos, mas permita-me dizer que abominamos o sermão de quem representa o uniatismo ... Se você realmente pertence à Igreja Latina e deseja sinceramente trabalhar por ela, apresente-se como um clérigo latino. Não é cristão nem digno parecer Ortodoxo e manter que você é o mesmo que os hierarcas Ortodoxos, a única diferença é que você reconhece o papa de Roma: isso não é verdade"(11).

Podemos entender como os Ortodoxos são justificados se considerarmos que os próprios Ortodoxos nunca tentaram utilizar os ritos litúrgicos ocidentais ou as vestimentas latinas por razões de proselitismo à Ortodoxia.

Propostas para a solução do problema do uniatismo

Para os Ortodoxos, a decisão da Conferência Pan-Ortodoxa de Rodes de abolir o uniatismo e incorporar os Católicos Romanos de rito oriental no Catolicismo Romano dominante ainda é válida. Hoje, quando se fala muito sobre direitos humanos e existe uma atmosfera explosiva de liberdade nos países da Europa Oriental, ajudaria bastante a resolver esse problema se o direito dos unitas de se unirem totalmente ao Catolicismo Romano ou a Ortodoxia fossem reconhecidos; então a mistura de ritos e vestimentas litúrgicas finalmente cessará.

Ajudaria a diminuir a tensão e não impediria o curso do Diálogo se a Igreja Católica Romana evitasse ações, como a ordenação de novos bispos uniatas, que manifestam a intenção de reforçar e desenvolver ainda mais o uniatismo. Se essas ações continuarem, a participação dos Ortodoxos no diálogo se tornará ainda mais problemática.

O uso dos ritos litúrgicos orientais e o uso de vestimentas Ortodoxas não apenas pelos uniatas, mas também pelos clérigos latinos devem ser gradualmente limitados e finalmente abolidos, pois é particularmente ofensivo para os Ortodoxos. Isso ajudaria na assimilação gradual dos uniatas, tanto em uma como na outra igreja.

Como elementos positivos do trabalho da subcomissão, pode ser proposto o seguinte: 1) Que se reconheça que o uniatismo não é um modelo de união; 2) Que o uniatismo se desenvolveu dentro de uma eclesiologia que não se aplica mais; 3) Que o proselitismo de qualquer tipo que viola a liberdade de consciência religiosa e usa meios enganosos e ilegítimos seja condenado.


NOTAS

(1) Orthodox and Roman Catholicism (Athens, 1965), 2, pp. 252-53.

(2) (Paris, 1955).

(3) Nature and Character of Uniatism (Athens, 1928), p. 19.

(4) No. 41 (1968) 35.

(5) “Suprême prière”, Revue Catholique des Idées et des Faits (1936).

(6) Ekklesia , 14, n. 20, p. 159.

(7) Katholikè , 36, 1964, fol. 1412, p. 4.

(8) Katholikè,36, 1964, fol. 1413, p. 4.

(9) Nostalgia of Orthodoxy (Athens, 1956), p. 86.

(10) “ 1054-1954, «L'Eglise et les églises, Neuf siècles de douloureuse séparation entre l'Orient et l'Occident», Irénikon 1 (1926), 42.

(11) Anaplasis 41 (1928), vol. 9, pp. 113-4.

[*] Nota do tradutor: O uniatismo é a prova de que Roma só se preocupa com a obediência ao Papa e não com a unidade da fé, os uniatas veneram santos que combateram os erros da Igreja Católica Romana como São Fócio, São Marcus de Éfeso, São Gregório Palamas. Roma não vê problema nisso, contato que obedeça ao Papa. Essas contradições também são vistas em outras igrejas orientais em comunhão com Roma. Por exemplo, um santo da Igreja Armênia (não-calcedoniana, isto é, monofisita) Gregório de Narek foi declarado Doutor da Igreja pelo Papa Francisco em 2015; os coptas uniatas veneram Severo de Antioquia; os uniatas do Oriente Médio e região veneram Nestório; a igreja "melquita" de maneira contraditória considera o Vaticano I um sínodo ocidental local e não o considera vinculante. Por exemplo, em seu catecismo disponível aqui é dito:
40. O Concílio Vaticano foi um concílio ecumênico? Por quê? Por que não?
R. O Concílio Vaticano não foi um Concílio Ecumênico - nenhuma houve participação dos Ortodoxos. 
Também ignora os outros concílios reconhecidos como ecumênicos por Roma (posteriores ao Sétimo Concílio):
9. Quantos concílios ecumênicos foram realizados?
R. Sete Concílios Ecumênicos.
Essa posição dos melquitas certamente não é ponto de vista de Roma. O sistema uniata está repleto de inconsistências que são apenas encobertas, e não são verdadeiramente incorporadas a uma teologia consistente. Não há unidade na fé, há apenas submissão ao Papa. Os uniatas precisam ser consistentes e estar em "conformidade" com o que o Papa ensina à igreja universal. Isso é o que o Vaticano I declara e é a condição sine qua non de estar em comunhão com Roma. Ser uma igreja sui juris não nega a necessidade de estar sob os ensinamentos papais da Igreja universal. E isso inclui a Unam Sanctam, Florença (filioque) e infalibilidade papal, etc. 

É interessante notar que no passado o próprio Papa se recusou a colocar São Gregório Palamas na lista de santos, mas os uniatas hoje em dia o veneram (da tese Nedelsky, Palamas in Exile):
Antoine Wenger, por exemplo, relata essa conversa com o cardeal Jean Villot em 1970: “ele também me disse que haveria uma consulta para determinar se eles poderiam colocar Gregório Palamas, teólogo Ortodoxo, doutor do hesicasmo, canonizado pela Igreja Oriental, no sinaxarion Greco-Católico. Para formar a opinião, Paulo VI consultou a Théologie orientale de P. Jugie e o trabalho do teólogo Ortodoxo John Meyendorff sobre Palamas. Ele concluiu que isso não seria possível ('depois dele, eles terão Fócio e, possivelmente, até Lutero', disse Villot). [27] 
[27] (Antoine Wenger, Le Cardinal Jean Villot (1905-1979): secrétaire d’État de trois papes (Paris: Desclée de Brouwer, 1989), 112. Cited in Jacques Lison, L’Esprit répandu: la pneumatologie de Grégoire Palamas (Paris: Les Éditions du Cerf, 1994)  
(retirado da tese Nedelsky, Palamas in Exile):
Sobre a incompatibilidade da teologia de São Gregório Palamas e a teologia Católica Romana veja o artigo: Uma refutação da doutrina católica romana da simplicidade divina absoluta por Jay Dyer (aqui)

Sobre a prática do hesicasmo nas igrejas uniatas veja: Oração de Jesus nas igrejas católicas de Rito Oriental (aqui)

Veja também o vídeo Uniatas e Católicos Romanos trazem abuso litúrgico e sacrilégio para a Ucrânia (aqui

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