domingo, 16 de julho de 2017

O Caminho do Conhecimento (Alexander Kalomiros)

Hoje, o ateísmo, bem como o Protestantismo, pode voltar-se contra a Ortodoxia. Mas este ataque fundamenta-se num engano. Eles detestam a ortodoxia porque a vêem com seus próprios critérios, com sua própria mentalidade. Eles a vêem como uma variante do Catolicismo. Isso não é devido a uma má vontade de sua parte, mas a uma incapacidade total de julgar por outros padrões e pensar com outra mentalidade.

O Catolicismo, o Protestantismo e o ateísmo estão no mesmo nível. Descendem da mesma mentalidade. Todos os três são sistemas filosóficos, descendentes do racionalismo, isto é, da noção de que a razão humana é o fundamento da certeza, a medida da verdade e o caminho do conhecimento.

A Ortodoxia está em um nível completamente diferente. Os Ortodoxos têm uma mentalidade diferente. Consideram a filosofia como um beco sem saída que nunca levou o homem à certeza, à verdade e ao conhecimento. Eles respeitam a razão humana como ninguém mais, e nunca a violam. Consideram-na como um dos fatores úteis na detecção de falsidades e na descoberta de erros. Mas eles não a aceitam como capaz de dar certeza ao homem, de iluminá-lo para ver a verdade, ou orientá-lo para o conhecimento.

O conhecimento é a visão de Deus e de Sua criação num coração purificado pela graça divina, pelas lutas e as orações do homem. "Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus".

A verdade não é uma série de definições, mas Deus mesmo, "Que apareceu concretamente na pessoa de Cristo, que disse: "Eu sou a Verdade"".

Certeza não é uma questão de harmonia intelectual; é uma profunda firmeza do coração. Vem ao homem depois de uma visão interior e é acompanhada pelo calor da graça divina. A harmonia intelectual, que é o resultado de um ordenamento lógico das coisas, nunca é acompanhada por essa firmeza.

A filosofia é caracterizada pela conceituação. O intelecto humano não pode aceitar a realidade tal como é. Transpõe-a primeiro em símbolos e depois elabora os símbolos. Mas os símbolos são figuras falsas da realidade. Os conceitos são tão distantes da realidade como uma imagem de um peixe de um peixe vivo.

A verdade do filósofo é uma série de figuras e imagens. Estes símbolos apresentam uma grande vantagem; são compreensíveis. Eles são cortados na medida do homem e satisfazem o intelecto. Mas também apresentam uma grande desvantagem; eles não têm relação com a realidade viva.

A realidade viva não se encaixa nas categorias do intelecto humano. É uma condição acima da razão. A filosofia é uma tentativa de transpor o supraracional para o racional. Mas isso é falso e fraudulento. É por isso que a Ortodoxia rejeita a filosofia e não a aceita como caminho do conhecimento.

O único caminho para o conhecimento é a pureza do coração. Só este permite que a Santíssima Trindade habite no homem. Apenas por esse caminho Deus e sua inteira criação é conhecido, sem serem conceitualizados. Ele é conhecido como Ele realmente é, sem se tornar compreensível e sem ser diminuído para se encaixar nos limites rígidos do intelecto humano. Assim, a mente (nous) do homem, viva e incompreensivelmente, se une com o Deus vivo e incompreensível. O conhecimento é o contato vivo do homem com o Criador e Sua criação, no amor mútuo.

A experiência do conhecimento é algo que não pode ser expresso em palavras humanas. Quando o apóstolo Paulo conheceu, ele disse que tinha ouvido palavras inefáveis - algo que é impossível para o homem expressar.
São Paulo

Tal é a teologia cristã mais profunda - inexprimível. Dogmas são formulações úteis. Mas não são conhecimentos reais; simplesmente orientam e protegem contra erros. Um homem pode ter conhecimento sem conhecer os dogmas, e ele pode conhecer todos os dogmas e aceitá-los sem ter conhecimento. É por isso que, além da teologia afirmativa dos dogmas, os Padres reconheciam o profundo mistério da teologia negativa onde nenhuma definição é aceitável, onde a mente está em silêncio e deixa de se mover, onde o coração abre a porta para receber o Grande Visitante "que fica diante da porta e bate", onde a mente vê Ele que É.

E ninguém pense que essas coisas são verdadeiras somente no que diz respeito ao conhecimento supraracional que é um movimento de Deus em relação ao homem. O homem não pode conhecer nada com sua razão, e pode ter certeza de nada - nem de si mesmo, do mundo, nem mesmo das coisas mais comuns e ordinárias.

Quem honestamente esperou ouvir o silogismo de Descartes "Penso, logo existo"  para ter certeza que realmente existe? E quem esperou os filósofos provarem que o mundo ao seu redor é real para poder acreditar que é? Além disso, tal prova nunca existiu e nunca existirá, e aqueles que estão envolvidos na filosofia sabem disso. Ninguém jamais conseguiu realmente provar por sua razão de que nossos pensamentos e nós próprios, bem como o mundo que nos rodeia, não são fantasias. Mas mesmo que alguém provasse logicamente, o que é impossível, essa prova lógica não seria capaz de assegurar a ninguém.

Se estamos certos de que existimos e de que nossos amigos não são invenções da nossa imaginação, isso não é devido às provas dos filósofos, mas a um conhecimento interior e a uma consciência interior que nos dá certeza de tudo sem silogismos e provas.

Este é um conhecimento natural. É o conhecimento do coração e não do cérebro. É o fundamento seguro de cada pensamento. Razão pode construir sobre tal fundamento sem medo de desabar. Mas sem ele, a razão fundamenta-se na areia.


É esse conhecimento natural que guia o homem no caminho do Evangelho e permite que ele separe a verdade da mentira, o bem do mal. É o primeiro passo que ergue o homem ao trono de Deus. Quando o homem, na sua livre vontade, ascende aos primeiros passos do conhecimento natural, então o próprio Deus se inclina e cobre-o com esse conhecimento celestial dos mistérios "que ao homem não é lícito falar."

A pregação dos Apóstolos e dos Pais, dos Profetas e do Evangelho, as palavras do próprio Cristo, são direcionadas ao conhecimento natural do homem. Esta é a província dos dogmas e da teologia afirmativa. Este é o berço onde a fé nasce.

O início da fé é a capacidade do coração de entender que a verdade fala no pequeno livro chamado Evangelho, que naquela igreja comum de pessoas pobres e crentes, Deus descende e habita. Quando o medo se apodera de alguém, quando se pisa na terra que a mão de Deus estabeleceu, quando se olha para o mar grande e amplo, quando se caminha e respira, então seus olhos começarão a derramar lágrimas - lágrimas de arrependimento, lágrimas de amor, lágrimas de alegria - e sentirá as primeiras carícias de mistérios indescritíveis.

O conhecimento natural existe em todos os homens, mas não se encontra na mesma pureza em todos. O amor ao prazer tem o poder de escurecê-lo. As paixões são como uma neblina, e é por isso que poucos homens acham o caminho para a verdade. Quantas pessoas se perderam no labirinto da filosofia, procurando uma pequena luz que nunca verão?

Neste labirinto, não é importante se alguém seja cristão ou ateu, protestante ou católico, platônico ou aristotélico. Existe uma marca de identificação comum em todos - a escuridão. Quem entra na caverna do racionalismo deixa de ver. E, independentemente das vestimentas que veste-se, elas assumem a mesma cor escura. Em suas discussões eles se entendem muito bem porque têm os mesmos pressupostos, os pressupostos da escuridão. Mas é impossível para eles entender aqueles que não estão no labirinto e que vêem a luz. E, não importa o que aqueles de fora diga, eles entendem tudo com seus próprios pressupostos e não podem ver de que maneira os outros podem ser superiores.


Alexander Kalomiros no livro Against False Union 

Nenhum comentário:

Postar um comentário