segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A história do Filioque (T. R. Valentine)

O Primeiro Sínodo Ecumênico (Concílio) em Nicéia, em 325 d.C., estava interessado em defender a divindade do Senhor Jesus Cristo contra a heresia dos arianos. Assim, o Símbolo da Fé formulado pelos Padres pouco falou sobre a crença da Igreja em relação ao Espírito Santo. Declarou:
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.Ε em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai; Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai; por quem foram feitas todas as coisas que estão no céu ou na terra. O qual por nós homens e para nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem. Padeceu e ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus. Ele virá para julgar os vivos e os mortos. E no Espírito Santo. E quem quer que diga que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, ou que antes que fosse gerado ele não existia, ou que ele foi criado daquilo que não existia, ou que ele é de uma substância [ou essência] diferente [do Pai], ou está sujeito à mudança ou transformação, todos os que falem assim, são anatematizados pela Igreja Católica Apostólica.  
O Segundo Sínodo Ecumênico, em Constantinopla em 381 d.C. (também conhecido como o primeiro Sínodo (ou Concílio) de Constantinopla) estava novamente interessado em defender a divindade do Senhor Jesus Cristo, mas também em defender a divindade do Espírito Santo. Por essa razão, expandiu o Símbolo da Fé formulado pelo Sínodo Ecumênico anterior na seção referente à crença da Igreja em relação ao Espírito Santo. Esta seção então declara:
E no Espírito Santo, Senhor e Doador da Vida, que procede do Pai; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele falou pelos profetas. E na Igreja, una, santa, católica e apostólica. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos; e a vida do mundo vindouro. Amém.
O símbolo da fé, formulado pelo Sínodo de Constantinopla, é comumente conhecido no Ocidente como o "Credo Niceno" e mais tecnicamente conhecido como "Credo Niceno-Constantinopolitano". Desde então, os Cristãos Ortodoxos se recusaram firmemente a modificar o Símbolo de qualquer maneira. A fé dos Cristãos Ortodoxos hoje é idêntica à fé do Segundo Sínodo Ecumênico. Infelizmente, alguns escolheram seguir uma fé diferente.

Em 587 d.C., o concílio local de Toledo (Espanha) acrescentou o termo 'filioque' ao Credo como uma tentativa de combater o arianismo. [1] A palavra latina filioque é traduzida para português como 'e do Filho' e altera o símbolo da fé de
E no Espírito Santo, o Senhor e o Doador da Vida, que procede do Pai; quem com o Pai e o Filho juntos é adorado e glorificado.
para
E no Espírito Santo, o Senhor e o Doador da Vida, que procede do Pai e do Filho; quem com o Pai e o Filho juntos é adorado e glorificado. 
Esta adição pretendia enfatizar a consubstancialidade do Pai e do Filho contra a heresia ariana.

Da Espanha, o 'filioque' se espalhou aos francos (atual França). Foi adotado por Carlos Magno, que chegou ao ponto de acusar o Oriente de o ter omitido deliberadamente do antigo Credo. O Papa Leão III (795-816) interveio e proibiu quaisquer interpolações ou alterações no Credo Niceno. Ele ordenou que o credo, sem filioque, fosse gravado em latim e grego em duas placas de prata na parede da Igreja de São Pedro em Roma. No entanto, a adição foi mantida pelos francos. A disputa aumentou (muitos historiadores pensam que Carlos Magno usou o filioque na tentativa de justificar sua pretensão de ser imperador contra o imperador do Império Romano, localizado em Constantinopla) entre o Oriente e o Ocidente e foi o foco do concílio de Constantinopla que se reuniu em 879-880 d.C. Este concílio (reconhecido como o Oitavo Concílio Ecumênico pelos Cristãos Ortodoxos) reafirmou o credo de 381 d.C. e declarou todas e quaisquer adições ao credo inválidas. Os ensinamentos deste concílio foram confirmados pelos patriarcas da Antiga Roma (João VIII), Nova Roma [Constantinopla] (Fócio), Antioquia, Jerusalém e Alexandria e pelo Imperador Basílio I. [2]

Ainda assim, o filioque continuou a ser usado pelos francos e até se espalhou para outras tribos germânicas. Eventualmente, até mesmo Roma começou a usar o filioque - na coroação de Henrique II em 1014 como imperador do chamado Sacro Império Romano. A maioria dos historiadores concorda que o papa (Bento VIII), devido à sua dependência da proteção militar do Sacro Império Romano, concordou com seu uso. Mas desde então, Roma continuou usando o filioque. Com o tempo, a crença no filioque se tornou dogma no Catolicismo Romano.

CRÍTICA

Objeção 1: A adição não tem origem nas Sagradas Escrituras e nem é consistente com elas. 

A frase original do Símbolo da Fé: "... [Creio] no Espírito Santo... que procede do Pai" é diretamente de João 15:26:


Examinando as palavras-chave, encontramos:

<elthe> (ἔλθῃ, vir) a voz ativa de <erchomai>, que significa "vir de um lugar para outro (usado para as pessoas que chegam), aparecer,  fazer a sua aparência, chegar diante do público"

<paraakletos> (παράκλητος, consolador) no sentido mais amplo, um ajudante, socorrista, auxiliador, assistente. Mais especificamente, alguém que pleiteia a causa de outra pessoa perante um juiz, um pleiteador, conselheiro de defesa, assistente legal, um advogado

<pempo> (πέμψω) 'enviar', 'despachar'

<ekporeuetai> (ἐκπορεύεται, procede) é derivado de ek + poreuomai (ἐκ + πορεύμαι)

A preposição <ek> que indica a origem como "de" ou "a partir de", o ponto de onde o movimento ou ação procede.  <poreuomai> significa 'atravessar', 'viajar'

Assim, a palavra mais importante da passagem, <ekporeutai / ekporeuomai>, se refere ao ponto de origem do Espírito Santo. Uma vez que essa origem é 'desde toda a eternidade' (ou seja, fora do tempo, antes do início do tempo), ela refere-se à origem eterna do Espírito Santo e não à Sua missão temporal (Seu envio ao mundo no tempo).

O Catolicismo Romano admite que ἐκπορεύεται refere-se apenas à origem eterna do Espírito Santo. Ele reconheceu isso nesta publicação:
o termo <ekporeusis> (εκορευσις), distinto do termo "proceder" (<proienai>) (προιναι), pode caracterizar apenas uma relação de origem com o princípio sem princípio da Trindade: o Pai.
Fonte: L'Osservatore Romano, 20 de setembro de 1995: ‘The Greek and Latin Traditions Regarding the Procession of the Holy Spirit’['As tradições grega e latina relativas à processão do Espírito Santo']

Para usar uma analogia, se eu der uma luva de beisebol Rawlings ao meu filho, ele poderá dizer aos outros que recebeu a luva de mim, mas a origem última da luva é a Rawlings. Da mesma forma, podemos dizer que recebemos o Espírito Santo do Filho (porque o Filho enviou o Espírito Santo no Pentecostes), mas a origem última do Espírito Santo é o Pai.

A diferença entre a "origem eterna" e a origem do "envio no tempo (temporal)" é importante. A maioria das tentativas de defender o filioque confunde as duas ou falha em reconhecer a diferença. Elas não significam o mesmo.

A processão do Espírito Santo do Filho (filioque) não pode ser encontrada na Sagrada Escritura. É uma adição criada pelo homem. Entretanto, uma vez que o Catolicismo Romano alterou a antiga fé santa, católica e apostólica e agora ensina que a processão eterna do Espírito Santo é do Pai e do Filho, é comum que as traduções católicas romanas da Bíblia distorçam o significado claro. Aqui está como duas traduções católicas romanas lidam com a passagem (João 15:26).

Bíblia New Jerusalem 
Quando o Paracleto vier, que eu enviarei a você do Pai, o Espírito da verdade que sai do* Pai, ele será minha testemunha. 
Nota [da Bíblia]: * O envio do Espírito ao mundo, e não a processão "eterna" a partir do Pai na Trindade.

Bíblia New American 
Quando o Paracleto vier, o Espírito da verdade que vem do Pai - e quem eu mesmo enviarei do Pai - ele dará testemunho em meu nome. 
Nota [da Bíblia]: Vem do Pai: refere-se à missão do Espírito aos homens, não à processão eterna do Espírito. Compare 14:26, onde é dito que o Pai, não Jesus, envia o Espírito.

Não há nada errado com a tradução da bíblia New Jerusalem. O uso de 'sai de' em vez de 'procede' é uma boa tradução de <ekporeuetai>, mas ao por uma nota sobre 'sai de' e explicando que isso não se refere à processão eterna do Espírito Santo (Sua origem última desde toda a eternidade), mas somente ao envio do Espírito Santo ao mundo (no tempo), simplesmente nega-se a verdade.

A bíblia New American (deliberadamente?) distorce a passagem usando o verbo 'vem' no lugar de 'procede' muito mais preciso. Essa tradução incorreta obscurece o claro significado do texto grego. Sua nota é essencialmente a mesma da tradução da New Jerusalem: uma negação do claro significado em favor do erro católico romano. A referência a João 14:26 serve apenas para nos desviar do essencial. Ninguém nega que o Espírito Santo seja enviado pelo Pai e pelo Filho ao mundo. Essas traduções católicas romanas querem fazer com que acredite-se que não há nada nas Escrituras que revele explicitamente a processão eterna do Espírito Santo.

O filioque contradiz o ensino claro e explícito de nosso Senhor Jesus Cristo, como encontrado no Santo Evangelho. 

Objeção 2: O filioque é o resultado de conceder à "sabedoria" (filosofia) humana precedência sobre a Revelação Divina.

A abordagem Ortodoxa à Santíssima Trindade enfatiza mais o que não pode ser dito do que o que pode ser dito. Isso se baseia no reconhecimento de que, em última análise, Deus está além da compreensão humana; além da linguagem e das definições humanas. As citações a seguir são características:
Você pergunta o que é a processão do Espírito Santo? Diga-me primeiro o que é o caráter não-gerado do Pai, e depois eu explicarei a fisiologia da geração do Filho e a processão do Espírito, e nós dois seremos atingidos por loucura por nos intrometermos no mistério de Deus. - São Gregório, o Teólogo
Aprendemos que há uma diferença entre geração e processão, mas a natureza da diferença de modo algum entendemos. - São João de Damasco
Infelizmente, Agostinho de Hipona, o criador do filioque [3], não teve a mesma atitude. Ele foi fortemente influenciado pelo neoplatonismo e  bem instruído na tradução latina de Marius Victorinus das Enéadas de Plotino, como evidenciado pelas numerosas passagens que Agostinho tomou e colocou em seus escritos. (Agostinho também expressou gratidão a Plotino nas Confissões por conduzi-lo à verdade e até comparou os escritos de Plotino às Escrituras.)

A metafísica do neoplatonismo sustentava que havia uma série de princípios emanantes começando com uma Causa Não Causada, conhecida como o "Uno". Este "Uno" era a fonte de todo ser, toda vontade, toda atividade, todo pensamento, tudo - mas o "Uno" estava além de todas essas coisas. Segundo Plotino, não se poderia até mesmo atribuir pensamento ao "Uno" (ou qualquer outra coisa), porque o pensamento implica uma distinção entre o pensador e o objeto do pensamento e não há distinção no "Uno". O "Uno" é "totalmente simples" (isto é, a qualidade ou o estado de não ser complexo, de não ser constituído de "partes"). De alguma forma (nunca é realmente explicado), o "Uno" transborda em uma emanação e, assim, a causalidade é atribuída ao "Uno". Mas como não há distinções no "Uno", não há diferença entre causalidade e divindade. A primeira emanação é chamada "Pensamento", que causa a próxima emanação, a "Alma do Mundo" e a série de emanações continua.

O arianismo era neoplatônico. Identificou o Pai com o "Uno", o Filho / Logos com o "Pensamento" e o Espírito Santo com a "Alma do Mundo". Argumentando contra o arianismo, Agostinho aceitou as pressuposições neoplatônicas. Lendo o livro A Trindade, o leitor fica impressionado com o esforço de Agostinho de mostrar a igualdade do Filho com o Pai. (A preocupação é tão grande que o Espírito Santo parece ser em grande parte esquecido.) Muitas vezes, Agostinho mostra como o Filho é como o Pai em todos os aspectos, demonstrando que Pai, Filho e Espírito Santo eram todos equivalentes ao "Uno" neoplatônico.
Como o Pai tem vida em Si mesmo, assim Ele deu ao Filho para que tenha vida em Si mesmo.
 [A Trindade, 5.27.47]
Agostinho viu o Pai, Filho e Espírito Santo como existindo em uma Unidade de ser, vontade, atividade, pensamento, etc., conhecida como a "divindade", que era praticamente uma quarta pessoa. Ele chegou ao ponto de se referir à "Pessoa da Santíssima Trindade" [A Trindade, 2.10.8]! No entanto, o princípio da "simplicidade divina" permaneceu.
A divindade é a essência absolutamente simples e, portanto, ser é a mesma coisa que ser sábio. [A Trindade — A Trindade 7.1.2]
Mas essa "simplicidade divina" fez Agostinho subordinar pessoas aos atributos e os atributos à essência. Ele não hesita em confundir explicitamente as pessoas com atributos:
Os termos [Pai, Filho e Espírito Santo] são usados reciprocamente e em relação um ao outro. [A Trindade, 6.5.6]
Porque tanto o Pai é um espírito como o Filho é um espírito, e porque o Pai é santo e o Filho é santo, portanto ... uma vez que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um Deus, e certamente Deus é santo, e Deus é um espírito, a Trindade também pode ser chamada de Espírito Santo. [A Trindade, 5.11.12]
Não podemos dizer, com efeito, que o Espírito Santo não seja vida, pois o Pai é vida e o Filho é vida. Conseqüentemente, assim como o Pai tem a vida em si mesmo e concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo, assim concedeu-lhe que a vida dele proceda, como do Pai procede.  [A Trindade, 15.27.48]
Observe na última citação como Agostinho não apenas transmite a distinção pessoal de causalidade do Pai ao Filho por causa de um atributo compartilhado "vida", mas também faz do atributo compartilhado uma Pessoa Divina: o Espírito Santo. Assim, uma pessoa (o Espírito Santo) é confundida com um atributo comum (vida) a todas as três Pessoas Divinas.

Esse conceito de "simplicidade divina" cria um problema para Agostinho. Os nomes "Pai" e "Filho" expressam uma relação clara: o Pai é não-gerado e o Filho é gerado. Mas onde o Espírito Santo se encaixa? Não pode haver mais de um meio de geração de Pessoas divinas na divindade, pois isso seria uma distinção contrária à "simplicidade divina". Ou seja, devido a essa ênfase na essência simples, Agostinho concluiu que não poderia haver diferença entre 'gerar' [modo de origem do Filho a partir do Pai] e 'espirar' [modo de origem do Espírito a partir do Pai]. Mas se o Filho e o Espírito Santo forem ambos gerados pelo Pai pelos mesmos meios de geração, ambos serão filhos. A "solução" de Agostinho, concebida dentro da estrutura neoplatônica, foi brilhante - mas era a sabedoria da filosofia.

Usando o modelo neoplatônico, Agostinho enfatizou a igualdade do Filho com o Pai, tornando o Filho a causa de uma Pessoa divina, compartilhando assim o atributo de causalidade com o Pai e resolvendo o "problema" de distinguir entre o Filho e o Espírito Santo! O Espírito Santo foi tornando ontologicamente diferente do Filho: o filioque.
Assim se diz do Espírito Santo: não é somente do Pai e do Filho, mas também é nosso, posto que o recebemos. ... E se o que é dado tem como princípio aquele por quem é dado, pois não recebeu de outro o que dele procede, deve-se admitir que o Pai e o Filho são um só Princípio do Espírito Santo, e não dois princípios. Mas assim como o Pai e o Filho são um só Deus e em relação à criação um só Criador e um só Senhor, assim também de modo relativo quanto ao Espírito Santo são um só Princípio. E em relação à criação o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Princípio, como são um só Criador e um só Deus.  [A Trindade, 5.14.15]
Há um problema com esse raciocínio. Se o Pai é divino porque Ele causa o Filho, e o Filho é divino porque Ele causa o Espírito Santo, a série não deveria continuar? O Espírito Santo não é a causa de uma (quarta) Pessoa divina? Por que não continuar a série neoplatônica? Aqui Agostinho encontra um limite explícito da Revelação Divina: apenas três Pessoas Divinas foram reveladas. Agostinho executa outra manobra brilhante. Ele faz do Espírito Santo a fonte de unidade entre Pai e Filho.
Pela mesma razão, o Espírito Santo subsiste na mesma unidade e na mesma igualdade de substância. Com efeito, quer Ele seja a unidade, quer seja santidade, quer seja amor de ambos (do Pai e do Filho), ou que haja unidade porque há amor, e amor porque há santidade... O Espírito Santo é pois alguma coisa comum ao Pai e ao Filho, seja o que for. Mas essa comunhão é consubstancial e coeterna. Se for mais exato dar-lhe o nome de amizade, que se dê. Mas seria mais adequado chamá-lo de amor. [A Trindade 6.5.7]
Esta última citação, a infame definição de Santo Agostinho do Espírito Santo como o amor entre o Pai e o Filho, novamente manifesta a confusão de Agostinho de "pessoas" e "atributos" (amor).

Mas ainda há um problema com o raciocínio de Agostinho. Se o amor entre Pai e Filho estabelece outra Pessoa divina, não há razão para parar por aí. O amor entre o Pai e o Espírito Santo poderia ser uma quarta Pessoa divina; o amor entre o Filho e o Espírito Santo poderia ser uma quinta Pessoa divina; o amor entre o Pai e a quarta Pessoa poderia ser uma sexta Pessoa divina; etc. etc. ad infinitum. Ele rejeitou isso como "o mais absurdo" [A Trindade, 15.19.37] e recusou-se a ir além. 

Começando com um pressuposto filosófico pagão de "simplicidade divina" em vez da Revelação Divina, de onde sabemos que existem três Pessoas divinas em uma divindade, o Ocidente confundiu tanto as Pessoas divinas que a distinção delas se tornou sem importância. (A descendência do Catolicismo Romano, o Protestantismo, tende a ir mais longe, geralmente recorrendo a analogias claramente sabelianísticas, como as três formas de H2O (vapor, água, gelo) para explicar a Santíssima Trindade.)

Quando confrontados com isso:
A capacidade de "espirar" o Espírito Santo vem da divindade ou de uma Pessoa específica? Se vem de uma Pessoa específica então, qual? 
Os católicos romanos não sabem como responder. Para aqueles que reconhecem três Pessoas distintas que nos foram reveladas, fica claro que, se a capacidade de 'espirar' é atribuída à divindade, então há duas opções: 1) o Espírito Santo não é Deus (uma negação da Santíssima Trindade) [NT: Porque assim, diferente do Pai e do Filho, somente o Espírito Santo não tem a capacidade de 'espirar' outra Pessoa], ou 2) Ele tem o poder de 'espirar' a Si mesmo (um absurdo ridículo!). A resposta católica romana típica é alegar que o Pai deu todas as coisas ao Filho [Jo 3:35]. Certamente, eles admitem que isso não pode significar todas as coisas, pois o Pai não pode dar Sua Paternidade ao Filho (o que seria um absurdo!), mas eles se recusam a ver a Paternidade como a fonte do Espírito Santo.

Todo o ensino é baseado em uma tentativa tola de empregar a sabedoria humana para explicar o que é inexplicável. É algo confuso e enraizado em um deus concebido pelo homem (como dos neoplatonistas), e não no Deus de Abraão, Isaac, Jacó e Moisés, o Deus de Jesus Cristo.

Objeção 3: O filioque distorce o significado da pessoalidade dentro da Santíssima Trindade

A ontologia grega pagã ensinou que Deus é, primariamente, sua substância ou natureza. Hereges como os arianos e os nestorianos, trabalhando com esse pensamento grego pagão, ensinavam que a substância ou a natureza precedia a existência de Deus como Trindade, ou seja, como Três Pessoas. Essa é a mesma interpretação que prevaleceu no pensamento cristão ocidental, como pode ser visto pelo arranjo típico dos livros de teologia dogmática e sistemática. (Primeiro lida-se com a existência de Deus, depois com a natureza de Deus, depois com os atributos ou qualidades de Deus; tudo isso antes de abordar a existência da Trindade.)

Essa interpretação é importante na medida em que pressupõe, a priori, que o "princípio" ontológico de Deus não reside em uma Pessoa, mas na substância (essência/natureza), no "ser" de Deus. No Ocidente, isso levou à crença de que a unidade de Deus consiste na substância divina única.

Isso é uma distorção da teologia patrística. Entre os Padres, a unidade de Deus, a "causa" do ser e da vida de Deus consiste não na substância única de Deus, mas na Pessoa do Pai (Sua hypostasis). O Deus único não é a substância única, mas o Pai que gera o Filho e "espira" o Espírito Santo. Deus, portanto, não está sujeito a uma "necessidade" ontológica de existir. Deus existe porque o Pai existe, Aquele que por amor gera eterna e livremente o Filho e eterna e livremente "espira" o Espírito Santo.

Substância ou natureza não existe no vácuo, sem um modo de existência (isto é, uma hipóstase ou pessoa, uma individuação). A substância / natureza divina única é o ser de Deus apenas porque possui três modos de existência - Três Pessoas - que devem não à substância, mas à fonte (αρχή) das Três: o Pai. À parte da Santíssima Trindade, não há Deus, nem substância divina, porque o "princípio" ontológico de Deus é o Pai. Ao considerar alguma substância Divina como a fonte da Santíssima Trindade, a existência das Três Pessoas Divinas se torna uma espécie de necessidade lógica, minando assim a autonomia da Santíssima Trindade. No filioque, essa ênfase na semelhança da substância divina entre o Pai e o Filho resulta na subordinação do Espírito Santo. [4]


Objeção 4: A adição foi uma inovação. 

Existem muitos ensinamentos católicos romanos que explicitamente ensinam uma dupla processão.

O Décimo Primeiro Concílio de Toledo (Espanha) é a primeira tentativa organizada de fazer uma adição ao Símbolo da Fé. A linguagem vem diretamente de Agostinho, que havia repousado dois séculos e meio antes. 

O 11º Concílio de Toledo, 675
Cremos também que o Espírito Santo, que é a terceira pessoa na Trindade, é Deus um e igual com Deus Pai e Filho, da mesma substância e também da mesma natureza; todavia, não é gerado nem criado, mas procede de ambos e é o Espírito de ambos. Este Espírito Santo não é, conforme a fé, nem gerado nem não gerado, para que não apareça que, chamando-o não gerado, estejamos falando de dois Pais e, chamando-o gerado, estejamos pregando dois Filhos; todavia ele não é chamado Espírito só do Pai, nem só do Filho, mas ao mesmo tempo do Pai e do Filho. Não procede, de fato, do Pai no Filho, nem procede do Filho para santificar a criação, mas mostra-se que ele procedeu de ambos, já que é reconhecido como amor ou santidade de ambos.
Outras tentativas foram feitas, mas nenhuma jamais recebeu apoio do papa. O Libri Carolini, de Carlos Magno, emitido em resposta ao Sétimo Sínodo Ecumênico em 787, insistiu no uso do filioque (e se opôs aos ensinamentos do Sétimo Sínodo Ecumênico sobre os ícones). Os concílios locais realizados sob Carlos Magno defenderam o uso do filioque (Frankfurt, 794), decretaram que o filioque era necessário para a salvação (Aachen, 809) e solicitaram ao papa que autorizasse a adição do filioque ao Credo (Aachen, 810) embora eles já estivessem usando. (O papa Leão III recusou o pedido.)

Somente depois que o filioque foi aceito em Roma (1014), depois que o cardeal Humbert de cabeça quente excedeu sua autoridade ao excomungar o Patriarca de Constantinopla (1054) e depois da Revolução Papal (1075-1122) que o Catolicismo Romano tornou o filioque oficial. Isso ocorreu pela primeira vez no Quarto Concílio de Latrão em 1215, considerado pelo Catolicismo Romano como um concílio ecumênico.

O Quarto Concílio de Latrão, 1215, Uma definição contra os Albigenses e outros hereges. 
O Pai não <provém> de ninguém, o Filho só do Pai, o Espírito Santo de modo igual de um e de outro.
Depois disso, o filioque se tornou uma parte comum do Catolicismo Romano.

O 2º Concílio de Lyon, 1274, Constituição sobre a Processão do Espírito Santo
...declaramos que o Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho, não, porém, como de dois princípios, mas como de um só; não por duas espirações, mas por uma só.
O Concílio de Florença, 1438-45, Decreto para os jacobitas 
O Pai não é gerado; o Filho é gerado do Pai; o Espírito Santo procede do Pai e do Filho.
O Catecismo Romano (o catecismo oficial de 1566-1994), I.8.6 
Com relação às palavras  “que procede do Pai e do Filho”, como explicação, cumpre, pois ensinar os fiéis que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho como de um princípio único, numa eterna processão. Assim no-lo propõe a crer o cânon de fé da Igreja, do qual não pode o cristão apartar-se.
Vaticano I, 1869-70, Constituição dogmática sobre os principais mistérios da fé
Pois, desde toda a eternidade, o Pai gera o Filho, não produzindo por emanação outra essência igual à sua, mas comunicando sua própria essência simples. E de igual modo, o Espírito Santo procede, não por uma multiplicação da essência, mas ele procede por uma comunicação da mesma essência singular por uma espiração eterna do Pai e do Filho como de um princípio.
Nos últimos anos, o Catolicismo Romano 'suavizou' o filioque. Essa mudança de tom se reflete no Catecismo de 1994.

Catecismo da Igreja Católica (o novo catecismo oficial), 246
A tradição latina do Credo confessa que o Espírito «procede do Pai e do Filho (filioque). O Concílio de Florença, em 1438, explicita: «O Espírito Santo [...] recebe a sua essência e o seu ser ao mesmo tempo do Pai e do Filho, e procede eternamente de um e do outro como dum só Princípio e por uma só espiração [...] E porque tudo o que é do Pai, o próprio Pai o deu ao seu Filho Unigénito, gerando-O, com excepção do seu ser Pai, esta mesma procedência do Espírito Santo, a partir do Filho, Ele a tem eternamente do seu Pai, que eternamente O gerou».
Catecismo da Igreja Católica (o novo catecismo oficial), 248
A tradição oriental exprime, antes de mais, o carácter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito. Ao confessar o Espírito como «aquele que procede do Pai» (Jo 15, 26), afirma-se que Ele procede do Pai através do Filho. A tradição ocidental exprime, sobretudo, a comunhão consubstancial entre o Pai e o Filho, ao dizer que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (filioque).
Com essas declarações e o artigo de 1995 "As tradições gregas e latinas relativas à processão do Espírito Santo", o Catolicismo Romano provavelmente foi o mais longe quanto é possível sem repudiar os concílios que considera ecumênicos. Infelizmente, devido ao entendimento do Catolicismo Romano de sua "autoridade de ensino" (magistério) em conjunto com a crença na infalibilidade do Catolicismo Romano, ele é incapaz de repudiar essas afirmações anteriores, mesmo depois de reconhecê-las erradas.

Por mais que os Cristãos Ortodoxos apreciem o afastamento do Catolicismo Romano dos aspectos mais radicais do filioque e de sua afirmação do Pai como a fonte última da Santíssima Trindade, expressões como "O Espírito Santo é eternamente do Pai e do Filho" e "Ele procede eternamente de ambos" permanecem problemáticas. Essas declarações reafirmam uma subordinação do Espírito Santo ao Pai e ao Filho e são, portanto, inaceitáveis.

O artigo acima mencionado do L'Osservatore Romano é um exemplo típico dessas tentativas recentes de se distanciar dos ensinamentos explícitos e antigos de uma dupla processão. O argumento do artigo é facilmente resumido: embora a palavra grega <ekporeuomai> (εκορευσις), que em latim é traduzida como <procedit>, "pode caracterizar apenas uma relação de origem com o princípio", <procedit> pode se referir a uma origem última ou uma origem intermediária. 

De fato, o documento do Vaticano afirma que a tradução em latim do Símbolo da Fé é realmente o equivalente a: 
Cremos no Espírito Santo, o Senhor e Doador da Vida, que é enviado do Pai e do Filho ...
O problema com essa interpretação deve ser óbvio. Primeiro, é uma clara mudança do significado original. Mesmo para aqueles que podem não entender que <ekporeuomai> (εκορευσις) só pode se referir à origem última (e, como o Espírito Santo é eterno, deve se referir à Sua origem eterna), deve ficar claro que [essa interpretação] elimina o paralelo com a explicação do Símbolo sobre o origem do Filho ('um só Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito, eternamente gerado pelo Pai').

O símbolo declara o que cremos sobre a origem última do Filho. Não faz sentido lógico que também declare o que cremos sobre a origem última do Espírito Santo, em vez do envio dEle ao mundo em um momento específico no tempo?

A adição do filioque foi uma violação do antigo princípio estabelecido por São Vicente de Lerins (?- 450 d.C.):
Na própria Igreja Católica, todo cuidado deve ser tomado para que possamos manter o que tem sido crido em todos os lugares, sempre e por todos. Isto é o verdadeira e propriamente católico. [Os Escritos, ca. 434 d.C.] 
O filioque certamente não era e não é algo crido "em todos os lugares, sempre e por todos". A Igreja Católica Romana, ao adotar algo que não é "verdadeira e propriamente católico", perdeu sua pretensão de ser "Católica".

Objeção 5: A adição do filioque foi arbitrária. 

Até mesmo historiadores e teólogos católicos romanos agora admitem que a adição do filioque foi feita arbitrariamente, sem consultar o Oriente. O filioque expressou uma nova crença que não fazia parte daquilo que era crido 'em todos os lugares, sempre e por todos'. Como Alexei Khomiakov escreveu em A Igreja é Una:
Portanto, o orgulho da razão e da sua autoridade ilegal, em oposição ao decretado pela totalidade da Igreja (pronunciado no Concílio de Efeso), destinado a considerar como certo o direito a adicionar as suas próprias explicações e hipóteses humanas ao Símbolo de Nicéia-Constantinopla, é em si próprio uma infração à santidade e inviolabilidade da igreja. Assim como o próprio orgulho das igrejas separadas que ousaram alterar o Símbolo da Igreja sem o consentimento dos seus irmãos foi inspirado pela falta de amor, e foi um crime contra Deus e a Igreja, assim também as suas cegas sabedorias que não compreenderam os mistérios de Deus, constituíram uma distorção da Fé, porque a Fé não é preservada onde o amor decaiu. 
Respostas a argumentos em apoio ao filioque

Nesta seção, examinaremos os argumentos usuais apresentados pelos apoiadores do filioque. A primeira parte da seção será um exame dos argumentos "lógicos". A segunda parte analisará trechos retirados dos escritos patrísticos que os apologistas do filioque apresentam como textos de prova (NT: textos de prova "proof-texts" é a prática de usar citações isoladas para provar algum argumento). Não surpreendentemente, Agostinho e outros escritores ocidentais são as fontes patrísticas mais citadas. Mas como já demonstramos que Agostinho é duvidoso como fonte ortodoxa de teologia da Santíssima Trindade, não examinaremos seus textos nesta seção. Nem examinaremos os textos daqueles escritores que seguiram os passos de Agostinho. Em vez disso, limitaremos nosso exame a escritores orientais, já que os apologistas do filioque acham que esses deveriam ter maior peso para os Cristãos Ortodoxos.

Devem ser observados três avisos sobre citações patrísticas:

1. Assim como é bastante fácil fazer textos de prova a partir das Escrituras, também é bastante fácil fazer o mesmo com os escritos patrísticos. Freqüentemente, esses textos de prova são retirados do contexto e / ou aplicados incorretamente ao tópico. Não é preciso olhar muito longe para ver como várias denominações protestantes usam textos de prova para apoiar crenças mutuamente exclusivas.

2. Os Cristãos Ortodoxos não consideram nenhuma pessoa como infalível em questões de dogma. Não é difícil encontrar casos em que os Padres tenham cometido um erro sobre uma coisa específica. (É claro que, se os erros forem graves ou numerosos, o ele não se qualifica como "Padre".) Os Cristãos Ortodoxos buscam encontrar o consenso dos Padres. Em questões não-dogmáticas, isso pode ser muito difícil, pois os Padres podem ter uma grande variedade de opiniões. Mas, nos casos de dogma, geralmente é fácil encontrar o que se tem crido "em todos os lugares, sempre e por todos", isto é, universalidade, antiguidade e consentimento. As opiniões limitadas a uma região (por exemplo, o Ocidente), que se desenvolveram após a Era Apostólica, ou que não são mantidas pela maioria dos Padres, não atendem aos padrões para um dogma.

3. Estes textos são apresentados em inglês para falantes de inglês (NT: neste caso, traduzido para o português a partir do inglês). Eles são traduções. Sem examinar a passagem em sua língua original e em contexto, pode ser fácil interpretar incorretamente esses textos. Se alguém lendo eles pudesse fornecer o grego original para as seguintes passagens, este autor ficaria muito grato.

Antes de prosseguir, deve-se notar que, nos escritos dos Padres Orientais, freqüentemente se encontra a fórmula "o Espírito Santo procede do Pai através do Filho". [5] Essa fórmula é considerada perfeitamente ortodoxa pelos Cristãos Ortodoxos. É testemunha do fato de que nenhuma das Pessoas Divinas age à parte das outras; elas compartilham a única vontade divina.

Uma analogia comum é que, como homem, ao vocalizar uma palavra exala sopro/hálito/respira, o Pai, ao falar (ao gerar) a Palavra exala (espira) o Espírito Santo (a palavra grega para "sopro", ρνεύμα também significa "espírito"). Essa analogia demonstra tanto a distinção entre o Filho e o Espírito Santo quanto sua inseparabilidade. Também demonstra que o Filho e o Espírito Santo são do Pai e não criações do Pai.

Quando os Padres testificam que o Espírito Santo é o "Espírito de Deus", assim como o "Espírito de Cristo", eles querem dizer que o Espírito Santo tem Sua origem eterna e existencial no Pai, embora seja inseparavelmente um com o Filho com quem Ele (o Espírito Santo) é naturalmente unido e da mesma essência. Em outras palavras, o Espírito Santo tem Sua "processão perfeita" (a frase é de São Cirilo de Alexandria) do Pai e se une ao Filho em unidade por causa de sua essência compartilhada (sua consubstancialidade). É a consubstancialidade das Três Pessoas divinas que está sendo expressa ou, como diz São Máximo, o Confessor: "a unidade e a imutabilidade da Essência Divina".

Os apologistas do filioque frequentemente afirmam que "procede do Pai e do Filho" é equivalente a "procede do Pai através do Filho". Embora "e do" [and] e "através do" [through] possam às vezes ser sinônimos em inglês, em grego "através do" (διά) e "e do"(και) nunca são sinônimos. "Através do" (διά) nunca significa um efeito contributivo; significa "tunelamento" ou "canalização", enquanto "e" (και) geralmente significa "copulativo" (isto é, uma união que expressa uma adição) e algumas vezes também um efeito cumulativo (isto é, uma adição que implica uma insuficiência por parte dos elementos separadamente). Em suma, διά sempre exclui adição; και sempre significa adição. As palavras são mutuamente exclusivas.

ARGUMENTO: Assim como o Pai enviou externamente o Filho ao mundo no tempo, o Filho procede internamente do Pai na Trindade. Assim como o Espírito é enviado externamente ao mundo pelo Filho e pelo Pai [João 15:26, Atos 2:33], ele procede internamente do Pai e do Filho na Trindade. É por isso que o Espírito é chamado de "Espírito do Filho" [Gl. 4: 6] e não apenas o Espírito do Pai.

RESPOSTA: A frase "Espírito do Filho" [Gl 4: 6], "Espírito de Cristo" [Rm 8: 9 e 1 Pedro 1:11] e "Espírito de Jesus Cristo" [Fp 1:19] não fala da origem, e muito menos da origem existencial, como João 15:26. Todos os seres têm "espíritos". O Espírito do Filho, Aquele que é consubstancial ao Pai e ao Espírito Santo, deve ser o Espírito Santo, para que não separe o Filho e o Espírito Santo. Isso não significa, porém, que o Filho seja a origem existencial do Espírito Santo. Como explicado acima, se eu der uma luva de beisebol Rawlings ao meu filho, ele poderá dizer aos outros que recebeu a luva de mim, mas a origem última da luva é a Rawlings. Da mesma forma, podemos dizer que recebemos o Espírito Santo do Filho (porque o Filho O enviou), mas a origem última do Espírito Santo é o Pai. Posse não é o mesmo que origem existencial.

ARGUMENTO: Todas as coisas que o Pai tem pertence ao Filho [João 16:15] e, portanto, a capacidade do Pai de "fazer proceder" o Espírito Santo é dada ao Filho.

RESPOSTA: Aqueles que usam esse argumento devem admitir que isso não pode significar todas as coisas, pois o Pai não pode dar Sua Paternidade ao Filho (o que seria um absurdo!), mas uma vez que eles fazem a substância divina a fonte da Santíssima Trindade, eles falham em entender a natureza da Paternidade - aquilo que faz do Pai a fonte (αρχή) do Filho e do Espírito Santo.

ARGUMENTO: Que o Espírito Santo vem do Filho pode ser visto em João 20:22: "E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo."

RESPOSTA: Este argumento ignora a diferença entre a origem eterna do Espírito Santo e Sua vinda temporal ao mundo. O Espírito Santo não foi "espirado" pela primeira vez no Cenáculo, mas existe eternamente. Uma vez reconhecida essa distinção, fica claro que essa passagem fala da vinda do Espírito Santo ao mundo (Sua origem temporal) e não se refere à Sua origem eterna e existencial. Este versículo, no entanto, testemunha a fórmula "o Espírito Santo procede do Pai através do Filho" porque o Espírito Santo vem a nós através do Senhor Jesus Cristo.

ARGUMENTO: É simplista demais dizer que o Filho não dá existência a outros. João 1: 3 declara: "Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez." Isso é reafirmado no próprio Credo Niceno, que deixa claro que a criação é obra de Pai e Filho. De fato, os cristãos do Oriente e do Ocidente reconhecem que todas as três pessoas da Trindade estão envolvidas na obra da criação (veja Gênesis 1: 1-3).

RESPOSTA: Esse argumento foi incluído porque, por incrível que pareça, é freqüentemente encontrado nos argumentos apresentados em apoio ao filioque. Os Católicos Romanos defendendo o filioque (auto-descritos como "tradicionalistas e / ou conservadores") escreveram estas passagens:
... a processão no mundo temporal deve ser através do Filho (e, como tal, de ambos simultaneamente) porque toda a criação temporal é através do Filho, ou Logos.
Toda criação temporal é através do Logos, e toda processão no mundo temporal é através do Logos, "como de um princípio". Mesmo assim, (a partir) do Pai, em última instância, que cria tudo, inclusive o Filho gerado.
"do Pai e do Filho, como de um princípio", implica a necessidade do Filho, do qual toda a criação depende, para a processão ao mundo temporal. Em última análise, a questão é: existe ou pode o Espírito existir ou surgir no mundo temporal sem a participação do Logos? Dizemos que não, porque a totalidade da criação temporal, é revelado, é através da Palavra.
Esse argumento é incrível porque João 1: 3 (assim como aquilo que está no Credo de Nicéia) ensina que "através do Filho" toda a criação foi criada. O Espírito Santo não é uma criação, Ele é eternamente Deus. Qualquer pessoa que ensina que o Espírito Santo está incluído naquelas coisas que "vieram a ser", conforme mencionado em João 1: 3, não pode ser considerado cristão. Tal argumento está na mesma categoria das afirmações dos Testemunhas de Jeová de que o Filho é criado como "um deus".

ARGUMENTO: Se a dupla processão for negada, não fica claro como devemos distinguir entre a Palavra e o Espírito, entre a Segunda e a Terceira Pessoa da Trindade. Distinguimos o Pai e o Filho, mesmo que sejam co-eternos, co-iguais e omni-perfeitos, em virtude do fato de que um gera e o outro é gerado - ou seja, o ser de um é derivado do ser do Outro. Mas se dizemos que o Filho é derivado somente do Pai, e que o Espírito é derivado somente do Pai, como o Filho e o Espírito são diferentes? De fato, podemos dizer que foi a Segunda Pessoa, não a Primeira ou a Terceira, que se fez carne para nossa salvação na Pessoa de Jesus de Nazaré. Mas isso não responde à pergunta em questão, pois a distinção das Pessoas divinas deve situar-se na natureza da divindade, não na relação de Deus com um universo que Ele não precisava ter criado.

RESPOSTA: Este argumento foi retirado, literalmente, de um defensor do filioque. Obviamente, é o problema explicado na Objeção #2 acima, onde a "sabedoria" (filosofia) humana tem precedência sobre a Revelação Divina. Em vez de reafirmar todos os problemas desse argumento, lembremos simplesmente a afirmação de São João de Damasco:
Aprendemos que há uma diferença entre geração e processão, mas a natureza da diferença de modo algum entendemos. - São João de Damasco
ARGUMENTO: A primeira declaração distinta sobre o Espírito Santo que encontramos no Credo é que Ele é o Doador da Vida. Agora, o que significa dar vida? Qual é a diferença entre um gato morto e um gato vivo? Um corpo morto pode ter todas as partes que um ser vivo possui, mas em um corpo vivo as partes estão interagindo, cada uma delas desempenhando sua função distintiva para o bem de todo o corpo. A vida de um organismo, o espírito de um organismo, é a "cola" que une as partes em um todo integrado. Assim, na Igreja, é o Espírito que dá a cada membro uma função a ser desempenhada para a vida aprimorada de todo o Corpo de Cristo, e dá os dons necessários para realizar essa função. Nem todos os membros recebem os mesmos dons; mas, como o apóstolo Paulo aponta para os coríntios, o dom disponível para todos os membros também é o dom mais a ser desejado, e esse é o dom do amor, pelo qual todo o corpo é unido, sendo todos os membros unidos no amor por Cristo e uns pelos outros. Assim, se alguém perguntar qual é a atividade especial do Espírito Santo, devemos responder que é unir no amor. E se é da natureza do Espírito unir as coisas, podemos ter certeza de que Ele vem realizando essa atividade por toda a eternidade. Antes de haver uma Igreja, antes de haver vida física de qualquer espécie, o Espírito era o vínculo de amor e unidade entre o Pai e o Filho. Desde toda a eternidade, independentemente de qualquer ser criado, Deus é o Amante, o Amado e o próprio Amor. E o vínculo de união e amor que existe entre o Pai e o Filho procede do Pai e do Filho.

RESPOSTA: Este argumento também foi retirado de um defensor do filioque. O erro de subordinar o Espírito Santo a um vínculo de amor entre o Pai e o Filho já foi abordado. Há um segundo erro no argumento acima: equiparar o Espírito Santo a um membro da Igreja. O Espírito Santo é Deus, não um membro da Igreja. 

CITAÇÕES

Tertuliano, Contra Práxeas, 4: 1
Creio que o Espírito não procede de outra maneira senão do Pai através do Filho.
Esta é a fórmula oriental típica "através do Filho" discutida acima.

Deve-se notar que, sempre que Tertuliano é citado, é preciso examinar de qual dos três períodos de sua vida a citação é feita: seu período ortodoxo, seu período semi-montanista (uma heresia) ou seu período montanista. Seu Contra Praxeas é do período montanista de Tertuliano. Uma vez que Tertuliano morreu herege, ele não é considerado um Padre da Igreja.

Orígenes, Comentários sobre João, 2: 6
Cremos, no entanto, que existem três pessoas: o Pai e o Filho e o Espírito Santo; e cremos que ninguém é não-gerado, exceto o Pai. Nós admitimos, como mais piedoso e verdadeiro, que todas as coisas foram produzidas através da Palavra, e que o Espírito Santo é o mais excelente e o primeiro na ordem de tudo o que foi produzido pelo Pai através de Cristo.
Como Tertuliano, Orígenes foi julgado pela Igreja como herege e não é considerado Padre da Igreja. O exposto acima é claramente herético, reduzindo o Espírito Santo a ser o primeiro da criação, ou seja, uma criatura. Pelo contrário, o Espírito Santo é Deus incriado.

São Máximo, o Confessor, Perguntas a Talassium, 63 [6]
Por natureza, o Espírito Santo em seu ser toma substancialmente sua origem do Pai através do Filho que é gerado.
Esta é a fórmula típica do Oriente, "através do Filho".

São Gregório, o Taumaturgo, Confissão de Fé
Um Deus, o Pai da Palavra viva, da Sabedoria e Poder subsistentes, e da Imagem Eterna. Gerador Perfeito do Perfeito, Pai do Filho unigênito. Um Senhor, Único, Deus de Deus, Imagem e Semelhança da Divindade, Palavra Eficiente, Sabedoria compreendendo a constituição do universo, e Poder moldando toda a criação.Filho genuíno do Pai genuíno, invisível de invisível e incorruptível de incorruptível, imortal de imortal e eterno de eterno. E um Espírito Santo, tendo substância de Deus, e que se manifesta [aos homens]* através do Filho; Imagem do Filho, Perfeito do Perfeito; Vida, a causa da vida; Fonte Santa; Santidade, o distribuidor da santificação; em quem se manifesta Deus Pai, que está acima de tudo e em todos, e Deus Filho, que está em todos. Trindade perfeita, em glória, eternidade e soberania, nem dividida nem separada.
* (A frase entre colchetes acima é considerada uma adição editorial posterior.)
"... que se manifesta através do Filho" significa que é através do Filho que o Espírito Santo é apresentado aos homens. Isso não tem nada a ver com a origem eterna do Espírito Santo. Refere-se à Sua origem temporal, conforme descrito em João 20:22.

Dídimo, O Cego, O Espírito Santo, 37
Como entendemos as discussões. . . sobre as naturezas incorpóreas, também agora deve ser reconhecido que o Espírito Santo recebe do Filho aquilo que ele era de sua própria natureza. . . Diz-se também que o Filho recebe do Pai as próprias coisas pelas quais ele subsiste. Pois nem o Filho tem outra coisa senão as coisas que lhe foram dadas pelo Pai, nem o Espírito Santo tem outra substância além daquela que lhe foi dada pelo Filho.
Dídimo, o Cego, seguiu Orígenes em muitos de seus ensinamentos sobre a criação. Como Orígenes, seus escritos foram condenados como heréticos. Por esse motivo, ele não é um Padre e não é considerado uma fonte confiável de doutrina. Essa passagem parece ser neoplatônica, na medida em que parece ecoar a identificação de causalidade (feita também por Agostinho) como o atributo definidor da divindade. O exposto acima apresenta o Pai como a causa do Filho e o Filho como a causa do Espírito Santo, ou seja, uma pluralidade de esferas do ser, dispostas em ordem hierárquica descendente, cada esfera sendo derivada do seu superior. Se este é um entendimento preciso do exposto, a passagem deve ser rejeitada como herética.

Santo Atanásio, para Serapião de Thmius
Na medida em que entendemos o relacionamento especial do Filho com o Pai, também entendemos que o Espírito tem esse mesmo relacionamento com o Filho. E como o Filho diz: "Tudo quanto o Pai tem é meu" [João 16:15], descobriremos todas essas coisas também no Espírito através do Filho. E assim como o Filho foi anunciado pelo Pai, que disse: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" [Mt 3:17], assim também é o Espírito do Filho; pois, como diz o apóstolo, "Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai." [Gl 4: 6]
Já falamos sobre a passagem de João 16:15. "Anunciar" obviamente não é equivalente a origem existencial. Também abordamos anteriormente a passagem de Gl 4: 6 e passagens semelhantes que falam do 'Espírito do Filho'.

Santo Epifânio de Salamis, O Homem Bem Ancorado, 8, 75
Pois o próprio Unigênito o chama de 'Espírito do Pai' e diz Dele que 'Ele procede do Pai' e 'há de receber do que é meu', de modo que Ele é considerado como não sendo estranho nem ao Pai nem ao Filho, mas é da mesma substância, da mesma divindade; Ele é Espírito divino ... de Deus, e Ele é Deus. Pois ele é Espírito de Deus, Espírito do Pai e Espírito do Filho, não por algum tipo de síntese, como alma e corpo em nós, mas no meio do Pai e Filho, do Pai e do Filho, um terceiro por denominação. ... O Pai sempre existiu e o Filho sempre existiu, e o Espírito sopra do Pai e do Filho; e nem o Filho é criado nem o Espírito é criado.
Epifânio de Salamis é considerado um santo ortodoxo principalmente por seu trabalho como pastor de seu rebanho. Ele não é um "Padre" da Igreja. A maior parte da passagem acima aborda a consubstancialidade do Pai, Filho e Espírito Santo. A única frase que pode suportar o filioque é 'o Espírito sopra do Pai e do Filho'. Seria útil estudar no idioma original. No entanto, como εκορευσις é convencionalmente traduzido como 'procede', ao passo que essa passagem emprega 'soprar', parece improvável que εκορευσις seja usado. O fato de o Espírito Santo ser 'soprado' do Filho (veja João 20:22) refere-se à missão temporal do Espírito Santo no mundo, não à Sua origem eterna.

Santo Epifânio de Salamis, Panarion, 62: 4
O Espírito está sempre com o Pai e o Filho, ... procedendo do Pai e recebendo do Filho, não estranho ao Pai e ao Filho, mas da mesma substância, da mesma Divindade, do Pai e do Filho, Ele está com o Pai e o Filho, Espírito Santo sempre subsistente, Espírito divino, Espírito de glória, Espírito de Cristo, Espírito do Pai. ... Ele é o terceiro em denominação, igual em divindade, não diferente em comparação com Pai e Filho, conectando Vínculo da Trindade, Selo Ratificante do Credo.
Como a passagem anterior do mesmo santo, a idéia dessa passagem é a consubstancialidade da Santíssima Trindade. Santo Epifânio não afirma que o Espírito Santo procede do Filho - apenas o Pai é apresentado como a fonte da processão do Espírito Santo, isto é, a fonte eterna e existencial do Espírito Santo. Santo Epifânio afirma que o Espírito Santo "recebe" do Filho. Embora essa passagem não explique o que o Espírito Santo recebe do Filho, o ensino ortodoxo é que o Espírito Santo é eternamente manifestado pelo Filho. Visto que seria apropriado, portanto, afirmar que o Espírito Santo recebe Sua eterna manifestação do Filho, não há nada nesta passagem a que os Cristãos Ortodoxos se oporiam.

São Basílio, o Grande, Sobre o Espírito Santo, 18:45
Através do Filho, que é um, ele [o Espírito Santo] se une ao Pai, um é um, e por Si mesmo completa a Santíssima Trindade. 
Esta é a fórmula típica do Oriente, 'através do Filho'. Deve-se notar que o objetivo de São Basílio, o Grande, na obra Sobre Espírito Santo, era demonstrar contra os Pneumatomachoi (literalmente 'combatentes do Espírito') que o Espírito Santo era uma Pessoa divina na Santíssima Trindade. Os Pneumatomachoi foram anatemizados no Segundo Sínodo Ecumênico em 381.

São Basílio, o Grande, Sobre o Espírito Santo, 18:47
A bondade da natureza [divina], a santidade [dessa] natureza e a dignidade real chegam do Pai através do [Filho] unigênito ao Espírito Santo. Visto que confessamos as pessoas dessa maneira, não há violação do santo dogma da monarquia.
Novamente, essa é a fórmula oriental típica, 'através do Filho'.

São Gregório de Nissa, contra Eunômio, 1
O Pai transmite a noção de sem origem, não-gerado, e Pai sempre; o Filho unigênito é entendido junto com o Pai, vindo Dele, mas inseparavelmente unido a Ele. Através do Filho e com o Pai, imediatamente e antes que qualquer conceito vago e infundado se interponha entre eles, o Espírito Santo também é percebido conjuntamente.
Novamente, essa é a fórmula oriental típica, 'através do Filho'.

São Gregório de Nissa, Carta a Ablabius
Embora confessemos a invariabilidade da natureza [divina], não negamos a distinção da causa e do causado, pela qual [apenas] percebemos que uma pessoa se distingue de outra, em nossa crença de que uma coisa é a causa e outra vem da causa; e naquilo que vem da causa, reconhecemos ainda outra distinção. Uma coisa é ser diretamente da Primeira Causa, e outra é ser através dAquele que é diretamente da Primeira; assim, a distinção de ser unigênito permanece indubitavelmente no Filho, nem é duvidoso que o Espírito seja do Pai; pois a posição intermediária do Filho protege sua distinção como unigênito, mas não exclui o Espírito de sua relação natural com o Pai.
Novamente, esta é a fórmula típica do Oriente, "através do Filho", embora com muito mais palavras. 

São Cirilo de Alexandria, Tesouro da Santíssima e Trindade Consubstancial, tese 34
Uma vez que o Espírito Santo, quando Ele está em nós, efetua nossa conformidade com Deus, e Ele realmente procede do Pai e do Filho, é abundantemente claro que Ele é da Essência Divina, nela em essência e procedendo dela.
À primeira vista, essa passagem parece apoiar o filioque. No entanto, São Cirilo também ensinou que o Espírito Santo tinha Sua 'processão perfeita' do Pai. Os escritos de São Cirilo foram amplamente discutidos durante a controvérsia filioque que eclodiu durante o patriarcado de Gregório II de Chipre (1283-1289). O Sínodo de Blachernae (1285) concluiu que São Cirilo tratava da consubstancialidade da Santíssima Trindade ao invés da origem eterna e existencial do Espírito Santo.

Interessantemente, essa mesma interpretação de São Cirilo de Alexandria sobre João 21 é freqüentemente usada contra as alegações da Igreja Católica Romana de que São Pedro foi feito líder sobre os apóstolos. A resposta usual dos Católicos Romanos é que a "frase solitária de São Cirilo não tem peso contra a esmagadora autoridade patrística" que se opõe a ela. Certamente, o mesmo poderia ser dito se de fato esta frase solitária de São Cirilo apóia o filioque. Seria necessário examinar ela no idioma original para se ter certeza.

São Cirilo de Alexandria, Cartas, 3: 4: 33
Assim como o Filho diz 'Tudo quanto o Pai tem é meu' [João 16:15], também descobriremos que através do Filho tudo também está no Espírito.
Novamente, essa é a fórmula oriental típica, 'através do Filho'.

São Cirilo de Alexandria, Os Doze Anátemas, Erro 9

Não devemos dizer que o único Senhor Jesus Cristo foi glorificado pelo Espírito, de maneira a sugerir que, através do Espírito, ele fez uso de um poder estranho a Si mesmo, e do Espírito recebeu a capacidade de trabalhar contra espíritos imundos e realizar sinais divinos entre os homens; mas devemos dizer que o Espírito, através do qual Ele realmente operou Seus sinais divinos, é dele.

Esta passagem aborda a consubstancialidade das Três Pessoas divinas.

São João de Damasco, Exposição da Fé Ortodoxa, 8
Do mesmo modo cremos também num único Espírito Santo, Senhor vivificante... proclamado Deus juntamente com o Pai e o Filho, incriado, perfeito, criador, dominador, ativo, todo-poderoso, de um poder sem limites, governante e mestre de toda criação, nunca governado, que preenche tudo e que nada pode conter, participado, mas nunca participante, santificante e não santificado, consolador por acolher as preces de todos, em tudo semelhante ao Pai e ao Filho, procedente do Pai, comunicado através do Filho. 
Novamente, essa é a fórmula oriental típica, 'através do Filho'.

São João de Damasco, Exposição da Fé Ortodoxa, 12
E o Espírito Santo é o poder do Pai, revelando os mistérios ocultos de Sua Divindade, procedendo do Pai através do Filho, de uma maneira conhecida por Ele mesmo, mas diferente da geração.
Novamente, essa é a fórmula oriental típica, 'através do Filho'.

São João de Damasco, Diálogo contra os maniqueus, 5
Eu digo que Deus é sempre Pai, pois ele sempre tem sua Palavra [o Filho] vindo dEle e, através da sua Palavra, o Espírito emanando Dele.
Novamente, essa é a fórmula oriental típica, 'através do Filho'.

Assim, uma vez examinada a "preponderância" do suporte patrístico ao filioque, as alegações dos apoiadores do filioque se mostram inexistentes. É verdade que muitos escritores latinos endossaram o filioque, mas foram pegos na onda da influência desproporcional de Agostinho no Ocidente.

Para concluir esta seção e o ensaio, vejamos esta explicação de São Gregório Palamas (de sua Confissão). É uma das expressões mais sucintas e precisas da relação do Espírito Santo com o Pai e o Filho em todos os escritos patrísticos.
Por um lado, o Espírito Santo é, juntamente com o Pai e o Filho, sem começo, já que Ele é eterno; todavia, por outro lado, Ele não é sem começo, já que Ele também - por meio da processão, não por meio da geração - tem o Pai como fundamento, fonte e causa. Ele também [como o Filho] saiu do Pai antes de todas as eras, sem mudança, impassivelmente, não por geração, mas por processão; Ele é inseparável do Pai e do Filho, pois procede do Pai e repousa no Filho; Ele possui união sem perder Sua identidade e divisão sem envolver separação. Ele também é Deus de Deus; Ele não é diferente, pois Ele é Deus, mas Ele é diferente, pois Ele é o Consolador; como Espírito, Ele possui existência hipostática, procede do Pai e é enviado - isto é, manifestado - através do Filho; Ele também é a causa de todas as coisas criadas, uma vez que é no Espírito que elas são aperfeiçoadas. Ele é idêntico e igual ao Pai e ao Filho, com exceção da não-geração [do Pai] e da geração [do Filho]. Ele foi enviado - isto é, se fez conhecido - do Filho para Seus próprios discípulos. Por quais outros meios Ele - o Espírito que é inseparável do Filho - poderia ter sido enviado? Por quais outros meios Ele poderia - Ele que está em toda parte - vir até mim? Portanto, Ele é enviado não apenas do Filho, mas do Pai e através do Filho, e se manifesta através de Si mesmo.
Por Thomas Ross Valentine (original)
NOTAS

[1] Nota do tradutor: Tornou-se comum entre os teólogos e historiadores afirmar que a adição do filioque ao Credo ocorreu pela primeira vez em Toledo (Espanha) para combater a heresia ariana. No entanto, há um bom artigo (em inglês) que questiona essa narrativa e diz que os Atos do Concílio foram adulterados posteriormente e o filioque adicionado. Hieromonge Enoch:  Tampering with the AD 589 Acts of Toledo and the Filioque:  A Centuries Old Slander (aqui)

[2] Nota do tradutor: Sobre o Oitavo Concílio Ecumênico (que condenou o filioque e que foi aceito por alguns séculos pela Igreja de Roma) veja os seguintes artigos: 

Dr. David Ford: São Fócio o Grande, o Concílio Fociano e as relações com a Igreja Católica Romana (aqui)

Pe. George Dion. Dragas: Oitavo Concílio Ecumênico: Constantinopla IV (879/880) e a Condenação da Adição e Doutrina do Filioque (aqui)

[3] Nota do tradutor: afirmar que Santo Agostinho é o "criador do filioque" é justo e injusto. Há trechos em seus livros que Santo Agostinho claramente nega o filioque hipostático (o Filho como fonte ontológica do Espírito) mas também há passagens do De Trinitate que são no melhor caso ambíguas. Na verdade, a teologia trinitária de Santo Agostinho não é o seu forte, é mesmo precária - vaga e imprecisa - se comparada aos Padres Capadócios. Sendo assim, ele será a pai do filioque na medida em que as gerações seguintes fizeram isto dele, porque o Ocidente era um deserto de Padres e Agostinho a única referência em tudo.

[4] Nota do tradutor: Sobre como a doutrina do filioque causa uma subordinação da Pessoa do Espírito Santo, veja o artigo:  Jay Dyer: O Filioquismo é uma subordinação Ariana aplicada ao Espírito (aqui)

[5] O Patriarca Gregório II de Constantinopla, também conhecido por Gregório II de Chipre, presidiu um concílio (de Blachernae), onde foi explicado o entendimento ortodoxo da expressão "o Espírito Santo procede do Pai através do Filho". Sobre isso Pe. John W. Morris escreveu:
O Concílio de Blachernae de 1285 aprovou um Tomos escrito por Gregório que declarou heresia ensinar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, o filioque. No Tomos aprovados pelo concílio, Gregório escreveu: “o Pai é o fundamento e a fonte do Filho e do Espírito, a única fonte da divindade e a única causa”. O documento expulsou da Igreja aqueles que ensinavam que o Filho tem parte “na causalidade do Espírito”. Gregório argumentou que aqueles que entendem o ensinamento de alguns Padres que o Espírito Santo procede “do Pai através do Filho" como significando o mesmo que aqueles que ensinam que o Espírito Santo procede “do Pai e do Filho" falham em entender a distinção entre as palavras "do" e "através do". A expressão "através do Filho" significa a “manifestação e iluminação [do Espírito pelo Filho]" e não a emanação do Espírito ao ser [NT: isto é, "através do Filho" não significa a origem ontológica do Espírito, a origem do Seu ser por emanação]. Portanto, Gregório raciocina que a expressão “do Pai através do Filho” deve ser entendida como significando que o Filho manifesta eternamente o Espírito Santo.

Nota do tradutor: ainda sobre o Concílio de Blachernae e Patriarca Gregório II de Chipre, A. Papadakis escreve em seu artigo "Beyond the Filioque Divide: The Late Thirteenth Century Revisited":

Certamente, nas deliberações de 1285 o assunto se tornou mais complicado quando a questão se voltou para o esclarecimento da ideia patrística de processão "do Pai através do Filho". Desde o início, a questão foi ofuscada pela posição do campo ultra-conservador com sua abordagem Fociana, que insistia em situar a misteriosa relação entre o Filho e o Espírito dentro da economia divina. Como foi enfatizado anteriormente, a formulação patrística neste contexto foi entendida primariamente, soteriologicamente, como uma referência à missão do Espírito no tempo, à sua atividade no mundo. A possibilidade de que ela pudesse implicar uma relação eterna, em vez de um envio temporal do Espírito pelo Filho encarnado, foi ignorada. A evidência em questão, simplesmente, nada tinha a ver com a eterna emanação do Espírito à existência: ela era uma referência apenas à sua atividade econômica dentro da história.

Ainda assim, Gregório não se sentiu à vontade com esta exegese tradicional e insistiu, para repetir, que ela era inadequada. Ela não conseguiu esclarecer o que os Padres da Igreja realmente queriam dizer quando usaram a fórmula, bem como outras frases paralelas. Uma resposta mais articulada era necessária para que a oposição pudesse ser convencida. Em outras palavras, Gregório estava determinado a encontrar uma solução, e em resumo o fez em parte através de sua leitura atenciosa das evidências patrísticas e Blemmydes. Em pouco tempo ele chegaria à conclusão de que, além da óbvia relação econômica conhecida pelas Escrituras, existe também uma permanente relação eterna de facto entre o Espírito e o Filho enquanto hipóstases. Esse é basicamente o ponto consagrado nas fontes patrísticas aparentemente equivocadas. A processão através do Filho não se tratava, em última instância, da eterna vinda à existência do Espírito, que é [a partir] do Pai somente, mas da maneira como o Espírito existe eternamente em relação ao Filho. O objetivo [meta] da processão a partir do Pai é crucialmente o Filho, sobre quem o Espírito vem para repousar, descansar e habitar, e através de quem Ele é manifestado, revelado e tornado conhecido antes de todas as eras.

Para tomar emprestada a frase preferida de Gregório, este ato de "manifestação eterna" (ekphansis aidios) é o conteúdo revelador da processão. Diz respeito à revelação do Espírito - como se dá a conhecer - e não envolve sua origem causal, ou a processão eterna propriamente dita. O Espírito pode de fato existir (hyparche) através do Filho, mas isso não significa que Ele também tenha sua existência (echein ten hyparxin) através do Filho. Em resumo, o que os Padres da Igreja quiseram dizer com suas formulações era muito diferente do que a adição do credo ocidental implicava. Como sugere o tomos de 1285, o eterno ato divino de manifestação e iluminação não era nem uma aprovação nem uma justificativa da teologia latina - apesar da insistência obstinada da Bekkos [NT: oponente de Gregório] em contrário. A análise hábil de Gregório sobre os Padres da Igreja foi, de fato e em todos os aspectos essenciais, uma rejeição vigorosa da interpretação de Bekkos.

[...] A conquista de Gregório foi, de certa forma, uma importante mudança na longa história do filioque e da teologia bizantina em geral. Foi por causa de sua persistência que o debate da maratona barulhenta, que Lyons havia famosamente posto em movimento uma década antes, foi encerrado. Mas nada, talvez, seja mais ilustrativo de seu sucesso do que a aprovação de seu tomos pelo Concílio de Blachernae. Com esta aprovação conciliar, "a Igreja Bizantina deu sua resposta final definitiva ao Filioque".

[6] Nota do tradutor: É comum os Católicos Romanos utilizarem uma carta de São Máximo a Marinus como "prova" que São Máximo, um grande santo oriental, apoiou o filioque. De fato, São Máximo, mostrou nesta carta que o filioque pode sim ser lido de maneira "ortodoxa". Entretanto, São Máximo deixa claro que a única maneira em que o filioque pode ser aceito pelos Ortodoxos é se o proceder do Espírito Santo a partir do Filho é entendido como um envio/missão temporal (na economia). Mas, como fica claro no artigo acima, o entendimento da Igreja de Roma (posição dogmatizada pelos concílios) não deixa espaço para o entendimento "ortodoxo" do filioque como exposto por São Máximo. Ademais, a solução de São Máximo para o problema foi rejeitada por Roma no Concílio de Florença. Como Steven Todd Kaster escreveu:

Curiosamente, a solução para esse problema teológico, que pode ser encontrada na Carta de São Máximo a Marinus, foi apresentada no Concílio de Florença, mas infelizmente foi rejeitada pelo Ocidente na época. No entanto, se o Ocidente pudesse aceitar o que São Máximo ensinou, ou seja, que "... o Pai é a única causa (aition) do Filho e do Espírito, um por geração (gennesina) e outra por processão. (ekporeusin) ", segue-se que os dois lados poderiam então fazer uma profissão comum de fé no Deus Triúno. Essa solução exigiria simplesmente que o Ocidente aceitasse a diferença entre a origem hipostática do Espírito Santo, que vem apenas do Pai como causa única na divindade e que salvaguarda a doutrina da monarquia do Pai, e a manifestação da unidade divina, que é revelada na progressão (proienai) das energias do Espírito do Pai através do Filho.
Ainda sobre a carta de São Máximo, o teólogo ortodoxo Vladimir Lossky, em seu livro Orthodox Dogmatic Theology, escreveu: 
Padre Venance Grumel, no artigo que dedica a Máximo no Dictionnaire de Theologie Catholique declara que Máximo, em sua carta a Marinus, justifica a fórmula [católica] romana! Ora, Máximo mostra que [o filioque] é apenas uma questão de economia [NT: missão temporal]. No século IX, na época em que certos ocidentais já professavam visões inaceitáveis, Anastácio, o Bibliotecário, um alto dignitário da Cúria Romana e um grande estudioso helenista em uma carta endereçada em latim a João, o Diácono, fala dessa carta de Máximo a Marinus: "Traduzimos uma passagem da carta de São Máximo para Marinus, na qual ele diz que os gregos estavam errados ao nos acusar, pois não pensamos que o Filho seja a causa do Espírito, mas queremos apenas mostrar a unidade da substância: assim como o Espírito procede do Pai, da mesma forma se pode dizer que Ele procede do Filho, mas entendendo assim o envio (missionem) do Espírito Santo". "E assim", concluiu Anastácio, "Máximo mostrou em que sentido o Espírito procede e em que sentido ele não procede do Filho, e ele evitou a dificuldade devido a uma ignorância recíproca das línguas". O resultado é que, para Anastácio, os ataques dos teólogos gregos não faziam sentido. Para ele, o Pai é a única causa; o filioque define uma missão. Na Patrologia de Migne, o editor da carta de Anastácio (que precede a carta de Máximo para Marinus) introduz uma pequena nota em que ele sinaliza que se deve ler "emissionem" onde o texto indica "missionem"- se não fizer isso, o leitor estaria de acordo com o gregos cismáticos!

sábado, 28 de setembro de 2019

Gregório Palamas e a teoria social cristã (John Farina)

[...]

Em sua essência, está a questão de como nos movemos de uma experiência de Deus à moralidade pública. Este é um problema para qualquer religião, mas especialmente para o cristianismo. Na Nova Aliança, poucas tentativas são feitas para fornecer diretrizes específicas para a miríade de situações que a vida pode trazer. A Nova Aliança não é a Torá, nem a Sharia, que começa com a tentativa de formar um código abrangente de moralidade e ação social. Certamente, mesmo nesses sistemas bastante detalhados, surgem situações que não são explicitamente abordadas, e os teólogos devem extrapolar os princípios morais da melhor maneira possível. No cristianismo, esse processo começa muito antes. Os cristãos são apresentados com muito menos diretrizes. Antes, somos informados de que a 'lei' do espírito da vida em Cristo nos libertou da 'lei do pecado e da morte' (Rm 8: 2), a lei mosaica, que funciona para nos mostrar nossa necessidade da misericórdia de Deus, mas nunca por si só traz liberdade. Os cristãos são forçados, pelo menos em parte, a confiar no desenvolvimento de protocolos morais, acessíveis a todos através da razão, especialmente quando se trata de ordenar a sociedade.

O cristianismo tem uma longa história disso, que começou já no segundo século com a obra de Orígenes. No Ocidente, na Idade Média, essa tradição assumiu uma forma bastante desenvolvida e cuidadosamente diversificada, representada de maneira mais elaborada pela tradição escolástica. Essa tradição baseava-se nas definições aristotélicas sobre o mundo, como ele era observado sem o auxílio de nenhuma graça especial. Ao fazer isso, toda a sociedade poderia ser abordada. Um caminho entre os ditames da razão e o mundo da revelação pôde ser forjado. Foi uma conquista importante, um projeto que trouxe consigo uma integração da sociedade, uma visão holística do ser, organizada de forma lógica e em referência ao Todo-Poderoso. No entanto, carregava consigo certos perigos. Deus poderia ser obscurecido no labirinto de silogismos e finas distinções que povoam as páginas de São Tomás de Aquino. A dimensão profética do testemunho cristão poderia ser distorcida. O dinamismo do Espírito poderia ser preso em um sistema estático.

Tais objeções não foram ignoradas pelos contemporâneos de Tomás. Em 1277, o arcebispo de Paris, Étienne Tempier, emitiu uma condenação ao escolasticismo, castigando especificamente Tomás. Ele quis esclarecer que o poder absoluto de Deus transcendia quaisquer condições da lógica que Aristóteles ou Averroes pudessem colocar nele. Mais especificamente, ele listou 219 proposições defendidas pelos escolásticos que violavam a onipotência de Deus, e incluídas nesta lista estavam vinte especificamente de Tomás. Foi um esforço claro para conter os excessos do escolasticismo, que insistiam que a teologia era uma ciência, vinculada pelas mesmas definições e regras aristotélicas que governavam as ciências seculares.

A repreensão de Tempier, embora tenha tido algum efeito em seus dias, logo enfraqueceu. As forças que desejavam uma ciência mediada de teologia compatível com as ordens sociais e legais existentes venceram decisivamente. Em 1323, Tomás de Aquino foi canonizado e a partir de então a hegemonia do tomismo passou a ser inquestionável. Em 1879, como parte de sua tentativa de resistir ao impulso modernista em sua igreja, o Papa Leão XIII, em sua epístola, Aeterni Patris, tornou explícita a dependência da igreja no método teológico tomista, insistindo que fosse ensinado em todos os seminários católicos em todo o mundo, em grande parte à exclusão de outros sistemas. Isso foi uma reviravolta irônica que Tomás, que havia feito tanto para impulsionar o desenvolvimento da secularização por seu método teológico, foi então usado como um baluarte contra ela.

Isso é explicável em parte pelo desenvolvimento de modelos ainda mais secularizados da ordem política introduzidos por Maquiavel, Hobbes e suas progênies. Quanto os cristãos devem se esforçar para traduzir sua moralidade na ordem política? O que essa tradução envolve? É necessária alguma versão de uma ética da lei natural que enfatize a acessibilidade das demandas morais de Deus através da razão?

Não é por acaso que o surgimento do escolasticismo e seu triunfo coincidiram historicamente com o surgimento de poderosos regimes cristãos na Europa, que insistiam em sua própria legitimidade à parte da Igreja. Numa época em que a Igreja às vezes reivindicava plenitudo potestatis, sua relação com regimes poderosos era agitada.

O escolasticismo provou ser uma ajuda inestimável na tradução da linguagem profética e evocativa da religião para o jargão legalista e regulador da arte de governar. Assim como a arquitetura gótica nasceu no nexo do poder estatal e da devoção cristã, o mesmo ocorreu com o escolasticismo. O edifício de São Denis, a primeira catedral gótica, expressou o poder dos reis franceses e da Igreja. Sobre os corpos de Clovis e seus herdeiros elevava-se o magnífico clerestório de Abbe Suger, que criou um céu próprio - talvez mais bonito que o céu noturno sem adornos da natureza - que, uma vez que entrava-se ali, podia ser tão agradável que desejava-se nunca mais sair. No entanto, ao contrário do céu da natureza, a entrada no céu da igreja era apenas através de uma porta bem regulamentada, mantida pelos padres, bispos e monges. A experiência de transcendência de quem entrava dependia das regras, definições e distinções deles, que dividiam a experiência religiosa tão cuidadosamente quanto os arquitetos medievais dividiam o espaço.

A tradição cristã da lei natural não se limita, obviamente, a Tomás, mas também teve muitos defensores protestantes, entre os quais Hugo Grotius. Em sua obra De juri ac pacis, de 1624, ele usa a frase etiamsi daremus Deum non esse, "mesmo se aceitássemos que Deus não existe".³ Alguns estudiosos viram isso como um ponto de virada para um sistema moral secular baseado na razão, mas sem nenhuma referência específica a Deus. Oliver Donavan está provavelmente correto em ver essa leitura de Grotius como um exagero, mas sem dúvida existia nos dias de Grotius e muitos mais hoje em dia, que não consideram um exagero.⁴

Com o protestantismo, o contexto histórico de uma teoria social cristã tomou direções diferentes, o que em parte a tornou mais adaptável ao estado secular.⁵ A Reforma representou um voltar-se para o indivíduo e uma preocupação pela salvação pessoal. A ênfase no indivíduo foi acompanhada por um foco na questão da justificação. O termo em si é legalista e deriva dos conceitos de leis judaicas com as quais São Paulo lutou em suas epístolas aos romanos e gálatas. Lutero falou do conceito de justiça estranha [NT: ou justiça alienígena / justiça de outrem, isto é, que não se origina nos em nós, vem de fora. Dignitas aliena], atribuída a nós em uma transação jurídica, pela qual Deus olha para a justiça de Cristo que está no nosso lugar.

Nós somos simul justus et peccator. As dicotomias de justiça e misericórdia tornam-se o coração da teologia protestante. Dado isso, não é de admirar que, a partir do início do século XX, como resposta aos excessos da industrialização, a categoria de 'justiça social' entrou no discurso teológico protestante com pensadores como Walter Rauschenbusch e Reinhold Niebuhr nos EUA. O movimento do Evangelho Social inicialmente era fundamentado na experiência religiosa. Rauschenbusch iniciou um pequeno grupo de ministros protestantes na cidade de Nova York que, enquanto ministrava aos necessitados, se reunia para orar e ler santos como Francisco de Assis e Martinho de Porres. Niebuhr também liderou um movimento para retornar a igreja ao testemunho, e não à política. Mas a década de 1970 viu o nascimento de uma teologia que tentou reconciliar idéias marxistas sobre economia e cultura com preocupações sociais cristãs. Preocupava-se com a experiência, mas era a experiência dos pobres e oprimidos como classe, não como indivíduos. O sofrimento material deles era o lugar da ação de Deus. Eles estavam sofrendo não por causa de escolhas próprias, mas por causas do mal do sistema socioeconômico. Eles não escolheram testemunhar o Evangelho, mas em sua experiência de opressão o fizeram. Eles eram 'o menor dos meus irmãos' que Cristo havia descrito (Mt 25:40). A resposta dos cristãos deve ser a luta contra as estruturas materiais que infligiram essa opressão. Testemunhar dentro desse modelo significava ação social, não atos de abnegação e oração. E isso significava ter consciência das dimensões políticas da sociedade. Não bastava esmola, estender a mão pessoalmente para ajudar os pobres. Os crentes devem entrar no processo político e lutar, mesmo ao ponto de uma revolução violenta, pelas mudanças estruturais necessárias. Na América Latina, os irmãos Boff e Gustavo Gutiérrez afirmaram explicitamente que a crítica dura de Marx à religião e o abraço à revolução violenta faziam parte da dialética da história. Na América do Norte, teólogos negros como James Cone usaram estratégias semelhantes para explicar a luta dos cristãos americanos negros.

A justiça estranha pode mudar o imperativo moral dos cristãos. A pessoa nunca realmente participa da natureza divina; ela recebe apenas uma medida disso na transação jurídica que explica a salvação. A contrapartida política disso é que a santidade pessoal não é importante. O que conta é a transação jurídica e social. Orar e praticar ações ascéticas como parte de uma vida de arrependimento não é suficiente para mudar a sociedade e ajudar os pobres. O processo político, em última análise, detém a chave para a salvação da sociedade. A importância das obras do cristão individual é minimizada. Sua vontade de escolher é tudo o que é necessário, na verdade tudo o que ele pode fornecer. O arrependimento pode ser visto como uma escolha que, uma vez feita, não precisa ser repetida. O testemunho cristão sobre as estruturas da sociedade leva a mudanças sociais, como criação de maior justiça ou igualdade econômica, mas essa mudança não exige que as pessoas mudem para se tornarem como Cristo.

Nesse modelo, é difícil ver o que é distintivo sobre a ação social cristã. Parece compartilhar com o marxismo a afirmação de que tudo o que é necessário é a ação política correta, que os cristãos devem promover como cidadãos e não como crentes. O estado secular aprova novas políticas, porque a maioria ou a elite revolucionária, acreditam que sejam melhores para a comunidade política. Nesse modelo, é difícil ver como a Igreja é diferente de outros atores políticos. Seu poder para efetivar a melhoria social é limitado à sua eficácia política.⁶

No Oriente, há uma longa tradição de pensamento sobre as relações igreja-estado. Podemos pensar em Nikephorus Blemmydes, que viveu um século antes de Gregório e ganhou notoriedade nos tribunais de Nicéia. Seu Andreas Basilikos é uma explicação do papel do imperador na sociedade cristã. O rei é o fundamento da sociedade e, como tal, deve ser dado à filosofia e à prática da virtude. Um século depois, quando o poder político dos governantes bizantinos diminuiu, a Igreja Oriental adotou oficialmente o palamismo. Gregório triunfou em sua disputa com Barlaam. No entanto, a Igreja no Oriente nunca abandonou a visão abrangente medieval das relações Igreja-Estado. A Igreja ocupava um lugar de destaque na sociedade e merecia um status especial na lei e nos procedimentos do estado cristão. O palamismo nas mãos de Gregório não foi uma rejeição explícita do conceito de sinfonia com suas fortes suposições pré-hobbesianas sobre um príncipe cristão.

A sinfonia, entretanto, não sobrevive ao estado secular. Portanto, o desafio é se apropriar do pensamento de Gregório no mundo moderno. Meu projeto é sugerir que Gregório oferece um corretivo a grande parte da indústria da justiça social cristã e àqueles que facilmente usam o termo "teologia política", cujas dimensões eu apenas sugeri nesta breve pesquisa histórica, mas que são familiares a qualquer um de nós.

São Gregório Palamas

Testemunha Cristã de Gregório 

Gregório, é claro, não é conhecido por sua teoria social. Embora ele tenha sido durante algum tempo o bispo de uma cidade grande, seus escritos nunca mostram muita preocupação com as estruturas da sociedade. Seus escritos provêm de sua experiência monástica e são impregnados de sua busca interminável por uma experiência de Cristo e uma insistência simples de testemunhar essa realidade por meio de atos de caridade.

Máximo, o Confessor, escreveu que a reconciliação que Cristo operou tinha cinco elementos, que ele chamava de mediações: entre homem e mulher, paraíso e terra, céu e terra, criação sensível e inteligível, e Deus e toda a criação. Gregório Palamas adota essa tradição, na medida em que insiste que a restauração da sociedade e o pleno desenvolvimento da pessoa humana na sociedade são, em última análise, realizadas pela ação de Deus, assim como o conhecimento das coisas celestiais é uma obra de Deus que devemos experimentar, ao invés de simplesmente deduzir por meio de raciocínio silogístico.

As reconciliações de que Máximo fala podem ser realizadas, para Gregório, somente através da obra de Cristo. Nas palavras de Paulo, a quem Gregório reverenciou como "o Grande Paulo, a boca de Cristo"⁷:  "Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz"(1:19-20). Ser reconciliado aqui significa ser completamente transformado (apokatallatto). Paulo novamente em 2 Coríntios: "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação" (2 Coríntios 5:17-18).

Gregório afirma que o arrependimento é necessário para participarmos nesta vida de reconciliação. Ele cita Máximo dizendo que Moisés e Davi se tornaram aptos para a energia divina, deixando de lado suas propriedades carnais. Eles se tornaram ícones vivos de Cristo, um processo que ocorre mais pela graça do que por assimilação. ⁸ Agora que o reino de Deus em Cristo se aproximou, não devemos nos afastar dele vivendo uma vida impenitente. Antes, Gregório nos diz: 'adquiramos obras de arrependimento: uma atitude humilde, compunção e pranto espiritual, um coração gentil cheio de misericórdia, justiça amorosa, lutando pela pureza, pacífico, pacificador, paciente, contente por sofrer perseguições, perdas, desastres, calúnias e sofrimentos em nome da verdade e da justiça". Esta não é apenas uma fórmula ascética seguida de máxima moral. É uma exortação ao amor, baseada em uma experiência de amor. Ele continua: "Pois o reino dos céus, ou melhor, o Rei dos céus - a inominável munificência! - está dentro de nós".⁹

Essa experiência é possível porque fomos criados à imagem de Deus, imagem que foi restaurada na reconciliação. A natureza divina possui o bem essencialmente e transcendentalmente. A bondade transcendente é a Mente, da qual a Palavra procede por meio de geração. O Espírito e a Palavra procedem da Mente, e o Espírito é o amor dAquele que gera pela Palavra gerada. 

Essa imagem triádica está nos anjos e nos homens, mas o homem é mais perfeitamente a imagem de Deus, por causa de sua corporalidade. A pessoa é, portanto, sempre corpo e alma. Não há necessidade de escapar da corporalidade como um fardo que impede a alma. A mente não precisa deixar o corpo para estar com Deus. Na verdade, o corpo pode ajudar a mente a orar, através da recitação da oração, ajoelhando-se, jejuando etc. Uma reconciliação pode ocorrer entre a mente e o corpo. O corpo então pode até mesmo, nos santos, ser uma fonte de graça para os outros, como acontece com as relíquias dos santos que fazem milagres.

Por causa dessa reconciliação de mente e corpo, a ordem material criada se torna parte do plano de Deus, e cuidar dela se torna parte do dever do homem em seu ministério de reconciliação.¹⁰ A administração da criação é, portanto, uma obrigação, não porque fazemos parte de essências ou idéias criadas pré-existentes na criação. A criação é ex-nihilo. A criação não é a energia criada por Deus ou o incriado; a criação é aquilo no qual Deus age.¹¹  A pessoa humana é uma criação superior que se coloca entre o céu e a terra para embelezar ambos. Nossas almas são supra-celestiais em sua natureza, embora não no espaço.

Mas homens e mulheres destruíram a semelhança com Deus através da desobediência. O único caminho de volta à reconciliação é através do dom de Deus, oferecendo-nos deificação através de uma colaboração livre (sinergia) entre a energia divina e os esforços humanos. A comunhão da alma com a energia divina é a theosis. O momento henótico, que Gregório enfatiza, requer nossa cooperação, nossa kenosis. Só é realizado através de uma constante luta pela perfeição. Então aqui o imperativo ascético está ligado à questão moral. À medida que lutamos pela perfeição, somos transformados em participantes da natureza divina, isto é, de sua energia, não de sua essência. Essa transformação inclui, como aconteceu com o Discípulo Amado, o mandamento de que amemos os outros. "O amor por nossos irmãos é a evidência básica de nosso genuíno compromisso com Cristo e, portanto, para nossa salvação".¹²

É revelador que a obra mais abrangente de teologia de Gregório, Os Cento e Cinquenta Capítulos, tem o subtítulo 'sobre tópicos da ciência natural e teológica, a vida moral e ascética, destinada a eliminar a corrupção barlaamita'. As seções que tratam da vida moral estão, como o título sugere, vinculadas ao ascético. Esse vínculo, embora obviamente não seja exclusivo do Arcebispo de Tessalônica, continua sendo sua marca registrada. Simplesmente não há interesse neste texto, nem em nenhuma de suas homilias, em apresentar uma ética secular. Não há nada parecido com a teoria da lei natural aqui. A boa vida é a vida do arrependimento e do esforço para purificar nossa alma, para que possamos experimentar a luz taborica. Como sabemos pela própria vida de Gregório, isso não é um conceito nocional simples de assentimento. Não há nada semelhante a uma decisão evangélica [protestante] por Cristo que resulte em nossa garantia de salvação ou mesmo em uma opção fundamental do tipo Rahner ou Fuchs. Não. Devemos orar sem cessar. Através da oração de Jesus, a mente (nous) entra no coração e ali participa em Deus. Nunca somos participantes passivos. Nunca somos salvos porque somos simplesmente parte dos eleitos ou de uma classe. A ênfase de Gregório não está em sermos justificados ou não, mas em entrarmos verdadeiramente e repetidamente na presença de Cristo em nossos corações.

Isso é ilustrado pela apropriação de Gregório da ideia de epektasis de Gregório de Nissa. A perfeição que a alma busca é inesgotável, porque está enraizada na natureza infinita de Deus. Como Palamas coloca:
E é por isso que o grande Macário disse um único raio deste sol inteligível - mesmo que ele próprio não tenha visto essa luz como ela é em si mesma, em toda sua extensão, mas apenas na medida em que ele era capaz de receber. Por essa contemplação e por essa união supra-inteligível com essa luz, ele não aprendeu o que ela é por natureza, mas aprendeu que realmente existe, que é sobrenatural e super-essencial, diferente de todas as coisas; que seu ser é absoluto e único e que misteriosamente compreende tudo em si. Essa visão do infinito não pode pertencer permanentemente a qualquer indivíduo ou a todos os homens. Quem não a vê entende que é incapaz da visão porque não está perfeitamente conformado ao espírito por uma purificação total, e não por qualquer limitação no objeto da visão. Mas quando a visão vem a ele, aquele que recebe-a sabe muito bem que é essa luz, mesmo que ele veja apenas vagamente. Ele sabe disso pela alegria intransponível semelhante à visão que experimenta da paz que preenche sua mente e do fogo do amor a Deus que queima nele.
Mas observe o vínculo ao ascético: 
A visão lhe é concedida na proporção de sua prática do que é agradável a Deus, evitando tudo o que não é [agradável], de sua assiduidade na oração e do desejo de toda a sua alma por Deus. Sempre ele é levado a um progresso maior, experimentando uma contemplação ainda mais resplandecente. Ele entende então que sua visão é infinita, porque é uma visão do infinito….¹³ 
Parece que as boas ações advindas dessa experiência precisam ser diferentes daquelas que advêm de alguma teoria política sobre justiça social. Certamente, as duas coisas não são mutuamente exclusivas. Mas elas são profundamente diferentes. As motivações e consciência  importam. O testemunho cristão não é simplesmente estar do lado certo da história. Não é medido pelo seu sucesso ou popularidade, ou mesmo pela forma como está em conformidade com a lei positiva, especialmente em uma época em que reivindicações de "direitos humanos" incluem cada vez mais reivindicações de práticas morais há muito condenadas pelos cristãos.

Essa experiência transformadora interior produz a prática externa de compaixão e boas obras na vida do crente. Em seu sermão, Sobre a Segunda Vinda de Cristo, Gregório oferece um simples comentário sobre Mateus 25: 37–39.¹⁴ Aqueles que negligenciaram as obras corporais de misericórdia demonstram seu ódio por Cristo, ao ignorarem seus irmãos doentes, pobres ou presos. Devemos ser misericordiosos e mostrar atos de amor para com nossos irmãos. Somente então herdaremos o reino eterno de Cristo. 

Portanto, a mudança social pode ocorrer como resultado de ações cristãs, mas não há substituto para a ação individual que provém do arrependimento. A caridade é o fruto da conversão. A mudança social permanece enraizada na transformação moral individual, sempre centrada na experiência do divino que entrou em nosso coração e nos reconciliou com Deus, com os outros e com o mundo criado.

Gregory Palamas and Christian Social Theory por John Farina (no jornal Analogia: The Pemptousia Vol. 3 St Gregory Palamas Part.1)


NOTAS

³ Hugoris Grotius, De Jure Belli Ac Pacis. Prolegemena, par. 11., ed. P.C. Molhuysen (Clark, NJ.: The Lawbook Exchange, Ltd., 2005), 7. 

⁴ Oliver O’Donovan e Joan O’Donovan, eds., From Irenaeus to Grotius: A Sourcebook in Christian Political Thought (Grand Rapids: William B. Eerdmans, 1999), 788. 

⁵ Veja Brad S. Gregory, The Unintended Reformation: How A Religious Reformation Secularized Society (Cambridge, MA: Belknap Press, 2012). 

⁶ Veja Leszek Kolakowski, ‘Marxism and Human Rights’, em Modernity on Endless Trial (Chicago: University of Chicago Press, 1990), 204–14. 

⁷ The One Hundred Fifty Chapters 82, trad. e ed. Robert E. Sincewicz (Toronto: Pontifical Institute of Medieval Studies, 1988). 

⁸ Ibid.,76. 

⁹ Ibid., 57. 

¹⁰ E.g. Triads 2.2.12, citado em Gregory Papademetriou, Introduction to St. Gregory Palamas (Holy Cross Orthodox Press: Brookline, MA, 2013), 103. 

¹¹ Triads 1.1.3, citado em Papademetriou, Introduction to St. Gregory Palamas, 117. 

¹² Sermão 4 (PG 151:44), em Papademetriou, Introduction to St. Gregory Palamas, 101. 

¹³ Gregory Palamas, The Triads, 3.22.23, em ed. John Meyendorff, Gregory Palamas: The Triads (New York: Paulist Press, 1983), 39. 

¹⁴ Homilia 4, em Saint Gregory Palamas: The Homilies, ed. Christopher Veniamin (Dalton, PA: Mount Thabor Publishing, 2009), 24–33.