domingo, 29 de março de 2020

Perguntas frequentes sobre os ícones (Pe. John Whiteford)

1. O que é um Ícone?

Um ícone é uma imagem (normalmente bidimensional) de Cristo, dos santos, anjos, importantes passagens bíblicas ou eventos da história da Igreja.

São Gregório Dialogista (Papa de Roma 590-604), falava dos ícones como sendo a Escritura para os iletrados:
“Pois aquilo que a escrita apresenta ao leitores, esta figura apresenta ao não esclarecido que a contempla, já que nela até mesmo os ignorantes vêem o que devem seguir, nela o iletrado lê” (Epístola ao Bispo Serenus de Marselha, NPNF2, Vol. XIII, pág. 53).
A todos que sugerem que isso não é mais relevante em nossa era iluminada, considerem a taxa de analfabetismo funcional bastante grande que temos e o fato de que mesmo as sociedades mais alfabetizadas sempre têm um segmento iletrado considerável ... seus filhos pequenos.

Os ícones também ascendem nossas mentes das coisas terrenas às celestiais. São João Damasceno escreveu “somos levados por ícones visíveis à contemplação do divino e espiritual” (PG94:1261a). Guardando em nossa memória o que é representado no ícones, somos inspirados a imitar a santidade dos que são representados neles. São Gregório de Nissa (330-395) falava de como ele não conseguia passar diante do ícone de Abraão sacrificando Isaque “sem derramar lágrimas” (PG 46:572). Sobre isto, observou-se no Sétimo Concílio Ecumênico “Se até mesmo a tal Doutor a figura foi útil e o fez derramar lágrimas, quanto mais no caso dos ignorantes e simples trará compunção e benefício"(NPNF2, vol. 14, p. 539).

2. Os Cristãos Ortodoxos oram aos ícones?

Os Cristãos Ortodoxos oram na presença dos ícones (assim como os Israelitas oravam na presença dos ícones no Templo), mas não oramos à imagem.


3. Os ícones operam milagres?

Para colocarmos esta questão numa perspectiva apropriada, consideraremos algumas outras questões: A Arca da Aliança operava milagres (c.f. Josué 3,15; I Samuel 4,6; II Samuel 11,12)? A Serpente de Bronze curou os picados pelas serpentes (Números 21,9)?  Os ossos do Profeta Elias ressuscitaram um homem dentre os mortos (II Reis 13,21)? A sombra de São Pedro curava os doentes (Atos 5,15)? Os lenços e outros panos de São Paulo curaram os doentes e expulsaram os maus espíritos (Atos 19,12)?

A resposta para estas perguntas é, de certa forma, sim. Todavia, para ser preciso, era Deus que escolhia estes objetos para operar milagres através deles. No caso da Arca e da Serpente de Bronze, nós temos imagens usadas para operar milagres. Deus operou milagres através das relíquias do Profeta Elias, através da sombra de um santo, e através de objetos que haviam apenas tocado um santo. Por que? Porque Deus honra a todos aqueles que O honram (I Samuel 2,30), e assim alegrou-se em operar milagres através de Seus santos, até mesmo por meios indiretos. O fato de Deus poder santificar coisas materiais não deveria surpreender os familiarizados com as Escrituras. Por exemplo, não apenas o altar do templo era santo, mas tudo o que o tocava também se tornava santo (Êxodo 29:37). Rejeitar a verdade de que Deus opera através de coisas materiais é cair no gnosticismo.

Então, sim, em termos imprecisos, os ícones podem operar milagres - mas, para ser mais preciso, é Deus quem opera os milagres através dos ícones, porque Ele honra aqueles que O honraram.

4. Os Cristãos Ortodoxos adoram os ícones? Qual é a diferença entre “adoração” e “veneração”?

Os Cristãos Ortodoxos não adoram os ícones no sentido de como a palavra “adoração” é usada normalmente no inglês moderno [1] . Em traduções antigas (e também em algumas traduções recentes em que os tradutores insistem em usar a palavra em seu sentido original), encontra-se a palavra “adoração” como tradução para a palavra grega proskyneo (literalmente, reverenciar). No entanto, deve-se entender que o antigo uso de “adoração” no inglês era muito mais amplo do que o utilizado hoje em dia, e era muito comum para se referir ao ato de honrar, venerar ou reverenciar. Por exemplo, no antigo Livro de Oração Comum, nos votos de casamento pode-se ler: “com meu corpo eu te adoro”, mas isso nunca teve a intenção de sugerir que a noiva adoraria seu marido no sentido em que "adoração" é comumente usada agora.

Os Cristãos Ortodoxos veneram os ícones, isto é, nós prestamos respeito a eles pois são objetos sagrados e por isso nós reverenciamos o que eles representam.  Nós não adoramos ícones assim como os americanos não adoram a bandeira americana. Saudar a bandeira não é exatamente o mesmo tipo de veneração que prestamos ao ícone, mas é de fato um tipo de veneração. E assim como não veneramos madeira e tinta, mas sim as pessoas representadas no ícone, os americanos patrióticos não veneram tecidos e tintas, mas o país que a bandeira representa.

Esta foi a razão do Sétimo Sínodo Ecumênico, que decretou em seu Oros o seguinte:

 “Sendo assim, seguindo o nobre caminho e o ensinamento divinamente inspirado dos nossos Santos Padres e da Tradição da Igreja católica – que sabemos que é inspirada pelo Espírito Santo que nela habita – decidimos corretamente após um profundo exame que, assim como a santa e vivificante Cruz, também os santos e preciosos ícones pintados com cores, feitos de pequenas pedras ou qualquer outro material com este propósito (epitedeios), devem ser colocados nas santas igrejas de Deus, nos jarros, vestes sagradas, paredes, tábuas, em casas e estradas, sejam estes ícones de nosso Senhor Deus e Salvador, Jesus Cristo, ou de nossa Senhora Soberana imaculada, a santa Mãe de Deus, ou dos santos anjos e dos homens santos e venerados. Pois toda vez que os vemos representados em uma imagem, quando os contemplamos, somos levados a recordar seus protótipos. Por isso, é apropriado prestar-lhes uma veneração (proskenesin) fervorosa e reverente, não, porém, a verdadeira adoração (latreian) que, segundo a nossa fé, é próprio apenas à única natureza divina, mas da mesma forma que veneramos a imagem da cruz preciosa e vivificante, o santo Evangelho e outros objetos sagrados que honramos com incenso e velas, segundo o costume piedoso dos nossos antepassados. Pois a honra prestada à imagem vai para o seu protótipo, e a pessoa que venera um Ícone venera a pessoa nele representada. Com efeito, tal é o ensinamento dos nossos santos Padres e a Tradição da santa Igreja católica que propagou o Evangelho por todo o mundo".
Quanto mais eles são contemplados, mais eles se movem para a memória fervorosa de seus protótipos. Portanto, é apropriado conceder-lhes uma veneração fervorosa e reverente, não, no entanto, a verdadeira adoração que, de acordo com nossa fé, pertence somente ao Ser Divino - pois a honra conferida à imagem passa para o seu protótipo, e quem venerar a imagem venera nela a realidade do que está ali representado.[3]

Os judeus entendem a diferença entre veneração e adoração. Um judeu piedoso beija a Mezuza de sua porta, beija seu manto de oração antes de colocá-lo, beija o tallenin antes de amarrá-lo em sua testa e braço. Ele beija a Torah antes da leitura na Sinagoga. Sem dúvida, Cristo fez o mesmo, ao ler as Escrituras na Sinagoga.

Os primeiros Cristãos entendiam esta distinção. No Martírio de  Policarpo (que era discípulo de São João o Apóstolo, e teve seu martírio registrado pelos fiéis da Igreja que testemunharam todos os fatos relatados), nos é dito como alguns procuraram que o magistrado romano impedisse que os cristãos recuperassem o corpo do Santo Mártir:
Ele disse: “Não aconteça que eles, abandonando o crucificado, passem a cultuar esse aí.” Dizia essas coisas por sugestão insistente dos judeus, que nos tinham vigiado quando queríamos retirar o corpo do fogo. Ignoravam eles que não poderíamos jamais abandonar Cristo, que sofreu pela salvação de todos aqueles que são salvos no mundo, como inocente em favor dos pecadores, nem prestarmos culto a outro. Nós o adoramos, porque é o Filho de Deus. Quanto aos mártires, nós os amamos justamente como discípulos e imitadores do Senhor, por causa da incomparável devoção que tinham para com o rei e mestre. Pudéssemos nós também ser seus companheiros e condiscípulos! Vendo a rixa suscitada pelos judeus, o centurião colocou o corpo no meio e o fez queimar, como era de costume. Desse modo, pudemos mais tarde recolher seus ossos, mais preciosos do que pedras preciosas e mais valiosos do que o ouro, para colocá-los em lugar conveniente.Quando possível, é aí que o Senhor nos permitirá reunir-nos, na alegria e contentamento, para celebrar o aniversário de seu martírio, em memória daqueles que combateram antes de nós, e para exercitar e preparar aqueles que deverão combater no futuro.  (O Martírio de Policarpo 17:2-3; 18:1-3).

5. O segundo mandamento proíbe os ícones?

A questão em relação ao 2° mandamento é: o que significa a palavra traduzida como “imagens de escultura”? Se ela significa apenas imagem de escultura, as imagens no templo também seriam uma violação deste mandamento. Nosso melhor guia, no entanto, sobre o significado das palavras hebraicas, é o que elas significavam para os hebreus – e quando os hebreus traduziram a Bíblia para o grego, eles traduziram essa palavra como “eidoloi”, i.e. “ídolos”.  Além disso, a palavra hebraica pesel nunca é usada em referência a qualquer uma das imagens do templo. Portanto, a referência aqui é claramente a imagens pagãs e não a imagens em geral.

Analisemos mais de perto a passagem bíblica em questão:
“Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás [encurvarás] diante delas e não as servirás...” (Êxodo 20,4-5a).
Agora, se tomarmos isto como referência a imagens de qualquer tipo, então claramente os querubins do Templo violam este mandamento.

Se limitamos sua aplicação apenas aos ídolos, não há qualquer contradição. Além de que, se isso for aplicado a todas as imagens -  até mesmo a foto nas carteiras de motorista violam isto, são ídolos.  Portanto, ou todo Protestante com uma carteira de motorista é um idólatra, ou os ícones não são ídolos., ou todo Protestante com uma carteira de motorista é um idólatra ou os ícones não são ídolos.

Deixando de lado, por um momento, o significado de “imagens de escultura” analisemos apenas o que este texto diz atualmente sobre isso. Não farás x, não te prostrarás diante de x, não servirás x. Se x = imagem, então o próprio Templo violava o mandamento. Se x = ídolos e não todas as imagens, este trecho não contradiz nenhum dos Ícones do Templo, nem os ícones Ortodoxos.

6. Deuteronômio 4,14-19 não proíbe qualquer imagem de Deus? Então como você pode ter ícones de Cristo?


A passagem instrui os judeus a não fazer uma (falsa) imagem de Deus, pois eles não tinham visto a Deus, mas, como Cristãos, nós acreditamos que Deus se fez carne na pessoa de Jesus Cristo, e assim podemos retratar aquilo "o que vimos com os nossos olhos" (1 João 1:1).  Como disse São João de Damasco:

“Antigamente, Deus, o incorpóreo e não circunscrito, nunca era representado. Agora, porém, quando Deus é visto em carne, e conversando com os homens, eu faço uma imagem do Deus que eu vejo. Eu não adoro a matéria, eu adoro o Criador da matéria, que se tornou matéria por minha causa, e se dignou a habitar a matéria, que operou a minha salvação através da matéria. Não cessarei de honrar aquela matéria que opera a minha salvação. Eu a venero, embora não como Deus. Como poderia Deus nascer de coisas sem vida? E se o corpo de Deus é Deus pela união, ele é imutável. A natureza de Deus permanece a mesma de antes, a carne criada no tempo é vivificada por uma alma lógica e racional".

7. Mas considerando a violenta oposição que os judeus tinham às imagens, como poderiam os primeiros cristãos ter aceitado os ícones?


A iconografia não foi encontrada apenas nas catacumbas cristãs, mas também em catacumbas judaicas do mesmo período. Também temos os ícones judaicos bem preservados de Dura-Europos, que estavam numa cidade destruída pelos persas na metade do século III (o que, claro, limita o quão recentes estes ícones poderiam ter sido feitos.).

Muitas vezes as opiniões de Josefo sobre Iconografia são erroneamente consideradas como a opinião judaica padrão sobre o assunto, mas isto claramente não é o caso. O texto especificamente citado é um que se refere a revolta causada quando os Romanos colocaram a águia imperial nos portões do Templo.

Esta história não é simples e clara como alguns gostariam que fosse.  Estes eram zelotes. Josefo, que também era um rebelde, embora tenha trocado de lado e depois ajudado os romanos, registra esses eventos.

Josefo registra que os romanos montaram uma águia sobre a entrada do Templo, que o povo derrubou como um sacrílego - mas eram imagens de animais per se que estavam em questão, ou eram as águias romanas na entrada do Templo que estavam em questão. A posição de Josefo sobre este assunto era tão extrema que ele pensava que as estátuas de animais em conexão com o Mar Fundido no Templo de Salomão eram um pecado (Antiguidades VIII,7,5).

Em geral, a atitude dos judeus em relação à arte religiosa não era tão Iconoclástica.  O Talmud palestino registra (em Abodah Zarah 48d) "Nos dias do rabino Jochanan os homens começaram a pintar figuras nas paredes, e ele não os impedia" e "Nos dias do rabino Abbun os homens começaram a fazer pinturas em mosaicos, e ele não os impedia".

Também, o Targum Pseudo-Jonatã repete a ordem contra os ídolos, mas depois diz "mas uma coluna de pedra esculpida com imagens e semelhanças você pode fazer nas instalações de seus santuários, mas não para adorá-la".

Além disso, os livros sagrados judaicos foram ilustrados há tanto tempo quanto nós os temos. Eles contêm ilustrações de cenas bíblicas, muito parecidas com as encontradas na Sinagoga de Dura-Europos (e como a Igreja encontrada nas proximidades) que foi enterrada em meados do século III quando os persas destruíram aquela cidade (Veja"The excavations at Dura-Europos conducted by Yale University and the French Academy of Inscriptions and Letters," Relatório Final VII, Parte I, A Sinagoga, de Carl H. Kraeling).

É digno de nota que os primeiros ícones das catacumbas eram na sua maioria cenas do Antigo Testamento, e ícones de Cristo.  A predominância de cenas do Antigo Testamento mostra que esta não era uma prática pagã cristianizada por convertidos, mas uma prática judaica, adotada pelos cristãos.

Ilustração de uma parte das pinturas das paredes da antiga sinagoga em Dura-Europos.
Cenas do Livro de Ester.

Pinturas das paredes da antiga sinagoga em Dura-Europos.

8. Se os ícones são tão importantes, por que não os encontramos nas Escrituras?

Ah, mas nós os encontramos nas Escrituras - muitos deles! Considere como eles eram predominantes no Tabernáculo e depois no Templo. Havia imagens de querubins:

 ·        Na Arca – Êxodo 25,18

·        Nas cortinas do Tabernáculo – Êxodo 26,1

·        No véu do Santo dos Santos – Êxodo 26,31

·        Dois grandes querubins no Santuário – I Reis 6,23

·        Nas paredes – I Reis 6,29

·        Nas portas  - I Reis 6,32

·        E nas mobílias – I Reis 7,29-36

Em resumo, havia ícones por todo o lado.

 9. Por que lá havia apenas ícones de Querubins e não dos Santos?

O Templo era uma imagem do Paraíso, como São Paulo disse claramente:
"[Os sacerdotes que servem no Templo em Jerusalém] servem de exemplo e sombra das coisas celestiais, como Moisés divinamente foi avisado, estando já para acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo conforme o modelo que no monte se te mostrou." (Hebreus 8:5; cf. Êxodo 25:40).
Antes de Cristo vir em carne e triunfar sobre a morte por Sua Ressurreição, os santos do Antigo Testamento não estavam na presença de Deus no Céu, mas estavam no Sheol (muitas vezes traduzido como "o túmulo", e traduzido como "hades" em grego).   Antes da Ressurreição de Cristo, o Sheol era o destino tanto dos justos quanto dos injustos (Gênesis 37:35; Isaías 38:10), embora o destino deles não fosse de forma alguma a mesma.  Como vemos na parábola de Cristo sobre o homem rico e Lázaro (Lc 16, 19-31; cf. Enoque 22, 8-15 [embora o livro de Enoque não esteja incluído na Sagrada Escritura, é uma parte venerável da Sagrada Tradição e é citado na Epístola de São Judas, assim como em muitos dos escritos dos Santos Padres]), havia um abismo que separava o justo do injusto, e enquanto os justos estavam em estado de bem-aventurança, os ímpios estavam (e estão) em estado de tormento - os justos esperavam sua libertação através da Ressurreição de Cristo, enquanto os ímpios esperavam com temor seu julgamento.  Assim, sob a antiga aliança, só se orava pelos defuntos, porque ainda não estavam no céu para interceder por nós.  Porque, como disse São Paulo aos Hebreus ao falar dos santos do Antigo Testamento: "E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, provendo Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados." (Hebreus 11:39-40). Em Hebreus 12, São Paulo prossegue a contrastar a natureza da Antiga Aliança (12:18ss) com a da Nova (12:22ss) - e entre as distinções que ele faz, ele diz que na Nova Aliança nós "chegamos... aos espíritos dos justos aperfeiçoados" (12:22-23).  Como nos dizem tanto as Escrituras como também o resto da Sagrada Tradição, enquanto o corpo de Cristo jazia no túmulo, Seu Espírito desceu ao Sheol e proclamou liberdade aos cativos (Efésios 4:8-10; I Pedro 3:19, 4:6; cf. Mateus 27:52-53). E estes santos que triunfaram sobre este mundo, agora reinam com Cristo em Glória (2 Timóteo 2,12), e continuamente oferecem orações por nós perante o Senhor (Apocalipse 5,8; o Martírio de Santo Inácio, Ch. 7 [Santo Inácio era um dos discípulos do apóstolo João, e foi por ele constituído Bispo de Antioquia]).

Assim, enquanto no Antigo Pacto, o Templo representava o céu apenas com os querubins presentes, na Nova Aliança, os nossos Templos representam o céu com a grande nuvem de testemunhas que agora residem lá em glória.

10. Está bem, admitindo que há uma espécie de ícones nas Escrituras, mas onde é que os israelitas disseram que os deviam venerar?

As Escrituras ordenam aos israelitas que se curvem diante da Arca, que tinha duas imagens proeminentes de querubins nela.  No Salmo 99:5, ela ordena: "prostrai-vos diante do escabelo de seus pés..." Devemos notar primeiro que a palavra para "prostrar" aqui, é a mesma palavra usada em Êxodo 20:5, quando nos é dito para não nos prostrarmos diante de ídolos.

E o que é o "escabelo dos pés dele"?  Em I Crônicas 28:2, Davi usa esta frase em referência à Arca da Aliança.  No Salmo 99 [98 na Septuaginta], começa falando do Senhor que "habita entre os Querubins" (99:1), e termina com um chamado para "prostrar-se ao seu santo monte" - o que torna ainda mais claro que, no contexto, se fala da Arca da Aliança. Esta frase ocorre novamente no Salmo 132:7, onde é precedida pela declaração "Entraremos em seus tabernáculos..." e é seguida pela declaração "Levanta-te, Senhor, ao teu repouso, tu e a arca da tua força."

Interessantemente, esta frase é aplicada à Cruz nos serviços da Igreja, e a conexão não é acidental - porque sobre a Arca, entre os Querubins estava o Propiciatório, sobre o qual o sangue sacrificial era aspergido pelos pecados do povo (Êxodo 25:22, Levítico 16:15).

11. Mas e a Serpente de Bronze? Não foi destruída precisamente porque o povo começou a venerá-la?
Se você analisar a passagem em questão (II Reis 18,4), verá que a Serpente de Bronze não foi destruída simplesmente porque as pessoas a honraram, mas porque a transformaram em um Deus serpente, chamado "Neustã."

12. Não existiam iconoclastas na Igreja, muito antes do aparecimento dos Protestantes?

É importante ter em mente, ao considerar a questão dos ícones (e portanto também do iconoclasmo), que há duas questões distintas que são muitas vezes confundidas:

1)  É permitido fazer ou ter ícones?

2)  É permissível venerá-los?

É claro a partir do Antigo Testamento que a resposta a ambas as perguntas é: Sim.   Embora os Protestantes, no entanto, se oponham à veneração dos ícones, eles normalmente não se opõem a fazer ou possuir imagens.  Se o fizessem, eles não teriam ilustrado folhetos evangélicos, televisões ou imagens... mas, exceto os Amish, seria difícil encontrar outro grupo de Protestantes que consistentemente evita imagens.  Os Protestantes costumam se opor à veneração das imagens, mas curiosamente os argumentos e evidências que eles usam quase sempre se opõem a quaisquer imagens de qualquer tipo, se a lógica de suas argumentações fosse consistentemente observada.

Os iconoclastas, que são frequentemente citados pelos Protestantes como apoiantes da sua posição sobre esta questão, na verdade, argumentam contra os Protestantes. Por um lado, os iconoclastas anatematizaram todos aqueles que "se aventuram a representar...com cores materiais..." Cristo ou os santos - algo que quase todos os Protestantes fazem.  Por outro lado, também anatematizaram todos aqueles que "não confessam a santa e sempre-virgem Maria, verdadeira e propriamente a Mãe de Deus, como sendo superior a toda criatura, visível ou invisível, e não buscam com fé sincera as intercessões dela como alguém que tem confiança no acesso dela ao nosso Deus visto que ela O deu à luz..." e também anatematizaram todos aqueles que "negam o benefício da invocação dos santos...". (NPNF2, Vol. 14, p. 545f). Assim, na realidade, os Protestantes se encontram sob mais anátemas do iconoclastas do que os Ortodoxos.

Os Protestantes podem querer se contentar de que pelo menos os iconoclastas se opuseram à veneração das imagens, mas a veneração nunca foi um problema em si mesma em relação aos iconoclastas.  Eles só se opuseram à veneração dos ícones, porque eles se opuseram aos ícones.  Eles não se opuseram à veneração de coisas sagradas - os iconoclastas veneravam a Cruz, e não tinham nenhuma objeção quanto a ela (Jaroslav Pelikan, The Spirit of Eastern Christendom (600-1700), Chicago: University of Chicago Press, 1974, p. 110).

Os Protestantes também citam alguns outros Padres e escritores dos primeiros séculos da Igreja para apoiar a sua posição.  A maioria dessas citações simplesmente denuncia a idolatria, e não tem nada a ver com ícones. Nos poucos casos em que as citações poderiam plausivelmente ser interpretadas como condenando ícones ( algumas das quais são indiscutivelmente interpolações iconoclastas posteriores) uma interpretação consistente exigiria que nenhuma imagem fosse feita... porque novamente, a objeção encontrada nestes textos é a fazer e possuir imagens.  Nenhum destes textos aborda sequer a questão da veneração.

O Cânon do Sínodo de Elvira é frequentemente citado em apoio a uma posição iconoclasta.   No seu 36º Cânon, o Concílio decretou: "É ordenado que as imagens não estejam nas igrejas, de modo que aquilo que é adorado e cultuado não seja pintado nas paredes". Mesmo os estudiosos Protestantes reconhecem que o significado deste cânon não é tão claro como os apologistas Protestantes muitas vezes sugerem.  Em primeiro lugar, não se sabe qual foi a ocasião para este cânon, e não está claro o que ele estava tentando impedir, fato que até mesmo os estudiosos Protestantes reconhecem:
"...nenhum grande peso pode ser atribuído a isto [o cânon 36 do concílio de Elvira], sendo desconhecido o exato significado do cânon" [Edward James Martin, A History of the Iconoclastic Controversy (London: Society for the Promotion of Christian Knowledge, 1930), p. 19, fn 4].
Tendo em conta a formulação deste cânone, é quase certo que não se trata de uma proibição geral das imagens. O que não está claro é o que está sendo proibido, e mais especificamente com que objetivo. Interpretações plausíveis vão desde uma mera proibição de imagens na Igreja, até a uma medida de precaução para proteger os ícones contra os pagãos (uma vez que o cânon foi composto durante um tempo de perseguição, isto é certamente possível). Em qualquer caso, o fato é que os ícones estavam em uso nas Igrejas espanholas antes deste Sínodo, e continuaram a ser usados depois deste Sínodo, sem qualquer outra evidência de controvérsia. Além disso, este Sínodo era de caráter puramente local, e nunca foi afirmado em nível ecumênico.

3) Como você sabe que os iconoclastas não foram os que preservaram a mais antiga posição cristã sobre os ícones?

Para começar, o iconoclasmo teria prosperado no território dominado pelo islamismo... mas não prosperou. O primeiro surgimento do iconoclasmo começou em território muçulmano, embora tenha sido cristãos destruindo imagens, mas muçulmanos destruindo imagens cristãs (Pelikan, p. 105).   Há também razões para pensar que a influência muçulmana inspirou os Imperadores iconoclastas (pois todos eles eram de partes do Império nas quais os muçulmanos tinham avançado), mas o fato é que a única parte da Igreja na qual o iconoclasmo prevaleceu foi naquelas áreas nas quais os Imperadores iconoclastas podiam impor a sua heresia ao povo.  Em todas as áreas da Igreja fora do alcance do poder bizantino, a Igreja opôs-se aos iconoclastas e rompeu a comunhão com eles.   Um dos mais importantes opositores dos iconoclastas foi São João de Damasco, que viveu sob o domínio muçulmano e, em consequência disso, sofreu perseguições.  Se a posição dos iconoclastas fosse realmente a visão tradicional, deveríamos esperar ver esta posição prevalecer sobre os cristãos que viviam sob o domínio muçulmano.  No mínimo, esperaríamos que alguns iconoclastas falassem do meio desses cristãos, mas na verdade, o contrário era verdadeiro - não se ouviam vozes iconoclasticas das terras dominadas pelos muçulmanos, apesar das vantagens óbvias que tais cristãos teriam tido com seus governantes muçulmanos.

Além disso, antes da controvérsia iconoclasta, temos muitas evidências arqueológicas de que os ícones eram usados por toda a Igreja, e se isto fosse um afastamento da Tradição Apostólica, deveríamos esperar encontrar uma enorme controvérsia sobre este tópico desde o momento em que os ícones começaram a ser usados, pois só se intensificaria à medida que o seu uso se tornasse mais comum.   Não encontramos, no entanto, nada disso.  Na verdade, trinta anos antes da controvérsia iconoclasta, o concílio quinisexto estabeleceu um cânone sobre o que deveria ser retratado em certos ícones, mas não tem a mínima indicação de qualquer controvérsia sobre os ícones em si:
"Em algumas das pinturas dos veneráveis ícones, um cordeiro é descrito como sendo mostrado ou apontado pelo dedo do Precursor, que era considerado como um tipo de graça, sugerindo antecipadamente através da lei o verdadeiro cordeiro para nós, Cristo nosso Deus.  Portanto, aceitando avidamente os velhos tipos e sombras como símbolos da verdade e das pre-indicações transmitidas à Igreja, preferimos a graça, e a aceitamos como a verdade em cumprimento da lei.   Como, portanto, o que é perfeito, ainda que seja apenas pintado, está impresso no rosto de todos, o Cordeiro que tira o pecado do mundo, Cristo nosso Deus, com respeito ao Seu caráter humano, decretamos que daqui em diante ele será descrito em ícones, em vez do antigo cordeiro: a fim de que todos possam compreender por meio do mesmo a profundidade da humilhação da Palavra de Deus, e para que possamos recordar à nossa memória a sua vida na carne, a sua paixão e morte salvífica, e a sua redenção que foi realizada para o mundo inteiro." (Cânon LXXXII do Concílio Quinisexto).
Além disso, há muitas outras coisas sobre os iconoclastas que mostram a inovação da heresia deles: eles se opuseram ao monasticismo, apesar de este ter sido inquestionavelmente aceito pela Igreja durante séculos, eles roubavam monges, tomavam suas terras e os forçavam a casar, comer carne e assistir a espetáculos públicos (e aqueles que resistiram muitas vezes foram os espetáculos públicos), contrariando a prática monástica bem estabelecida.  Mesmo os historiadores Protestantes se vêem forçados a admitir que os homens e mulheres santos da época eram partidários da veneração dos ícones, e que os iconoclastas eram bastante imorais e impiedosos.
"Muito tem sido escrito, e verdadeiramente escrito, sobre a superioridade dos governantes iconoclastas; mas uma vez dito tudo isso, o fato ainda permanece, que eles eram, a maioria deles, cristãos deploráveis, e o juízo do arcebispo Protestante de Dublin resumindo o assunto não será contestado por nenhum estudante imparcial. Ele diz: "Ninguém negará que, com raras exceções, toda a seriedade religiosa, tudo o que constituía o poder vivificante de uma igreja, estava do outro lado [isto é, do lado Ortodoxo]. Se os iconoclastas tivessem triunfado, quando a obra deles tivesse finalmente se mostrado em suas verdadeiras cores, ter-se-ia provado que era o triunfo, não da fé em um Deus invisível, mas de uma frívola descrença em um Salvador encarnado". (Trench. Mediaeval History, Cap. vii.) The Seven Ecumenical Councils of the Undivided Church, trad. H. R. Percival, in NPNF2, ed. P. Schaff e H. Wace, (repr. Grand Rapids MI: Wm. B. Eerdmans, 1955), XIV, p. 575, cf. 547f.
Uma pessoa só pode ser um iconoclasta se ela acreditar que a Igreja pode deixar de existir - contrariando as Escrituras - porque não há dúvida de que a Igreja rejeitou o iconoclasmo e usou ícones de pelo menos desde o seu uso na época das catacumbas (que estão cheias de ícones cristãos).  Esta é uma opção que os Evangélicos ponderados geralmente rejeitam (veja, por exemplo, A Biblical Guide to Orthodoxy and Heresy, Part Two: Guidlines for Doctrinal Discernment, in the Christian Research Journal, Fall 1990, p. 14, seção 3, "The Orthodox Principle").

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