segunda-feira, 31 de julho de 2017

Oração de Jesus e as práticas meditativas não-Cristãs

Me envolvi bastante com a Oração Centrante e a Meditação Cristã ensinada pelo monge beneditino John Main. Eu liderava grupos e retiros semanais de "meditação cristã" nas paróquias, retiros coordenados liderados por um conhecido monge beneditino, etc. Assim foi a minha vida por muitos anos. No último ano do meu envolvimento com este movimento, eu me encontrava num período de noviço como um Oblato Beneditino (aquele que tenta seguir a Regra de São Bento enquanto vive no mundo), tentando decidir se eu tomaria meus votos finais como oblato e permaneceria no movimento de Meditação Cristã, ou se deveria entrar na Igreja Ortodoxa. Ao entrar cada vez mais profundamente na disciplina da Meditação Cristã ao longo de muitos anos e conhecendo outros que tinham muita experiência nesta prática, e simultaneamente estudando a fé Ortodoxa e a Tradição da Oração de Jesus, percebi que a Meditação Cristã / Oração Centrante eram de origem e orientação espiritual muito diferente da tradição dos Pais do Deserto e sua continuação na Igreja Ortodoxa hoje. Cheguei à conclusão de que o MC / OC era completamente incompatível com a tradição Ortodoxa, e assim, no final, tive que fazer uma escolha para seguir o resto da minha vida.

A Meditação Cristã (MC) e a Oração Centrante (OC) foram tentativas de "cristianizar" a meditação de mantras hindus, como ensinado por Swami Satyananda na Malásia (no caso de MC) e Maharishi Mahesh Yogi (no caso da OC). Enquanto abade de Spenser Abbey em Massachusetts, Pe. Thomas Keating convidava mestres zen para ensinar seus monges trapistas / beneditinos a meditar. Uma vez que os métodos de oração de Meditação Cristã / Oração Centrante vêm diretamente do Oriente não-cristão, não há surpresa alguma que alguém venha a ter uma experiência semelhante praticando esses mesmos métodos, mesmo dentro de diferentes religiões. Na verdade, a experiência é muito parecida, e é por isso que, dentro dos círculos MC / OC, é muito popular acreditar que, no seu "núcleo místico", todas as religiões experimentam a mesma coisa e descrevem essa experiência em diferentes termos. Alguns descrevem sua experiência em termos de "Deus" e "Amor", enquanto outros em termos de "Vazio" ou "Absoluto", por exemplo, dependendo das doutrinas religiosas através das quais essa mesma experiência é interpretada.

Com o meu envolvimento cada vez mais profundo com a Ortodoxia, cheguei a ver que essa "experiência comum" no "núcleo místico" de todas essas práticas é apenas a experiência de nossa própria natureza criada, nosso próprio espírito humano criado. Essa experiência de nosso próprio espírito criado é muitas vezes descrita em termos de "realidade" exterior à consciência do tempo e do espaço, uma experiência de ilimitabilidade, de eternidade, de infinitude, de unicidade, etc. Esta é uma experiência muito iluminadora e transformadora para as pessoas, mas é simplesmente a experiência da realidade alcançada como uma consequência natural da aplicação de certa técnica psico-somática. Em outras palavras, essa experiência não tem nada a ver com entrar em comunhão com o Deus Incriado através de Suas energias divinas e incriadas (graça). Mas, tal experiência do espírito criado é algo ruim?

Na Meditação Cristã e na Oração Centrante, muitas vezes se ensina sobre a experiência de comunhão com Deus, quando, na realidade, os praticantes desses métodos são apenas conduzidos à experiência da infinitude de seu próprio espírito criado. Quando alguém experimenta seu próprio espírito criado e confunde essa experiência com a experiência do Deus Incriado, isso é um engano, e esse engano se torna o maior obstáculo para verdadeiramente conhecer Deus e entrar em comunhão com Ele. Esse engano, de fato, cria um obstáculo maior para conhecer Deus do que os obstáculos das mais grosseiras paixões porque esse alguém foi, em última instância, levado a adorar seu próprio eu como Deus. Essa é a experiência do hindu que diz "Atman é Brahman" ou "Si mesmo é Deus". Através da crença de que o próprio espírito criado por Deus é Deus ou igual a Deus, que é o mesmo que confundir seu espírito criado com o Espírito Incriado, cai-se no mesmo engano que Lúcifer no momento da sua grande queda.

O movimento contemplativo no Ocidente hoje, que é liderado principalmente pelos ensinamentos da Oração Centrante e da Meditação Cristã, tem em seu centro o engano  espiritual e a confusão em relação à experiência de Deus e ao próprio espírito criado. Não é de admirar, então, que os líderes deste movimento, do famoso Thomas Merton aos "mestres" de nosso próprio tempo, não vejam nenhum problema com os Cristãos que aprendem a meditar com Mestres Zens e gurus Hindus (conheci alguns Católicos Romanos que também são Zen Roshis certificados, por exemplo). A prática desses métodos levou a um "Novo Cristianismo" que não é um retorno à tradição dos Pais do Deserto (que este movimento tenta explorar, ao justificar-se) e a Igreja primitiva, mas é uma traição do próprio fundamento da fé apostólica e estabelecimento de uma nova fé que estabelece os fundamentos da futura religião do Anticristo.

É muito popular nos ensinamentos da OC / MC referir-se à tradição Ortodoxa da Oração de Jesus como sendo da mesma tradição. De fato, foi assim como aprendi pela primeira vez sobre a Igreja Ortodoxa. Quando se examina profundamente sobre cada tradição, no entanto, percebe-se que tudo é abordado de forma bem diferente. Você pode, então, examinar a continuidade e a consistência da tradição Ortodoxa da Oração de Jesus e sua completa inseparabilidade do batismo na Igreja Ortodoxa e da participação na vida sacramental Ortodoxa.Você pode então comparar isso com as tradições criadas recentemente da Oração Centrante e da Meditação Cristã, que não têm continuidade viva com a Igreja primitiva, mas que só foram revividas através do contato com o Oriente não-cristão. Você pode então examinar os frutos dessas tradições, pode examinar os antigos Pais do Deserto e os Pais do Deserto contemporâneos da Igreja Ortodoxa que têm exatamente a mesma tradição e visão de mundo como os Pais antigos; e compare isso com o fato de que os movimentos de OC / MC não produziram santos contemporâneos como os Pais do Deserto. Quanto mais profundo você entrar nessas questões, mais você verá a divergência e, no entanto, apenas uma dessas tradições é consistente com a fé "entregue de uma vez por todas aos santos".

Algumas citações do Ancião Sofrônio de Essex e do Hieromonge Damasceno de Platina do livro "Christ the Eternal Tao":

Pe. Damasceno escreve sobre a experiência da luz interior:
"Aqui estamos pisando em terreno perigoso, por isso é necessário ir devagar. É aqui que muitos daqueles que praticam vigilância caíram na delusão ao longo dos séculos. Tudo depende da pureza da intenção daquele que está entrando. Se a intenção (consciente ou inconsciente) não é enfrentar a condição de pecado de si mesmo, de arrepender-se e assim reconciliar-se com Deus, mas, em vez disso, é de "ser espiritual" enquanto continua a adorar a si mesmo, então, pode-se, ao tornar-se consciente da luz do próprio espírito, começar a adorá-la como Deus. Esta é a derradeira delusão."
Arquimandrita Sofrônio é então citado:
"Alcançando os limites onde 'o dia e a noite chegam ao fim', o homem contempla a beleza de seu próprio espírito que muitos identificam com o Ser Divino. Eles veem uma luz, mas não é a Luz Verdadeira na qual 'não há qualquer escuridão'. É a luz natural peculiar à mente do homem criado à imagem de Deus.
"A luz mental, que ultrapassa qualquer outra luz do conhecimento empírico, pode ainda ser chamada de escuridão, uma vez que é a escuridão da alienação e Deus não está nela. E, talvez, neste caso mais do que qualquer outro, devemos escutar o aviso do Senhor: "Tome cuidado, portanto, que a luz que está em você não seja a escuridão". A primeira catástrofe cósmica pré-histórica - a queda de Lúcifer, filho da manhã, que se tornou o príncipe das trevas - foi devido à sua contemplação enamorada de sua própria beleza, que terminou em sua auto-deificação".
Pe. Damasceno então comenta esta passagem:
"A escuridão da alienação de que o Pe. Sofrônio fala é o estado de ter se elevado acima de todos os processos de pensamento que descrevemos anteriormente. Se o motivo da pessoa é orgulho, ela parará neste ponto, admirando seu próprio brilho; mas esse brilho ainda será escuridão. Ele pensará que encontrou Deus, mas Deus não estará ali. Ele encontrará uma espécie de paz, mas será uma paz separada de Deus.
 "Ir além do pensamento não é ainda alcançar o verdadeiro conhecimento. Tal conhecimento vem da Palavra falando silenciosamente no espírito que está ansiando por Ela; não vem do próprio espírito. A Palavra virá e fará Sua morada com o espírito somente se a pessoa se aproximar de Ele com absoluta humildade, pois Ele mesmo é humildade e semelhante atrai semelhante".
Pe. Sofrônio escreve mais sobre aqueles que se aproximam sem humildade:
"...uma vez que aqueles que entram pela primeira vez na esfera do 'silêncio da mente' experimentam uma certa admiração mística, eles confundem sua contemplação com a comunhão mística com o Divino, ao passo que, na realidade, eles ainda estão dentro dos limites da natureza humana criada. A mente aqui, é verdade, passa além das fronteiras do tempo e do espaço, e é isso que lhe dá uma sensação de apreensão da sabedoria eterna. Isso é tão longe quanto a inteligência humana pode ir seguindo o caminho do desenvolvimento natural e da auto-contemplação ...
"Habitando na escuridão da alienação, a mente conhece um deleite peculiar e uma sensação de paz... Purificando as fronteiras do tempo, tal contemplação aproxima a mente ao conhecimento do não-transitório, portanto dando ao homem uma cognição nova, mas ainda abstrata. Ai daquele que confunde esta sabedoria com o conhecimento do Deus verdadeiro, e essa contemplação com uma comunhão no Ser Divino. Ai daquele porque a escuridão da alienação nas fronteiras da verdadeira visão se torna uma passagem impenetrável e uma barreira mais forte entre ele e Deus que a escuridão devido a revolta da paixão grosseira, ou a escuridão de instigações obviamente demoníacas ou a escuridão que resulta da perda da graça e do abandono por Deus. Ai daquele, pois ele se desviará e cairá em delusão, já que Deus não está na escuridão da alienação".
Experimentar a escuridão da alienação e a luz da mente, diz o Pe. Sofrônio, "é naturalmente acessível para o homem", mas experimentar a Luz Incriada da Divindade é dado ao homem por uma ação especial de Deus. Essas duas experiências diferem qualitativamente uma da outra. Pe. Sofrônio escreve:
"Foi-me concedido contemplar diferentes tipos de luz e luzes - a luz que o artista conhece quando exaltado pela beleza do mundo visível, a luz da contemplação filosófica que se desenvolve em uma experiência mística. Incluamos até mesmo a 'luz' do conhecimento científico que é sempre e inevitavelmente de valor muito relativo. Fui tentado por manifestações de luz de espíritos hostis. Mas já adulto, quando retornei a Cristo como Deus perfeito, a Luz eterna brilhou sobre mim. Essa maravilhosa Luz, mesmo na medida que me foi concedida do Alto, eclipsou tudo, assim como o sol nascente eclipsa a estrela mais brilhante".
O Pe. Damasceno então comenta sobre esta passagem:
"Nós não praticamos a vigilância para que possamos nos tornar silenciosos e serenos. Em vez disso, ficamos em silêncio para que possamos conhecer a verdade desagradável sobre nós mesmos, e para que 'ouçamos' o Tao / Logos falando diretamente ao nosso ser interior. Ele não fala com uma voz audível; Sua voz não faz nenhum barulho mesmo na mente... a escritura chama Sua voz mansa e delicada. Não podemos ouvir, a menos que sintonizemos, separando de todo o ruído estático em nossas cabeças ".
Após essas palavras, o Pe. Damasceno então descreve o ensinamento Ortodoxo em relação à Oração de Jesus.

Na tradição Ortodoxa da Oração de Jesus, a prática da Oração não pode ser separada da vida sacramental e ascética Ortodoxa. Uma vez que as práticas de meditação não-cristãs, como aquelas seguidas por budistas, hindus e muitos cristãos não-Ortodoxos (na tradição de Thomas Keating, Thomas Merton, John Main, etc.) são principalmente técnicas psico-somáticas que levam a experiência da natureza criada de si mesmo, essas técnicas podem ser facilmente praticadas por pessoas diferentes, independentemente da sua religião, e todos os que praticam essas técnicas chegam a uma experiência similar. Na Igreja Ortodoxa, no entanto, a salvação do homem, a theosis e todo o seu desenvolvimento espiritual começa com a recepção do Espírito Santo através do batismo e crisma na Igreja Ortodoxa. Ao entrar e permanecer na Igreja Ortodoxa, o homem começa a receber e ser deificado pelas Energias Incriadas de Deus enquanto cresce em humildade, virtude e arrependimento na medida em que recebe regularmente a graça deificante através dos sacramentos da Igreja Ortodoxa.

Confissão, arrependimento, humildade e autocontrole proporcionam o terreno fértil para que as sementes da Oração de Jesus cresçam e deem frutos; fornece também as folhas protetoras que guardam e preservam a fruta da doença e do calor abrasador do orgulho e da delusão. Para uma árvore dar frutos, no entanto, não é suficiente ter um bom solo e folhas para proteção, mas é necessário também a luz solar para o crescimento e a vitalidade. Do mesmo modo, junto com a confissão, arrependimento, humildade e autocontrole, o homem precisa dos raios divinos da graça incriada dos sacramentos da Igreja Ortodoxa.

[...]

Houve muitos Católicos de Rito Oriental que tentaram progredir na Oração de Jesus, mas que eventualmente perceberam que não poderiam fazer muito progresso até que se converteram à Ortodoxia. Já comentei sobre o fato de que na Igreja Ortodoxa o desenvolvimento espiritual do homem e a theosis começam com o batismo e a crisma na Igreja Ortodoxa. Como tenho certeza que você sabe, a Igreja Ortodoxa não considera os batismos ou outros sacramentos realizados fora da Igreja Ortodoxa como sacramentos verdadeiros e plenos-de-graça. As Energias Incriadas de Deus operam através dos sacramentos da Igreja, mas quando um sacerdote ou bispo entra em cisma e é desligado completamente do corpo de Cristo, os sacramentos realizados deixam de ser eficazes e plenos-de-graça. Esta realidade explica como tantos abusos ocorreram no Catolicismo Romano uma vez que se separaram da Igreja, assim como explica o caos do Protestantismo e a ausência em ambos os grupos de santos que têm a mesma estatura e cosmovisão (phronema) dos santos dos primeiros séculos. [...]

Em relação àqueles que se converteram à Ortodoxia vindo Catolicismo de Rito Oriental e sua afirmação de que alguns Ortodoxos se converteram ao Catolicismo de Rito Oriental, penso particularmente em pessoas como Hieromonge Gabriel (Bunge) e o Hieromonge Placide (Deseille) que eram estudiosos patrísticos e viveram décadas como monges no Rito Oriental sob o Papa antes de chegar à conclusão de que eles estavam em um beco sem saída que só poderia ser resolvido entrando na Igreja Ortodoxa. Você tem essas pessoas, que viveram durante décadas como monges Ortodoxos e eram conhecidos como estudiosos patrísticos, que chegaram à conclusão de que estavam em um beco sem saída na Ortodoxia e fugiram para o Papa?

Sobre a questão de julgar o progresso dos outros, meu único ponto é que eu ouvi vários relatos daqueles que procuraram praticar a Oração de Jesus de forma séria no Catolicismo Oriental e perceberam que era uma tentativa inútil e assim converteram-se para a Ortodoxia. Pe. Theophanes de Kapsokalyvia, por exemplo, disse depois de sua conversão que ele realmente não conseguia compreender a Oração de Jesus corretamente até sua conversão à Ortodoxia. Outros Católicos Romanos ou de Católicos de Rito Orientais de longa data falaram da grande graça que receberam depois de entrarem na Igreja Ortodoxa.

Dentro da Igreja Ortodoxa, temos muitos exemplos contemporâneos de hesicastas que se esforçaram dia e noite orando a Oração de Jesus e cujas vidas exemplificam as mesmas qualidades espirituais que os Pais do Deserto de antigamente. Nunca ouvi falar de algum hesicasta contemporâneo do Catolicismo de Rito Oriental cuja vida era do mesmo caráter espiritual que nossos santos e anciãos Ortodoxos contemporâneos. Nunca vi um livro sobre a Oração de Jesus por um hesicasta contemporâneo do Catolicismo de Rito Oriental. Eu suponho que, se um Católico de Rito Oriental quisesse seriamente aprender a orar a Oração de Jesus, ele iria encontrar pouco apoio dentro do Catolicismo de Rito Oriental e precisaria recorrer aos livros e conselhos dos santos e anciões Ortodoxos que não consideram o Rito Oriental Católico como parte da Igreja e não possuem comunhão com os Católicos de Rito Oriental. Claro, se eu estiver errado nisso, sinta-se livre para contestar esses pontos. 

Antes de eu ser Ortodoxo, os beneditinos que tentavam recuperar práticas de "oração contemplativa" sempre foram rápidos em apontar que tal tradição havia morrido no Catolicismo Romano após o Cisma (embora eles culpariam o escolasticismo ao invés do Cisma), mas que uma semelhante (para eles) tradição da Oração de Jesus permaneceu viva na tradição da Igreja Ortodoxa dos tempos apostólicos até hoje. Para aqueles que desejam aprender verdadeiramente este modo de oração, é necessário fazer parte desta tradição viva.


O texto é um depoimento-resposta encontrado no forum Orthodox.Christianity.net (link)




sexta-feira, 28 de julho de 2017

Tradição Ortodoxa e a Teologia de Tomás de Aquino

Nota do tradutor: o texto que segue é uma compilação de citações do livro The Psychological Basis of Mental Prayer in the Heart [A Base Psicológica da Oração Mental no Coração] escrito pelo monge Theophanes (Constantine) do Monte Atos. O livro trata sobre a antropologia e a psicologia Ortodoxa que fundamenta a prática da Oração de Jesus na Tradição Ortodoxa (com ênfase nos escritos da Filocalia). Após a exposição da antropologia e psicologia da Tradição ascética Ortodoxa o autor reserva um capítulo onde ele examina a antropologia e psicologia de São Tomás de Aquino comparando-a com a doutrina Ortodoxa.
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Estamos aqui no coração da psicologia ascética. Temos uma estrutura tripartite da alma; nós vamos libertar (ou curar) a alma do domínio das paixões de duas partes, raiva e desejo. Evagrius menciona que a mente (nous) está sujeita a suas próprias paixões de ignorância e ilusão, embora ele não as chame de "paixão".

Isto é importante: o programa ascético está sendo definido: devemos nos libertar da raiva e desejo - em que sentido, veremos à medida que avançamos. Deve entender-se que tanto a Reforma Protestante quanto o Iluminismo rejeitaram este programa com veemência. Eles não aceitam a antropologia e a soteriologia subjacente. Este é o significado da doutrina de Lutero sobre a justificação pela fé: uma rejeição da teologia ascética baseada na antropologia que estamos discutindo. O Iluminismo, é claro, foi mais longe, rejeitando a religião revelada; vimos isso no último capítulo. No Ocidente, apenas a Igreja Católica Romana, até nossos dias, manteve, em suas ordens religiosas, esse entendimento. Aqui vemos um ponto fundamental sobre o qual a Igreja Ortodoxa mantém uma postura estranha à sabedoria do Ocidente hoje. É o entendimento da Igreja Ortodoxa sobre a natureza humana e sobre o objetivo do cristão: o que o cristão faz desde o momento da sua conversão a Cristo, desde o momento do seu Batismo, até morrer. [...]

Dizemos isso para indicar a seriedade do que está sendo afirmado por Santa Macrina. Entendendo que ela afirma que é necessário que o asceta remova as paixões das partes irascíveis e desejantes da alma, que se remova suas operações contrárias à natureza, então temos uma certa atitude em relação a essas próprias paixões, uma atitude que muitos não-cristãos Ortodoxos e muitos não-cristãos, não compartilham. Além disso, vemos a diferença entre a doutrina Ortodoxa e as doutrinas não ortodoxas que se opõem a Ortodoxia como aspectos fundamentais de diferentes antropologias, diferentes imagens da pessoa em cada uma dessas doutrinas. Além disso, essas diferentes antropologias estão ligadas a diferentes soteriologias, diferentes doutrinas sobre o que é salvação e como deve ser realizada ou alcançada.

Estamos aqui na raiz da antropologia Ortodoxa e qualquer tentativa de remodelar a oração Ortodoxa baseando-se em uma outra antropologia - talvez um sistema psicológico moderno pós-iluminista ou pós-freudiano ou pós-junguiano, ou mesmo uma antropologia Protestante ou Católica Romana - produzirá um homem ou monge bastante diferente do homem ou monge Ortodoxo tradicional se a tentativa não respeitar esta estrutura fundamental da antropologia Ortodoxa. Em outras palavras, uma tentativa de romper com os métodos do Hesicasmo e plantá-los em um ambiente filosófico ou teológico diferente que não respeite a orientação básica da antropologia Ortodoxa produzirá resultados bem diferentes dos que são produzidos na tradição ascética Ortodoxa . [...]

Santa Macrina usa a excelente metáfora do ferro moldado pelo artesão: o ferro é moldado para qualquer consideração ou julgamento do artesão que está executando o trabalho, tornando-se uma espada ou um instrumento agrícola.

Anteriormente, em conexão com o uso da Oração de Jesus, referimos as estruturas inatas da alma humana, tomadas em referência tanto a Deus como ao corpo, e aludimos ao uso de mantras no hinduísmo e no budismo, e até ao uso do zikr no sufismo. Aqui temos uma resposta para a afirmação de que todos esses métodos são equivalentes: é o julgamento ou a consideração daquele que executa o trabalho que determina se o ferro se tornará uma espada ou um arado. Da mesma forma, pode haver estruturas inatas que apoiem o uso de um mantra no budismo ou da Oração de Jesus na Igreja Ortodoxa: essas são o ferro, são as estruturas inatas. Mas é o julgamento ou a consideração daquele que executa o trabalho que determina o que se tornará do ferro: este é a fé Ortodoxa, o outro é sistema de crenças hindu, este o sistema de crenças budista, o outro sistema de crenças sufi. Estes diferem. E o que é feito do ferro difere de acordo com o julgamento daquele que executa o trabalho: o que é feito da Oração de Jesus, o mantra do hinduísmo, o mantra do budismo, o zikr do sufismo, depende do julgamento - da fé, do sistema de crenças - daquele que reza a Oração de Jesus, usa o mantra e assim por diante. Por isso, dizer que todas as religiões são iguais, que todas conduzem ao mesmo resultado, que todas fazem as mesmas coisas para as mesmas estruturas inatas, é dizer que todos os implementos do ferro são os mesmos, que eles diferem apenas em forma de acordo com a cultura do artesão. No entanto, a intenção, a crença e o julgamento do artesão desempenham seu papel, e essa é a diferença entre as religiões da humanidade. [...]

No próximo capítulo, também examinaremos a psicologia Católica Romana. Nossa discussão ajudará a esclarecer para nós - e especialmente para os leitores que possamos ter que sejam Católicos Romanos - quais são as diferenças entre os pressupostos Ortodoxos e Católicos Romanos de práticas e doutrinas ascéticas e espirituais, especialmente no que diz respeito à prática de oração mental (noética) no coração. Como é bem sabido, durante muitos anos no século XX, os estudiosos Católicos Romanos que estudavam o caso do Hesicasmo ficaram perplexos ou escandalizados por essa tradição espiritual Ortodoxa. Embora se diga que sua atitude tornou-se um pouco mais aberta, ainda assim, o grande oponente do Hesicasmo no século XIV, Barlaam, era um escolástico comprometido e, até hoje, a noção de "operações incriadas (aktistes energeies) de Deus" - devido as categorias tomistas -  deixa desconfortável os Católicos Romanos que estudam a teologia Hesicasta Ortodoxa: essas considerações tornam incerto se um Católico Romano que praticou a Oração de Jesus ou que tentaria praticá-la, especialmente em suas formas superiores, seria capaz de fazê-lo de forma consistente com seus próprios pressupostos teológicos. [...]

Parece-nos que os traços salientes do tomismo que lhe dão seu caráter particular são estes: primeiro e mais importante é a identificação de Deus com o ser puro ou a existência pura (em latim: esse; em grego: einai). E. Gilson, em cuja apresentação do tomismo confiamos, em certa medida, observa que este é o grande insight e golpe de gênio de São Tomás de Aquino. Seja como for, tal não é uma abordagem Ortodoxa da Santíssima Trindade. Por exemplo, São Máximo, o Confessor afirma, seguindo São Dionísio, o Areopagita, que Deus não é ser, mas a fonte do ser. [...]

Isto pode parecer um lugar bem escolástico para que possamos começar a discutir a antropologia de Sâo Tomás de Aquino. No entanto, parece-nos que o ponto de divergência de Santo Tomás de Aquino dos Padres Ortodoxos está aqui, e que muito do caráter particular ou peculiar do tomismo surge desse movimento básico de São Tomás.

Pois o que São Tomás faz é focar em sua filosofia no ser.

São Tomás faz um segundo movimento da maior importância, tanto para o caráter de sua filosofia como para a sua antropologia: ele afirma firmemente que o homem, naturalmente, pode conhecer os seres apenas pela percepção dos sentidos: da percepção dos sentidos, o homem abstrai por um ato do intelecto o conceito que define a essência desse ser. Isso, é claro, é o realismo de São Tomás. Deus é puro ser; existe uma hierarquia de participações no ser de Deus entre as criaturas de Deus, os seres criados. O homem só pode conhecer os seres com base na percepção dos sentidos e com base na abstração de conceitos dessa percepção sensorial; e através do uso da razão trabalhando proposicionalmente com esses conceitos, o homem conhece as essências dos seres e, de fato, toda a verdade que ele é naturalmente capaz de apreender nesta vida.

A próxima característica da filosofia de São Tomás é o seu racionalismo. Já observamos no capítulo I a intensa preparação em lógica da escolástica da idade média, comparável à preparação em matemática de um físico em uma universidade líder nos Estados Unidos. São Tomás assimilou esse treinamento em lógica; ele é um especialista na análise filosófica de conceitos. Esta técnica medieval é muitas vezes menosprezada hoje em dia, mesmo entre os filósofos profissionais. Não queremos desprezá-la.

Simplesmente não é possível entender adequadamente a filosofia pós-medieval ou moderna sem entender a filosofia medieval. A filosofia moderna é em grande parte uma reação contra a filosofia medieval, mas, sendo assim, só pode ser entendida adequadamente por referência à filosofia medieval: as posições da filosofia moderna são inteligíveis somente quando consideradas como reações contra a filosofia, a cultura e a fé medieval.

Parece-nos que São Tomás, influenciado por seus estudos em lógica e pela cultura intelectual da Alta Idade Média, adotou uma visão muito racionalista, especialmente em sua psicologia do homem. Esta visão não só pode ser chamada de racionalista, mas intelectualista.

Junte-se a esse racionalismo a natureza muito sistemática do pensamento de São Tomás, e você começa a delinear um retrato do tomismo, um que manifesta sua fisionomia particular: Deus é puro ser; todos os seres participam no ser de Deus numa hierarquia de participações; o conhecimento está disponível para o homem apenas com base na percepção sensorial dos seres sensíveis e com base na abstração dos universais a partir dessa percepção sensorial; essa abstração é tratada de forma racional e intelectualista; a filosofia e a teologia são desenvolvidas de forma muito racional e sistemática. [...] Este é o sistema tomista ... Não é tanto no conteúdo formal da filosofia e teologia de Santo Tomás que seu caráter particular ou peculiar surge, mas nos aspectos que acabamos de delinear: a identificação de Deus com o ser puro; a negação da possibilidade de conhecimento além da percepção sensorial seguida da abstração da percepção dos sentidos; o demasiado racionalismo; a natureza muito sistemática da filosofia e da teologia; a linguagem e apresentação muito simples e direta.

Também não negamos ... que grande parte do conteúdo de São Tomás, especialmente em áreas onde ele parece estar seguindo São Dionísio, o Areopagita e especialmente em sua antropologia, onde ele está seguindo a filosofia neoplatonizante anterior de Santo Agostinho, sofreu uma reinterpretação com base nas características que acabamos de mencionar e com base no aristotelismo de Santo Tomás, de modo a produzir um sistema que é formidável e logicamente coerente - e bastante estranho ao espírito dos Padres da Igreja Ortodoxa.

Essa é outra característica que dá ao sistema de São Tomás o seu caráter particular ou peculiar: a reinterpretação de São Tomás de suas fontes, incluindo suas fontes patrísticas gregas e latinas, de modo que, enquanto ele conserva ostensivamente seu conteúdo, ele redefine esse conteúdo com base em seu aristotelismo sistemático e racionalista de forma a dar um caráter bastante diferente desse conteúdo do caráter que possuía nas suas fontes. [...]


Parte do raciocínio de Santo Tomás em apoio à sua posição sobre a diferença entre a alma humana e o anjo é importante: enquanto o anjo pode conhecer as realidades inteligíveis de forma intuitiva ou direta, nessa vida a alma humana naturalmente não pode. Este é um dos muitos lugares onde São Tomás insiste que, nesta vida, a alma humana não pode naturalmente conhecer realidades inteligíveis de forma intuitiva ou direta. Veremos que, de acordo com São Tomás, apenas por meio da abstração do conceito a partir dos dados da percepção dos sentidos e, em seguida, pela operação da razão humana (raciocínio silogístico) sobre proposições baseadas em conceitos derivados dessa maneira, o ser humano nesta vida conhece realidades inteligíveis, na medida do possível.

Isto é claramente de grande importância para nós na teoria do ascetismo, pois o programa de Evagrius Pontikos e, seguindo-o, São Hesíquio e, de fato, os Padres egípcios, como uma leitura das homilias de Abba Isaiah irá convencer o leitor: é o despojamento pelo asceta dos dados da percepção dos sentidos que permite-o que conheça, de forma direta ou intuitiva, as realidades inteligíveis. Este é também o significado da própria doutrina da ascensão mística de São Gregório de Nissa.

[...]

Retornando a São Tomás, aqui vemos muito claramente o papel central no pensamento de São Tomás sobre as duplas noções de potencialidade (potenciala) e atualização (actus), e a importância de sua noção de que Deus é puro ser igual à essência pura igual ao intelecto puro igual ao ato puro e assim por diante. Este tratamento de Deus como ser puro e assim por diante distingue São Tomás de São Maximos, o Confessor, - o outro intérprete de São Dionísios, o Areopagita - e permite que Santo Tomás adote uma aproximação "positivista" de Deus que está ausente na tradição patrística grega. Isso permite que ele manipule o conceito de "ser" em um contexto de metafísica filosófica, de modo a criar um vasto sistema baseado no ser, que lida com todas as questões da filosofia e da teologia: o sistema de São Tomás fornece pra você todas as repostas para todas questões que você gostaria de levantar sobre o ser e a  existência de Deus e de suas criaturas. [...]


São Tomás afirma que a razão e o intelecto são a mesma coisa. Isso é muito importante, pois por "razão", Santo Tomás sempre significa o poder de raciocínio: o poder do raciocínio por silogismos ou mesmo pelas regras de algum outro sistema de lógica. Isso está intimamente ligado à doutrina de São Tomás de que o homem na vida presente só pode conhecer realidades inteligíveis por meio do raciocínio trabalhando com proposições baseadas em conceitos abstraídos das percepções dos sentidos, embora, depois da morte, ele tenha um modo de apreensão intuitivo semelhante a um anjo dessas realidades inteligíveis. Veremos abaixo que, ao fazer essa afirmação, São Tomás provavelmente abordará a noção intuitiva e augustiniana de "intelecto".

São Tomás afirma que a "razão superior" e a "razão inferior" são o mesmo poder. Ele toma os conceitos da razão superior e inferior de Santo Agostinho, e, novamente citando Santo Agostinho, descreve a razão superior como a que se dirige às coisas eternas e a razão inferior como aquela que se dirige às coisas temporais.

É muito importante entender isso. São Tomás está fazendo um movimento muito importante e básico em sua psicologia: ele está afirmando que qualquer poder que um homem possa ter nesta vida para apreender intuitivamente as realidades inteligíveis, e mesmo qualquer poder intelectual que um homem possa ter, é completamente assimilado à razão do homem, que deve ser identificado de forma estrita com o poder de raciocínio do homem.

Encontramos este tópico desenvolvido com algum detalhe em uma passagem tirada de outro trabalho de São Tomás. Este desenvolvimento é muito difícil de entender sem uma fundamentação completa na filosofia de São Tomás, mas o sentido básico é este: a razão do homem tem capacidade para apreender intuitivamente os primeiros princípios da razão, como a lei do terceiro excluído, a noção de que o todo é maior do que a parte e a lei de causa e efeito. Esse poder intuitivo para compreender os primeiros princípios da razão é o poder mais intuitivo que o intelecto de homem tem, um que, na grande hierarquia dos intelectos que acabamos de discutir, traz o homem para a fronteira do mundo angélico, já que os anjos apreendem realidades inteligíveis exclusivamente de maneira intuitiva. Essa apreensão intuitiva pelo intelecto do homem de certos princípios epistemológicos básicos é a extensão total da capacidade do homem nesta vida para intuitivamente apreender realidades inteligíveis. Para o resto, o homem deve raciocinar por silogismos usando conceitos que ele abstrai das percepções sensoriais de objetos materiais. [...]


São Tomás identifica a "inteligência" com o intelecto. A "inteligência" é um conceito que São Tomás toma de Santo Agostinho, ainda que não seja claro o que São Tomás quer dizer pela "inteligência" distinta do "intelecto" , muito embora os anjos sejam "inteligências". É certo, no entanto, que São Tomás está estabelecendo sistematicamente que todas as funções ou poderes do intelecto ou da mente são de fato um só: a razão.

São Tomás, em seguida, estabelece que a razão especulativa (aquela que alcança as verdades gerais) e a razão prática (aquela que atinge resultados e trabalhos práticos) são o mesmo poder. [...]

São Tomás estabelece que a vontade por necessidade natural adere ao seu bem final, a bem-aventurança, a Visão Beatífica. Esta é uma doutrina de São Agostinho reinterpretada por São Tomás em categorias metafísicas aristotélicas. Pode-se notar aqui que, em comparação com Santo Tomás, Santo Agostinho tem um sistema muito mais aberto e flexível: São Tomás é um lógico que lida com categorias da metafísica aristotélica, enquanto Santo Agostinho é primariamente um psicólogo e que trabalha dentro da tradição neoplatônica. O que para Santo Agostinho é uma injunção moral - que todos os homens devem buscar a beatitude - tornou-se em São Tomás uma declaração lógica da estrutura metafísica da vontade humana. [...]

São Tomás termina sua análise com um comentário importante:

Se, porém o objeto próprio do nosso intelecto fosse a forma separada [como os anjos], ou se as formas das coisas sensíveis não subsistissem nos particulares, segundo Platão, não seria necessário que o nosso intelecto sempre, inteligindo, se voltasse para os fantasmas. [isto é, percepção sensorial de objetos ou lembranças de tais percepções sensoriais].  ST Ia, 84, 4.

Mas a Filocalia baseia-se na proposição de que é possível que o intelecto humano alcance tais apreensões intuitivas de realidades inteligíveis sem a ajuda de fantasmas. De fato, o método ensinado pela Filocalia é um método de despojar-se de fantasmas para alcançar percepções intuitivas de realidades inteligíveis. [...]

Antes de continuar, é bom fazer algumas observações. São Tomás de Aquino está descartando tudo isso. Quando ele diz que vemos as coisas nas razões eternas no sentido de que a mente participa de certa forma na luz divina, ele tem em vista uma psicologia completamente diferente e uma teoria completamente diferente do conhecimento. Significa que a mente humana, pelo próprio fato de existir, de certa maneira participa da luz divina, e também tem sua própria luz natural criada pela qual ilumina o que vê. Não há espaço na teoria da cognição de São Tomás de Aquino para a iluminação divina que Santo Agostinho ensina. Além disso, por causa de sua doutrina da abstração do conceito a partir dos dados da percepção dos sentidos por meio da própria luz natural criada da alma, São Tomás não pode aceitar que as razões eternas desempenhem um papel na cognição humana ordinária. No entanto, São Tomás não quer descartar completamente a existência dessas razões eternas na Mente de Deus. Daí a sua declaração de que podemos vê-las apenas após a morte na Visão Beatifica. [...]

Para São Tomás, o conhecimento nessa vida é proposicional. O conhecimento que o intelecto tem é a proposição: "Tom é um homem". O conhecimento místico ou intuitivo só pode surgir de forma sobrenatural. No sistema tomista há uma separação muito acentuada entre o conhecimento humano natural, que é um conhecimento racional baseado na manipulação de proposições baseadas nos conceitos da maneira que acabamos de descrever, e do conhecimento místico sobrenatural. Na doutrina da Filocalia e mesmo em São Agostinho, não há separação tão acentuada: o homem conserva intuitivamente a capacidade natural para conhecer as realidades inteligíveis, tanto na experiência mística como na experiência ordinária. Claro que nem São Agostinho nem a Filocalia negam a necessidade da graça na experiência mística. [...]

São Tomás exclui a possibilidade de que, nas condições presentes da nossa vida, nosso intelecto possa conhecer diretamente a Deus. Seu argumento é a fortiori: uma vez que não podemos conhecer substâncias imateriais criadas, ainda menos podemos conhecer a substância imaterial incriada, Deus. Portanto, diz São Tomás, conhecemos Deus por meio de um conhecimento das criaturas. Pois a primeira coisa que conhecemos, no nosso estado atual, é a essência da coisa material - o que acabamos de discutir acima na teoria da formação de conceitos de São Tomás. Ele cita a São Paulo sobre o assunto: "Por aquelas coisas que foram feitas, as coisas invisíveis de Deus são percebidas quando são conhecidas".  Mas, para São Tomás, essa cognição não é um conhecimento proposicional derivado pelo raciocínio humano da manipulação lógica em proposições de conceitos abstraídos das percepções sensoriais dos objetos.

Ao fazer essas afirmações sobre as limitações do intelecto humano em relação ao conhecimento de realidades inteligíveis, São Tomás impede a espiritualidade da Filocalia. É verdade que São Tomás, de certa forma, reconhece a possibilidade do conhecimento sobrenatural de realidades inteligíveis pela graça de Deus na experiência mística, mas a psicologia da Filocalia se baseia na psicologia de Evagrius Pontikos, que reconhece intuitivamente a capacidade natural do homem de conhecer as realidades inteligíveis. [...]

Esta é uma passagem muito importante para o nosso entendimento de como São Tomás entende a relação entre razão e emoção (para usar termos modernos) na teoria moral, psicológica e mesmo jurídica. Esta doutrina, e outras similares a ela, têm colorido pensamento católico sobre psicologia humana desde São Tomás. Em países que foram profundamente católicos, esta doutrina passou para a psicologia pastoral e até mesmo para a lei.

O que São Tomás está dizendo é claro: a paixão ou a emoção altera o objeto da vontade, fazendo com que o homem avalie a adequação ou a bondade de um fim diferente do que faria de outro modo. No entanto, essa influência na vontade tem dois graus. O primeiro grau é a incapacidade total da razão e, portanto, da vontade, pela veemência da paixão, que a veemência tem um substrato corporal. São Tomás estava escrevendo no século XIII, obviamente pela observação, mas suas observações tem sido validadas ainda hoje pela biologia: há uma reação endócrina pela raiva que altera o substrato corporal, ao ponto em que o homem pode "perder a razão"; há indubitavelmente reações corporais semelhantes relacionadas ao desejo. O segundo grau é a incapacidade parcial da razão e da vontade nos casos em que o acesso da paixão não é tão veemente ao ponto de incapacitar completamente a razão. Isso também está de acordo com a observação comum de hoje [...]

As implicações para o confessor são claras; as implicações para o psicólogo pastoral são claras; as implicações para o teórico legal são claras. Para o confessor, a questão é até que ponto o homem deliberadamente permitiu-se a perder a razão; para o psicólogo pastoral, é uma questão de treinar o homem a comportar-se de maneiras que evitarão outros episódios semelhantes; para o teórico legal, é uma questão de avaliar a culpa e as penas a serem consideradas para o homem que cometeu um crime em qualquer uma dessas duas condições.

Aqui vemos o âmbito dentro do qual a psicologia moral de São Tomás se move: trata-se de uma psicologia que trata do homem na sociedade, uma sociedade regulada pela Igreja e pelos tribunais. [...]

No entanto, há um aspecto desta psicologia que gostaríamos de discutir. Trata-se da relação desta psicologia, ao nível que agora está sendo discutido por São Tomás, à psicologia subjacente aos modelos ascéticos de tentação e pecado de Evagrius Pontikos, São Marcos, o Asceta e São Hesíquio, que discutiremos nos Volumes II e III. Não desejamos nos antecipar, apresentando uma discussão completa dos modelos de tentação e pecado que discutiremos no restante deste estudo, então permita-nos restringir-nos a alguns pontos básicos. Por conveniência, vamos nos restringir em grande parte ao modelo de Evagrius Pontikos que discutiremos no Volume II.

Evagrius Pontikos

O modelo ascético de tentação e pecado de Evagrius Pontikos é construído principalmente para um eremita. Dizemos isso porque existem algumas diferenças fundamentais na suposição de São Tomás. São Tomás está discutindo paixão no que diz respeito ao leigo que não professou religião: raramente o monge professo alcança o estágio de tal acesso de paixão que ele chega a perder sua razão. Além disso, para tomar um modelo simples da vida ascética, o monge vive sob obediência em comunidade entre outros monges com uma dieta alimentar simples e sem carne por alguns anos antes de se tornar um eremita: isso o tornaria um pouco mais purificado das paixões do que se esperaria de um leigo.

O próprio São Tomás refere-se ao aparecimento de tais imagens, e, em concordância com Evagrius Pontikos, considera que elas estão além do controle consciente, sem, no entanto, elaborar sobre elas. No mesmo lugar, São Tomás também refere-se aos movimentos do apetite sensível que são devidos à disposição de um órgão corporal, tratando-os também além do controle consciente. Evagrius Pontikos concordaria que tais movimentos existem. Em algum lugar, São Tomás refere-se a movimentos de membros do corpo sob o controle da alma vegetativa que estão além do controle consciente. Evagrius Pontikos também concordaria que estes existem.

No entanto, Evagrius Pontikos usa sua análise psicológica dessas imagens (e sua aparição inicial), desses movimentos do apetite sensível devido à disposição de um órgão corporal e desses movimentos involuntários de membros do corpo devido à alma vegetativa, como base para a articulação de um programa de ascese dirigido contra as paixões que estão relacionadas a essas imagens involuntárias, a esses movimentos involuntários do apetite sensível e a esses movimentos involuntários dos membros do corpo. O objetivo no sistema de ascese de Evagrius é a obtenção do "desapaixonamento (apatheia)" [NT: a-patheia, ausência de paixão], uma libertação das paixões relacionadas a essas imagens, a esses movimentos involuntários do apetite sensível e a esses movimentos involuntários de membros do corpo, como algo preliminar a uma ascensão mística da gnose, ou contemplação, para Deus. Deixe-nos aqui restringir-nos à luta ascética pelo desapaixonamento (apatheia); mais tarde, neste capítulo, discutiremos a teoria de Evagrius sobre a ascensão mística da gnose em relação à psicologia de São Tomás.

A psicologia ascética e o programa ascético de Evagrius Pontikos abordam assuntos que São Tomás na Summa considera involuntários. No entanto, esses movimentos involuntários são considerados por Evagrius como os estágios iniciais do que São Tomás está discutindo no presente artigo da Summa: a modificação pelas emoções da apreensão do bem e do fim a ser perseguido.

Quando visto no contexto da psicologia de Evagrius, a análise de São Tomás é útil para uma compreensão mais clara da paixão e do seu funcionamento na psicologia humana; no entanto, Evagrius começa muito mais cedo no ciclo de vida da influência da paixão, ou emoção, no comportamento do asceta comparado a São Tomás.

Uma situação em que um eremita atingiu o estágio de ser dominado por uma paixão para que sua razão fosse incapacitada não só seria muito rara, mas também, na visão de Evagrius, um sinal de doença grave. Pois tal perda da razão seria um estágio muito tardio no ciclo de vida da influência de uma paixão ou emoção sobre o comportamento do asceta. As coisas são mais sutis na psicologia de Evagrius: uma imagem aparece no olho da mente do asceta; o asceta, prestando atenção durante seu dia no fluxo de sua consciência, percebe a imagem e a rejeita. A imagem que apareceu no olho da mente do asceta é o estágio inicial da determinação do comportamento do asceta pela paixão ou emoção.

O asceta ocupa-se com o grau em que ele permite que a imagem penetre no seu campo de consciência, para dominá-lo com pensamentos sobre o conteúdo da imagem. Ação para colocar a tentação em prática como o pecado não é desconhecida, mas está longe da linha dos estágios iniciais da tentação em que o eremita deve habitualmente praticar sua ascese. A perda da razão por causa dessa imagem seria, como dissemos, ser um sinal de uma perturbação séria.

O asceta ocupa-se com uma tipologia das imagens. Esta tipologia corresponde a uma tipologia das paixões. O asceta pode avaliar qual paixão está envolvida na imagem, sua força relativa e assim por diante. Vamos discutir esta tipologia das paixões até certo ponto, quando examinarmos a doutrina de São Tomás sobre as paixões.

Enquanto na psicologia ascética de Evagrius Pontikos há uma ênfase na mente (nous) e seu papel no governo do homem, não há nada do tipo do racionalismo de São Tomás.

Finalmente, a conexão evidente entre o modelo de tentação e o pecado de Evagrius e o modelo de ação humana de São Tomás é o seguinte: no modelo de Evagrius, a primeira fase da tentação é a aparência da imagem no campo da consciência. O próximo estágio é a habitação do asceta em pensamentos sobre esta imagem. O próximo estágio é o consentimento para o pecado que foi retratado pela imagem inicial e que formou a base dos pensamentos subsequentes. O próximo estágio é a deliberação "com o pensamento" como colocar o pecado em prática. O próximo estágio é ação para colocar o pecado em prática.

Uma vez que o consentimento para o pecado, a deliberação sobre os meios para praticar o pecado e a ação para colocar o pecado em prática está sendo discutido, de modo implícito, há um modelo aqui de ação humana. Este modelo não possui o detalhe do modelo de ação humana de São Tomás e sua precisão formal. No entanto, mais importante, no modelo ascético, a noção de consentimento é informal e de senso comum: nenhum dos teóricos ascéticos listados argumenta excessivamente sobre a natureza da vontade e sobre a natureza do ato de consentimento: cada um toma como certo que um homem tem o livre arbítrio e que ele pode consentir ou recusar-se a fazer uma coisa. Não há aqui nenhum sentido da vontade como uma anseio [hunger] pelo o bem e, em última análise, pela Visão Beatifica, nenhuma análise tomista da interação do intelecto e vontade no ato de consentimento ao pecado. [...]

A ênfase no modelo ascético é no início efetivo da tentação como uma imagem no campo de consciência do asceta. Aqui, Evagrius, São Marcos, o Asceta e São Hesíquio são bem sutis, discutindo aspectos da aparição inicial da imagem e dos estágios iniciais de seu ciclo de vida que São Tomás ignora.

Para retornar à relação entre este modelo ascético e o modelo da ação humana de São Tomás, Evagrius concorda com o Santo Tomás que a aparição inicial da imagem é involuntária. No entanto, espera-se que o asceta rejeite a imagem inicial quando aparece. Na medida em que a paixão correspondente à imagem é forte no asceta, essa rejeição é mais ou menos difícil para o asceta realizar: pode ser uma luta para ele impedir a imagem de avançar para o "pensar muito", usando uma expressão de São Marcos o Asceta. No entanto, a batalha do eremita é precisamente aqui, ao rejeitar esta imagem inicial, ou, se tiver procedido mais longe, cortando o "pensar muito". Esta é a guerra imaterial dos pensamentos. [...]

É bom observar aqui a relação entre este programa de ascese e a questão fundamental da psicologia cognitiva entre a Filocalia e a psicologia de São Tomás, que discutiremos a seguir, quando realizarmos uma avaliação geral da antropologia e psicologia de São Tomás: Este programa de ascese trata da aparição inicial de imagens apaixonadas no olho da mente do asceta e conduz a uma liberdade ou desapego dessas imagens - sua aparição no olho da mente permanecendo algo involuntário - e também para uma maior liberdade das paixões da alma e corpo na maneira que acabamos de descrever. Mas o que o asceta vive subjetivamente é uma purificação ou esvaziamento progressivo de seu campo de consciência, de seu intelecto, como habitualmente experimentado por ele.Agora, no coração deste método ascético de Evagrius Pontikos, há uma doutrina do despojamento das percepções dos sentidos e das lembranças das percepções dos sentidos para que o asceta alcance a contemplação (a apreensões intuitivas de realidades inteligíveis) algo que São Tomás não aceita acontecer naturalmente possível nesta vida. No entanto, é precisamente através da prática do método da guerra imaterial que acabamos de descrever, e através da prática de seus métodos auxiliares de ascese corporal e espiritual, que o asceta é capaz de se despojar dessas percepções dos sentidos e lembranças das percepções dos sentidos, assim como, com a graça do Espírito Santo, ele torna-se capaz de apreensões intuitivas de realidades inteligíveis, em contemplação. O asceta experimenta esse despojamento precisamente ao nível da purificação de seu campo habitual de consciência, precisamente ao nível de sua apreensão psicológica da imagem involuntária que se apresenta ao olho de sua mente: enquanto ele progride na guerra imaterial contra essas imagens, ele está progredindo simultaneamente em direção à possibilidade de se despojar das percepções dos sentidos e das lembranças das percepções dos sentidos para entrar na contemplação de realidades inteligíveis (ou seja, não sensíveis). [...]


Não há nada do naturalismo da Summa na doutrina ascética de Evagrius Pontikos que estudaremos no Volume II, nada na doutrina ascética de São Marcos, o Asceta, que nos referiremos no Volume III, nada na síntese ascética e mística de São Hesíquio que é o tema do Volume III. O sistema de São Tomás tem um naturalismo que não se encontra na tradição ascética da Igreja Ortodoxa. Nós pensamos que uma leitura de Plotinus ajuda a mostrar a diferença: embora seja excessivo sugerir que o ascetismo Ortodoxo é neoplatonista, o ascetismo Ortodoxo é certamente muito mais platônico em sua antropologia quanto à natureza das paixões e à tarefa apropriada do homem em respeito a elas do que a doutrina de Santo Tomás na Summa. Nesse sentido, pensamos que São Tomás introduziu uma mudança radical na antropologia da Igreja Católica Romana, uma mudança radical que é precisamente a introdução de uma psicologia aristotélica em vez da psicologia platonizante anterior da Igreja Católica Romana. [...]

Para os Católicos Romanos interessados ​​na espiritualidade da Filocalia, há uma diferença básica na análise psicológica da tentação e do pecado: São Tomás vê o pecado como o uso imoderado de um movimento da alma que ele chama de paixão, um uso imoderado que se origina de uma falta de controle sobre o movimento pela razão, sempre entendido como raciocinação ... que se expressa em silogismos práticos. A tradição ascética da Filocalia, no entanto, trata o pecado como começando com a excitação de uma das oito paixões mais gerais; essa excitação se manifesta como a aparição de uma imagem no campo da consciência do asceta (imagem que é carregada de conteúdo apaixonado). Espera-se sempre que o asceta rejeite a imagem, assim, rejeitando a tentação. Nós discutimos isso anteriormente. Nos modelos de tentação e pecado de Evagrius, de São Marcos, o Asceta e de São Hesíquio, a imagem nunca é considerada boa ou mesmo neutra: a sua bondade ou mesmo a neutralidade é considerada simulada. Embora, nos parece, que um monge de orientação tomista possa se adaptar ao modelo de tentação dos autores representados na Filocalia, ele teria que estar ciente de que Santo Tomás está realizando uma análise completamente diferente da psicologia das paixões. [...]

São Tomás impede a espiritualidade da Filocalia ao afirmar que a contemplação das razões (logoi) dos objetos criados só é possível após a morte na Visão Beatifica. Como já observamos, parte do problema é a colocação diferente das razões por Santo Agostinho e por Evagrius: São Agostinho as coloca na Mente de Deus, fazendo a contemplação das razões eternas uma contemplação muito elevada, enquanto Evagrius as coloca na sabedoria de Deus expressada na criação, fazendo a segunda contemplação natural uma contemplação para a mente imperfeita (nous). No entanto, a razão fundamental pela qual São Tomás de Aquino exclui desta vida a contemplação das razões eternas na Mente de Deus é que sua psicologia cognitiva não permite isso. Uma pessoa que segue a tradição ascética de Evagrius encontrada na Filocalia observaria que o que São Tomás afirma é verdadeiro para a perfeição da segunda contemplação natural: somente após a morte, no Céu, o asceta veria as razões (logoi) das coisas criadas em sua plenitude - embora que, mesmo no céu, o asceta ainda seria ignorante e estaria sempre aprendendo. Mas tal seguidor da Filocalia não seria,  por motivos filosóficos, excluído da segunda contemplação natural na vida nesta terra. [...]

O que é ensinado por Evagrius Pontikos em sua psicologia mística é próximo ao que São Tomás de Aquino parece implicar na passagem que temos discutindo: se pudéssemos apenas nos despojar de distrações sensíveis, então nós também poderíamos conhecer os "efeitos inteligíveis" de Deus. A diferença é que Evagrius afirma que isso é realmente possível, enquanto que São Tomás nega a possibilidade. Além disso, Evagrius fornece uma psicologia ascética que inclui um método para realizar esse despojamento. E São Hesíquio segue-o na questão. Estamos aqui em um estrato básico da espiritualidade da Filocalia. [...]

A identificação de São Tomás da "razão superior", aquela que pertence às coisas espirituais, com a "razão inferior", aquela que pertence às coisas temporais, de modo a tornar o modo natural de conhecimento do homem nesta vida em raciocinação também exclui o caminho místico da Filocalia. Talvez seja por isso que os comentadores Católicos Romanos sobre Hesiscamo - incluindo Barlaam, o grande oponente de São Gregório Palamas no século XIV - ficaram perplexos ou escandalizados com o Hesicasmo: eles foram ensinados não apenas por São Tomás de Aquino, mas por outros filósofos e teólogos ocidentais que uma apreensão intuitiva de realidades inteligíveis, inclusive do próprio Deus, era naturalmente impossível nessa vida e que a maneira correta de prosseguir era pelo conhecimento proposicional. Talvez a noção de levar a mente ao coração ("contemplando o umbigo") como antecedente a uma ascensão ascética para a apreensão intuitiva de realidades inteligíveis parecia-lhes absurdas: nesta vida, eles tinham sido ensinados, o homem procede pela razão baseado em conceitos abstraídos da percepção dos sentidos, e não pela cognição intuitiva. Que este foi o ponto de vista provável de Barlaam pode ser discernido em Huper Ton Hieros Hesuchazonton, nas referências de São Gregório Palamas ao sistema de educação proposto por Barlaam: era essencialmente um programa medieval de estudos superiores com base no princípio filosófico que só se pode prosseguir através da razão para proposições de uma maior e superior importância filosófica e teológica.

Um monge de orientação tomista poderia ser capaz de praticar a espiritualidade da Filocalia? Pois, uma vez que o monge tomista é impedido pela psicologia cognitiva de São Tomás de buscar cognições intuitivas de realidades inteligíveis, como ele poderia entender a repetição da Oração de Jesus? Como veremos no Volume III, em São Hesíquio, e até mesmo em São Diadochos de Photike, escrevendo bem cedo, por volta de 450 - a repetição da Oração de Jesus está intimamente ligada a uma ascensão ascética à apreensão intuitiva de realidades inteligíveis, incluindo a apreensão intuitiva do próprio Deus. O monge tomista não seria inclinado a ver a repetição da Oração de Jesus como algum tipo de procedimento mecânico para concentrar a mente, um procedimento mecânico trabalhando no corpo, trabalhando nas faculdades inferiores da alma que dependem do corpo, trabalhando no apetite sensível e nos poderes sensíveis da alma? Embora a Oração certamente tem o efeito de concentrar a mente (nous), ela não é apenas um método mecânico para trazer a mente de volta da dispersão: é um método de concentrar a mente no coração e, então, pela luta na guerra imaterial contra os pensamentos, pela ascensão através do despojamento ativo das percepções dos sentidos e das lembranças das percepções dos sentidos e pela graça do Espírito Santo, torna-se possível alcançar uma cognição intuitiva de realidades inteligíveis, incluindo uma cognição intuitiva do próprio Deus.

Às vezes, observa-se que a espiritualidade Católica Romana coloca uma grande ênfase na imaginação (na acepção comum da palavra). Não é exatamente por essa razão que a psicologia tomista não fornece outra abordagem? Pois na psicologia cognitiva de São Tomás, o intelecto é restrito à razão e não pode, exceto pelos primeiros princípios, como a lei do terceiro excluído, alcançar apreensões intuitivas de realidades inteligíveis. Isso faz com que os poderes sensíveis da alma (o senso comum, a fantasia, o poder memorial e o julgamento particular) e o apetite sensível (o temperamento e o desejo: as emoções) tornem-se os poderes da alma que podem ser cultivados pelo monge que deseja se aproximar de Deus por uma estrada diferente da razão. O monge é deixado, no sistema de São Tomás, com a fantasia e os poderes e as paixões do apetite sensível (ou seja, o temperamento e o desejo) como as ferramentas com as quais ele pode trabalhar espiritualmente.

A imaginação não é tomada como método espiritual do uso direcionado do poder da fantasia? O uso direcionado do poder da fantasia é completamente estranho à espiritualidade da Filocalia. Na tradição da espiritualidade da Filocalia, a fantasia é o principal meio para o demônio semear uma tentação; e o objetivo do asceta é rejeitar a tentação rejeitando todas as fantasias no instante de sua aparição como uma imagem em seu campo de consciência: esta é a guerra imaterial dos pensamentos. Além disso, todo o impulso da Filocalia sendo o despojamento das percepções dos sentidos e das lembranças das percepções dos sentidos, para que o asceta possa alcançar apreensões intuitivas de realidades inteligíveis, torna-se impossível que um monge que siga o caminho da Filocalia se envolva no uso direcionado do poder da fantasia.

Não é o impedimento da estrada da cognição intuitiva pela psicologia cognitiva de São Tomás também o motivo pelo qual o monge de orientação tomista se envolve em formas sentimentais de espiritualidade? Claro, seria ingênuo de nossa parte sugerir que não houveram monges de orientação não-tomista na história das Ordens da Igreja Católica Romana, ou sugerir que nunca houveram místicos de orientação tomistas na Igreja Católica Romana, ou sugerir que todos os monges Católicos se envolvam em espiritualidade sentimental. Mas a questão permanece: na medida em que a psicologia cognitiva de São Tomás aqui discutida ensina que o ser humano nessa vida não pode naturalmente alcançar apreensões intuitivas de realidades inteligíveis e divinas, como o monge de orientação tomista irá prosseguir?

O sentimentalismo como método espiritual não é o uso direcionado das paixões - os movimentos do apetite sensível na terminologia de São Tomás de Aquino? Claro, no Volume III, veremos que o desejo que opera de acordo com a natureza e o temperamento operando de acordo com a natureza são anexados pelo asceta à repetição da Oração de Jesus, que em qualquer caso é orado "do coração" ou "de maneira cordial". No entanto, essas coisas são feitas no contexto de uma sobriedade rigorosa e severa baseada tanto na repetição da Oração de Jesus quanto no processo da guerra imaterial contra os pensamentos: o uso do sentimento é controlado e subordinado ao aspecto noético do método de ascese espiritual. E, é claro, o uso que o asceta faz das várias partes de sua alma - ou, se quisermos, dos vários poderes de sua alma simples, não complexa - é assistido e transfigurado pela graça do Espírito Santo.

[...]

Pois a doutrina da Igreja Ortodoxa é o retorno mesmo nesta vida através da divinização (theosis) ao estado de Adão e Eva antes da Queda e, através da Ascensão de Cristo, até mesmo superar esse estado de Adão e Eva antes da Queda .

Além disso, na espiritualidade da Filocalia, a ascensão à apreensão intuitiva do próprio Deus não é vista como o cultivo ou a expectativa de um estado de êxtase ou arrebatamento (Latin: raptus), como São Tomás defende como a única possibilidade de Adão no Paraíso para conhecer Deus em essência. Pois, embora a graça de Deus seja certamente necessária para uma apreensão intuitiva de Deus, e embora os arrebatamentos da mente (grego: arpages tou nou) ocorram na jornada mística, o caminho da Filocalia não exclui a habilidade natural do homem de apreender intuitivamente as realidades inteligíveis: a teologia e a psicologia Ortodoxa não exclui a possibilidade do homem nesta de vida - através da ascese e com a graça de Deus, certamente - de naturalmente conhecer intuitivamente as realidades inteligíveis, incluindo as razões (logoi) dos objetos criados, os anjos e o próprio Deus. Na tradição Ortodoxa da Filocalia, não há a separação rigorosa entre as capacidades naturais do homem e as graças sobrenaturais da iluminação mística que implica a doutrina de São Tomás onde o modo natural de cognição para o homem nesta vida se dá pela abstração de conceitos dos dados da percepção dos sentidos.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

A Distinção entre Essência e Energias e sua Importância para Teologia (Christos Yannaras)

A publicação do artigo do padre Juan-Miguel Garrigues, L'énergie divine et la grâce chez Maxime le Confesseur (publicado na revista Istina, vol. 19, nº 3 [1974] pp. 272-296) é uma ocasião interessante para se provar como verdade sobre a distinção entre essência e energias continua a ser extremamente importante no domínio da teologia. A aceitação ou rejeição desta distinção determinará o caráter abstrato ou real do conhecimento teológico, a atribuição de verdades teológicas tanto à certeza racional quanto à experiência existencial.

O estudo de Pe. Garrigues apresenta os tradicionais argumentos católicos romanos, um pouco remodelado. Ele rejeita a distinção entre essência e energia. Ao mesmo tempo, ele tenta sustentar a sua posição no domínio da cristologia e, em particular, nos ensinamentos que São Máximo Confessor desenvolveu para combater a heresia do monoenergismo. A apresentação do Pe. Garrigues segue uma espécie de análise histórico-literária com base nos textos extraídos principalmente de São Máximo. Eu digo uma "espécie de análise" porque na tentativa do Pe. Garrigues não é possível discernir prontamente uma adesão consistente ao método literário-histórico. Suas conclusões sistemáticas não são extraídas da análise histórica e literária, mas, ao contrário, seu uso das fontes é a posteriori, para defender um determinado sistema de argumentação.

Um estudo extenso seria necessário para comprovar as omissões hermenêuticas e os saltos intelectuais criados pelo Pe. Garrigues no uso posteriori das fontes na elaboração de suas conclusões. Devo mencionar, muito brevemente, vários exemplos característicos:

(1) Uma tentativa é feita para defender a visão tomista sobre a essência divina energética (isto é, ativa), referindo-se à definição doutrinária do Sexto Concílio Ecumênico. Pe. Garrigues observa que a definição deste concílio em lugar algum implica que as duas energias de Cristo - a divina e a humana - sejam "realmente" ou formalmente distinguidas das naturezas correspondentes. Por esta razão, ele considera consistente com o espírito da definição do concílio a expressão tomista: a natureza divina não tem uma energia, mas é ativa (energética) (pp. 272-273).
(2) Referindo-se a uma passagem de São Máximo (Amb. 26, PG 91: 1265CD) em que os nomes das hipóstases são definidos como expressões do fato existencial da relação pessoal, ou seja, o modo de existência (τρόπος ὑπάρξεως) da natureza que é a alteridade hipostática, Pe. Garrigues atribui a São Máximo a compreensão escolástica das hipóstases como relações internas da essência (p. 277). Com interpretações arbitrárias semelhantes, São Máximo torna-se um proponente da visão da energia divina como um ato de causalidade criativa ("acte de causalité créatrice", p. 277) e da graça divina como pressuposição causal do habitus intencional ("causalité de la Grâce", "habitus intentionnel de la grâce", p. 286f).
(3) É atribuído a São Gregório Palamas a definição das energias divinas como accidentals ("Palamas s'enferme in une definition des énergies divines comme acidentes", pág. 278), embora a passagem de Palamas citada (Capítulos Físicos e Teológicos 135, PG 150: 1216CD) significa precisamente o contrário.
(4) O santo autor dos escritos areopagíticos é, em princípio, rejeitado como neoplatonista; aos Padres Capadócios é atribuído uma espécie de Eunomianismo (p. 281); etc.

Preocupar-se com essas interpretações arbitrárias poderia desenvolver-se numa crítica estritamente acadêmica da solidez científica do estudo em questão, mas esse não é o objetivo deste trabalho. A preocupação aqui é sobre os pressupostos sistemáticos do Pe. Garrigues, os quais ele tenta defender com esse uso fragmentário e a posteriori das fontes. Eu acredito que se poderia resumir esses pressupostos sistemáticos nas seguintes afirmações:

(1) A essência divina não tem energias, seja criada ou incriada, mas é ativa.
(2) Existem duas possibilidades de participação em Deus: participação na causa existencial (participation dans la causalité de l'acte d'être) e participação em Deus pela intenção (participation intentionnelle).
(3) A graça divina não é criada nem incriada, mas sim o pressuposto causal para a eficácia da salvação divina ("la causalité de grâce est l'efficacité salvifique"), isto é, o pressuposto para a criação no homem de um habitus, uma tendência ou "estado" que coordena o homem com a vontade divina.
(4) Consequentemente, a deificação do homem é meramente uma união de vontade ou intenção (union intentionnelle).

Essas posições sistemáticas, que são também os pressupostos e as conclusões das problemáticas do Pe. Garrigues, não exibem, naturalmente, as formulações racionalistas dos argumentos anti-palamitas tradicionais. Mas tampouco abandonam a problemática tomista clássica, que é uma problemática da essência em si mesma, da essência enquanto ser, onde toda relação com essa essência ôntica só pode ser meramente externa, uma relação ou experiência de acordo com a lei de causa e efeito.

Esta problemática da essência em si implica um status definido do homem contrário a verdade sobre Deus: o primeiro fundamento da verdade de Deus não é alcançado através da experiência da Igreja, que é uma experiência de relacionamento pessoal com a pessoa do Logos encarnado, um relacionamento que se realiza no Espírito Santo e que revela o Logos como testemunho do Pai. Em vez disso, este primeiro fundamento é inteiramente antropocêntrico, com um salto intelectual buscando compreender a essência divina em si, seus atributos e suas relações objetivas. E esta concepção racionalista da essência não só obriga a uma compreensão ôntica da essência que negligencia o modo de ser da essência, mas também leva pela necessidade lógica, quer à identificação da essência e da energia, quer à separação essencial da natureza das energias . A problemática da energia é reduzida a um procedimento de prova lógica que remete o mistério da existência divina à ideia silogisticamente necessária de uma causa criadora e móvel da criação ou de uma graça causal (causalité de Grâce) que contribui para o "aperfeiçoamento" moral do homem.

Na teologia Ortodoxa, por outro lado, o problema das energias é posto exclusivamente em termos de experiência existencial. A experiência da Igreja é o conhecimento de Deus enquanto um evento de relacionamento pessoal, e a questão levantada é de testemunha e defesa desse evento, a questão de "como conhecemos a Deus, que não é inteligível nem sensível, nem tampouco um ser entre os outros seres".[1] O conhecimento de Deus como um evento de relacionamento pessoal revela a prioridade da verdade da pessoa no domínio do conhecimento teológico. Não há espaço para ignorar a realidade da pessoa por meio de um salto intelectual direto à essência: "a verdade para nós está em realidades, não em nomes".[2] A pessoa recapitula o modo de existência da natureza; nós conhecemos a essência ou a natureza apenas como conteúdo da pessoa. Esta possibilidade única de conhecer a natureza pressupõe a sua recapitulação extática em termos de uma referência pessoal, ou seja, a possibilidade da natureza "permanecer fora de si", tornar-se acessível e transmissível não como uma ideia, mas como singularidade e dissimilaridade pessoal . O ecstasis da natureza, no entanto, não pode ser identificado com a própria natureza, uma vez que a experiência da relação é em si mesma uma experiência de não-identificação: o êxtase é o modo, a maneira pela qual a natureza se torna acessível e conhecida em termos de alteridade pessoal; é a energia da natureza que não é identificada nem com o seu portador nem com seu resultado: "a energia não é a causa ativa nem o efeito resultante".[3]

Não é possível, é claro, conhecer a energia, exceto através daquele que age; e, mais uma vez, apenas através da energia natural pode-se conhecer aquele que atua como alteridade pessoal, bem como a natureza e a essência. A vontade, por exemplo, é uma energia da natureza. No entanto, ela é acessível a nós apenas através do seu portador pessoal; nos referimos ao 'que' da vontade somente porque conhecemos o 'como' de sua expressão pessoal.[4] O 'que' da vontade nos revela a natureza que tem a possibilidade de vontade, ao passo que o 'como' da vontade revela a alteridade pessoal do seu portador. [5] A vontade em si, no entanto, não é identificada nem com a natureza que tem a possibilidade de vontade nem com a pessoa que quer, sempre de uma maneira única, dessemelhante e irrepetível. Por esta razão, reconhecemos na vontade uma energia da natureza, ontologicamente (mas não ônticamente), distinguível da natureza e também da pessoa.

Embora distinguamos a energia da natureza e a natureza das pessoas, não atribuímos nenhum caráter sintético à própria natureza; não dividimos e não fragmentamos a natureza em pessoas e energias: as pessoas e as energias não são "partes" nem "componentes" nem "paixões" nem "acidentes" da natureza, mas o modo de ser da natureza. A expressão pessoal de cada energia recapitula de forma "imparcial" e "completa" a natureza inteira; é a existência da natureza. O 'como' da energia da vontade (ou a energia da criatividade ou do amor ou qualquer outra energia) recapitula o 'que' da energia natural da vontade; a possibilidade da natureza querer existe e é expressa apenas através da alteridade da vontade pessoal. A pintura, a música e a escultura são energias criativas da natureza humana, mas elas não existem exceto como expressões de alteridade pessoal: como a música de Mozart, como a pintura de Van Gogh, como a escultura de Rodin. Também não existe outra forma de expressar e definir a essência ou a natureza fora do seu ecstasis ativo em termos de alteridade pessoal. A única maneira que podemos nomear a natureza é na energia da natureza pessoalmente expressa; energia "significa" a natureza: "Essência e energia podem receber o mesmo nome (λόγος)".[6]

As energias, no entanto, não são a única e exclusiva maneira de 'nomear' a natureza, ao indicar o "ator" através de suas "atividades". A energia natural que se expressa pessoalmente representa essa possibilidade de conhecimento empírico que vem de uma "participação" pessoal e de uma "comunhão" na essência ou natureza - sem que essa comunhão se torne uma identificação com a natureza ou com uma "parte" da natureza. De acordo com os Padres Ortodoxos do Oriente, a comunhão pessoal possibilita a plenitude do conhecimento e não possui nenhuma relação com as categorias racionais de participation entitative, participation intentionnelle, participation dans la causalité de l'acte d'être do Pe. Garrigues.

São Máximo, o Confessor usa como uma imagem e exemplo de tal comunhão a voz humana, que "sendo uma é participada por muitos e não é engolida pela multidão".[7] Se, ao tomar este exemplo, podemos arbitrariamente considerar a razão humana como essência, então podemos dizer que a voz representa a energia da essência da razão, a possibilidade de participar da essência do raciocínio assim como a voz revela e a comunica, de participar, todos nós que ouvimos a mesma voz, na mesma essência da única razão - sem essa comunhão tornar-se nossa identificação com a essência da razão, e sem a fragmentação da essência em tantas partes quanto há participantes na razão através da voz. A razão, expressa pessoalmente, permanece unificada e indivisível, enquanto ao mesmo tempo é "participada singularmente por todos"

Se insistirmos nesse exemplo da voz e da razão, podemos esclarecer mais uma observação relativa às possibilidades de participar na essência através das energias. A voz certamente representa uma revelação da energia da razão "homogênea" em relação à essência da razão e possibilita uma participação direta na razão, mas uma revelação da energia da razão também pode ocorrer desde essências "heterogêneas" em relação à razão: é possível formular na razão outras "essências", como a escrita, colorir, música e esculpir.

Este exemplo indica que podemos falar (juntamente com São Máximo) sobre duas formas de energia da mesma essência ou natureza: uma forma que, como a chamamos, é "homogênea" em relação a natureza daquele que causa a energia (uma auto-oferta extática da natureza em termos de alteridade pessoal); e a outra forma que se revela a partir de essências "heterogêneas" em relação a natureza de quem causa a energia, "uma energia que é efetiva em coisas externas, segundo a qual o ator age em objetos exteriores a si e heterogêneos, e obtém um resultado, que é constituído por uma matéria preexistente e é estranho à sua própria substância".[8]

Assim, a energia "homogênea" de Deus (utilizando a distinção de S. Máximo) é revelada na experiência da graça divina na Igreja, que é incriada ("heterogênea" às criaturas e "homogênea" em relação a Deus) e através da qual Deus é "inteiramente participável"[9] e "participado singularmente por  todos"[10], permanecendo simples e indivisível, oferecendo ao comungante o que Ele (Deus) possui "por natureza" - exceto "identidade essencial"[11] - e elevando o homem ao posto de comungante da natureza divina, de acordo com a palavra das Escrituras (II Pedro 1: 4). Por outro lado, a revelação da energia de Deus em essências "heterogêneas" a Deus é vista no caráter dos seres enquanto "criaturas", criados pela energia divina. O logos pessoal dessas criaturas (um logos de poder, sabedoria e arte)[12], embora seja característico de cada uma dessas criaturas, em termos da infinita variedade de essências, revela a "totalidade singular" da energia divina e testemunha o Deus único, simples e indivisível.[13]

Quanto ao homem, provavelmente podemos dizer que o conceito de energia homogênea é aplicável ao poder do amor e ao êxtase erótico entregar-se em termos dos quais a verdade existencial sobre o homem é "conhecida". Este é o mistério da natureza humana e da pessoa humana enquanto alteridade singular - quando o homem pertence "totalmente a quem ama e é voluntariamente plenamente abraçado".[14] Essa energia "homogênea", no entanto, interpreta também a realidade do corpo humano em termos da alteridade singular de cada pessoa: o corpo é, por excelência, a diferenciação pessoal das energias físicas [15], a possibilidade de um encontro e uma comunhão entre a energia criada da essência humana e a energia incriada da Graça de Deus.[16] Quanto à revelação da energia do homem através das essências "heterogêneas" do homem, diz respeito à variedade de "criações" humanas, nas obras da arte, sabedoria e poder.[17]

O fato fundamental observado e verificado na distinção de São Máximo entre a energia "homogênea" de uma essência ou natureza e sua aparência "heterogênea" é que ambas as formas de expressar a energia revelam a natureza ou essência como o conteúdo "singular" e "unificado" da pessoa . A diferenciação pessoal das energias físicas (a singularidade e a dissimilaridade de cada corpo humano, bem como a alteridade absoluta de cada evento erótico e a diferenciação de expressões "criativas", por exemplo, a música de Bach comparada a música de Mozart ou a pintura de Van Gogh daquela de Goya) distingue a natureza sem dividi-la, revela a maneira pela qual a natureza é - e esta maneira é a sua singularidade pessoal e alteridade. As energias ou distinções expõem e revelam a catolicidade da natureza, como conteúdo da pessoa.

Na distinção da natureza e das energias, a teologia Ortodoxa vê o próprio pressuposto para o conhecimento de Deus, bem como do homem e do mundo. Se rejeitarmos essa distinção e se aceitarmos, com os Católicos Romanos, o salto intelectual para a própria essência - uma essência divina ativa - então a única relação possível do mundo com Deus é a conexão racional entre causa e efeito, uma conexão que deixa inexplicável a realidade ontológica do mundo, a formação da matéria e seu caráter essencial.

Para a teologia Ortodoxa, a matéria não é uma realidade que simplesmente tem sua causa em Deus. A matéria é a substanciação da vontade de Deus, o resultado da energia pessoal de Deus; e ela permanece "ativa" como a razão reveladora da energia divina. São Gregório de Nissa diz que "todas as coisas não foram reformuladas de alguma matéria subsistente em fenômenos, mas a vontade divina tornou-se a matéria e a essência da criação".[18] A vontade de Deus é um ato e o ato de Deus é a Sua palavra, "pois em Deus o ato é palavra".[19] A palavra de Deus que expressa Sua vontade "é substanciada diretamente como uma substância e uma formulação de criação".[20]

A matéria, portanto, constitui a substanciação da vontade divina. Os logoi da matéria, isto é, seus "tipos" ou "formas", reflete so logoi criativos das concepções e volições divinas.[21] No seu próprio conteúdo orgânico, a matéria é o resultado da união de qualidades "racionais" cuja convergência e união definem a substância das coisas sensíveis.[22] A formulação "racional" da matéria refuta desde o início o caráter ôntico autônomo das "coisas"; a matéria não é o 'que' da realidade física, o material que recebe "contorno" e "forma" para revelar a essência, mas a convergência das qualidades "racionais", sua coordenação no 'como' de uma harmonia única que constitui o "tipo" ou a "forma" das coisas. Toda a realidade cósmica, a infinita variedade de essências não são o 'que' da observação objetiva e da concepção racional; não são o efeito abstrato de uma causa ativa racionalmente concebida, mas o 'como' da harmonia "pessoal" das qualidades "racionais", uma "harmonia musical que constitui um hino controlado e sublime ao poder que controla o universo".[23]


Essa harmonia pessoal continuamente ativa do mundo revela a presença direta e enérgica de Deus no mundo enquanto vontade e energia "pessoais" (e não como essência). É um convite infinitamente ativo para um relacionamento pessoal com Deus-Logos através dos logoi das coisas. Este convite ativo não é essencialmente identificado com aquele que convida nem com a energia daquele que chama; a razão e a vontade de Deus não se identifica com as próprias coisas criadas, assim como a vontade do artista não se identifica com o produto de sua arte, com o resultado de sua energia pessoal criativa. Mas a obra de arte é a substanciação e encarnação da razão e da vontade pessoal do artista; é o chamado ativo e a possibilidade de um relacionamento pessoal com o criador através do logos de suas criações. A obra de arte é em essência e em energia diferente do artista (a "arte no artístico" é uma coisa, e outra é a "arte na pessoa que a empreende", como salienta São Basílio).[24] Portanto, a obra de arte representa e revela o logos pessoal único, dissimilar e irrepetível do artista. Sem relação pessoal, sem uma aceitação pessoal do logos incorporado na obra de arte, esta permanece um objeto neutro e não interpretado: o logos do artista permanece inacessível, a verdade da "coisa" não interpretada e a experiência da presença pessoal, a singularidade pessoal e dissimilaridade do artista, inatingível.

É claro que a inferência da harmonia pessoal e da beleza da criação em relação à presença pessoal do criador Deus-Logos não é auto-evidente nem automática nem simplesmente racional; é um movimento moral-dinâmico de participação na energia "benevolente" divina pessoal, uma aceitação do convite que substancia a beleza da natureza - um movimento moral de catarse, uma iluminação gradual e dinâmica da mente, "se surpreender e entender. ... ser elevado de conhecimento em conhecimento, e de visão em visão e de entendimento em entendimento".[25] O fim (sempre infinito) desta visão dinâmica do mundo é uma revelação, através da beleza, do caráter triuno da energia divina, "embelezando a criação triunamente".[26] A beleza da criação não é o logos uni-dimensional de uma causa criativa, mas a revelação do modo de energia divina unificado e, ao mesmo tempo, triuno que reflete o mistério do modo singular e triuno da existência da vida divina.[27]

O problema do conhecimento de Deus, mas também do homem e do mundo - do conhecimento como relação pessoal direta e experiência existencial ou conhecimento como aproximação intelectual abstrata - depende da aceitação ou da rejeição da distinção entre essência e energia. A aceitação e a rejeição desta distinção representa duas visões fundamentalmente diferentes da verdade, duas "ontologias" não-coincidentes. Isso não significa meramente duas visões ou interpretações teóricas diferentes, mas duas formas de vida diametralmente opostas, com conseqüências espirituais, históricas e culturais concretas.

A aceitação desta distinção entre essência e energia significa uma compreensão da verdade como relacionamento pessoal, isto é, como uma experiência de vida e de conhecimento como participação na verdade e não como uma compreensão de significados que resultam da abstração intelectual. Envolve a prioridade da realidade da pessoa a toda definição racional. Nos termos infinitos desta prioridade, Deus é conhecido e comunicável através de Suas incompreensíveis energias incriadas, permanecendo em essência desconhecido e incomunicável. Ou seja, Deus é conhecido apenas como uma revelação pessoal (e não como uma idéia de essência "ativa"), apenas como uma comunhão trinitária de pessoas, como uma auto-oferta extática de bondade amorosa. O mundo também é o resultado das energias pessoais de Deus, uma "criação" que revela a pessoa do Logos, testemunhando o Pai através da graça do Espírito, o convite substanciado de Deus à relação e à comunhão, um convite que é pessoal e, portanto, substanciado "heteroessencialmente".

Ao contrário, a rejeição da distinção entre essência e energia significa a exclusão da experiência católica-pessoal e a prioridade do intelecto como forma de conhecimento, reduzindo a verdade a uma coincidência do pensamento com o objeto de pensamento (adaequatio rei et intellectus), [28] uma compreensão da natureza e da pessoa como definições resultantes da abstração racional: as pessoas têm o caráter das relações dentro da essência, relações essas que não caracterizam as pessoas, mas são identificadas com as pessoas para atender a necessidade lógica da simplicidade da essência. Assim, por fim, Deus é acessível apenas como essência, ou seja, apenas como um objeto de busca racional, como o "primeiro motor" necessário que é "imóvel", que é "energia pura" e cuja existência deve ser identificada com a auto-realização da essência. O mundo é o resultado do "primeiro motor", assim como a graça de Deus é o resultado da essência divina. A única relação do mundo com Deus é a conexão da causa e efeito, uma "conexão" que desencadeia organicamente Deus do mundo: o mundo é autônomo e submetido à objetificação intelectual e à conveniência (utilidade).
Transfiguração do Senhor,
Luz Incriada no Monte Tabor 

O problema da distinção entre essência e energia determinou definitivamente e, finalmente, a diferenciação do Ocidente latino do Oriente Ortodoxo. O Ocidente rejeitou a distinção, desejando proteger a idéia de simplicidade na essência divina, já que o pensamento racional não pode aceitar a antinomia de uma identidade existencial e alteridade simultânea, uma distinção que não significa divisão e fragmentação. Para a mente ocidental (expressada com o rigor do racionalismo tomista ou com a subordinação dos textos patristicos a interpretações a priori, como no caso do Pe. Garrigues), Deus é definido apenas em termos de Sua essência; o que não é essência não pertence a Deus; é uma criatura de Deus, resultado da essência divina. Conseqüentemente, as energias de Deus são identificadas com a essência, que é ativa (actus purus), ou então qualquer manifestação externa delas é considerada necessariamente "heteroessencial", ou seja, um resultado criado da causa divina.[29]

Isso significa que, em última análise, a theosis do homem, sua participação na vida divina, [30] é impossível, já que a graça, "santificador" dos santos, é em si mesma um efeito, resultado da essência divina. É criada, apesar de "sobrenatural", como os teólogos ocidentais a definiram arbitrariamente desde o século IX.[31]

É característico que o Pe. Garrigues evite definir a graça divina como criada, mas insiste no caráter efetivo da graça (na causalité de grâce) que provoca o "estado" (habitus) da virtude. No texto do Pe. Garrigues, o estado de graça é privado de qualquer aparência de participação pessoal ativa na graça divina pessoalmente ativa. O "estado" é simplesmente o efeito do caráter causal da graça e é realizado como uma mudança objetiva da intenção humana.[32] O "realismo" da theosis para o Pe. Garrigues é apenas um realismo de intenção; [33] é entendido em termos de categorias moralistas, [34] um "aperfeiçoamento" racionalista do caráter humano que possui conteúdo cristológico apenas como um padrão de obediência de Cristo.

A noção de energia divina como um ato causal-criativo (acte de causalité créatrice), bem como a noção de graça divina como pressuposição causal do hábito de intenção (causalité de la grâce - habitus intentionnel de la grâce), esgota, no estudo de Fr . Garrigues, a relação de Deus com o mundo e de Deus com o homem em uma conexão etiológica inteiramente externa e apenas racionalmente concebida. A partir dessas relações objetivadas e deterministas surge, para o cristão Ortodoxo, o perigo aterrorizante de uma aceitação impessoal de Deus, uma essência absoluta e ativa que move o mecanismo de uma "filantropia" determinista, que destrói a verdade da pessoa.

Depois de ler o estudo de Garrigues, permanece-se com uma questão simples: como é possível, especialmente hoje, que um erudito Católico Romano ignore as conseqüências históricas da cristandade ocidental da rejeição da distinção entre essência e energia? Como é possível descobrir novos argumentos para a defesa de uma posição teológica para a qual o Ocidente pagou um preço tão trágico? Não é meu desejo referir-me a eventos históricos, como o drama da Idade Média no Ocidente, centrado na desacralização do mundo por meio da teologia tomista, a trágica oposição de uma multidão de heresias místicas e "subterrâneas" que procuravam desesperadamente redescobrir a santidade no mundo criado, o processo austero e consistente que levou do tomismo a Descartes e de Descartes ao estupro tecnológico contemporâneo da realidade física e histórica. A transferência do conhecimento de Deus do domínio da manifestação pessoal direta através das energias naturais para o nível de aproximação intelectual e racional de uma essência divina "ativa" teve como resultados inevitáveis a separação antitética rigorosa entre o transcendente e o imanente, o "banimento" de Deus para o reino do empiricamente inacessível, o divórcio esquizofrênico da fé do conhecimento, as sucessivas ondas de rebelião no homem ocidental contra os pressupostos teológicos de sua própria civilização, o rápido desvanecimento da religião no Ocidente e a aparência do niilismo e do irracionalismo como categorias existenciais fundamentais do homem ocidental.

Mas todo esse drama histórico - que exigiria estudos longos para serem analisados sistematicamente e que foi previsto pelos teólogos ortodoxos do Oriente no século XIV com uma lucidez surpreendente - está sendo vivido hoje pela Igreja Católica Romana em seu próprio corpo. Durante estas últimas décadas, todos nós seguimos com dor o tremendo enfraquecimento e desintegração da Igreja Católica Romana: sua fragmentação interna, a perda de sua autoridade, sua desorientação teológica. A crise envolve milhões de pessoas em total confusão sobre sua vida pessoal: sem metas e sem uma esperança existencial, sem uma comunidade espiritual que possa servir como equilíbrio psicológico para a solidão das grandes cidades e sem uma visão da vida pessoal como algo além da sobrevivência biológica e do bem-estar econômico.

Com esses fatos, seria de esperar que os teólogos Católicos Romanos voltem sua atenção para esses meios e para aqueles critérios que poderiam revelar uma solução para essa crise torturante. Se o fizerem, eles podem descobrir, particularmente na teologia de São Gregório Palamas e nos Concílios do século XIV, não apenas a interpretação, mas também a solução do drama que os atormenta. Em vez disso, estudos como o do Pe. Garrigues mostra que os teólogos Católicos Romanos devem ser acorrentados a um novo tipo de escolástica estéril que ameaça os teólogos Ortodoxos da chamada escola neo-palamita com os anátemas do Sexto Concílio Ecumênico (ver pág. 296 do estudo do Pe. Garrigues).

Pessoalmente, gosto de acreditar que esse retorno defensivo ao escolasticismo é meramente uma exceção. A maior força de nossa geração teológica é a consciência de que não se pode fazer teologia no nível das categorias abstratas. Agora sabemos bem que a crise de nossa civilização é uma crise nos pressupostos teológicos sobre os quais essa civilização foi fundada; sabemos que nossas "visões" teológicas têm conseqüências diretas e práticas para a ruína ou para a salvação do homem. E essa consciência, por mais dispendiosa que seja, é, de fato, uma "grande lição".

Atenas, Fevereiro de 1975. 

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Notas

1. São Dion. Areop., Sobre os Nomes Divinos, III, P.G. 3, 869C.
2. São Máximo o Confessor, Capítulos Teológicos e Polêmicos, P.G. 91, 32BC.
3. São Basílio o Grande, citado por São Gregório Palamás, Capítulos Teológicos e Físicos, P.G. 150, 1220D.
4. "'Querer' e 'como querer' não é o mesmo tampouco 'ver' e 'como ver' é o mesmo. Pois 'querer' e 'ver' pertencer à natureza, e é uma qualificação de todos os que têm a mesma natureza e pertencem à mesma espécie. Mas 'como querer' e 'como ver' ... são maneiras pelas quais a realidade de querer ou ver é usada, é uma qualificação que pertence apenas ao sujeito que quer e vê e o distingue dos outros de acordo com a categoria de diferença comumente aceita". São Máximo o Confessor, Diálogo com Pyrrhus, P.G. 91, 292D.
5. "A vontade de todos pode ser demonstrada como sendo uma em referência à natureza; mas o modo de movimento é diferente". São Máximo o Confessor, Capítulos Teológicos e Polêmicos, P.G. 91, 25A.
6. São Basílio o Grande, Cartas, 189, P.G. 32, 696B; Veja também São Máximo: "enquanto a energia pertence àquele que age, a natureza pertence àquele que existe.", Capitulos Teológicos, P.G. 91, 200D.
7. Scholia sobre os Nomes Divinos, P.G. 4, 332CD.
8. São Máximo o Confessor, Ambigua, P.G. 91, 1268AB.
9. "... (Deus) que é partilhado inteiramente por todos os dignos de maneira benéfica". São Máximo o Confessor, Ambigua, P.G. 91, 1076C.
10. São Dionísio, Sobre os Nomes Divinos, 9, P.G. 3, 825A.
11. "A pessoa deificada pela graça é tudo o que Deus é, exceto a identidade essencial". São Máximo o Confessor, À Thalassios 22, P.G. 90, 320A.
12. "As coisas criadas são indicativos de poder, sabedoria e arte, mas não da própria essência". São Basílio o Grande, Contra Eunomius 2, 32, P.G. 29, 648A.
13. Veja São Máximo o Confessor, Ambigua, P.G. 91, 1257AB.
14. São Máximo o Confessor, Capítulos Teológicos 5, P.G. 90, 1377 AB.
15. Veja São Gregório de Nissa, Sobre a Criação do Homem, VI, P.G. 44, 140.
16. Veja São Gregório de Nissa, Oração Catequética VI, P.G. 45, 27D-28A.
17. Veja São Gregório de Nissa, Contra Eunomius I, P.G. 45, 381B.
18. Homilia em I Corinthians 15, 28, P.G. 44, 1312A.
19. São Gregório de Nissa, Sobre o Hexaemerão, P.G. 44, 73A.
20. São Basílio o Grande, Contra Eunomius, P.G. 29, 736C.
21. São Gregório de Nissa, Sobre o Hexaemerão, P.G. 44, 73C: "Por algum motivo, o poder efetivo de cada produto é transformado em energia".
22. Veja São Gregório de Nissa, Sobre o Hexaemerão, 7, P.G. 44, 69C e Sobre a Alma e Ressurreição, P.G. 46, 124C.
23. São Gregório de Nissa, Sobre as Inscrições dos Salmos, P.G. 44, 441B.
24. Sobre o Espírito Santo, P.G. 32, 180C.
25. São Isaque o Sírio, Escritos Ascéticos, Carta 4 (ed. Spanos), p. 384
26. Dídimo o Cego, Sobre a Santíssima Trindade 2, 1, P.G. 39, 452A.
27. São Máximo o Confessor, Para Thalassios, P.G. 90, 296 aC.
28. São Veja Thomas de Aquino, Quaest. Disp. De veritate, qu. Eu, art. 1.
29. São Veja Thomas de Aquino, Summa Theologica I, 25, 1; Summa contra Gentiles II, 9.
30. Veja o texto da Encíclica Mystici Corporis Christi do Papa Pio XII (na publicação La Foi Catholique-Textes doctrinaux du Magistère de l'Église, Paris, 1961, página 364):  Ce qu' il faut rejeter: tout mode d'union mystique par lequel les fidèles, de quelque faÕon que ce soit, dépasseraient l'ordre du créé et s'arrogeraient le divin au point que même un seul des attributs du Dieu éternel puisse leur être attribué en propre. Cf. Também a perspectiva oriental registrada por São Gregório de Nissa, Sobre as Bem-aventuranças VII, P.G. 44, 1280C.D .: "O homem escapa de sua própria natureza, tornando-se um imortal de um mortal que ele é, e de alguém que tem um preço na cabeça para um inestimável, e de uma criatura temporal para uma eterna, sendo homem se tornando completamente deus ... Pois, se aquilo que Deus é por natureza, Sua propriedade, é dado pela graça ao homem, então, o que mais que uma certa igualdade de honra é professada em virtude da relação?"
31. Veja M.-D. Chenu, La Théologie au douzième siècle, Paris (ed. Vrin), 1966, p. 294. Veja também La Foi Catholique, p. 321: La grâce est gratuite et surnaturelle, onde se cita a referência relativa às fontes dogmáticas da Igreja Católica Romana. Além disso, J.-H. Nicolas, Dieu connu como inconnu, Paris, 1966, p. 218f.
32. Op. cit., p. 289.
33. Veja p. 294: ...le réalisme de la divinisation: l'être intentionel n'est pas moins réel que l'être entitatif.
34. Veja p. 291: A partir de l'habitus de la grâce, la charité informe de l'intérieur toute la vie vertueuse de l'homme qui manifeste ainsi la ressemblance divine.