quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Temos que voltar às nossas raízes: Uma conversa com o Hieromonge Gabriel Bunge

Hieromonge Gabriel Bunge (1940-) é um renomado teólogo suíço e estudioso de Patrística que foi anteriormente um hieromonge Católico Romano da Ordem de São Bento (O.S.B.). Foi recebido na fé Cristã Ortodoxa em 2010. (OrthodoxWiki)


- Pe. Gabriel, embora você tenha falado sobre sua vida em outras entrevistas, conte-nos um pouco sobre você.

- Eu moro em Roveredo, uma pequena aldeia de cerca de 100 habitantes. Meu mosteiro está acima da aldeia na floresta, nas montanhas da região de Lugano, a parte italiana da Suíça.

- Você era católico desde a infância?

- Sim, mas não um católico praticante durante toda a minha vida. Meu pai era luterano e minha mãe católica, e eu fui batizado católico. Mas como acontece freqüentemente nesses casos, nenhum dos meus pais praticou suas religiões. Nem meu pai nem minha mãe foram à igreja. E nem eu também. Mas, como os jovens sempre seguem seu próprio caminho, eu redescobri a fé do meu batismo. No começo eu fui para a Igreja Católica, sozinho. Meus pais não me encorajaram, só toleraram.

- Até sua mãe?

- Ela era uma católica crente, mas por causa de seu casamento com um luterano, ela perdeu sua prática. Só muito mais tarde, quando eu já era monge, ela voltou à igreja e começou a praticar sua fé católica. Meu pai foi com relutância, pelo menos na Páscoa ou no Natal, porque não queria passar os feriados sozinho.

-Onde você nasceu?

- Nasci em Köln, mas deixamos a cidade quando tinha dois anos de idade por causa da guerra. Aquela cidade, com quase 2.000 anos de idade, quase foi totalmente destruída. Foi como Hiroshima. Cerca de oitenta por cento foram destruídos e os americanos sugeriram que fosse reconstruída em outro lugar - parecia inútil tentar reconstruir aquelas cinzas. Mas as pessoas eram extremamente ligadas à sua cidade; a grande catedral ainda estava de pé, embora muito danificada. As doze igrejas românicas [1] também foram terrivelmente danificadas. Durante dez anos não vivemos em Köln, mas em uma pequena cidade do interior. Somente em 1953 foi possível para nós retornarmos. Então, passei minha juventude em Köln e fui para o ginásio lá. Eu ainda amo muito essa cidade.

A catedral gótica, uma maravilha da arquitetura gótica, foi construída sobre o lugar onde todas as catedrais tinham sido desde os primeiros tempos cristãos. Um dos primeiros bispos de Köln foi um colaborador próximo do imperador Constantino. Sob a torre norte está um batistério do século IV. Há uma igreja de São Gereon em Köln, onde o octógono é de cinco ou seis metros. É uma igreja românica, do século IV, e tem relíquias dos mártires romanos. Há muitos vestígios da Igreja indivisa, os primórdios do cristianismo e, por esses mesmos fatos arqueológicos, fui “impulsionado” a cavar mais fundo nos alicerces da Igreja. Eu sou um historiador por formação, um numismático.

- Essas lembranças fazem você sentir o desejo de “unir” a Europa de volta junto com a Igreja do cristianismo primitivo?

- É claro que não sabia sobre a Igreja Ortodoxa por muito tempo. Eu só descobri a existência da Ortodoxia pouco a pouco. Alguns dos meus amigos ortodoxos de hoje me disseram que os católicos sabem que "existimos" e nada mais. As pessoas simples até perguntam: “Você venera a Mãe de Deus também?” Isso mesmo cinquenta anos depois do Vaticano II, que parecia “abrir as janelas” do que era a Igreja Católica muito fechada, e seu conhecimento da Ortodoxia ainda é muito pobre. Eu tive que descobrir pouco a pouco por mim mesmo. Eu não sabia de nenhuma comunidade ortodoxa; não havia igrejas ortodoxas nas cidades, porque os russos, pelo menos, celebravam nas igrejas protestantes que eles deveriam usar por algumas horas no domingo, como é comum até hoje. Em Lugano, os ortodoxos russos compraram uma pequena igreja protestante vazia e sem uso. Todas as outras comunidades ortodoxas, como os romenos, celebram nas igrejas católicas que lhes são dadas para usar. Mas agora temos uma pequena igreja, que deve ser paga. Ela está gradualmente sendo transformada em uma igreja ortodoxa, com uma iconostase e tudo mais.

Então eu tive que descobrir a Ortodoxia pouco a pouco. Quando eu tinha cerca de dezenove anos, depois do ginásio, [2] fui com um amigo para Roma, e lá descobri o período cristão primitivo: as catacumbas, as igrejas antigas, aquelas fundadas por São Constantino e Santa Helena, e assim por diante. Foi muito impressionante. Devo confessar que isso fortaleceu minha consciência de mim mesmo como católico. Roma é terreno apostólico - onde está a tumba de São Pedro, de São Paulo, Santa Maria Maggiore, Santa Croce, San Giovanni Laterana ... todas essas igrejas paleocristãs, essa incrível continuidade arqueológica. Mas foi muito mais tarde que descobri que, embora haja continuidade no nível da arquitetura, não havia continuidade no nível da Igreja Apostólica, o fundamento.

Apenas mais tarde descobri que Santa Maria Maggiore e as outras igrejas sempre foram as mesmas, mas essa continuidade não existe em outros níveis, os níveis mais essenciais. É o mesmo com os anglicanos. Eles têm a Catedral de São Augustinho em Cantuária em um nível, mas no nível teológico não há continuidade, há uma ruptura. No entanto, na época eu era muito jovem para estar ciente de que havia tantas rupturas e interrupções na história da Igreja ocidental. Eu tive que descobrir isso por mim mesmo, gradualmente.

As pessoas muitas vezes me perguntam por que me tornei ortodoxo e se houve um momento ou evento crucial nessa evolução. Houve um momento crucial e, embora tenha dito isso antes, vou repeti-lo. Eu tive que descobrir - primeiro no nível literário, através de livros, música, etc. O mesmo para o monasticismo - eu tive que descobrir seu espírito através dos escritos dos pais do deserto. Mas descobri a Ortodoxia viva e real aos vinte e um anos, quando estava na Grécia. Eu era estudante, ainda não era monge. Eu ainda não podia entrar no mosteiro porque meu pai não permitia isso. Eu era muito jovem. Eu agradeço ao céu que ele não permitiu, porque dessa forma eu tive a oportunidade de viajar para a Grécia com outros estudantes, e descobrir a Ortodoxia viva lá. Eu vi mosteiros sagrados e até conheci um santo monge. Eu fui para a Liturgia. Isso foi antes do Vaticano II. Os gregos foram extremamente gentis e amigáveis ​​comigo como um católico. Hoje isso provavelmente seria diferente, porque os católicos mudaram completamente com respeito aos ortodoxos.

- Para melhor ou para pior?

Do pior para melhor. Mas agora os ortodoxos mantêm distância porque se sentem invadidos.

Eu visitei os seminários e mosteiros na Grécia, e uma vez disse aos monges e estudantes: “Tudo está bem aqui, e eu gosto disso, mas… é uma pena que você esteja separado de nós.” A resposta imediata foi: "Você está errado, é você quem se separou de nós." E então eu fui confrontado pela primeira vez (eu tinha apenas 21 anos) com este problema fundamental de separação que é visto de uma maneira diferente no oriente e ocidente. Quem está certo? Aos vinte e um anos eu não tinha meios para checar a resposta. Só pouco a pouco obtive-os e descobri que, na verdade, é o ocidente que se separou do fundamento comum. Há a continuidade arqueológica, nas famosas igrejas da época de Constantino e Helena, por exemplo, mas no nível essencial - teologia, liturgia e tudo o mais - não existe. Meu pequeno livro, Earthen Vessels [3] fala sobre um pequeno aspecto que é muito essencial: que houve uma interrupção.

- Você mencionou anteriormente que leu o livro do historiador alemão Johannes Haller [4] sobre a história da Igreja até os anos 1500, bem como outros livros sobre o papado, como o de Abbe Guettée. [5]

- Sim, na verdade estou lendo o livro de Haller agora. É puramente um livro de história, enquanto o livro de Guettée é polêmico. Haller era imparcial, muito quieto, e ele tinha livre acesso à biblioteca do Vaticano. É um livro de história objetiva, tem espírito muito quieto, mas é muito poderoso. Os fatos são esmagadores.

- Você disse que está feliz por estar lendo sobre a história da Igreja agora, e não antes, porque isso poderia ter levado você a perder sua fé. Você poderia elaborar sobre isso? Você acha que precisava ser mais forte para encarar os fatos. Isso está correto?

Eu sinto que a fé nos jovens precisa ser preservada, protegida. Quando você tiver uma base sólida, critérios suficientes em sua mente e fé mais forte, você será capaz de julgar.

- Você quer dizer uma base sólida na fé cristã e não necessariamente na fé católica romana?

- Sim, então você pode confrontar-se com essa massa de fatos históricos.

- Porque você acha que esses fatos tomados por eles mesmos podem ser muito devastadores ou escandalosos para as pessoas?

-Sim, claro. Veja, a história não é teologia. A história é apenas os fatos - o que aconteceu. O trabalho de Haller descreve todos os altos e baixos ... é fascinante, mas é a verdadeira história. Isso te faz pensar ...

—História, com todos os seus defeitos e imperfeições?

Sim, com todos defeitos e imperfeições; e a reivindicação de prioridade do papa, de ser a cabeça da Igreja. É muito estranha. Já no quarto século, o papa Damasus alegou que a Igreja Romana (não o papa - ainda) tem primazia sobre todas as outras Igrejas, por causa do que Jesus Cristo disse a Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja ”(cf. Mt 16, 18). Assim, Roma, identificou esta pedra com uma instituição, com algo visível - a Igreja Romana. Embora muitos pais da Igreja, tanto do oriente como do ocidente, identifiquem esta pedra, como Santo Ambrósio de Milão fez no ano de 382, ​​com a fé do povo. É a confissão de Jesus Cristo como o Filho do Deus vivo. Não foi a fé pessoal de Pedro; ele não era um teólogo ou apóstolo melhor do que os outros apóstolos. Foi revelado a ele pelo Pai. Esta é a pedra que não pode ser destruída. Pedro logo depois prova que ele não entendia nada dessa confissão. Ele é chamado de "diabo". O Senhor diz: “Para trás de mim, Satanás” (cf. Mt 16.23) e assim por diante. Não apenas Santo Ambrósio, mas os pais mais importantes do oriente e do ocidente também dizem a mesma coisa. Para o católico romano, é absolutamente óbvio que essa pedra é a pessoa de Pedro. E Pedro, de acordo com a tradição, morreu em Roma e, portanto, deve ser a Igreja Romana e seu sucessor, o bispo de Roma, que é esta pedra. Mas Pedro esteve em muitos lugares. Por que só tem que ser o lugar onde ele morreu? Muitas pessoas poderiam alegar ter seu túmulo ... mas ele morreu em Roma, assim como São Paulo. Mas é esta razão suficiente para esta cidade, que era a capital do Império Romano na época, se tornar a cabeça de todas as Igrejas também? Se existe alguma cidade que pudesse reivindicar esse título, seria Jerusalém, a cidade onde nosso Senhor morreu, e não Pedro. Em Jerusalém está a tumba de nosso Senhor e lá Ele ressuscitou. A cabeça da Igreja é, em todo caso, nosso Senhor.

- Isso sempre me pareceu ser um exemplo devastador do que se chama em russo плотское мудрование [6] - mentalidade carnal, uma maneira puramente terrena de pensar.

- Sim, e imediatamente tomou conta. E o que é tão chocante nesta história do papado por Haller é precisamente este aspecto mundano - como os meios espirituais, como a excomunhão e o interdito, têm sido usados continuamente, por centenas de anos, apenas por razões políticas. E o que é ainda mais chocante é que as pessoas nem se deram ao trabalho de obedecer a esses interditos. Países inteiros estavam sob interdito; isso significa que não há missa, nem sacramentos, nem sinos - nada.

-Por quê?

-Por quê? Porque o rei não cedia às pretensões territoriais do papa. O papa estava sempre lutando por seu próprio estado, que se tornava cada vez maior, depois cada vez menor, e ainda existe, como é a função na Cidade do Vaticano. Foi sempre por essas razões políticas e territoriais. Mas a maioria desses países, centenas de reis, até mesmo bispos, simplesmente não se importaram. Eles continuaram a celebrar a missa, dispensar os sacramentos e assim por diante.

- Então eles estavam tecnicamente em desobediência ao papa?

-Perfeitamente. Para mim, isso foi chocante. Ainda hoje é chocante. É chocante que esses meios espirituais sejam usados ​​por razões puramente materiais e políticas, e aqueles que foram atingidos por esses interditos não se incomodem. Então, você pode imaginar que isso gradualmente destruiria a Igreja desde dentro. Você entende muito melhor porque o cristianismo ocidental se destruiu e continua a se destruir desde dentro. Não de fora. É horrível, devo dizer. É o que eu chamo de “secularização”. Há papas que lutaram em batalhas. Era uma coisa comum para os cardeais terem exércitos e assim por diante. Isso é secularização. Isso significa que a Igreja estava fechando seu próprio horizonte para incluir interesses cada vez mais seculares. Os papas estavam defendendo (compreensivelmente) sua própria independência - do Imperador, que de fato precisavam, porque sem o Imperador eles não seriam mais independentes dos duques, do rei da Sicília etc. Você começa a entender muitas coisas.

- Presumo que você esteja lendo este livro no original alemão. Existem traduções?

- Esse é um clássico, mas eu não sei - existem dezenas de livros desse tipo. Eu só citei este livro para lhe dizer que mesmo agora, mais tarde, ainda estou interessado nessas questões, na leitura de livros que durante meu tempo de busca eu fui proibido de ler. Eu não acho que isso teria sido muito útil para mim de qualquer maneira, porque eu teria perdido completamente minha fé.

- Proibido por quem?

- Meus professores da faculdade católica da universidade. Na Alemanha, a teologia é ensinada pelo estado e, por isso, recebi minha educação teológica de uma universidade estadual.

Então, continuo estudando apenas para aprofundar minha compreensão das razões da separação entre oriente e ocidente. É claro que você pode entender bastante sobre isso, mas ainda há um grande mistério que ainda não consigo entender: por que Deus permitiu?

Você pode dizer que foi tudo erro do Papa, mas os fiéis não tiveram escolha. Isso é o que eu digo aos meus amigos agora. Eu digo: "Olha, você não deveria criticar ou condenar os católicos. Eles nascem do lado errado da rua. Não é um erro deles. Eles não têm escolha. Eles nunca tiveram escolha. Todo o ocidente pertencia ao Patriarcado Romano, que gradualmente se tornou maior e maior; eles não faziam parte de outros patriarcados. De qualquer forma, eles não fazem parte hoje. Esse é o erro deles - eles nasceram lá."

- Isso, no entanto, traz à mente uma questão que sempre tive. Eu mesmo sou ocidental, sou convertido à Ortodoxia, não tenho raízes ortodoxas e, portanto, minha pergunta não pretende ser antiocidental. No entanto, por que, aparentemente, somos tão propensos ao pensamento terreno e secular no campo da religião - mais do que o oriente cristão? Teoricamente, o mesmo processo poderia ter acontecido em qualquer lugar.

- Teoricamente, sim, mas na prática, não. Eu acho que é porque a secularização é um processo muito longo, e sua expressão mais clara é o protestantismo, que é um fenômeno católico interno. É um fenômeno católico interno na Igreja ocidental que ocorreu após sua separação da parte oriental da Igreja. Não poderia desenvolver antes. Vou contar uma experiência terrível. Estou falando de história, mas talvez seja melhor falar da minha “pequena história” de setenta e três anos. Entrei no mosteiro aos vinte e dois anos de idade exatamente no ano em que o Concílio Vaticano II foi aberto. Com minha experiência Ortodoxa grega e assim por diante, eu me tornei um monge em Chevetogne, [7] e nós estávamos realmente cheios de esperança de que agora a Igreja Romana retornaria ao seu caminho, e havia muitos sinais de que isso aconteceria. Paulo VI tinha um desejo muito forte e profundo de reconciliação com a Igreja Ortodoxa. Ele foi a encarnação de Janus (dupla face) da Igreja Ocidental. De um lado, ele queria concelebrar a Liturgia com o Patriarca Atenagoros quando eles se encontraram em Jerusalém, e ele trouxe um cálice de ouro para tal. Mas os ecumenistas (graças a Deus) separaram esses dois, porque depois de tal ato, ficaria pior do que antes. Então, eles não serviram juntos. Ele se ofereceu para dar ao Patriarca aquele cálice. Mas está bem provado que ele queria, através das reformas litúrgicas, fazer com que a missa latina se tornasse aceitável para os protestantes, sem pensar, sem saber que, no mesmo momento, ela se tornaria completamente inaceitável para os ortodoxos. Você pode ver que a Igreja Católica está entre essas posições opostas - o oriente Ortodoxo e o ocidente Protestante. Mas então a evolução geral não foi para o oriente, mas para o ocidente. Tornou-se uma auto-protestantização lenta da Igreja Romana - uma auto-secularização, com toda a destruição, tanto física quanto espiritual, que vimos.

Isso foi um verdadeiro desastre histórico de dimensões invisíveis. O protestantismo é um vírus interno católico. E a Igreja Católica Romana não tem anticorpos contra esse vírus. O anticorpo é a Ortodoxia, que nunca foi, durante quinhentos anos, tentada pelo protestantismo. Mesmo se houver um patriarca ecumênico que tenha simpatias com o calvinismo (como já houve), isso é local. Não tem influência na consciência Ortodoxa. É limitado, e isso é tudo. A Igreja Ortodoxa teve muitas oportunidades de ser infectada pelo protestantismo e pelo secularismo, mas ela não sucumbiu - apenas na superfície.

- Um resfriado, em vez de um câncer?

- Sim, um resfriado, não um câncer. [O Vaticano II] é realmente uma tragédia de dimensões históricas.

Muitos católicos estão conscientes disso agora, porque não consideram mais a Igreja Ortodoxa como um concorrente ou adversário. É por isso que os ajudam de alguma forma a estabelecer suas paróquias no ocidente. Eles lhes dão suas igrejas para que possam servir as liturgias em altares católicos, o que teria sido inimaginável antes.

- Apenas como uma nota aparte, na última primavera houve uma delegação da Rússia presente em uma celebração na Sicília comemorando a ajuda dada pelos soldados russos às vítimas do grande terremoto de Messina em 1908. O clero russo presente foi convidado a servir a Liturgia para a congregação ortodoxa local na Capella Palatina em Palermo.

-Ah, bonito. Os russos celebram continuamente liturgias solenes na Catedral de São Nicolau, em Bari. Eu vi uma liturgia lá celebrada por um metropolita russo, cerca de 20 sacerdotes, com um grande coro. E pensei: “Essa é a liturgia exigida por esta bela catedral". Mas quando acabou, a missa latina começou ... dava vontade de chorar. Você se perguntava: "O que você está fazendo aqui?"

De certa forma, isso é algo fora do comum, mas mostra que muitos católicos não têm mais certeza de que estão certos.

- Aqueles que estão indecisos - você acha que eles poderiam ir na direção da Ortodoxia ou poderiam desistir de tudo?

- A única maneira de eu ver isso acontecer é se eles se voltarem para a sua própria ortodoxia, porque a menos que Deus faça um milagre sem precedentes que converta a todos para a Ortodoxia Bizantina, há toda uma cultura em ação para evitar que isso aconteça. Não é apenas uma questão de textos ou fórmulas. Mas eles devem voltar para sua própria ortodoxia, suas próprias tradições. Durante todos estes anos, quando escrevi meus pequenos livros, meu objetivo era: como monge, ajudar as pessoas a terem uma vida espiritual, redescobrir, reintegrar sua própria herança espiritual, que é naturalmente a mesma que a nossa; porque nós temos as mesmas raízes. Mas o sucesso do meu esforço, pelo menos entre os monges, é próximo de zero. Especialmente entre os monges. Os livros são lidos principalmente por leigos, não por padres e monges. Os monges são aqueles que praticam ioga, zen, reiki e assim por diante. Quando você diz isso aos monges russos, eles ficam chocados, eles não podem imaginar que isso esteja acontecendo. Eu não os julgo; graças a Deus, é o nosso Senhor que julgará o mundo e não eu. Mas isso significa que as pessoas não estão procurando uma solução, uma resposta dentro de sua própria tradição. Eles estão olhando para fora dela, em religiões não-cristãs. Para mim, os monges católicos que praticam a meditação zen são como os monges zen que rezam as estações da cruz. Isso é completamente absurdo. No budismo, o sofrimento tem uma origem diferente; é superado de maneira diferente do cristianismo. Não há Salvador crucificado. Por que deveriam meditar as estações da cruz? Claro, eles não fazem.

- E como poderia um monge cristão, que acredita em um Deus pessoal, orar ao universo impessoal do Zen?

- Nos mosteiros eles têm jardins zen ... Mas você poderia imaginar as estações da cruz em um mosteiro zen? Monges budistas ajoelhados diante das estações? É inimaginável.

- É como se eles tivessem perdido sua auto-identidade. 

- Mas o que é tão impressionante é que eles nem sequer tentam cavar em seu próprio terreno, para encontrar suas próprias raízes - a fonte, que foi coberta pelo lixo. Eles parecem estar convencidos de que não há nada lá e nunca houve.

Então, temos que procurar por essa fonte também. Lembro-me muito bem da minha juventude monástica - havia aqueles no mosteiro que sentiam que não havia nada lá, que tudo era árido. Então veio um mestre zen, um jesuíta (muito conhecido; ele morreu há muito tempo), e foi uma revelação. Pelo menos era algo espiritual ... eles só tinham visto formalismo. Graças a Deus, eu havia descoberto os santos pais e a literatura primitiva monástica antes de chegar ao mosteiro. Não foi o mosteiro que me ensinou. Continuei minha busca no mosteiro.

- Em Chevetogne?

-Sim. Eu fui lá porque parecia mais próximo do que eu descobri na Grécia. Para dizer a verdade, fui enviado para lá. Eu havia entrado em uma abadia beneditina na Alemanha. Meu mestre, o abade, um homem santo, me amava muito e podia ver que eu não estava no lugar certo. Ele sacrificou seu noviço promissor e enviou-o para Chevetogne, para ver se isso era mais adequado. Quando fiz minha profissão monástica ele veio me visitar. Ele era um homem santo. Meu confessor, um monge trapista, também era um homem santo. Eu tive a chance de conhecer mais de um homem santo, mesmo no ocidente. Eles ainda existem.

Sinto que meu próprio caminho é provar, mesmo aos ortodoxos, que é possível, mesmo dentro da tradição ocidental, redescobrir o terreno comum e viver dele. Você pode fazer isso - não sozinho, é claro, mas apenas com a graça de Deus. Mas então cheguei a um ponto em que não podia mais suportar estar em comunhão apenas espiritual com a Igreja Ortodoxa tão próxima do meu coração. Eu queria a comunhão real e sacramental. Portanto, eu busquei por isso.

- Você acredita que nesse caminho de escavar até as raízes da tradição ocidental, alguns inevitavelmente se sentiriam compelidos a dar o passo que você deu?

- É difícil dizer, porque pode não ser tecnicamente possível para todo mundo fazer isso. No ocidente, a Igreja Ortodoxa não tinha sido tão bem representada. Agora está mudando. Eu tenho muitos amigos que estão seguindo o mesmo caminho, eles são “ortodoxos”, mas não de um modo confessional. Não sei se algum dia eles se tornarão ortodoxos. Minha própria experiência me ensina que nem sempre você encontrará ajuda do lado ortodoxo. O proselitismo não é normalmente ortodoxo e, às vezes, você nem mesmo encontra ajuda concreta. Eu fui até desencorajado. Havia um teólogo bem conhecido (não vou dizer quem)… eu era um jovem estudante, e ele literalmente proibiu que eu e outros monges de Chevetogne nos tornássemos ortodoxos. Ele disse não! Você não deve se tornar Ortodoxo! Você deve sofrer em sua carne a tragédia da separação. Eu fiz, porque eu não tinha outro jeito. Eu pedi ajuda a outro metropolita ortodoxo russo - ele não me ajudou. Ele apenas me afastou. E esta foi a vontade de Deus. No momento certo, realmente ocorreu bem. De verdade. Como uma carta no Swiss Post. Mas antes, parecia impossível.

- Tenho certeza de que tudo acontece de acordo com a vontade e o plano de Deus, mas você acha que talvez o povo Ortodoxo deva oferecer mais incentivo àquelas pessoas que estão procurando, indecisas? Aqueles que estão cavando profundamente, mas não estão chegando às raízes?

- [Os Ortodoxos] devem conhecer melhor sua própria fé e ser capazes de responder a perguntas. Eles não devem criticar tudo e todos.

- Como muitos convertidos são propensos a fazer.

- Sim, os convertidos são os juízes mais severos. Mas, sim, eles devem ser capazes de responder perguntas essenciais. No entanto, estou falando da minha própria experiência na Suíça. Eu suponho que seja diferente na América, onde existem centenas de igrejas diferentes, denominações protestantes, e elas são todas iguais, por assim dizer. [...] 

- Sim, a América tem o problema oposto: muito para escolher.

- É confuso.

- Mesmo assim, ainda é difícil para alguns Ortodoxos americanos dizerem: “Esta é a verdadeira Igreja”.

- No entanto, é mais fácil na América porque não existe uma Igreja “dominante”. Não é como na Itália, na Espanha ou mesmo na Alemanha, onde há duas Igrejas dominantes, a católica e a protestante. Lado a lado, ou uma sobra a outra, dependendo de como você vê, a Igreja Católica é uma confissão dominante. Qualquer atividade Ortodoxa seria mal recebida, suponho - ainda mais porque dependem da boa vontade da Igreja Católica. Para obter uma igreja, para celebrar, quando você é pobre demais para construir sua própria igreja, você precisa da boa vontade dos bispos católicos. Mas acho que a situação na América é diferente.

- É claro que a Igreja Católica é poderosa na América, mas na América do Norte eles estavam entrando inicialmente em um meio protestante e anglo-saxão. No entanto, a Igreja Católica trouxe muitas obras de caridade, hospitais e escolas para a América, embora muitas pessoas se esqueçam disso.

- Sim, mas eles não deveriam.

De qualquer forma, sou contra qualquer tipo de proselitismo, mas temos que responder a perguntas, dizer como as coisas são, se as pessoas querem saber. Deus chama todo mundo para esse, digamos, "lugar certo".

-Uma última pergunta. As pessoas locais que não são ortodoxas chegam ao seu mosteiro e perguntam sobre [a Ortodoxia]?

- A população local me conhece há trinta anos, mas minha vida sempre foi monástica muito específica; e como eles não conhecem monges, não há monges (havia franciscanos lá, que não são monges), sempre se perguntaram que tipo de irmãos nós éramos. Usávamos preto, tínhamos barbas, costumávamos usar capuzes e parecíamos bastante antiquados. O próprio santo local deles do quinto século também se vestiu exatamente como nós, mas eles não sabem mais disso. Eles sabiam que éramos muito próximo do oriente cristão, os santos pais, e que o que estou dizendo hoje não é diferente do que eu sempre disse. Isso é uma coisa que as pessoas notaram quando me tornei ortodoxo. Uma senhora, uma dona de casa simples sem educação universitária, que sabia que nos tornamos ortodoxos, disse: “Eu só quero que você saiba que você sempre será nosso Pai Gabriel, e você está fazendo o que sempre nos ensinou a fazer: voltar às nossas raízes. A Igreja Ortodoxa é exatamente como era no começo”. Assim, uma pessoa simples, sem estudos teológicos, pode captar o sentido disso. Eles não ficaram chocados. Não houve oposição contra nós. Às vezes acontece, enquanto estamos andando nas ruas, as pessoas dizerem: “Pai, posso te fazer uma pergunta?” Eu digo, tudo bem. "Você é um monge ortodoxo?" Eu digo, sim. "Bravo!"

Eles não estão acostumados a ver monges. Os únicos monges que eles vêem são os monges ortodoxos. Os frades franciscanos usavam roupas de leigo, a menos que você os conhecesse pessoalmente, você não saberia que eles eram frades. Mas monges ortodoxos estão sempre a ser identificado como tal. E para essas pessoas, isso não é uma provocação. Eles se sentem fortalecidos. Eles dizem, tudo bem! Bravo!

Eu devo dizer, eu não esperava essa reação. Quando fui entronizado como abade do meu mosteiro (uma palavra importante para uma pequena realidade), havia vários católicos presentes, muitos deles monges beneditinos. Eles perguntaram se poderiam vir; eles queriam estar lá. Eles estavam presentes na Liturgia Ortodoxa e eu os apresentei ao Bispo, que os recebeu amavelmente. Não foi percebido como um ato hostil contra eles ou contra a Igreja Católica, mas sim como a conseqüência final do que eu sempre ensinara.

- Eles podem ver sua integridade nisso.

- Muitos deles até gostariam de fazer a mesma coisa, mas estão muito ligados ao mundo em que vivem; ou, conhecimento da Ortodoxia deles, da tradição apostólica, é muito pobre.

Bem, nós temos que retornar às nossas raízes.




Notas
[1] As doze igrejas românicas da antiga cidade de Köln datam dos séculos IV e XIII. O estilo românico combina características de edifícios romanos e bizantinos.

[2] Ginásio era o que eles chamavam de escola para as crianças que eventualmente iriam para as universidades. Dos oito aos dezoito anos.

[3] Earthen Vessels: The Practice of Personal Prayer According to the Patristic Tradition (Ignatius Press, 2002)

[4] 16 Outubro, 1865 – 24 Dezembro, 1947.

[5] Réné-François Guettée (1 de dezembro de 1816 - 10 de março de 1892), The Papacy. Após seu estudo aprofundado da história da Igreja, o padre católico romano Guettée tornou-se cada vez mais desiludido com sua Igreja e acabou sendo recebido na Igreja Ortodoxa Russa, com o nome Vladimir.

[6] Azbuka.ru, uma enciclopédia on-line do cristianismo ortodoxo, define плотское мудрование (plotskoe mudrovanie) como “o modo de pensar do homem caído”.

[7] Abadia Chevetogne, também conhecido como o Mosteiro da Santa Cruz, é um mosteiro beneditino católico romano localizado na aldeia belga de Chevetogne, no município de Ciney, província de Namur, a meio caminho entre Bruxelas e Luxemburgo. Foi fundado em 1939. O mosteiro tem duas igrejas - uma de rito latino e outra de rito bizantino.



Original: http://orthochristian.com/65138.html

sábado, 1 de setembro de 2018

Visita de um protestante a uma Igreja Ortodoxa (Pe. Daniel Sysoev)


Não muito longe do Teatro Taganka, de repente um jovem se dirigiu a mim com a pergunta: Você já leu a Bíblia?

Apesar do fato de que eu sou obrigado a usar roupas sacerdotais em todos os lugares que eu vou, tais perguntas se revelam inevitáveis. Eu respondi:

- Sim, de vez em quando. Já que você está obviamente familiarizado com este importante livro ortodoxo, deixe-me perguntar-lhe: O que você especialmente gostou nele para que venha imediatamente para as ruas da nossa cidade para pregar uma nova doutrina?

O jovem ficou um pouco confuso ao escutar essa pergunta imprevista, mas um pouco depois, após de abrir a Bíblia, ele respondeu com uma frase estereotipada:

- Antes eu era um homem mau e minha consciência não me deixava em paz e tinha medo de me perder. Mas eu tenho alguns amigos maravilhosos que me explicaram que não tenho nada a temer; recebe Jesus como seu Salvador pessoal e você é justificado. Paulo escreve sobre isso: "Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus." (Romanos 3:21-24)

- Você acabou de ler palavras excelentes - respondi - e é verdade que todos aqueles que, por meio da fé Ortodoxa, a qual "opera pelo amor" (Gálatas 5,6), recebem em seu coração a graça incriada, que é dada gratuitamente na Igreja Ortodoxa - são justificados, isto é, são feitos justos pelo poder de Deus. Mas, deixe-me perguntar-lhe, a que templo seus amigos maravilhosos vão?

O jovem me disse o nome de uma conhecida seita protestante.

- Os ortodoxos - observou ele - perverteram a Sagrada Escritura, adoram os ídolos e, em geral, são homens que não renasceram em Cristo.

- É lamentável que você tenha caído sob a influência de homens "que causam divisões e obstáculos contra a doutrina" (Romanos 16, 17) - respondi. Mas, como seus amigos culparam a Igreja Apostólica por alterar a Bíblia, que ela mesma produziu, então, vamos comparar nossas crenças.

- De acordo.

- Eu acho que você vai concordar comigo que podemos julgar nossa fé por suas manifestações; já que nosso coração só Deus conhece e não temos poder para penetrar em sua profundidade; E o que poderia servir melhor como a manifestação da nossa fé do que a maneira como adoramos o Criador?

- Sim. Eu concordo completamente - o jovem respondeu.

- Diga-me então, o que você mais gosta nos serviços de adoração de sua organização?

- Não da organização, mas da igreja - ele estremeceu. Nós tocamos violão, cantamos canções bonitas, estudamos a Bíblia por versos, sentimos que o outro é nosso irmão e nos alegramos porque Deus já nos salvou. Em todos os nossos serviços, o amor puro governa (diferentemente dos serviços ortodoxos), todos são felizes. Nossos serviços me dão grande satisfação e me permitem um conhecimento sério da palavra de Deus. Não é como nos serviços dos ortodoxos. Você ora em uma linguagem incompreensível. Se alguém vem visitar sua igreja, ele é completamente ignorado. Ninguém se interessa nele ou explica algo para ele. Vovós com velas repreendem os outros. Vocês não estudam a bíblia. Além disso, todos seus templos, ícones, relíquias dos santos contradizem as Escrituras.

- Você falou muito bem sobre seus ofícios - respondi. Mas antes de criticar os serviços ortodoxos, você realmente precisa tentar vivê-los, ficar de pé por algum tempo e orar, e não sair por aí dizendo coisas que você não compreende, como um membro excessivamente zeloso do Partido da Juventude Comunista. Vamos voltar agora para seus serviços. Eu observei a partir de sua descrição que seus serviços se centram em torno de vocês mesmos - suas necessidades e emoções. Bem, mas você vai concordar comigo que somos seres terrestres, certo?

- Sim claro. Mas por que você menciona isso?

- Porque a Revelação de Deus diz claramente: "Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória."(Colossenses 3, 1-4). O próprio Senhor nos ensina: "Mas buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33). Por essa razão, o ponto central dos serviços divinos deve ser a glorificação de Deus, arrependimento diante dEle e não nossas emoções e relacionamentos com os outros. O principal é a vida em Cristo, e não as palavras sobre Ele. A Bíblia deve ser usada para oração, não como livro de referência para procurar versículos. Sobre aqueles que, como seus amigos, colocam como base não Deus, mas a palavra sobre Ele ou, o que é ainda pior, seus sentimentos provocados pela palavra, o apóstolo Paulo diz: "Porque muitos há ... que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é sua vergonha (não se trata aqui, pois, dos grupos de rock protestantes?), que só pensam nas coisas terrenas. Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo..." (Filipenses 3:18-20) É evidente, então, que seus serviços contradizem o mandamento de Deus. O sábio Salomão diz: "O que desvia os seus ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração será abominável" (Provérbios 28, 9). Tenha medo do castigo de Deus e não julgue a Igreja Apostólica que vive da Revelação de Cristo.

Ao longo do meu longo discurso, o jovem continuou tentando levantar objeções, mas eu perguntei-lhe:

- Bem, por acaso eu disse algo que não é da Escritura? Eu não descrevi seus serviços? No entanto, agora você está tentando justificar uma ilegalidade evidente! O Senhor fala através do profeta Isaías: "Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!” (Isaías 5, 20). Naquele momento, meu interlocutor tentou fugir da questão delicada. Me disse:

- Bem, você afirma que servimos a Deus erroneamente. Mostre, então, da Bíblia, que os Ortodoxos oram a Ele com retidão.

- Bem, eu respondi. Não muito longe daqui, há um templo em que o serviço das vésperas começará em breve. Vamos até ele e eu, com a ajuda de Deus, esforçar-me-ei para mostrar-lhe que tudo, tanto a constituição do templo como os nossos serviços divinos, são completamente bíblicos. Não pense que eu quero te ofender. Pelo contrário, quero que você e eu cheguemos ao conhecimento da Verdade e, através dela, à unanimidade. Pois eu e você devemos cumprir o mandamento do Salvador: "para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste" (João 17, 21).

- Estou de acordo - respondeu ele. - Tente mostrar que todos os seus templos, ícones, relíquias de santos, velas, incensários não contradizem a Bíblia. Eu não acho que vá conseguir isso!

- É excelente que você tenha concordado. Isso é um sinal de Deus que seu coração está aberto à luz do Evangelho. Bem, vamos voltar ao que já observamos. Vimos da Bíblia que a essência dos serviços divinos deve ser pensada não do terreno, mas do celestial. O próprio Senhor disse à mulher samaritana: "Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade." (João 4:23,24). Isso significa que todo o nosso serviço deve ter como fonte a vontade do Espírito Santo e deve estar completamente de acordo com a Verdade - em outras palavras, deve expressar fielmente a fé Ortodoxa.

- Mas por que a fé "Ortodoxa" especificamente? Onde na Bíblia essa palavra é usada?

- Bem, você acha que estar de acordo com a Verdade significa expressar a fé que glorifica incorretamente o Criador, isto é, que mente a respeito Dele? Bem, você realmente acha que a heresia é agradável a Deus? Essa palavra apareceu para distinguir a fé dos apóstolos das heresias! No entanto, também na Bíblia existe a expressão que serve de base para essa palavra. Davi diz: "A geração dos retos será abençoada" (Salmos 112,2); além disso, os cristãos no Novo Testamento são chamados a geração de Deus (Atos 17, 29, 1 Coríntios 15, 23, Hebreus 2, 10-13). Como podemos ver, mesmo aquele nome que a Igreja tomou com o propósito de distinguir-se das heresias não é estranho às Escrituras. Quando confessamos nossa fé na Igreja, a chamamos de Una, Santa, Católica e Apostólica, que está totalmente de acordo com os ensinamentos sobre a igreja, expressos na Revelação.

- Bem, então, você me mostrou que a verdadeira Igreja também pode ser chamada de "Ortodoxa". Embora isso não signifique que aquela organização que agora se chama assim - é a Igreja verdadeira. No entanto, vamos voltar ao tópico sobre como adorar corretamente Deus. Como você vai mostrar praticamente que todos os seus serviços divinos têm como sua fonte a vontade do Espírito Santo?

- Um momento atrás concordamos que um cristão deve pensar no celestial e não no terreno. Cristo disse que o Senhor, o Espirito Santo, "vos ensinará todas as coisas" (João 14, 26), e isso inclui a coisa mais importante de todas: como corretamente servir a Deus e adorá-lo. O apóstolo Pedro diz que o Espírito Santo é enviado do céu (1 Pedro 1, 12), o que significa que os nossos serviços divinos também deve ter a origem celeste. No Antigo Testamento Deus ordenou a Moisés, quando ele estava construindo o tabernáculo: "E farão um santuário para mim, e eu habitarei no meio deles. Façam tudo como eu lhe mostrar, conforme o modelo do tabernáculo e de cada utensílio." (Êxodo 25:8,9) Embora naquela época eles estivessem servindo apenas "àquilo que é exemplo e sombra das coisas celestiais" (Hebreus 8,5), de modo que Deus recebesse as orações dos homens, no entanto, era necessário que tudo fosse regulado não de acordo com as leis terrenas mas de acordo com os celestiais. Ainda mais agora, quando Cristo veio "com um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação" (Hebreus 9, 11), tudo em nossas orações deve ser feito de acordo com o modelo celestial. Você concorda com isso?

- Sim, concordo. Mas que relação isso tem com nossa conversa sobre os serviços divinos dos ortodoxos?

- Bem, tudo! Quero mostrar-lhes que nossa vida litúrgica é baseada na imitação dos céus, o que significa que ela está completamente de acordo com a Revelação de Deus. Segue-se que nossa fé e nossa Igreja são o único lugar onde a salvação pode ser alcançada. Pois quem não serve a Deus corretamente não pode alcançar a vida eterna.

- Bem. Tente provar que ídolos e igrejas podem ser encontradas no céu e eu admitirei que alguém pode renascer em sua igreja. Mas por que a salvação só pode ser encontrar em um só lugar? Não é dito que "todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" (At 2, 21)?

- Os demônios também invocaram o nome do Senhor - respondi - mas isso não os ajudou na salvação deles (Lucas 4, 34). Certamente você realmente não acha que alguém pode ser salvo sem honrar a Deus e servi-lo?

O jovem concordou comigo, embora com evidente descontentamento.

- Bem, vamos voltar ao assunto da nossa conversa - continuei - vamos ver o que a Bíblia diz sobre igrejas. Um momento atrás lemos que o tabernáculo de Moisés foi feito de acordo com o padrão celestial. Obviamente, então, há uma igreja no céu. Mas, além desses testemunhos indiretos, a Bíblia também fala diretamente sobre isso.

- Onde? - O sectário me perguntou com interesse.

- No livro do profeta Isaías (capítulo 6) e em Apocalipse: "E abriu-se no céu o templo de Deus, e a arca da sua aliança foi vista no seu templo; e houve relâmpagos, e vozes, e trovões, e terremotos e grande saraiva.” (Apocalipse 11:19). São João o Apóstolo foi ordenado a medir este templo: "E foi-me dada uma cana semelhante a uma vara; e chegou o anjo, e disse: Levanta-te, e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele adoram."(Apocalipse 11, 1). Por que era necessário que o templo fosse medido, senão porque, de acordo com esse padrão, os templos do Novo Testamento devem ser construídos? Era necessário contar aqueles que adoram nele para mostrar que as igrejas deveriam ser construídas de acordo com o número dos paroquianos, e não de acordo com o tamanho estritamente determinado como fizeram no Antigo Testamento. Espero que voltemos logo novamente à descrição deste santuário celestial pelo apóstolo João.

- Mas por que nossas casas de oração não podem ser consideradas construídas de acordo com o padrão celestial? - o sectário me interrompeu. Visto que nelas a Bíblia é lida, Deus é glorificado.

- A principal diferença entre um templo e uma casa de oração, tanto no Antigo Testamento como no Novo, é que no segundo caso não há altar, que é o lugar mais importante em um templo. Já desde o tempo de Adão era agradável a Deus mostrar Sua presença especial onde quer que os sacrifícios fossem oferecidos (1 Moisés 4, 4). Ao lado do altar ele se revelou a Noé (1 Moisés 8, 20-21), a Abraão (1 Moisés 15, 7-21), a Jacó (1 Moisés 35, 1, 7-15). Para a oferta de sacrifícios, Ele ordenou que se construísse o tabernáculo e o templo de Salomão, que Ele santificou com a aparência de Sua glória incriada, tendo sido revelado na forma de uma nuvem (Êxodo 40, 34; 3 Reis 8, 10). Sobre o templo de Salomão, o Senhor disse: "Santifiquei a casa que edificaste, a fim de pôr ali o meu nome para sempre; e os meus olhos e o meu coração estarão ali todos os dias." (1 Reis 9, 3). Naquele templo, o próprio Senhor orou e chamou-o "a casa de seu Pai" (João 2:16). Então, na Igreja do Novo Testamento, os Santos Apóstolos estabeleceram a prática de erguer altares nas igrejas. Eis como o apóstolo Paulo fala: "Temos um altar, de que não têm direito de comer os que servem ao tabernáculo" (Hebreus 13, 10). É o mesmo hoje - na Igreja Apostólica o coração de uma igreja é o altar. A isso podemos acrescentar que também nos céus - que são (como concordamos) o padrão para nossos serviços a Deus - há um altar místico. João viu sob ele as almas dos mártires (Apocalipse 6, 9). Desse santo lugar, Deus revela Sua vontade aos anjos (Apocalipse 9, 13, 16, 7). O profeta Isaías foi purificado de um altar celestial: "Porém um dos serafins voou para mim, trazendo na sua mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; e com a brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os teus lábios; e a tua iniqüidade foi tirada, e expiado o teu pecado." (Isaías 6:6,7) No entanto, é precisamente esse importante objeto que está faltando nas casas de oração protestantes e, por essa razão, elas não podem ser chamadas de igrejas bíblicas!

- Você de uma maneira muito interessante e com provas demonstrou que nas igrejas os altares devem existir, mas imediatamente surge a seguinte pergunta: Que sacrifícios você oferece nestes, desde que o próprio Cristo ofereceu a Deus o Único Sacrifício - Ele mesmo? Você quer de alguma forma completar com algo o sacrifício do Senhor?

- Claro que não! Quem seria tão louco para pensar que ele, com suas próprias forças fracas, poderia acrescentar algo ao sacrifício de Cristo? Está dentro de nosso poder apenas se tornar participantes deste sacrifício, assim como em Israel: "os que comem os sacrifícios não são porventura participantes do altar?"(1 Coríntios 10, 18). Portanto, na Igreja Ortodoxa, o homem também se torna participante do altar sobre o qual estávamos falando, através do recebimento do Verdadeiro Sacrifício. "Pois Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós" (1 Coríntios 5, 7). Naqueles que não comungam este sacrifício pascal do Novo Testamento, o mandamento de Deus é cumprido: "tal pessoa será extirpada do seu povo" (Números, 9, 13). O próprio Cristo disse: "Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos." (João 6:53).

- Ah, você fala da sua Comunhão - o jovem fez um sinal negativo com a mão - isso é apenas símbolos, uma lembrança; só a fé salva.

- Tudo isso já ouvimos há dois mil anos - respondi. - Imediatamente depois dessas palavras do Senhor "muitos dos seus discípulos tornaram para trás, e já não andavam com ele. Então disse Jesus aos doze: Quereis vós também retirar-vos?" (João 6, 66-67). Os protestantes estão dizendo a mesma coisa agora, como os judeus fizeram: "Duro é este discurso; quem o pode ouvir?"(João 6:60). Mas assim como fez nessa ocasião, assim Ele insiste agora também que Suas palavras devem ser compreendidas literalmente. Ele não deu a ninguém o direito de interpretá-las simbolicamente! Se no Antigo Testamento Israel foi salvo por ter comido um cordeiro pascal real, então como no Novo Testamento essa mudança poderia ser mudada para um simples pensamento sobre o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (João 1:29)? Quanto ao significado simbólico da expressão "comer a carne", na verdade existe. Jó, quando seus amigos o insultam, diz: "Compadecei-vos de mim, amigos meus, compadecei-vos de mim, porque a mão de Deus me tocou. Por que me perseguis assim como Deus, e da minha carne não vos fartais?" (Jó 19, 21-22). Teremos a vida eterna se insultarmos o Senhor e zombarmos Dele?

Tendo pensado um pouco, o jovem reconheceu que a interpretação de sua organização está longe da verdade. Nesses momentos, nós dois já alcançamos o final de nossa caminhada - até uma igreja pequena e bonita, escondida em uma das ruas próximas a praça Taganka. Meu interlocutor, levantando os olhos, viu cinco cúpulas maravilhosas daquela igreja e me lembrou:

- Você prometeu me mostrar que todo este ornamento está de acordo com a Bíblia.

- Claro que não esqueci minha promessa - respondi. - A Igreja Ortodoxa durante séculos desenvolveu esta aparência e forma das igrejas, que ambos estamos olhando agora. Ela fez isso para entregar com maior plenitude possível a realidade celestial através de uma estrutura terrestre. A descrição bíblica do tabernáculo de Moisés e do templo de Salomão influenciou grandemente a construção da Igreja Ortodoxa, embora a igreja não tenha seguido servilmente os exemplos do Antigo Testamento, lembrando que não estamos mais debaixo da lei, mas debaixo da graça (Romanos 6, 14). Então, onde devo começar minhas explicações sobre o significado da igreja e seus componentes?

- Bem, aqui vejo que em suas cúpulas estão as cruzes. Mas a cruz é o instrumento da punição do Filho de Deus. Além disso, a Bíblia diz: "Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro" (Gálatas 3:13). No entanto, você exibe esse maldito madeiro para que todos possam ver, e até adoram esse ídolo!

- Perdoe-me - respondi - você se considera como o quê, que religião você confessa? Eu tenho a infelicidade de estar falando com um deicida - um judeu? Pois são os judeus que chamam o Senhor Jesus de "amaldiçoado", e aquelas palavras que você mencionou não falam da Cruz, mas Daquele que é pendurado nela. Se você considera a cruz como o instrumento de maldição, então para você o Deus-homem será de fato uma maldição. Sim. A Cruz já foi o instrumento de maldição, mas quando o Filho de Deus morreu nela, ela tornou-se nossa glória. Como o texto diz, que você mencionou: "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito."(Gálatas 3: 13-14). Nos protestantes, as palavras do apóstolo Paulo são cumpridas: "Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos (e não para aqueles que já estão salvos), é o poder de Deus "(1 Coríntios 1:18). Isso significa que se as palavras de Paulo são verdadeiras que graças à crucificação na cruz, Cristo estendeu a bênção de Abraão e através dela o poder do Espírito Santo também entre os gentios, isto é, para nós, então elas tiveram que ser cumpridas e também estas palavras de Isaías: "E acontecerá naquele dia que a raiz de Jessé, a qual estará posta por estandarte dos povos, será buscada pelos gentios; e o lugar do seu repouso será glorioso. E há de ser que naquele dia o Senhor tornará a pôr a sua mão... E levantará um estandarte entre as nações"(Isaías 11, 10-12). É exatamente por isso que a Igreja do Senhor eleva nos lugares de suas reuniões estandartes de Seu Noivo - a Cruz. Isso também previu o sábio Salomão quando disse sobre a Igreja Ortodoxa que Ela é "temerosa como exércitos com estandartes" (Cântico dos Cânticos 6, 10).

- Bem, você com muitas provas mostrou que os ortodoxos fazem corretamente colocando a cruz nos templos. Embora eu tenha mais algumas perguntas sobre sua veneração pela Cruz, explique-me agora o que essas cúpulas significam - disse o sectário.

- Acabamos de ler as palavras do profeta que o Senhor levantará Seu estandarte. O templo é o símbolo da Igreja e Sua Cabeça - é Cristo. Obviamente, era necessário que os ortodoxos expressassem essa verdade de alguma forma. É por isso que a construção do templo é coroada com o símbolo do Senhor e Portador-do-estandarte: com a cúpula. Este templo também tem quatro cúpulas menores como o símbolo dos quatro evangelistas, graças a quem a imagem e a doutrina da Cabeça da Igreja - do Senhor Jesus - chegou até nós. Para mostrar a diferença entre os discípulos e o Mestre, em nossos templos a cúpula principal é coberta por ouro - que representa o Reino e a incorrupção (é por isso que os sábios ofereceram ao Menino Jesus o ouro como presente), mas as cúpulas, que representam os evangelistas, tem a cor de um céu estrelado, que nos lembra as palavras do profeta Daniel: "Aqueles que são sábios reluzirão como o brilho do céu, e aqueles que conduzem muitos à justiça serão como as estrelas, para todo o sempre.” (Daniel 12,3). E quem converteu mais pessoas a fé do que os apóstolos? A cúpula em si está no pedestal chamado "pescoço". Como você vê, em um deles os apóstolos são pintados, enquanto em outros há um ornamento especial semelhante a um par de asas. Aqui a própria igreja nos sugere o significado dessa sua parte: o pescoço, graças ao qual a cabeça se une ao tronco, é o símbolo dos apóstolos e seus sucessores, graças aos quais os ortodoxos têm comunhão com Cristo. Como São João o Teólogo escreve: "O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo." (1 João 1, 3)  Sem a sucessão apostólica direta, preservada na Igreja Ortodoxa, a comunhão com Deus é impossível. Essa comunhão, por exemplo, não existe nas comunidades protestantes, que consideram que Deus esqueceu a sua Igreja e que querem corrigir a sua "negligência".

- E o que essa estranha forma do telhado significa, também tem sua origem na Bíblia? - perguntou o jovem, comportando-se como se não tivesse ouvido minhas últimas palavras, que, a propósito, são extremamente dolorosas para os sectários.

- É claro que sim - respondi, tendo decidido não colocar muita pressão sobre o meu interlocutor - esses ornamentos são chamados de abóbadas. A própria forma dele, semelhante às asas dos anjos, tem como objetivo mostrar seu significado. Os ortodoxos adotaram firmemente as palavras do Apóstolo: "Mas chegastes ao monte Sião (é por isso que o telhado parece um monte), e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; À universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus (é essa assembléia de anjos e homens que é representada por esta abóbada), e a Deus, o juiz de todos (simbolizado pela cúpula), e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; E a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel (tudo isto está no altar ortodoxo)" (Hebreus 12, 22-24). Assim, essas palavras da Escritura são pintadas pela linguagem simbólica em nossas igrejas. Mas já que falamos desse texto sagrado, mais importante é enfatizar que os protestantes são violadores desse mandamento. Eles não oram aos santos, nem aos anjos, embora o Apóstolo fale sobre isso aqui, menos ainda eles se aproximam do sangue aspergido, já que eles evitam à Santa Comunhão Ortodoxa. Esse sangue vai condená-los no dia do Julgamento, assim como o sangue de Abel condenou o assassino Caim. Falando desse elemento da arte eclesiástica, deve-se dizer que vem do tempo do Antigo Testamento. Salomão "nas paredes ao redor do templo, tanto na parte interna como na externa, esculpiu querubins, palmas e flores abertas." (1 Reis 6, 29). Precisamente a continuação dessa tradição bíblica que você vê nas paredes de nossa igreja. Sobre a pintura dos querubins já falamos (se você olhar atentamente os azulejos, verá um deles lá). Quanto aos ornamentos de plantas, eles cobrem toda a parede. Eles nos mostram que, graças ao que acontece na igreja, o paraíso que perdemos retorna para nós.

- Sim, sua interpretação deixa uma impressão forte - disse o protestante, pensativamente, mas logo acrescentou maliciosamente - até mesmo aquelas grades nas janelas, que lembram as celas de prisão, têm sua origem no Bíblia?

- Eu não entendo seu ceticismo - respondi. Claro que tem. "Ele (Salomão) fez para o templo, janelas com grades estreitas" (1 Reis 6, 4). Tais são as que vocês vê em nossa igreja (estreitas - em nossos templos aquelas com persianas). A janela é o símbolo da Revelação da luz de Deus, e as grades mostram que ainda não é perfeita, "conhecemos em parte" (1 Coríntios 13: 9). Esse simbolismo tem sua origem na Bíblia: "Lá está ele atrás do nosso muro" - a Noiva fala sobre Cristo - "observando pelas janelas, espiando pelas grades." (Cântico dos Cânticos 2: 9). Um outro elemento antigo da aparência exterior da igreja são pilares que têm a sua origem no Tabernáculo (Êxodo 26) e que simboliza os Santos e Anjos (Gálatas 2: 9).

- Você explicou tudo, menos uma coisa: de onde você tirou esta forma de suas igrejas, isto é, por que neles a torre do sino é mais alta que a igreja, e a igreja é mais alta que o altar?

- Como você obviamente já se lembra, a divisão tripartite de nossas igrejas tem sua origem no templo e no tabernáculo do Antigo Testamento - respondi. Com relação à própria forma de nossos templos, ela também tem sua origem na construção do templo de Salomão. No segundo livro de Crônicas, na descrição, lemos as seguintes medidas: "... o comprimento em côvados, segundo a primeira medida, era de sessenta côvados, e a largura de vinte côvados. E o pátio, que estava na frente, tinha vinte côvados de comprimento, segundo a largura da casa, e a altura era de cento e vinte; e por dentro o revestiu com ouro puro."(2 Crônicas 3, 3-4); e se nos lembrarmos daquela outra descrição escrita no primeiro livro dos Reis, onde a altura do templo principal era de trinta côvados, e o lugar mais santo (ie - o altar) era de vinte côvados de altura, vemos que nossa Igreja fielmente preservou até mesmo as proporções do antigo templo (1 Reis 6: 2, 20). Bem, agora reconheça que não descobrimos um único caso de desvio da Revelação Bíblica.

O protestante foi forçado a concordar comigo. Naquele momento, da torre de sino veio o som dos sinos convidando os cristãos para o ofício divino, e eu disse:

- Assim como durante a peregrinação dos judeus pelo deserto, Deus ordenou que Moisés fizesse duas trombetas de prata para chamar aos fiéis aos holocaustos e disse: "serão por memorial perante vosso Deus" (Números 10, 10), assim hoje, imitando isso, os ortodoxos são convocados para o serviço da manhã e da noite para o Senhor pelo som dos sinos, que para nós substituíram as trombetas.

- Aqui está uma violação da Bíblia! - disse o sectário com alegria.

- Nesse caso, vocês também são violadores, porque as Escrituras não dizem que vocês precisam tocar sintetizadores, mas os ortodoxos, ao contrário de vocês, cumprem com precisão as palavras do Salmo: "Louvai-o com os címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes"(Salmo 150, 5). De acordo com a fé da Igreja Ortodoxa, o som dos sinos está associado com o poder incriado do Divino, de modo que pode afugentar os maus espíritos, como o som da harpa de Davi os afastou do rei Saul (1 Samuel 16, 23).  Por outro lado, aqueles que ouvem o som estão sendo preenchidos com a graça incriada do Espírito, como foi o caso do profeta Eliseu (2 Reis 3, 15), e é por isso que muitos vêm à igreja pela primeira vez precisamente por causa do som do sinos. Os protestantes não têm nada disso, e é por isso que eles são forçados a procurar constantemente por conversos, e ainda assim não alcançam os mesmos resultados que os ortodoxos. Não há nem mesmo uma nação que tenha sido convertida ao cristianismo por protestantes. Isso não surpreende, já que, sem o apoio do poder de Deus, as pessoas não são capazes de receber verdadeiramente Cristo (1 Coríntios 12,3). Mas já é a hora do serviço das Vésperas. Vamos entrar na igreja pelas portas, das quais David canta: "Abri-me as portas da justiça; entrarei por elas, e louvarei ao Senhor. Esta é a porta do Senhor, pela qual os justos entrarão." (Salmos 118:19,20)

- Bem, agora você está se esforçando para encontrar a justificativa bíblica para uma simples porta, acho que você exagera um pouco neste momento.

- Por que você diz isso? Duas portas para o templo foram feitas pelo rei Salomão (3 Reis 6, 33-34) e, na Igreja Ortodoxa, cada objeto possui, além de seu uso prático, um significado espiritual.

Nós entramos na igreja, sob suas abóbadas silenciosas. Diretamente em frente à entrada estava a mesa com velas acesas.

- O que esse estranho objeto significa e por que há tantas velas nele? - perguntou o sectário.

- Esta é a mesa para a comemoração dos falecidos, respondi. As velas são um símbolo da nossa oração por eles. Diante esta mesa, a Igreja oferece incenso e eleva suas orações pelos nossos irmãos falecidos. Ao lado dela os parentes próximos deixam suas ofertas que trazem em memória de seus falecidos. Tudo isso representa uma manifestação do nosso amor, que "jamais acaba" (1 Coríntios 13, 8), porque "se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor."(Romanos 14: 8). Portanto, nossas orações, tal como a Igreja crê, possuem grande força para os falecidos, que não podem mais fazer nada por si mesmos.

- Mas como você pode orar pelos falecidos quando o destino deles já está decidido? Afinal, Abraão disse ao homem rico: "E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá." (Lucas 16 : 26).

- É claro que os que partiram não são capazes de mudar sua situação, mas isso ainda está dentro do poder dAquele que detém as "chaves do inferno e da morte". (Apocalipse 1:18). E Ele disse aos cristãos ortodoxos: "E, tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis" (Mateus 21,22). É precisamente por isso que rezamos pelos nossos irmãos, ainda mais porque até o Dia do Juízo Final o destino de cada pessoa ainda não está definitivamente determinado; se não, então o Julgamento em si não teria significado. E também, nosso Redentor, "porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles." (Hebreus 7:24,25) Acreditamos que para o Seu poder não há barreiras, exceto a livre rejeição d'Ele pelo homem, é por isso que a Igreja menciona em suas orações todos os seus filhos, exceto aqueles que evidentemente lutaram contra Deus e portanto cometeram o pecado de blasfêmia contra o Espírito Santo, que não é perdoado nem neste século nem no futuro (Mateus 12, 31-32). A partir dessas palavras de Cristo, segue-se que o perdão dos pecados é possível mesmo após a morte. Mas eu tenho que avisá-lo que se você permanecer na seita, ninguém mais poderá ajudá-lo, já que agora você está blasfemando contra o Espírito, que permanece eternamente na Igreja Ortodoxa (João 14,16).

Ele fez uma careta de descontentamento e  se apressou mais uma vez para se afastar do assunto delicado.

- Tudo bem, sua oração pelos que partiram faz sentido, mas por que você dá esmolas em favor deles?

- Todos os cristãos receberam o mandamento: "Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso." (Lucas 6:36), é por isso que a esmola ajuda as nossas orações. Já no Antigo Testamento o filho de Sirácides escreveu: "Seja generoso com todos os que vivem e não se esqueça de mostrar amor e fidelidade aos mortos." (Eclesiastes 7, 33) Mas se você não tiver outras perguntas, continuemos nossa caminhada pela igreja.

- Por que você viola publicamente o mandamento de Deus? - O sectário perguntou-me, mostrando-me os ícones sagrados. - Já que é dito: "Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás."(Êxodo 20: 4-5). Mas você encheu todo o seu templo com as imagens de homens e anjos. Trata-se de uma idolatria óbvia!

- E você não acha - eu respondi - que desde que este mandamento foi dado, algumas mudanças ocorreram na relação entre Deus e o homem? Lembre-se que o próprio Moisés explicou a razão pela qual era impossível fazer uma imagem de Deus no Antigo Testamento. Ele diz: "Guardai, pois, com diligência as vossas almas, pois nenhuma figura vistes no dia em que o Senhor, em Horebe, falou convosco do meio do fogo; Para que não vos corrompais, e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer figura." (Deuteronômio 4 15-16). Mas, desde então, alguns grandes eventos aconteceram. O próprio Invisível tornou-se visível e, confessando essa verdade na prática, fazemos uma imagem de Deus encarnado. "Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou "(João 1:18). E nós anunciamos esta incrível mensagem não apenas por palavras, mas também na prática. Você, por outro lado, não pode de maneira alguma demonstrar sua fé em Cristo, que veio na carne, já que você explicitamente nega fazer a Sua imagem. Portanto, vocês correspondem completamente à descrição do enganador e do Anticristo, dada pelo apóstolo João (2 João 1, 7)! Rejeitando a veneração dos ícones, vocês também se privam da possibilidade de cumprir o mandamento do apóstolo Paulo: "Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz [dizendo estas palavras mostrei-lhe a cruz com a mão], desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus [e eu lhe mostrei o ícone de Cristo em Sua glória]" (Hebreus 12, 1-2). Tanto quanto sei, os homens olham com os olhos, e isso pressupõe a existência de ícones na Igreja.

- Aqui trata-se de uma questão de não olhar com os olhos, mas pelo pensamento, pela memória - respondeu o sectário.

- Não, você está errado - eu disse. O próximo verso fala do olhar mental, mas aqui não temos razão para nos afastarmos do significado literal do texto bíblico.

- Bem, suponha que é possível fazer imagens de Cristo, mas por que fazer ícones dos santos? Como eles não são deuses, então o que esses ícones testemunham?

- Os santos, claro, não são deuses por natureza, eles são filhos de Deus pela graça incriada de Deus (João 1, 12-13). Seus ícones representam um testemunho brilhante de que o feito de Cristo não foi infrutífero. Eles receberam a glória que o Pai deu ao Filho e Ele deu aos santos (João 17, 22). Veja, por exemplo, este ícone da santa Mártir Paraskeva. Você vê a luz brilhando em volta da sua cabeça? Este é o símbolo da Glória Divina, porque "Deus é luz" (1 João 1, 5). E o modo de como esta santa chegou a Deus é indicado pela cruz em suas mãos. Pois é dito: "E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim. Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á." (Mateus 10: 38-39). Assim também Santa Paraskeva tomou sua cruz, perdeu sua vida por Cristo e encontrou a alegria eterna. E nós "considerando qual foi o fim da sua vida, imitamos a sua fé" (Hebreus 13, 7), como o Apóstolo nos aconselha. A partir disso, obviamente chegamos à conclusão de que a Escritura nos ensina a honrar os ícones dos santos e, através deles, pedir ajuda na oração, porque "a oração de um justo é poderosa e eficaz." (Tiago 5:16). No entanto, na Bíblia há um mandamento direto de Deus para fazer imagens, dada no Antigo Testamento. Nós já falamos que no templo de Salomão havia imagens dos querubins, e ele não os fez arbitrariamente, mas cumprindo apenas a ordem dada a Moisés. "E o Senhor falou a Moisés, dizendo... farás também dois querubins de ouro batido nas extremidades da tampa (do propiciatório). Ali, sobre a tampa, no meio dos dois querubins que se encontram sobre a arca da aliança, eu me encontrarei com você e lhe darei todos os meus mandamentos destinados aos israelitas." (Êxodo 25, 1-22). A partir dessas palavras, fica claro que o próprio Deus ordenou que as imagens sagradas fossem feitas. Elas são tão agradáveis a Ele que através delas Ele revelava Sua vontade e realizava milagres, assim como os faz através dos ícones até hoje. Se você se lembra, no início de nossa conversa falamos sobre o fato de que devemos imitar o serviço divino celestial. Agora é importante notar que, embora os protótipos dos ícones vivam no céu, também existem ícones lá. Afinal, no templo o apóstolo João viu a Arca da Aliança, coberta por ícones (Apocalipse 11,19). Nos tempos do Antigo Testamento, era impossível fazer imagens de homens, porque eles ainda não haviam sido redimidos e não tinham se unido a Deus; mas agora, quando os justos são feitos iguais aos anjos através da participação na divindade (Lucas 20, 36) e mesmo as faces deles podem se tornar como as faces dos anjos (Atos 6, 15), nós naturalmente podemos e devemos representar os santos (lembre-se do mandamento do apóstolo em Hebreus, 13: 7)

- Muito bem. Você mostrou que os ícones não contradizem a Bíblia. Mas por que venerá-los quando se diz: "Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás" (Mateus 4, 10)?

- Você notou que não foi dito que devemos venerar somente a Deus. Existem diferentes tipos de veneração. Abraão se inclinou diante dos filhos de Het (Gênesis 23, 12), Jacó adorou encostado à ponta do seu bordão (Hebreus 11, 21). Tudo isso é chamado de veneração por respeito - de tal forma nós nos curvamos diante das coisas sagradas, principalmente diante dos ícones. Um exemplo desse tipo de veneração nos é dado na Bíblia: Josué, filho de Nun, caiu sobre o rosto diante da arca, que era uma imagem do Deus invisível e estava coberta de ícones de anjos (Josué 7: 6 ). Davi curvou-se diante do templo (Sal. 5: 8) e disse que quando acordasse, ele 'estará satisfeito com a semelhança de Deus (Sal. 16:15). Até mesmo o próprio arranjo do tabernáculo pressupunha tal veneração - lâmpadas de óleo e incenso diante das cortinas cobertas de ícones dos querubins (Êx 26:31, 35; 30: 6-7). Dessa forma, a Igreja Ortodoxa em tudo é fiel à Revelação de Deus! Mas há também outro tipo de veneração, chamada adoração ou servir a Deus - tal adoração nós damos somente a Deus e então nos curvamos diante da Santa Comunhão, porque a própria Palavra de Deus está diante de nós - com Seu Corpo e Sangue. 

- E onde nas Escrituras você encontrou o mandamento de colocar tantas velas, candelabros e lâmpadas? Eu sei que agora você vai mencionar o candelabro de sete braços, mas só ele estava em todo o tabernáculo, e você tem tantas!

- Sim, havia um único candelabro de sete braços no tabernáculo. Naturalmente, também podemos lembrar o fogo incessante que queimava no altar, e seguindo este exemplo as velas estão constantemente queimando nas igrejas. Além disso, há indicações na Bíblia sobre muitas lâmpadas que iluminam o templo como um símbolo da luz divina que ilumina o templo celestial. Salomão "fez dez candelabros de ouro, de acordo com as especificações, e colocou-os no templo, cinco no lado sul e cinco no lado norte."(2 Crônicas 4, 7). E o apóstolo Paulo também serviu uma liturgia na habitação superior, "onde ... havia muitas lâmpadas acesas" (At 20, 8). Então, aqui novamente, a Igreja permaneceu inalterada desde os tempos apostólicos. Mas, enquanto o ofício divino não começa, vamos olhar o próprio santuário da igreja. 

Nós nos aproximamos da iconóstase, e o jovem me perguntou:

- Toda essa decoração complicada tem raízes bíblicas?

- Como você já se convenceu muitas vezes - sim, tem. Nós já falamos sobre a cortina coberta com os ícones que separavam o resto do templo do Santo dos Santos. A mesma parede que juntava essas duas partes já aparecia no templo de Salomão: "Edificou mais vinte côvados de tábuas de cedro nos lados da casa, desde o soalho até às paredes; e por dentro lhas edificou para o oráculo, para o Santo dos Santos.... E todas as paredes da casa, em redor, lavrou de esculturas e entalhes de querubins, e de palmas, e de flores abertas, por dentro e por fora.... E à entrada do oráculo fez portas de madeira de oliveira; o umbral de cima com as ombreiras faziam a quinta parte da parede. (Preste atenção na forma das portas do altar, ela corresponde completamente à descrição) Também as duas portas eram de madeira de oliveira; e lavrou nelas entalhes de querubins, e de palmas, e de flores abertas, os quais revestiu de ouro."(1 Reis 6: 16-32). Se você olhar de perto, ao lado das imagens dos quatro evangelistas, verá também os ícones dos querubins. As imagens dos apóstolos não apareceram aqui por acaso. É precisamente por causa dos seus Evangelhos que podemos alcançar a vida eterna, que é o Filho Deus, que habita nos nossos altares com o Seu Corpo e Sangue. Essa salvação só foi possível pela encarnação que ocorreu no tempo da Anunciação, cujo ícone também está nas portas. Como testemunho da veracidade da encarnação, vemos nos lados os ícones de Cristo e de Sua Mãe. Deve-se notar que o protótipo das portas do altar também existe no céu. O apóstolo João viu: "eis que estava uma porta aberta no céu; e a primeira voz, que como de trombeta ouvira falar comigo, disse: Sobe aqui" (Apocalipse 4, 1). Vamos também seguir essa voz e ir para a imagem terrena do santuário celestial. 

Chegamos à porta norte quando tive que avisar meu interlocutor:

- Você não tem o direito e a possibilidade de entrar no altar, porque você está no pecado mortal de heresia. A força de Deus pode puni-lo se você, não tendo ingressado na Igreja de Cristo, entrar no altar. Eu não gostaria que acontecesse com você o que aconteceu com Nadabe e Abiú, que ofereceram fogo estranho diante do Senhor e morreram por Sua chama (Levítico 10, 1-7). Portanto, mostrarei o altar através de suas portas. 

Depois de me convencer de que meu interlocutor não ficou ofendido com essa atitude em relação a ele, abri as portas e disse:

- Agora, quase sem mais comentários, pode-se citar as palavras do livro do Apocalipse e mostrar a imagem do céu em nossa triste terra. "E eis que um trono estava posto no céu, e um assentado sobre o trono. E o que estava assentado era, na aparência, semelhante à pedra jaspe e sardônica; e o arco-íris estava ao redor do trono, e parecia semelhante à esmeralda."(Apocalipse 4: 2-3). Olhe no lugar superior e você verá as imagens de tudo isso. Aqui está o trono superior, onde o portador da graça apostólica incriada está sentado durante o serviço divino - o bispo, que serve como a imagem de Deus, como alguém que foi ungido pelo Espírito Santo. No trono, vemos o ícone do próprio Jesus que está sentado, rodeado por um arco-íris de esmeralda. "E ao redor do trono havia vinte e quatro tronos; e vi assentados sobre os tronos vinte e quatro anciãos vestidos de vestes brancas; e tinham sobre suas cabeças coroas de ouro." (Apocalipse 4:4) Ao lado do trono principal, você também pode ver esses tronos menores, onde os presbíteros podem sentar-se durante a Liturgia (os "anciãos" - do grego). Acima de suas cabeças estão os ícones dos presbíteros celestiais, dos santos pais que compilaram o texto da Liturgia Apostólica.

- Bem, - o sectário me interrompeu - você introduziu algo novo além do que os apóstolos lhe deram. Isso significa que sua igreja não é apostólica!

- O fato de termos introduzido algo que não está nos textos bíblicos não significa de forma alguma que distorcemos a Revelação. Nossa Igreja está viva. É um organismo que cresce, e não podemos acorrentá-la apenas no contexto da Bíblia. Não somos servos da letra que mata, mas do Espírito que vivifica (2 Coríntios 3: 6), de quem o Senhor deu testemunho: "Vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito." (João 14:26) Portanto, os santos, guiados pelo Espírito, a cada século acrescentam cada vez mais riquezas ao tesouro da Igreja, revelando nela o que Cristo lhe deu em toda a plenitude desde o princípio.

-Bem, então, com isso você confirmou sua natureza não-bíblica; seguimos apenas a Bíblia e não precisamos de mais nada!

- Claro, você não precisa nem do Espírito Santo! Mas se você é tão bíblico, então por que você não tem nada das coisas que falamos tanto?

Nenhuma resposta clara foi dada. Então eu continuei:

- Vamos voltar para a contemplação dos símbolos celestes. Ouvimos dizer que os anciãos no céu se vestem não apenas com roupas comuns, mas com roupas especiais; imitando estes, os sacerdotes ortodoxos usam roupas sacerdotais, rejeitadas por seus correligionários. As coroas de ouro simbolizam as mitras - que são usadas pelos bispos e sacerdotes. Uma das mitras, como você pode ver, está no lugar superior. "E do trono saíam relâmpagos, e trovões, e vozes; e diante do trono ardiam sete lâmpadas de fogo, as quais são os sete espíritos de Deus."(Apocalipse 4, 5). A imagem dessas vozes e trovões são as palavras da Revelação de Deus, que são pronunciadas do lugar superior. As sete lâmpadas que estão queimando estão à sua frente. Este é um candelabro com sete velas. O apóstolo João viu um mar de cristais que é simbolizado aqui por este lavatório, e quatro animais representados tanto nas pinturas quanto nas exapterigas. Se você retornar à Igreja e participar da liturgia, ouvirá os hinos que eles cantam. Agora vamos prestar atenção à parte principal do altar - chamada Altar ou a Mesa. Até mesmo o Apóstolo Paulo fala sobre sua existência na Igreja (1 Coríntios 10, 21). Sob o altar celestial estão as almas dos mártires (Apocalipse 6, 9); e seus corpos repousam sob sua representação terrena - essa é a expressão da unidade da Igreja terrena com a celestial.

- Bem, e o que essas cobertas significam no altar? Se bem me lembro, no Antigo Testamento, o templo não estava coberto.

- Você não está exatamente certo. Se você se lembra, o principal santuário do templo - a arca - estava coberta com véus durante a jornada de Israel, bem como outros objetos sagrados (Números 4, 5-15). Os ortodoxos não consideram esta terra seu lar eterno; toda a sua vida é uma jornada incessante para a terra da promessa, para Cristo. É por isso que nossos templos estão voltados para o leste e nosso altar está coberto, porque ainda estamos a caminho. Por outro lado, o altar é o símbolo do túmulo de Cristo que sofreu por nós; portanto, as cobertas são um lembrete do sudário que foi deixado para trás após a ressurreição (João 20: 6-7). A coisa mais sagrada sobre o altar no Antigo Testamento era a arca da aliança. O Evangelista João também viu. Este objeto sagrado também está em nossa mesa: a imagem de uma igreja que está nela tem como sua parte principal a arca, onde está o Corpo de Cristo - o protótipo da mana (João 6, 49-51) que era guardada diante da arca do Antigo Testamento (Êxodo 16, 32-34). Como você se lembra, o conteúdo principal da arca eram as tábuas da aliança (Êxodo 25, 21), e no templo celestial Aquele que se senta no altar à sua direita tinha um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos abertos pelo cordeiro imolado (Apocalipse 5). Era necessário que houvesse algo semelhante no santuário terrestre também. Portanto, na mesa você vê o Evangelho de Jesus Cristo - as novas tábuas da aliança e o livro aberto dos destinos de Deus. Além desses objetos sagrados, em frente à arca da aliança se encontrava a vara de Arão que floresceu "como sinal para os filhos rebeldes; e farás acabar as suas murmurações contra mim, e não morrerão."(Números 17,10). Em nosso altar há um sinal incomparavelmente maior, o sinal do Filho do Homem (Mateus 24:30) - a Cruz Vivificadora, na qual o próprio Deus estabeleceu um novo sacerdócio segundo a ordem de Melquisedeque, que superou o sacerdócio de Aarão (Hebreus 7). Nosso altar é consagrado pelo sucessor dos apóstolos através da unção com o santo crisma, como também era no Antigo Testamento. "Assim santificarás estas coisas, para que sejam santíssimas; tudo o que tocar nelas será santo."(Êxodo 30, 29).

- O que esta mesa à esquerda significa? Por que precisam dela? E, em geral, por que tudo é tão complicado na Ortodoxia?

- Essa mesa é chamada de mesa da oblação. Ela foi construída de acordo com seu protótipo no Antigo Testamento (Êxodo 25, 23-30). Nela os pães são constantemente oferecidos "uma oferta queimada para Senhor ... é uma coisa santíssima" (Levítico 24, 7-9). Em nossa Igreja eles são chamados prosforas (pães santificados) e são trazidos a Deus em memória dos cristãos vivos e os que partiram. Através deles, Deus operou muitos milagres com aqueles que crêem nEle, mas o papel principal desta mesa é preparar o pão e o vinho usados para o sacrifício litúrgico. Bem, a Ortodoxia é muito complexa: ela foi criada por Deus para responder às inúmeras questões do coração ferido e imensamente profundo do homem, que é conhecido apenas por Deus (1 João 3:20). Em nossas vidas, dois abismos são enfrentados: a profundidade do coração humano e a incompreensibilidade da mente de Deus. Nós não fomos que inventamos a Ortodoxia. Ela nos foi dada por Aquele de quem Davi cantou: "O teu caminho é no mar, e as tuas veredas nas águas grandes, e os teus passos não são conhecidos. Guiaste o teu povo, como a um rebanho, pela mão de Moisés e de Arão." (Salmos 77:19,20) Portanto, não podemos abolir nada: "Por que quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? ”(Romanos 11:34). Eu também aconselho que você não irrite o Senhor com sua oposição à Sua Igreja, porque "somos nós mais fortes do que ele?" (1 Coríntios 10:22). É melhor que se humilhe sob Sua mão poderosa, e Ele o exaltará! Mas no momento temos que terminar nossa conversa, porque nosso sacerdote que preside a nós no Senhor (1 Tessalonicenses 5, 12) já está no lugar, e o serviço de vésperas começará agora. Participemos juntos desta oração servida na Igreja Ortodoxa desde o tempo do Patriarca Isaac (Gênesis 24, 63), durante quatro mil anos.

Descendemos do ambão e ficamos ao lado do ícone principal de nossa igreja. Naquele momento, o sacerdote começou o serviço das vésperas com o clamor do rei e sacerdote Melquisedeque: "Bendito seja Deus" (Gênesis 14, 20). O devoto leitor começou a cantar em uma única nota as palavras do profeta Davi, a maravilhosa ordem do mundo criado pelo Todo-Poderoso (Salmo 103). Então, imitando o sábio rei Salomão, o diácono pronunciou uma litania da paz (1 Rs 8, 22-53), e o coro começou a cantar o antigo hino vespertino do rei Davi (Salmos 140; 141; 129; 116). Durante esses cantos, o diácono cumpriu o antigo ritual do incenso vespertino do templo, estabelecido por Moisés (Êxodo 30, 8), cujo protótipo o apóstolo João contemplou no templo celestial (Apocalipse 5, 8). Enquanto isso, o coro, de acordo com a ordem do Apóstolo, estava cantando: "com salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração" (Efésios 5:19) por todas as suas grandes bênçãos e pedindo perdão. Então este coro, cumprindo as palavras de Salomão “a memória dos justos será abençoada” (Provérbios 10, 7), cantou os hinos em honra dos santos, em cuja congregação o louvor é enviado a Deus. (Salmo 149, 1). No final dos hinos, as portas do altar foram abertas e os sacerdotes, com velas nas mãos, fizeram a procissão da entrada vespertina, que tem sua origem no rito de acender as sete lâmpadas no Antigo Testamento todas as noites (Êxodo 27, 20-21). O coro glorificou Aquele que é a verdadeira Luz (João 1, 9), as palavras do antigo hino pós-apostólico. Então o diácono pronunciou o grande prokimenon, extraído do Salmo 61:

"Deste-me a herança dos que temem o teu nome.
Desde o fim da terra clamarei a ti.
Abrigar-me-ei no esconderijo das tuas asas. 
Assim cantarei louvores ao teu nome para sempre"  (Salmo 61, 5, 2, 4, 8).

O coro, imitando o coro celestial dos anjos (Apocalipse 4, 8-11), cantou o primeiro verso em cada uma dessas orações. 

Percebeu-se pela face de meu interlocutor que ele ficou particularmente comovido com as palavras do grande prokimenon (expliquei-lhe tudo o que ocorria no serviço divino, passo a passo). 

Como sinal de que chegou o tempo do arrependimento, as portas do altar se abriram, e o leitor pronunciou uma das mais antigas orações cristãs: "Concede, ó Senhor, que nos guardemos do pecado esta noite ..." Então o diácono convidou todos os fiéis a buscar o Reino e sua justiça (Mateus 6, 33), e o coro cantou o Salmo 122 e as canções penitenciais acompanhando ele. Elas nos convidaram a imitar a oração do publicano e a evitar o orgulho farisaico (Lucas 18: 9-14). O leitor nos lembrou da proximidade de nossa morte, cuja imagem representa o sonho. Ele colocou em nossos corações o exemplo da atitude correta em relação a este evento inevitável, pronunciando a maravilhosa oração de São Simeão, o Recebedor de Deus (Lucas 2: 29-32). Tendo purificado nossa mente de apegos terrenos, nos unimos ao hino dos serafins (Isaías 6: 3) e ousamos chamar Deus de "Pai nosso", pronunciando as palavras da oração do Senhor (Mt 6, 9-13). Então, pedimos àqueles que já alcançaram a adoção plena como filhos de Deus que nos ajudem em nossa oração. Especialmente, clamamos a Ela que profetizou no Espírito: "Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada" (Lucas 1:48). Oferecemos-lhe uma doxologia, composta das palavras do arcanjo Gabriel (Lucas 1:28) e as de Isabel (Lucas 1, 42-43). O padre junto conosco suplicou ao Senhor com as palavras de Santo Efrem para nos livrar de um espirito de pecado e nos conceder um espírito de virtude. Depois de glorificar nossa Esperança - Cristo - e a Santíssima Trindade, revelada por Ele para nossa edificação, nós deixamos a igreja. Nosso caminho e a noite vindoura foram abençoados pelo nome de Jesus, que é uma  "torre forte; os justos correm para ela e estão seguros" (Provérbios 18, 10). 

Já era tarde demais e começamos a nos despedir. Eu aconselhei meu companheiro a se reconciliar com Deus e a ficar sob a proteção de Suas asas, na Igreja Ortodoxa. Ele prometeu que pensaria sobre isso. Despedi-me dele, lembrando-me das palavras de Cristo: "Examinais as Escrituras ... elas são as que dão testemunho de Mim" (João 5:39). "Eu edificarei a minha igreja; e as portas do inferno não prevalecerão contra ela "(Mateus 16:18).

* * *

A Grande Quaresma passou. A Páscoa foi celebrada na Terra. Visitando as igrejas decoradas com flores, rodeadas por cerejas perfumadas e macieiras, lavadas com a fresca tempestade de maio, encontrei uma pequena e maravilhosa igreja em Zamoskvorechye. Meu coração me atraiu para aquela preciosa casa do Noivo Celestial. Tendo entrado, sob suas abóbadas perfumadas, vi alguns homens que esperavam para confessar ao padre. De repente, entre os homens que estavam lá, vi meu interlocutor. Acontece que, depois de algumas dúvidas, esse meu conhecido rejeitou seus erros, ele se arrependeu de seus pecados e agora está aprendendo a viver de acordo com os mandamentos de Deus ...

"E (o Senhor) disse: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como. Porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga, por último o grão cheio na espiga. E, quando já o fruto se mostra, mete-se-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa." (Marcos 4:26-29)