terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Uma análise Ortodoxa sobre a nova eclesiologia do Concílio Vaticano II (Pe. Peter Heers)

PLENITUDE, UNIDADE E A IDENTIDADE DA IGREJA

Do acima exposto, deve ficar claro agora que essencial para a nova eclesiologia é a distinção entre communione plene (plena) e non plene (incompleta) ou non perfecta (imperfeita). A adição do adjetivo "plena" pode parecer insignificante, mas, na realidade, representa um afastamento brusco e extremamente importante não só da Mystici Corporis e da eclesiologia latina anterior, mas também do esquema original De Ecclesia apresentado ao Concílio na sua sessão de abertura de 1962, que ainda falava simplesmente de uma separação "da comunhão da Igreja Católica".

A introdução de uma diferenciação entre comunhão plena e incompleta está intimamente ligada à introdução de uma relação diferenciada entre Jesus Cristo e a Igreja, e entre a Igreja de Jesus Cristo e a Igreja Católica Romana. As implicações destas novas distinções são profundas. [430]

Segundo o Cardeal Kasper, tanto Jesus Cristo e a Igreja, e a Igreja de Jesus Cristo e a Igreja Católica Romana "não podem ser identificadas uma com a outra ou confundidas, mas também não podem ser separadas uma da outra ou simplesmente colocadas ao lado da outra. A própria essência da Igreja tem de ser vista como análoga, não idêntica, à encarnação. Ainda assim, sustenta-se que as dimensões divina e humana não devem ser confundidas nem separadas (LG 8). No entanto, a Igreja não é a continuação da encarnação, não é o Christus prolongatus, o Cristo prolongado; mas Jesus Cristo através e dentro do Espírito está sacramentalmente presente e atuando na Igreja como seu corpo e como templo do Espírito." [431]

Os Ortodoxos, no entanto, enfatizam o próprio ponto que Kasper diz que Roma não aceita mais - Christus prolongatus - mesmo que, talvez, a partir de uma perspectiva, história e contexto diferentes. Kasper se baseia, em parte, na Lumen Gentium 8, que afirma que "o elemento divino e humano" que se une para formar "uma realidade complexa", que é a Igreja, deve ser apenas "comparado com o mistério do Verbo encarnado". Para os Padres e para os Ortodoxos, a frase do Apóstolo Paulo, "corpo de Cristo", significa que não podemos falar disto como uma simples "analogia", mas sim como uma identificação ontológica.

São Nicolau Cabasilas, ao falar da realidade teantrópica da Igreja, diz isto a respeito da Igreja e da Santa Eucaristia:
A Igreja é conhecida nos mistérios, não como símbolos, mas como os membros estão presentes no coração, como os galhos estão presentes na raiz e, como disse Nosso Senhor, os ramos estão presentes na videira (João 15,1-5). Pois aqui não se trata de uma simples partilha (κοινωνία) de um nome ou de uma semelhança de analogia, mas de uma identidade (ταυτότης) de realidade. Pois estes mistérios são o Corpo e o Sangue de Cristo, que são o verdadeiro alimento e a verdadeira bebida da Igreja. Quando participa deles, não os transforma no corpo humano... mas é ele mesmo transformado no Corpo e Sangue de Cristo. ... E se se pudesse ver a Igreja de Cristo na medida em que ela está unida a Ele e partilha o Seu Corpo sagrado, não se veria outra coisa senão o Corpo do Senhor. [432]
Como escreveu Christos Voulgaris: "A humanidade perfeita de Cristo forma a natureza, assim como a entidade da Igreja que, desta forma, constitui a perpétua continuação da Sua encarnação, que se estende para além do tempo. Assim, qualquer pensamento de separação ontológica entre Cristo e a Igreja exclui tanto o fato da encarnação de Cristo como a realidade da Igreja". [433] Da mesma forma, Hieromonge Athanasius Yevtich (atualmente bispo aposentado da Herzegovina) proporciona a compreensão patrística, especialmente a de São João Crisóstomo, assim: "Pois, no mistério da Encarnação, Deus apareceu na carne, tornou-se corpo e fez da Igreja o Seu corpo, e a Igreja é a continuação, extensão, prolongamento e conclusão do Mistério da Encarnação".[434] O Professor Ioannis Karmiris escreveu na mesma linha: "Cristo e a Igreja estão ligados uns aos outros ontologicamente e existem numa união absoluta, indivisível e eterna" [435] E São Justino Popovich afirma inequivocamente: "A Igreja é Cristo, o Theantropos, estendendo-se por todos os séculos e por toda a eternidade." [436]

Estas expressões (e muitas outras de igual força poderiam ser citadas) estão longe da comparação referida como "uma grande analogia" na Lumen Gentium 8. Para os Ortodoxos, negar que a Igreja é a continuação da encarnação não é outra coisa senão afastar-se do milagre de Calcedônia - "a união mística e inefável das duas naturezas na Pessoa do Cristo Theantropos" [437] - que é a essência do Mistério da Igreja.

A diferenciação entre a Igreja de Jesus Cristo e a Igreja Católica Romana foi, de fato, o objetivo da introdução da expressão subsistit in para substituir a fórmula anterior est, que expressava uma rigorosa identidade entre as duas. A nova expressão pretende dizer que, embora a Igreja de Cristo esteja realmente presente ou concretamente real e seja encontrada na Igreja Católica Romana, ela não deve ser estritamente identificada com ela. Existem não só elementos de santificação e de verdade e uma "realidade eclesial" fora da Igreja Romana, mas até mesmo - no caso dos cristãos do oriente - igrejas particulares genuínas. O que este reconhecimento implica, em última análise, para a auto-compreensão da Igreja Católica Romana, permanece, contudo, ainda hoje, cinquenta anos após o Concílio Vaticano II, disputado entre os teólogos católicos romanos. [438]

Dominus Iesus: A plena realização da Igreja exige a comunhão com o Papa

Numa tentativa de esclarecer o significado de subsistit in, a Congregação para a Doutrina da Fé emitiu o documento Dominus Iesus no ano 2000. [439] Afirmou que a Igreja de Jesus Cristo é plenamente realizada apenas na Igreja Católica Romana. [440] Segundo o Cardeal Kasper, isto significa que, embora não haja uma realização plena da Igreja de Jesus Cristo fora da Igreja Católica, ainda assim há uma realização imperfeita.[441]

Isto suscita a questão: O que constitui a plenitude para o Catolicismo Romano contemporâneo? O Cardeal Kasper faz eco das opiniões de Feiner e Baum apresentadas no capítulo anterior:
Os textos do Concílio mostram que esta plenitude não diz respeito à salvação, nem à sua realização subjetiva. . . . A realidade e a plenitude do que é Católico não se refere à santidade subjetiva, mas aos meios sacramentais e institucionais de salvação, aos sacramentos e aos ministérios (UR 3)... . . Tanto a plenitude Católica como o defectus dos outros não são . . . existenciais ou mesmo morais por natureza; estão no plano dos sinais e instrumentos da graça, não no plano da res, da graça da salvação em si. [442]
O que, então, em particular, falta aos Ortodoxos para que tenham, segundo a nova eclesiologia, uma "perfeita realização" da Igreja? Em UR 15a a Igreja Ortodoxa é reconhecida como possuidora de ordens válidas e de uma Eucaristia válida, através da qual "a Igreja de Deus é edificada e cresce em estatura". O "ápice" da communio, então, segundo a própria caracterização que Kasper faz da Eucaristia (e não só "a base" da communio, que é o Batismo), não está ausente na Ortodoxia. Se o "ápice" da communio está presente, o que mais poderia faltar? Além da Eucaristia, a própria Presença e Plenitude de Deus, é possível que algo mais seja necessário para que uma igreja local seja a Igreja, o Corpo de Cristo?

Segundo o documento Dominus Iesus, a "plenitude" exige algo mais acima e além do próprio Senhor na Eucaristia. O que falta para que a Igreja Ortodoxa seja uma "plena realização" da Igreja de Cristo não é senão o reconhecimento da primazia do papa de Roma e comunhão com ele. A Eucaristia - o Senhor vindo na Carne, pela qual todos nós somos feitos membros do Seu Corpo - não é suficiente para constituir a Igreja de Cristo plena e não mitigada epi to auto. Isto porque fora da comunhão com a cabeça do colégio dos bispos, o papa, um bispo individual não pode exercer a sua autoridade e assim a Igreja local encontra-se "ferida" e não pode ser "plenamente realizada" como uma Igreja particular.

Sobre este ponto muito importante para a nossa compreensão sobre a plenitude na nova eclesiologia, Fernando Ocáriz, vigário geral da Opus Dei e um dos principais autores de Dominus Iesus, escreve:
É fácil ver que onde Cristo se faz presente no sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, ali a Igreja está presente como Corpo de Cristo, através do qual Cristo realiza a salvação na história. Contudo, não toda e qualquer forma de presença operativa da Igreja constitui uma Igreja particular, mas somente esta presença com todos os seus elementos essenciais. Portanto, para que uma comunidade cristã seja verdadeiramente uma Igreja particular, "é preciso que nela esteja presente, como elemento próprio, a suprema autoridade da Igreja: o Colégio Episcopal 'juntamente com sua cabeça, o Sumo Pontífice, e nunca à parte dele'" [443] (LG, n. 22).[444]
Ocáriz ajuda-nos a compreender que, para Roma hoje, na hierarquia dos elementos que fazem da Igreja o Corpo de Cristo num lugar particular (uma Igreja particular), o elemento "essencial" acima de todos os outros elementos - mesmo acima do "elemento" do próprio Senhor na Eucaristia - é o Sumo Pontífice. [445] Enquanto a Eucaristia é vista como suficiente para manifestar a Igreja como Corpo de Cristo, ela é insuficiente para fazer com que essa synaxis local, os fiéis juntamente com o seu bispo, se torne uma Igreja particular. Esta visão da Igreja parece justificar totalmente o juízo do Padre João Romanides de que a Igreja de Roma não entende "a Eucaristia como um fim em si mesmo", mas entende "o ofício do bispo [como] algo em si mesmo" [446].

Esta cisão teológica entre o poder de jurisdição e a presença de Cristo nos Santos Mistérios, que o Concílio Vaticano II tentou de certa forma superar, é ainda bastante evidente. [447] Isto porque, embora o poder de jurisdição seja agora visto como dado com a ordenação e não mais diretamente pelo Papa, o exercício desta autoridade ainda está baseado na "communio hierarchica" com o Papa. [448] Se, no entanto, a Eucaristia é reconhecida como existente numa igreja local, como Roma faz no caso das Igrejas Ortodoxas Locais, então existe também uma manifestação local do Corpo de Cristo. Nesta Synaxis Eucarística a plenitude de Cristo habita nos fiéis que se reúnem na vida de Cristo epi to auto, e o episcopado é uma parte inseparável desta vida. Nesta unidade em Cristo, o bispo não exerce legitimamente a sua autoridade, sem restrições e sem mitigação? Pois, "como todas as outras coisas pertencentes à Igreja, o clero também existe com o único propósito de preservar e aumentar a vida de unidade e de amor epi to auto na carne e no sangue de Cristo. . . . A autoridade do clero é fundada exclusivamente sobre os mistérios da unidade em Cristo e não sobre nenhum poder ou magia pessoal imaginado" [449]. E, além disso, "cada comunidade que tem a plenitude da vida eucarística está relacionada com outras comunidades não por uma participação comum em algo maior do que a vida local na Eucaristia, mas por uma identidade de existência em Cristo: 'onde quer que Jesus Cristo esteja, ali está a Igreja Católica' (Ign. Smyr. 8)" (ibid.).

As diferenças entre a compreensão da plenitude, unidade e identidade da Igreja, tal como apresentada na Lumen GentiumUnitatis Redintegratio, e mais tarde na Dominus Iesus, e a compreensão patrística Ortodoxa destas questões contrastam aqui nitidamente. Na visão Ortodoxa, a Igreja está presente e ativa na Eucaristia, na qual e pela qual o Corpo de Cristo é formado, de tal modo que todo e qualquer "elemento essencial" não só não pode ser separado da Eucaristia, mas brota dela. Onde está a Eucaristia, está o Cristo inteiro: sacerdote, rei e profeta. Ele é a "suprema autoridade" da Igreja, presente e habitando no seu Corpo na e através da Eucaristia. Não pode haver nada superior a isto que, se ausente, torna insuficiente a Sua presença. [450]

Interessantemente, Dominus Iesus, após a Carta Communionis Notio de 1992, atribuiu, de fato, o título de "igrejas particulares" às Igrejas Ortodoxas Locais. A explicação de Ocáriz sobre o significado desta atribuição mostra ainda mais claramente a divergência que existe entre os dois pontos de vista a respeito da Igreja. Ele afirma que esta atribuição não se baseia na presença eucarística real de Cristo, mas na "presença real do Primado Petrino (e do Colégio Episcopal) nas Igrejas Não-Católicas, baseada na unidade do episcopado "único e indiviso" - unidade que não pode existir sem o Bispo de Roma". Além disso, ele escreve:
Onde, em virtude da sucessão apostólica, existe um episcopado válido, o Colégio Episcopal com a sua Cabeça está objetivamente presente como autoridade suprema (mesmo se, efetivamente, essa autoridade não é reconhecida). Ademais, em cada celebração válida da Eucaristia, há uma referência objetiva à comunhão universal com o Sucessor de Pedro e com toda a Igreja, independentemente de convicções subjetivas.[451]
Como critério supremo e final de plena eclesialidade, o Papa é visto não só suplantando a Presença Eucarística do próprio Senhor, mas estando presente como "autoridade suprema" na Synaxis Eucarística daqueles que não estão em comunhão com ele, mesmo que isso seja contra a vontade deles. Enquanto que, para os Ortodoxos, a realidade sempre presente e existencial manifestada pelo Espírito Santo em cada assembléia eucarística é uma verdade dogmática e uma unidade na verdade livremente abraçada, para os Latinos é a "referência objetiva à comunhão universal" com o Papa "independente de convicções subjetivas".

Os teólogos latinos são forçados a esta posição contorcida de negar a liberdade em Cristo dos membros do Corpo, por um lado, pelo reconhecimento deles da Eucaristia (em virtude da sucessão apostólica) e, por outro, pela negação de tudo o que isso implica, a saber, a plenitude e a identidade da única Igreja epi a auto. O reconhecimento da primeira e a negação da segunda resultam ambos de uma visão fragmentada e legalista da Igreja, na qual a unidade da fé, juntamente com a participação na Eucaristia, não é vista como o critério decisivo para o reconhecimento dos mistérios autênticos.

O Critério para o Reconhecimento dos Mistérios Autênticos

Para a Igreja Católica Romana é possível reconhecer os mistérios, até mesmo a Eucaristia, como existindo fora da unidade de fé e do episcopado, em virtude de uma sucessão apostólica histórica. [452] Se a sucessão apostólica é reconhecida, existe um episcopado válido e, portanto, uma celebração eucarística válida. [453]

Para a Igreja Ortodoxa, a sucessão apostólica não significa simplesmente remontar as ordenações até aos Apóstolos. Juntamente com esta herança histórica deve ser combinada uma herança espiritual e dogmática, a saber, a Fé Ortodoxa. Esta Fé é o παρακαταθήκη ou depósito (2 Tm 1,14) que tem sido guardado somente pela Igreja Única. "Onde não há dogma Ortodoxo, a Igreja não pode falar da existência de mistérios".[454] Além disso, "segundo os Padres da Igreja, o dogma Ortodoxo nunca se encontra separado da espiritualidade. Onde existe um dogma errado, existe também uma espiritualidade errônea e vice-versa" [455]. Manter a totalidade da fé e prática cristã autêntica só é possível, no entanto, dentro dos limites da Igreja Única.

Portanto, para a Igreja Ortodoxa, a autenticidade depende tanto da expressão do dogma Ortodoxo como do fato de que o mistério está dentro dos limites; isto é, é da Igreja. [456] Os Ortodoxos insistem que "o lar da graça autêntica é aquele corpo que unicamente. . . aderiu obediente e fielmente às instituições de fé e prática originais e inalteradas de Cristo. . . . Os Ortodoxos não vêem motivos justificáveis para a fragmentação que insiste apenas na intenção de um determinado ato sacramental, sem levar em conta a intenção de manter a totalidade da fé e prática cristã autêntica." [457]

Faltando a distinção de exatidão e economia que é tão básica à teologia misteriológica Ortodoxa, esta teologia dos latinos "coloca excessiva ênfase na forma externa do mistério em detrimento da Fé correta que lhe confere vida, da qual esta forma deve ser sempre a expressão prática, e assim corre o risco de conferir uma espécie de eficácia mágica à celebração formal do mistério." [458] O erro fatal, portanto, cometido aqui com base no legalismo característico da teologia latina, é a separação da forma e da prática em relação à fé e à confissão corretas, como se a primeira tivesse, em si mesma, valor quando separada da segunda.

Se o que é autêntico é o que é aceitável dentro do Corpo de Cristo, uma sucessão apostólica histórica não pode tornar autêntico um corpo cristão. Antes, é a Igreja, o Corpo de Cristo, no qual unicamente a fé Ortodoxa é confessada e vivida, que torna autênticas as ordens ("um episcopado válido"). "Os ministérios divididos [459] não podem produzir autenticidade ou unidade; só a única Igreja autêntica pode autenticar os ministérios divididos, e então apenas dentro da sua própria unidade." [460]

Para as comunidades que se afastaram do consenso católico na fé, "a Igreja Ortodoxa não pode levantar o problema quanto à sua 'validade' enquanto Igrejas, porque fora da plenitude da Tradição, fora da verdade manifestada que é a Ortodoxia, não podemos 'saber', 'admitir' ou reconhecer ... a validade .... Fora desta esta Tradição simplesmente não sabemos nada de 'validade' ou 'invalidez'". [461]

Portanto, a Igreja Ortodoxa não reconhece "eucaristias válidas" em virtude de "episcopados válidos" separados de todo o Cristo, o que significa fora da unidade de fé manifestada em pleno consenso católico no qual a Única Igreja Católica é conhecida e reconhecida como uma e a mesma em toda Synaxis Eucarística epi a auto. Os mistérios são irreconhecíveis à parte do Mistério da Igreja, que só é dado a conhecer a quem está dentro, de acordo com a palavra do Senhor: "A vocês foi dado o mistério do Reino de Deus, mas aos que estão fora tudo é dito por parábolas" (Marcos 4,11). Pois o reino nada mais é do que o próprio Senhor. [462] Onde não há o pleno consenso católico na fé, o Cristo dos Mistérios permanece irreconhecível, pois a identidade de Cristo não é determinada usando critérios superficiais, externos e legalistas, mas dentro da unidade e da mente de Cristo, que é a Verdade (1 Cor. 2:16, João 14:6).

Cristo dos Mistérios, Cristo da Verdade Dogmática

Na nova eclesiologia, uma ruptura fundamental entre Cristo nos Mistérios e Cristo na verdade dogmática é aparente. Em um ensaio escrito logo após o Concílio, Pe. João Meyendorff aborda esta desunião essencial. [463] Por um lado, observa que na Unitatis Redintegratio se afirma que, como todo mistério "válido" é propriedade da Igreja (UR 3b), é possível aceitar uma prática limitada de comunhão sacramental (communicatio in sacris) [464] com cristãos separados. A Unitatis Redintegratio afirma que a intercomunhão entre Católicos Romanos e Ortodoxos é possível porque os Ortodoxos, "embora separados de nós, possuem verdadeiros sacramentos e sobretudo, devido à sucessão apostólica, o sacerdócio e a Eucaristia, pelos quais estão ligados a nós por vínculos estreitíssimos" (UR 15c). Em outras palavras, como escreveu o bispo Kallistos Ware, "a intercomunhão é vista de um ponto de vista como a expressão de uma unidade que já existe. Mas, ao mesmo tempo, o Concílio reconhece que esta unidade existente ainda está gravemente incompleta e, por isso, a prática da communicatio in sacris é definitivamente intencionada como um meio para garantir uma unidade mais plena." [465] O Decreto sobre as Igrejas Católicas Orientais vai ainda mais longe ao afirmar que a intercomunhão é permitida "para promover cada vez mais a união com as Igrejas Orientais separadas de nós." [466] Deste modo, apesar do estado de separação, e ainda que as diferenças dogmáticas sejam reconhecidas como existentes, [467] em múltiplos documentos, no entanto, o Vaticano II promoveu a intercomunhão.

Por outro lado, escreve Pe. Meyendorff, os bispos que não têm comunhão com o trono de Roma não têm qualquer autoridade dogmática, como está especificado na Lumen Gentium (III, 22): "Porém, o colégio ou corpo de bispos não tem autoridade a não ser em união com o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, entendido com sua cabeça... A ordem dos bispos, que sucede ao colégio dos apóstolos e dá continuidade a este corpo apostólico, é também o sujeito do poder supremo e pleno sobre a Igreja universal, desde que compreendamos este corpo juntamente com a sua cabeça - o Romano Pontífice - e nunca sem esta cabeça. Este poder só pode ser exercido com o consentimento do Romano Pontífice".

Tomando estas duas ideias em conjunto, Pe. Meyendorff corretamente vê por detrás da ideia de comunhão parcial ou incompleta, tal como é apresentada na UR (1c, 2h) "uma noção legalista da Igreja, que a vê como um instituto mundial de controle e segurança dogmática, separando o Cristo dos mistérios da Verdade dogmática". Assim, existe "um cisma teológico entre a presença sacramental de Cristo e Sua revelação como Verdade única" e, portanto, "a autoridade de expressar o ensinamento dogmático é separada da realidade dos mistérios". Consequentemente, não há obstáculo essencial à comunhão nos mistérios nos "casos em que a 'validade' do sacramento na comunidade de dogma diferente é reconhecida." [468] Como bem assinala o Pe. Meyendorff, esta ideia não é nova, mas tem sido a que reina no mundo protestante há séculos, o que apenas confirma, e de forma notável, a famosa afirmação de Alexis Khomiakov: "O romanismo foi protestante desde o seu nascimento." [469] De fato, não se pode deixar de perguntar: de que maneira a nova eclesiologia é essencialmente diferente da concepção protestante dominante na qual cada confissão, embora reconhecendo outras confissões como parte da Igreja, retém a convicção de que ela tem mantido melhor a plenitude do Evangelho e a vontade do Senhor para o Seu povo? [470]

A recusa dos Ortodoxos em admitir qualquer nível de intercomunhão e a aceitação de uma intercomunhão limitada no Concílio Vaticano II conjuntamente apontam para uma cisão mais profunda no que diz respeito à compreensão da plenitude e dos mistérios. Os Ortodoxos rejeitam qualquer tipo de intercomunhão porque se recusam terminantemente a aceitar qualquer divisão de Cristo. Dado que tal divisão é um fato dentro das várias comunidades heterodoxas, já que de uma forma ou de outra elas destroem a plenitude da verdade, os Ortodoxos estão proibidos de entrar em comunhão com elas, pois isso significaria a segmentação do Corpo de Cristo.[471] "A catolicidade da Igreja implica que toda divisão entre os membros do Corpo é igualmente uma divisão de Cristo. Consequentemente, a unidade cristã é essencialmente uma unidade viva nEle e com Ele. Isto é exatamente o que os Ortodoxos expressam quando se recusam a separar a verdade dogmática dos mistérios." [472]

A catolicidade da Igreja também significa que "a sua essência invisível está verdadeiramente presente e encarnada na sua natureza visível e na sua estrutura visível; estes não são meros símbolos, pois a Igreja visível é verdadeiramente o Corpo de Cristo". [473] Há, portanto, uma ligação integral de todos os aspectos do Corpo. "A unidade da Igreja, a unidade da hierarquia da Igreja, a unidade da graça, a unidade do Espírito - todas elas estão inseparavelmente ligadas entre si".[474] Desviar-se de qualquer uma delas é desviar-se do Espírito Santo, do próprio Cristo.

A insistência dos Ortodoxos de que a comunhão eclesiástica só pode ser plena decorre da sua experiência de unidade orgânica. A verdade como Pessoa, o próprio Cristo, só é acessível dentro da união corporativa e orgânica em Cristo. A convergência na opinião teológica, a semelhança no rito batismal ou o uso do mesmo cânon bíblico não podem ser considerados uma base para estabelecer a unidade eclesiástica de qualquer tipo, seja ela plena ou "incompleta". Isso porque toda essa unidade no reino das idéias, da história e da tradição permanece fragmentada a menos que flua da unidade na Pessoa de Cristo na Eucaristia, que é uma unidade orgânica na carne e no sangue do Deus-Homem.[475] Portanto, quer seja a base proposta para a unidade eclesiástica o batismo, as Escrituras ou um pontífice supremo, toda tentativa de estabelecer a unidade eclesiástica em qualquer outra coisa além de Cristo na Eucaristia revela uma atitude individualista que, em última análise, leva ao erro. Todas as tentativas de unificação que não estão ancoradas na Eucaristia permanecem puramente humanas e fragmentadas apenas. Uma comunhão cristã que não é inteira, mas fragmentada, é necessariamente herética. Por isso "a perda do princípio moral da unidade orgânica só pode levar à heresia", e também por isso "a carne de Cristo em si mesma é o fundamento do dogma" [476].

No Vaticano II, a Igreja romana introduziu a ideia de que se pode estabelecer uma unidade eclesiástica que não é orgânica. Uma unidade eclesiástica "real, mas incompleta" em um "batismo devidamente administrado" foi aceita sem que esse "batismo" iniciasse o batizado na Eucaristia, o professado "ápice da comunhão". Para os Ortodoxos, tal "unidade" fragmentada não pode ser orgânica e, portanto, também não pode ser eclesiástica. Do mesmo modo, um "batismo" que não inicia o batizado na unidade orgânica da Igreja na Eucaristia também não pode ser corretamente chamado eclesiástico.

A ideia de comunhão plena e parcial, tão central para a nova eclesiologia, é inconsistente com esta compreensão da unidade orgânica da Igreja. Uma vez mais, também a este respeito, o Vaticano II não foi um regresso à visão patrística da Igreja, mas um novo passo para se afastar dela. Como escreveu o Metropolita Kallistos Ware: "A Bíblia, os Padres ou os Cânones conhecem apenas duas possibilidades: comunhão e não-comunhão. É tudo ou nada". Eles não concebem qualquer terceira alternativa como uma "intercomunhão parcial ".[477] O Padre Georges Florovsky assinala igualmente que na visão patrística da Igreja "havia somente a questão da 'plena comunhão', isto é, da pertença à Igreja. E havia termos idênticos para esta pertença a todos" [478].

A identificação de "pertença plena" com "pertença à Igreja" - uma pertença baseada em termos idênticos para todos - não poderia entrar em oposição mais direta com o coração da nova eclesiologia, que se baseia na possibilidade de haver graus de pertença no Corpo de Cristo. Esta ideia deriva da aceitação de uma divisão dos mistérios uns dos outros e do Mistério da Igreja como um todo. Eles supõem que o Batismo pode existir fora da unidade da Igreja e dos outros mistérios, mecanicamente, por assim dizer, transmitindo a pertença àqueles que o recebem em separação.

Mas, assim como a Eucaristia "está indissoluvelmente ligada a todo o conteúdo da fé e também à estrutura visível da Igreja" [479], assim também o é o batismo. E, assim como "os que advogam a intercomunhão com base na 'eclesiologia eucarística' tratam a Eucaristia 'de forma muito isolada (ibid.)", também os que advogam uma comunhão parcial com base num "batismo comum" consideram o batismo de forma muito isolada. Ao proporem o Batismo como ponto de unidade, eles não percebem que, à parte da unidade na fé e unidade no bispo, a unidade em um "batismo comum" é impossível. Assim como comungar juntos na Santa Eucaristia não pode compensar, quanto mais criar, a unidade na fé (ibid.), assim também o compartilhar o typos do Batismo (se realmente é compartilhado) [480] não pode criar uma unidade eclesiástica ou mesmo uma suposta unidade "parcial".

Além disso, assim como a Eucaristia é celebrada e recebida local e visivelmente, de modo que a separação do heterodoxo da participação na Eucaristia é igualmente visível e local, assim também o Batismo é realizado na Synaxis Eucarística local, da qual o heterodoxo é necessariamente excluído. A Igreja una não existe como uma ideia abstrata, mas manifesta-se visivelmente no tempo e no espaço, como a Igreja local. "Não se pode ser batizado na Igreja Católica sem pertencer ao mesmo tempo a uma Igreja local" [481], pois a Igreja local, "como um 'organismo', um corpo sacramental, não é uma 'parte' ou um 'membro' de um organismo universal mais amplo. É a própria Igreja".[482] Da mesma forma, não se pode ser batizado na "Igreja Católica" de Cristo sem estar em comunhão com todos os membros do Corpo, pois Cristo, Cabeça da Igreja, é inseparável de todos os Seus membros. "Por que" - pergunta São João Crisóstomo -, "deixando ir a Cabeça, te apegas aos membros?" [483]. Quer alguém caia da Cabeça ou do Corpo, o resultado é o mesmo: ele perdeu tanto um como o outro.

Não há, portanto, base para supor, como fazem os defensores da Unitatis Redintegratio e da nova eclesiologia, que "apesar das divisões e condenações mútuas, todas as comunidades dos batizados ... estão em comunhão" [484] , mesmo que apenas parcialmente. A comunhão é ao mesmo tempo vertical e horizontal, tanto com Deus como entre os homens, tanto entre a Cabeça e seu Corpo, e é plena e somente plena: "estando completa aqui e completa lá também." [485] O Senhor não mostra parcialidade, mas distribui os dons a todos de igual modo dentro do Corpo. Uma vez unidos, todos se tornam uma só casa, todos são parentes e irmãos em Cristo. Assim como não pode haver Cristo parcial, não pode haver comunhão parcial em Cristo, pois o Corpo de comunhão, "que é o seu corpo, [é] a plenitude d'Aquele que enche tudo em todos" (Ef. 1,23). Desde o momento em que se é um membro, a comunhão que ele desfruta em Cristo é plena, pois Cristo apenas entrega a Si mesmo plenamente. Se o membro realiza ou não plenamente essa oferta de Cristo não é uma questão institucional, mas uma questão individual, e isso dentro do Corpo.

Quer falemos de um mistério ou de outro, do Batismo ou da Eucaristia, um e o mesmo Cristo está se oferecendo ao homem, unindo o homem a Si mesmo. Esta unidade com Deus se realiza nos mistérios, todos os quais têm certos pressupostos, em primeiro lugar, e comuns a todos, a unidade na fé. É por isso que aquilo que o Padre Dimitru Staniloae insiste e adverte contra, no que diz respeito à Eucaristia e à "intercomunhão", é igualmente verdadeiro para o Batismo e para a "comunhão parcial":
Unidade eclesiástica, unidade na fé e unidade na Santa Eucaristia são todas três inseparáveis e interdependentes para a comunhão total e a vida em Cristo. Consequentemente, a Igreja Ortodoxa não pode aceitar a "intercomunhão", que separa a comunhão na Santa Eucaristia da unidade na fé e unidade eclesiástica. Mais corretamente, a "intercomunhão" é um perigo que ameaça destruir a Igreja, romper a unidade da fé e [a comunhão na] santa Eucaristia [entre os Ortodoxos]." [486]
Portanto, também a Igreja Ortodoxa não pode aceitar uma comunhão "parcial" ou "incompleta" num "batismo comum", pois não pode haver divisão entre os mistérios e o Mistério e entre Cristo nos mistérios e Cristo que cremos e confiamos, que confessamos e que temos o nosso ser, a nossa unidade. Portanto, a aceitação de uma "comunhão incompleta" entre a Igreja e o heterodoxos é, tal como a intercomunhão na Eucaristia, um grave perigo para a unidade do corpo de Cristo. O corpo da Igreja está unido ao Senhor de tal maneira que, como escreveu São João Crisóstomo, mesmo a mínima divisão, a mínima "imperfeição" ou "incompletude", eventualmente traria a dissolução de todo o corpo.

[...]



RESSOURCEMENT OU RENOVAÇÃO?

O Concílio Vaticano II e a eclesiologia por ele apresentada na Lumen Gentium e na Unitatis Redintegratio são amplamente considerados como fruto de um retorno às fontes (ressourcement) pelos teólogos latinos do século XX.[570] Esta alegação, no que diz respeito à eclesiologia, mostra-se vazia. Se o Concílio realizou de fato um retorno às fontes de alguma outra forma, ele evitou conscientemente fazer isso em áreas cruciais para a nova abertura ecumênica inaugurada no Concílio Vaticano II.

Como vimos, não ocorreu um retorno ao consenso patrístico em relação aos mistérios dos cismáticos e hereges, ou mesmo às ideias peculiares do Bem-aventurado Agostinho. Em vez disso, ocorreu o contrário: a exclusividade eclesial agostiniana, ponto que ele compartilhou com toda a Tradição da Igreja, foi abolida. Seguindo Congar e Bea, o Concílio escolheu construir sua nova eclesiologia a partir de um Batismo comum - uma concepção do Batismo dos não-Católicos Romanos que, por sua vez, se baseava na idéia tomista do "caráter batismal", a qual, por sua vez, era uma distorção do sentido do termo de Agostinho. Na Unitatis Redintegratio, o Batismo de não-Católicos Romanos não é simplesmente "válido", é também eficaz; isto é, o Espírito Santo é entendido como presente e ativo nele, unindo o batizado com o Corpo de Cristo. Sobre esta eficácia do batismo cismático ou herético, entendido como obra do Espírito Santo, foi construído todo o edifício da nova eclesiologia - uma visão da Igreja que seria irreconhecível para os Padres da Igreja.

Um exemplo notável do fracasso na implementação do ressourcement no Concílio Vaticano II foi a aceitação de uma teoria do século XVI ligeiramente modificada de um dos líderes da Reforma como uma das pedras angulares da sua nova eclesiologia. Como temos demonstrado, a idéia fundamental de "elementos eclesiológicos" estarem presentes fora da Igreja, e assim tornar a Igreja frutuosamente presente entre os cismáticos e hereges, tem suas origens em um desenvolvimento criativo por parte de Yves Congar da obra Vestigia Ecclesiae de João Calvino.[571] Tal idéia era desconhecida pela Igreja primitiva, pois até mesmo Bem-Aventurado Agostinho, que permitiu a existência de "validade" e de marcas exteriores da Igreja entre os heterodoxos, no entanto categoricamente negou o beneficio espiritual destes, a menos e até que houvesse um retorno à unidade na Igreja. Mais uma vez, neste ponto crucial, o Vaticano II não foi um retorno à visão patrística da Igreja, mas sim um passo adiante dela.

Como o objetivo do Concílio era criar uma eclesiologia que fosse inclusiva, ele também evitou um retorno aos limites "estritos" do significado paulino e patrístico de "membros" do Corpo. Como o Cardeal Ratzinger escreveu de forma bastante franca, a razão disso foi simplesmente para ampliar o significado de pertença à Igreja. [572] Se, porém, como Ratzinger e Kasper sustentam, o ressourcement era realmente uma das forças impulsionadoras do Concílio, por que o próprio significado bíblico e paulino de "membro" seria abandonado? Por que os padres conciliares prefeririam a idéia não-bíblica e não-patrística de "elementos" ou "múltiplos laços internos" à visão bíblica e patrística da unidade, baseada não apenas num batismo comum, mas na Eucaristia e na unidade da fé manifestada no pleno consenso católico de todas as Igrejas? Do ponto de vista patrístico Ortodoxo, uma verdadeira retomada da eclesiologia paulina do Corpo de Cristo, mesmo se destinada a corrigir certas distorções introduzidas "no caminho" da história ou como resposta ao desafio ecumênico, não poderia tomar a forma de uma redefinição da pertença - mesmo que esta se referisse apenas aos "irmãos separados". O Corpo de Cristo, e a pertença nele, é "o mesmo ontem, e hoje e sempre" (Heb. 13:8).

A opção de mudar ou ampliar o significado de pertença à Igreja não está aberta à Igreja contemporânea, pois a Igreja Ortodoxa de hoje é a mesma Igreja dos Santos Padres. Tudo o que é necessário para confrontar e compreender a heterodoxia contemporânea foi providenciado no Novo Testamento e nos escritos dos Padres da Igreja, que nos forneceram os critérios e os exemplos agradáveis a Deus. Nenhuma situação nova poderia provocar um abandono ou uma superação dos critérios dos Santos Padres, pois "não há nada de novo debaixo do sol" (Ecc. 1,9).

Entre os teólogos que moldaram o Vaticano II, porém, prevaleceu uma visão diferente - uma visão da diacronicidade da Tradição da Igreja que enfraquece um retorno às fontes. Pouco depois do Concílio, Pe. Ratzinger escreveu: "O movimento ecumênico nasceu de uma situação desconhecida para o Novo Testamento e para a qual, portanto, o Novo Testamento não pode oferecer orientações". [573] E, no seu livro O Círculo Aberto: O Significado da Fraternidade Cristã, publicado pouco depois do Concílio, Ratzinger escreveu que, uma vez que nem os Padres nem o Novo Testamento dão orientações sobre como conceber a relação das "igrejas" protestantes com a Igreja Católica, é necessário um novo pensamento "no espírito do Novo Testamento." [574]

ressourcement, aparentemente, tem seus limites, terminando no limite onde começa a conveniência ecumênica. A tranquilidade com que Ratzinger se sentiu à vontade para abrir novas trilhas eclesiológicas também ficou evidente no nosso capítulo 7, dedicado a comparar a abordagem de Yves Congar com a de Bem-aventurado Agostinho. Talvez a idéia de um "desenvolvimento da doutrina" esteja também ligada a esta visão particularmente anti-patrística que isenta os teólogos contemporâneos de serem "seguidores dos Santos Padres" (ἑπόμενοι τοῖς ἁγίοις Πατράσιν).[575]

Se o pensamento deste homem que mais tarde se tornaria Papa é aceito como representativo da abordagem dos padres conciliares como um todo, parece haver uma convergência de opinião com certos teólogos Ortodoxos émigré russos que é dito que reconheciam o movimento ecumênico como "um fenômeno ontologicamente novo na história cristã que requer uma profunda reformulação e reavaliação da eclesiologia Ortodoxa tal como moldada durante a era 'não-ecumênica'".[576] Há, de fato, evidências de que certos teólogos-chave do concílio foram significativamente influenciados por esses teólogos. O bispo Christopher Butler cita a opinião de P. Evdokimov, e em particular a seguinte passagem, como sendo uma verdadeira expressão da posição eclesiológica do Concílio: "Sabemos onde está a Igreja; não nos compete ... dizer onde a Igreja não está".[577] Este tipo de abordagem apofática, quase agnóstica, da eclesiologia era especialmente atraente para os Católicos Romanos, muitos dos quais se sentiam confinados pela visão jurídica unidimensional da Igreja e estavam desejosos por um espaço ecumênico para seus esforços.[578]

Yves Congar, o eclesiologista preeminente do concílio, também foi muito influenciado pelos teólogos emigrados russos. As suas idéias sobre ecumenicidade, catolicidade e plenitude - que passaram diretamente para os textos do Concílio Vaticano II - foram decisivamente influenciadas, se não totalmente retiradas, por Nicholas Berdiaev. Berdiaev "distinguiu uma Igreja ecumênica - que teria a plenitude da verdade - da Igreja Ortodoxa como uma denominação, portando necessariamente as marcas da limitação humana. A partir desta perspectiva" - na opinião de Berdiaev - "a Igreja Ortodoxa é mais verdadeira do que as outras, mas a sua verdade permanecerá incompleta até que a plenitude da Igreja ecumênica se realize dentro e fora dela - para além dos seus atuais limites denominacionais estreitos." [579] Isto é muito parecido com o raciocínio que Congar aplicou à Igreja Católica Romana e que passou para os decretos conciliares. Como Joseph Famarée resumiu a visão de Congar, "esta é a própria Igreja, é católica, mas ainda não é plenamente ou perfeitamente católica". [580] Unitatis Redintegratio afirma a mesma ideia de uma forma ligeiramente diferente: "as divisões entre os cristãos impedem a Igreja de alcançar a plenitude da catolicidade que lhe é própria, naqueles dos seus filhos que, embora ligados a ela pelo Batismo, estão ainda separados da plena comunhão com ela" (UR 4J).

É irônico e trágico que precisamente quando o ocaso do escolasticismo e do catolicismo tridentino estava à vista e se iniciava um retorno aos Padres, os Ortodoxos que eram procurados para aconselhamento não os orientaram para o consensus patrum, mas foram, em parte, uma fonte de mais inovações.

Resumo de uma análise Ortodoxa

Em suma, vimos que as raízes do desenvolvimento da doutrina latina do Batismo e da Igreja remontam aos primeiros séculos da Igreja, em particular ao século III, quando surgiu a controvérsia entre o Papa Estêvão e São Cipriano de Cartago a respeito do Batismo dos hereges. O Papa Estêvão manteve a visão minoritária, que supunha que um mistério da Igreja, o Batismo, poderia ser possuído - ainda que só parcialmente - fora da unidade da Fé e da Igreja. Esta divergência fundamental do consenso patrístico - que se recusava a reconhecer qualquer mistério que não fosse da Igreja como sendo de Cristo - permaneceria uma pedra angular da eclesiologia latina até e depois do Concílio Vaticano II. E, mesmo assim, as consequências da visão de Roma foram proteladas durante o período que manteve, juntamente com toda a Igreja, que o Espírito Santo (como energia purificadora e santificadora) não estava em atividade entre os cismáticos e os hereges.

Pode-se dizer que Bem-aventurado Agostinho é o pai da teologia sacramental latina e, em particular, do peculiar divórcio da teologia dos sacramentos em relação à teologia da Igreja. A tendência do bispo norte-africano a reduzir o mistério a uma consideração de "validade" viria a tornar-se o fundamento de um minimalismo sacramental geral durante os séculos que sucederam ao Grande Cisma. E, no entanto, apesar das suas inovações peculiares, Agostinho, como o Papa Estêvão, sustentava que, embora os cismáticos e os hereges pudessem possuir os sinais externos da Igreja, não possuíam o Espírito Santo enquanto permanecessem fora da unidade da Igreja. Neste ponto particularmente importante para a eclesiologia - um ponto que Agostinho partilhou com toda a Tradição da Igreja - Roma oficialmente saiu da linha na sua condenação do Jansenismo do século XVII, dando assim um passo gigantesco para longe do consensus patrum e em direção à nova eclesiologia.

Seria, portanto, um erro flagrante supor (como fez um dos principais oficiais ecumênicos Ortodoxos) que com a Unitatis Redintegratio Roma voltou às suas raízes em Bem-aventurado Agostinho. Embora as opiniões de Agostinho sobre a graça, a liberdade e toda uma série de outras questões tenham dominado a teologia ocidental durante séculos, só depois do Grande Cisma é que as suas opiniões inovadoras sobre os sacramentos e a Igreja vieram a dominar o pensamento teológico no Ocidente - apenas sendo rejeitadas seletivamente, como no caso da condenação jansenista.

Porém, num aspecto diretamente relacionado com a nossa análise do Batismo - o sentido que ele atribuiu ao "caráter batismal" - as opiniões inovadoras de Agostinho foram distorcidas por Tomás de Aquino e pela subseqüente tradição escolástica. Esta redefinição tomista provou ser fundamental para a formação da concepção de Roma sobre a pertença à Igreja.

Muito antes disso, porém, importantes desvios do consensus patrum ocorreram durante os séculos imediatamente posteriores ao Grande Cisma -  mudanças que combinadas deram forma à concepção latina do Batismo. O ensinamento que até mesmo um não-crente, em caso de necessidade, poderia batizar foi dado peso institucional nos Concílios de Latrão e Florença. O abandono da imersão como forma normal do Batismo e a sua substituição por efusão também recebeu um importante apoio teológico por Tomás de Aquino durante esse mesmo período. Durante os séculos que sucederam ao cisma, no Ocidente, a unidade dos mistérios foi fragmentada na prática, de tal forma que uma criança era batizada, mas não era crismada e nem comungava até anos mais tarde. Desde a Idade Média até os nossos dias, o Ocidente experimentou a iniciação na vida da Igreja como Batismo (ou melhor, como efusão) somente. Todas estas inovações se combinaram para preparar o cenário para enxergar o Batismo sob uma luz legalista, minimalista, como um rito de iniciação autônomo, quase mágico, separado da unidade da fé.

Este estado de coisas, que durou muitos séculos, levou à fase mais crítica da história do desenvolvimento da concepção do Batismo apresentada em Unitatis Redintegratio: dos séculos XVII ao XIX. Este foi um período em que a idéia tomística de "caráter batismal" foi elevada como determinante para a pertença à Igreja. Uma seqüência de interpretações errôneas do que constituía ser membro da Igreja levaria finalmente ao cânon 87 do Código de Direito Canônico de 1917. Este cânon se baseia num sumário do Papa Bento XIV, que, por sua vez, se inspirou no teólogo jesuíta Francisco Suárez, que do mesmo modo se inspirou no tratado de Agostinho sobre o Batismo. O processo de desintegração que descrevemos em relação aos ritos de iniciação é plenamente visível na teologia da iniciação e da pertença à Igreja, expressa neste cânone. Para Agostinho, a pertença à Igreja estava situada dentro da tríplice unidade da fé, do batismo e da "paz católica" ou unidade da Igreja. Para Suárez, que se refere a Agostinho mas o compreende mal, era fé, retidão e caráter batismal. Para Bento XIV, referindo-se a Suárez, o critério para ser membro da Igreja tinha sido reduzido ao caráter batismal, dependendo apenas da "forma e da matéria apropriada" (validade). Esta ideia minimalista e legalista de pertença à Igreja veio a servir de base para as opiniões dos teólogos do século XX por detrás da Unitatis Redintegratio, incluindo muito especialmente Yves Congar e o Cardeal Bea.

Se, no entanto, o entendimento total sobre o sacramento e o caráter de Agostinho é considerado, Congar, e o Vaticano II depois dele, não só ignoraram o ensinamento de Agostinho - eles o inverteram. Na Unitatis Redintegratio, aquele que está manifestamente separado da unidade da Igreja pode, por meio de um sinal externo, obter uma realidade interna, espiritual, que o une à Igreja internamente, invisível, embora não externamente. Para Agostinho era possível obter fora da unidade da Igreja um sinal externo de pertença à Igreja sem que houvesse uma realidade interna, espiritual, que acompanhasse o sinal e, portanto, não possuía a realidade espiritual da unidade. Sobre este ponto crucial, o Vaticano II escolheu claramente não voltar às fontes patrísticas, ou mesmo a Agostinho, mas permanecer e desenvolver eclesiologicamente a idéia de pertença ligada à compreensão de Aquino do "caráter batismal".

Assim, na véspera do Concílio, a maioria dos teólogos latinos tinha chegado a um novo consenso que, em virtude de certos elementos, em primeiro lugar o Batismo, os não-Católicos Romanos participavam, em diferentes níveis, na vida da Igreja. Durante a assembleia, este consenso a favor de uma participação graduada na vida da Igreja tornou-se a base para o estabelecimento de uma completa nova eclesiologia nos textos finais do Concílio. Foram feitas mudanças em aspectos chave da auto-compreensão de Roma e da consideração dos dissidentes, cujas raízes podem ser traçadas à longa desintegração dos ritos de iniciação e da teologia do Batismo.

Como parte da abertura ecumênica e do impulso para ser inclusivo em relação ao heterodoxo no mistério da Igreja, o Vaticano II aceitou a idéia de que a Igreja Romana não é a totalidade do Corpo de Cristo, mas apenas uma parte dele. Isto é evidente no abandono da simples identificação da Igreja Romana com a Igreja de Cristo e na introdução da famosa frase "A Igreja una de Cristo . ... subsiste na Igreja Católica". Mas é também evidente na distinção entre comunhão "plena" e "incompleta" e no reconhecimento de "elementos eclesiais" fora da Igreja - ideologias fundamentais para a nova eclesiologia. Esta ideia de que, em virtude dos elementos eclesiais que se têm em comum, os "irmãos separados" não só estão em comunhão parcial com a Igreja romana, mas, na verdade, fazem parte da Igreja universal, ainda que de alguma forma degradada, baseia-se em grande parte na aceitação de um "Batismo comum".

A imagem da Igreja que emerge na Unitatis Redintegratio e na Lumen Gentium é uma Igreja peculiar de dois níveis, com dois tipos de Batismo, ou dois resultados do único Batismo. Segundo a Unitatis Redintegratio, aqueles que possuem somente o Batismo, sem a realidade da Eucaristia (o que significaria a maioria dos protestantes), são "verdadeiramente incorporados" ao Corpo de Cristo no Batismo, sem, no entanto, participar no Sangue de Cristo na Eucaristia. Para aqueles que são considerados possuidores de uma Eucaristia "válida" porque possuem uma sucessão apostólica, o que inclui os Ortodoxos, embora sejam verdadeiramente participantes do Corpo e do Sangue de Cristo, ainda estão "feridos", faltando-lhes não a plenitude de Cristo, mas a plenitude da comunhão com o Seu Vigário, o Sumo Pontífice.

Esta imagem da Igreja, porém, e em particular, esta ideia de Batismo com tais resultados, é impensável para os Santos Padres e para a Igreja Ortodoxa. Aqueles que são iniciados em Cristo são iniciados na Sua plenitude, que é o Seu Corpo. Pode um Batismo não consumado na Eucaristia ser corretamente chamado de Santo Batismo? E pode-se dizer que os que participam da Eucaristia, que é a perfeição da comunhão com Cristo e entre os fiéis, como Roma reconhece que os Ortodoxos fazem, carecem de alguma coisa?

O estado de comunhão incompleta descrito na Unitatis Redintegratio - uma comunhão baseada em "elementos" e fora da unidade da Fé - não tem precedente ou lugar na Igreja. Está em contradição direta com a letra e o espírito da Sagrada Escritura e a mente de Cristo, como claramente apresentada pelo Apóstolo Paulo. Comunhão em Cristo significa tê-Lo, ou ser tido por Ele, em comum: "nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada membro está ligado a todos os outros" (Rm 12,5). Unidade em Cristo significa estar no mesmo "espaço" com Ele, ou seja, estar nEle, como membros do Seu Corpo. Como os próprios promotores da nova eclesiologia admitiram ao evitar o termo "membro" como inconveniente, não pode haver "membros incompletos" de Cristo, "do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor." (Efésios 4:16) Não há união ou comunhão incompleta na Igreja porque a Igreja é a plenitude, a Igreja é "o seu corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todos" (Ef. 1,23).

Não pode haver dois domínios diferentes de possibilidades eclesiais, ou duas classes diferentes de batizados, pois "em um só Espírito somos todos batizados em um só corpo" (1Co 12,13). Não pode haver dois tipos diferentes de comunhão ou unidade em Cristo - uma plena e outra incompleta, pois "somos todos um em Cristo Jesus" (Gl 3,28). Não há dois tipos diferentes de igrejas ou corpos de cristãos dentro da Igreja una - uma que é pela vontade de Deus e outra que não é a vontade expressa de Cristo, pois toda a "igreja está sujeita a Cristo" (Ef. 5:24), que santifica e purifica "para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível." (Efésios 5:27)

A Igreja é uma só, e a sua unidade é ao mesmo tempo vertical e horizontal, com Deus e entre os homens, com os Santos Padres do passado e os cristãos dos últimos tempos. Esta unidade abrange apenas aqueles que são comunicantes da energia vivificante da Santíssima Trindade. Como escreveu São Nicolau Cabasilas, esta unidade se manifesta nos mistérios - cada um separadamente e todos juntos. A unidade dos mistérios e da vida mística em Cristo significa que a participação na energia vivificante e salvífica da Santíssima Trindade não é concedida de uma vez por todas pelo Batismo. Pois não só a iniciação a esta energia vivificante não é realizada apenas pelo Batismo, mas a nossa permanência contínua no Corpo, como portadores do Espírito, requer a formação contínua de Cristo no interior, através da comunhão nos mistérios imaculados da Eucaristia.

De tudo o que este estudo se esforçou para apresentar, acreditamos que deve ficar claro que a teoria da unidade batismal apresentada na Unitatis Redintegratio é incompatível com a eclesiologia dos Santos Padres. Esta conclusão foi confirmada pelos muitos exemplos que citamos tanto da Unitatis Redintegratio como pelos comentários feitos por teólogos latinos e pelo testemunho patrístico tanto da Igreja primitiva como da Igreja contemporânea.

Trechos do livro The Ecclesiological Renovation of Vatican II: An Orthodox Examination of Rome's Ecumenical Theology Regarding Baptism and the Church por Pe. Peter Heers


Notas

430. Está além do escopo deste estudo abordar plenamente as implicações desta diferenciação entre Jesus Cristo e a Igreja.

431. Cardeal Walter Kasper, That They May All Be One: The Call to Unity Today (London/New York: Burns and Oates, 2004), 50-74, especialmente p. 70. Para as opiniões do Cardeal Joseph Ratzinger (nesta altura Papa Bento XVI), veja Maximilian Heinrich Heim, Joseph Ratzinger: Life in the Church and Living Theology: Fundamentals of Ecclesiology with Reference to Lumen Gentium, trans. Michael J. Miller (San Francisco: Ignatius Press, 2007), 300–330.

432. Nicholas Cabasilas, A Commentary on the Divine Liturgy, 38; PG 150:452C–453A.

433. Christos Sp. Voulgaris, The Church, the Body of Christ, http://www.myriobiblos.gr/texts/english/voulgaris_churchbody.html.

434. Ἱερομονάχου Ἀθανασίου Μ. Γιέβτιτς [Athanasius M. Yevtich], Ἡ ἐκκλησιολογία τοῦ ἀποστόλου Παύλου κατὰ τὸν ἱερὸ Χρυσόστομο [The Ecclesiology of the Apostle Paul According to Blessed Chrysostom] (Athens: Gigori Publications, 1984), 94.

435. Ἡ Ἐκκλησιολογία τῶν Τριῶν Ἱεραρχῶν (Athens, 1962), 57–58.

436. Αρχιμ. Ιουστίνος Πόποβιτς [São Justino Popovich], Ερμηνεία της Επιστολής του Αποστόλου Παύλου προς Εφεσίους [Interpretation of the Epistle of the Apostle Paul to the Ephesians]. (Thessaloniki: εκδ. Β. Ρηγοπούλου, 1989), 64.

437. Ἡ ἐκκλησιολογία τοῦ ἀποστόλου Παύλου, 94.

438. Veja, por exemplo: Karl Joseph Becker, “An Examination of Subsistit in: A Profound Theological Perspective,” L’Osservatore Romano, Weekly English Edition, December 14, 2005, 11; Karl J. Becker, “The Church and Vatican II’s ‘Subsistit in’ Terminology,” Origins 35 (2006): 514–22; Francis A. Sullivan, “Response to Karl Becker, S.J., on the Meaning of Subsistit in,” Theological Studies 67:2 (June 2006), 395–409; The Congregation for the Doctrine of the Faith, “Responses to Some Questions Regarding Certain Aspects of the Doctrine on the Church” (June 29, 2007); Francis A. Sullivan, “Quaestio disputata. The Meaning of Subsistit in as Explained by the Congregation for the Doctrine of Faith,” Theological Studies 69:1 (2008), 116–24.  "A interpretação de [subsistit in] equivale a 'Disiderat' (Kasper) e inclui elementos amphotéricos que aceitam interpretações duplas; é ao mesmo tempo inclusiva e exclusiva" (Τσομπανίδης, Ἡ Διακήρυξη Dominus Iesus, 122–23).

439. A declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, Dominus Iesus, foi aprovada em reunião plenária da Congregação e tem a assinatura do seu então Prefeito, Cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde Papa Bento XVI. A declaração foi aprovada pelo Papa João Paulo II e foi publicada em 6 de agosto de 2000. Tem o título "Sobre a unidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja". É mais conhecida pela sua recapitulação do dogma católico que a Igreja Católica é a única verdadeira Igreja de Cristo.

440. Dominus Iesus, na sua resposta à Segunda Pergunta, afirma: "É possível, segundo a doutrina católica, afirmar corretamente que a Igreja de Cristo está presente e operativa nas igrejas e comunidades eclesiais ainda não plenamente em comunhão com a Igreja Católica, em virtude dos elementos de santificação e de verdade que nelas estão presentes (cf. João Paulo II, Carta Encíclica Ut Unum Sint, 11.3: AAS 87 [1995-II] 928). No entanto, a palavra "subsiste" só pode ser atribuída à Igreja Católica apenas, precisamente porque se refere à marca de unidade que professamos nos símbolos da fé (creio ... na Igreja "una"); e esta Igreja "una" subsiste na Igreja Católica (cf. LG, 8.2.)".

441. Walter Kasper, “Communio: The Guiding Concept of Catholic Ecumenical Theology,” em That They May All Be One: The Call to Unity Today (London/New York: Burns and Oates, 2004), 66. Veja também Τσομπανίδης, Ἡ Διακήρυξη Dominus Iesus καὶ ἡ Οἰκουμενική Σημασία της (Θεσσαλονίκη: Πουρναρά, 2003), 61–63.

442. Ibid.

443. Aqui Ocáriz cita a Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Communionis Notio (28 de maio de 1992, n. 13). O professor J. Karmiris comenta assim este ponto na LG 22: "apesar da tentativa de harmonização dos dois poderes, no final o perigo de diarquia na Igreja Católica Romana não foi evitado". (Ἰωάννου Καρμίρη, “Τὸ Δογματικόν Σύνταγμα Περί Ἐκκλησίας, τῆς Β’ Βατικανής Συνόδου” [The Dogmatic Constitution on the Church of the Second Vatican Council] [Αθήνα: 1969], 15). De acordo com N. Arseniev: "De modo que uma certa dualidade veio a ser afirmada na estrutura da Igreja -dualidade em unidade!- o Papa e os Bispos, ambos como detentores do poder supremo na Igreja, mas os Bispos apenas enquanto estiverem em união com o Papa. Não se afirma, contudo, que o Papa mantenha o poder supremo apenas em união com o corpo dos Bispos. De modo que a dualidade se transforma novamente em unidade: uma unidade no Papa". (N. Arseniev, “The Second Vatican Council’s ‘Constitutio de Ecclesia,’” St. Vladimir’s Seminary Quarterly 9 [1965], 21).

444. Fernando Ocáriz, “Christ’s Church Subsists in the Catholic Church,” L’Osservatore Romano, Weekly Edition in English, December 21, 2005, p. 9.

445. É evidente que, como escreveu Stylianos Tsombanidis, "o objetivo objetivo do documento é ressaltar que a comunhão canônica com o bispo de Roma não só é necessária para uma completa comunhão eclesiástica, mas é também a condição sine qua non para a autenticidade eclesiástica de uma Igreja local" (Τσομπανίδης, Ἡ Διακήρυξη Dominus Iesus, 213).

446. Romanides, "A Eclesiologia de Santo Inácio de Antioquia". Romanides chegou a esta conclusão com base nas evidências históricas apresentadas por Dom Gregory Dix em sua obra seminal The Shape of the Liturgy (A Forma da Liturgia). Romanides escreve: "Enquanto na cidade de Alexandria os centros litúrgicos inicialmente tinham um bispo em cada um (P. Trembelas, Taxeis Cheirothesion kai Cheirotonian [Atenas, 1949], 26-29), em Roma não só foram nomeados presbíteros para os diferentes centros litúrgicos, como também não lhes foi dada originalmente permissão para administrar a Eucaristia. Ao invés disso, uma porção dos elementos já consagrados era enviada da liturgia do bispo para os fiéis reunidos nos centros menores. Quando por fim os presbíteros receberam a permissão para celebrar a liturgia, o bispo de Roma continuou a enviar uma porção dos elementos consagrados da sua própria liturgia para serem colocados nos cálices dos centros eucarísticos menores. Esta prática continuou em Roma até o século XIV e não desapareceu completamente até 1870 (Dom G. Dix, A Forma da Liturgia, 21)". Assim, conclui Romanides, "as Igrejas de Roma perderam muito cedo o sentido da Eucaristia como um fim em si mesmo, e introduziram vividamente a idéia de que o ofício do bispo é algo em si mesmo e que de alguma forma os elementos consagrados na liturgia do bispo eram de alguma forma superiores aos consagrados na liturgia dos presbíteros".

447. No terceiro capítulo da LG (21f), o Concílio tentou eliminar a tradicional distinção latina entre os poderes de consagração e de jurisdição, a fim de se aproximar dos Ortodoxos e da prática antiga. O ensino tradicional latino afirma que o poder de ensinar e de governar é o poder da jurisdição; o poder de santificar é o poder das ordens. (O poder de santificar às vezes requer jurisdição, como no sacramento da Penitência). Os bispos da Igreja são os sucessores dos apóstolos porque receberam o seu poder das ordens por meio de uma consagração válida, através de uma linha ininterrupta de sucessores dos apóstolos, e receberam o seu poder de jurisdição através da sua união com o Papa, o sucessor de São Pedro.  Segundo o Cardeal Walter Kasper, esta teoria "surge do conceito ocidental universalista, centralista e piramidal da Igreja no Ocidente latino no segundo milênio". Kasper, "Communio", 84.

448. Veja LG 21f, que diz: "A consagração episcopal, juntamente com o ofício de santificar, confere também o ofício de ensinar e de governar, que, porém, pela sua própria natureza, só pode ser exercido em comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio". Isto parece ser contradito pela UR 16, que reconhece as igrejas orientais (incluindo a Igreja Ortodoxa) como verdadeiras igrejas que "têm o poder de governar a si mesmas de acordo com as disciplinas que lhes são próprias". As Igrejas Ortodoxas Locais, que não têm comunhão com o Papa, são reconhecidas tanto como celebrando a Eucaristia quanto como autogovernadas.

449. Romanides, “The Ecclesiology of St. Ignatius of Antioch.”

450. Veja P. John Meyendorff, Byzantine Theology: Historical Trends and Doctrinal Themes (New York: Fordham University Press, 1970), 210, que escreve: "A Eucaristia é, de fato, a manifestação última de Deus em Cristo; e não pode haver, portanto, nenhum ministério superior ou mais decisivo do que o que preside à Eucaristia. A centralidade da Eucaristia, a consciência de que nela habita a plenitude do Corpo de Cristo e que a função episcopal é a mais elevada da Igreja será o fundamento principal da oposição bizantina a qualquer interpretação teológica das primazias supra-episcopais: não pode haver, segundo eles, qualquer autoridade "por direito divino" acima da Eucaristia e do bispo que preside à assembleia episcopal ".

451. Fernando Ocáriz, “Christ’s Church Subsists in the Catholic Church,” L’Osservatore Romano, Weekly Edition in English, December 21, 2005, p. 9.

452. É interessante notar que, embora o Vaticano II tenha concedido o Batismo, em virtude do rito apenas, aos protestantes em geral e tenha até deixado de os batizar "condicionalmente", o mesmo não aconteceu com a Eucaristia. "Segundo o ensinamento Católico, não é suficiente, na celebração da Eucaristia, utilizar o pão e o vinho, e as palavras da instituição serem ditas; antes, o ministro ordenado, que, personam Christi gerens, realiza as ações, pertence também ao sinal sacramental pleno" (Johannes Feiner, "Commentary on the Decree", em Commentary on the Documents of Vatican II [London: Burns and Oates Limited, 1968], 2:154). Ou seja, esta recusa baseia-se no não reconhecimento da sucessão apostólica entre os protestantes. Mas, isto levanta a questão: aos mesmos apóstolos a quem foi dado o poder de batizar, não lhes foi dado também o poder de oferecer o sacrifício? Esse poder não é um poder autônomo, mas reside na igreja apostólica, seja para a realização de um ou de outro mistério. Se alguém tem o poder de batizar ou de oferecer o sacrifício, ele tem o poder da Igreja. Se os protestantes não têm sucessão apostólica, e portanto não são a igreja apostólica, por qual poder eles estão batizando? E em que estão eles iniciando aqueles que são batizados?

453. Veja UR 15c e no. 1399 de The Catechism of the Catholic Church (New York: Doubleday, 1997): "As igrejas orientais que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica celebram a Eucaristia com grande amor. Estas Igrejas, embora separadas de nós, possuem verdadeiros sacramentos, sobretudo - pela sucessão apostólica - o sacerdócio e a Eucaristia, pelos quais estão ligadas a nós por vínculos estreitíssimos" (UR 15c). Uma certa communio in sacris, e portanto na Eucaristia, "dadas as circunstâncias adequadas e a aprovação da autoridade eclesial, não só é possível como é encorajada" (UR 15c; cf. CIC, cân. 844 § 3). Ver também as seções 77, 1209, 1576 e 833 do Catecismo da Igreja Católica sobre o tratamento da sucessão apostólica.

454. John S. Romanides, An Outline of Orthodox Patristic Dogmatics (Rollinsford, NH: Orthodox Research Institute, 2004), 80–81.

455. Romanides, An Outline of Orthodox Patristic Dogmatics, 80–81.

456. Como o Padre Georges Florovsky escreveu: "é impossível falar em sentido estrito acerca da retenção da 'sucessão apostólica' para além dos limites da comunalidade canônica" (Florovsky, Collected Works, 13:44).

457. Bailey, Charles-James N., “Validity and Authenticity: The Difference Between Western and Orthodox Views on Orders,” St. Vladimir’s Seminary Quarterly, 8 (1964), 86–92 (87).

458. P. Trembelas, Dogmatic Theology of the Orthodox Catholic Church [in Greek] (Athens, 1961), 3:48.

459. A frase "ministérios divididos" significa aquelas ações ministeriais de grupos cismáticos ou heréticos. A rigor, o sacerdócio é inseparável da Igreja, de tal forma que, quando os ministros ordenados se afastam da Igreja, o seu ministério na Igreja cessa.

460. Charles-James N. Bailey, “Validity and Authenticity: The Difference Between Western and Orthodox Views on Orders,” St. Vladimir’s Seminary Quarterly 8 (1964), 88.

461. Pe. Alexander Schmemann, "Unity, Division, Reunion in the Light of Orthodox Ecclesiology", discurso proferido na Conferência Anual da Irmandade de St. Alban e St. Sergius em Abingdon, Inglaterra, em agosto de 1950 (Θεολογία, KB), 243-54.

462. Com Sua encarnação, o reino de Deus se tornou uma realidade presente no mundo. Como diz São João Crisóstomo, falando em nome de Cristo: "Τί ἐστιν, Ἡ βασιλεία; Ἡ παρουσία ἡ ἐμή". ("O que é 'O Reino'? A minha presença") (Ματθ. ομ. 41.2. PG 57.447.)

463. Tinha o título "Um divisor de águas no Ecumenismo da Igreja Romana" [Μία καμπή Ρωμαϊκῆς εἰς τὸν Συνόδου Οἰκουμενισμὸν τῆς Ρωμαϊκῆς Ἐκκλησίας] no volume, Ὀρθόδοξος Θεώρησις τῆς τῆς' Συνόδου τοῦ Βατικανοῦ, ἐπιμέλεια Μαρίας Δ. Σπυροπούλου (Atenas, 1967), 77-80.

464Communicatio in sacris (participação nos sacramentos) deve ser distinguida da communicatio in spiritualibus (participação na oração comum).

465. Bp. Kallistos (Ware), “Intercommunion: The Decisions of Vatican II and the Orthodox Standpoint,” Sobernost, ser. 5, no. 4 (1966), 262.

466. Decreto sobre as Igrejas Católicas Orientais, seção 26.

467. O bispo Kallistos, no seu artigo em Sobernost, pouco depois do concílio, citou a este respeito D. Neophytos Edelby, arcebispo de Edessa, então porta-voz principal dos Uniatas: "Quanto à comunhão parcial que o Concílio permitiu entre as duas Igrejas, ela certamente não exclui diferenças dogmáticas, mas pode contribuir para preparar a aproximação. . . .” Veja Eastern Churches Review, 1:1 (1966), 22.

468. Pe. John Meyendorff, “Μία Κάμπη εἰς τὸν Οἰκουμενισμὸν τῆς Ρωμαϊκῆς Ἐκκλησίας” [Um divisor de águas no Ecumenismo da Igreja Romana] στο τόμο Ὀρθόδοξος Θεώρησις τῆς Β´ Συνόδου τοῦ Βατικανοῦ, ἐπιμέλεια Μαρίας Δ. Σπυροπούλου (Athens, 1967), 79–80. Doravante citado como “Um divisor de águas.”

469. Ibid. Os comentadores pós-Vaticano II tomam como certo que a Igreja visível e invisível não deve ser identificada, pois fora da Igreja Católica Romana "qualquer sacerdote validamente ordenado, incluindo os sacerdotes da Igreja Ortodoxa, pode administrar o Batismo e consagrar a Eucaristia, tornando assim os seus comungantes membros do Único Corpo" (Francesca Aran Murphy, “De Lubac, Ratzinger and von Balthasar: A Communal Adventure in Ecclesiology,” in Ecumenism Today: The Universal Church in the Twenty-first Century, ed. Francesca Aran Murphy and Chris Asprey [Hamphshire, UK: Ashgate, 2008], 47). Isto equivale a uma versão nuançada da teoria da "igreja invisível" dos protestantes, porque os limites são indeterminados e não coincidem com os limites canônicos da Igreja, ou seja, com a unidade na Eucaristia e na fé.

470. Em seu importante tratado Τὸ Βάπτισμα τῶν Αἱρετικῶν [O Batismo dos Hereges], o Arquimandrita Dimitrios Georgiadis assinala que a teoria da igreja invisível não é exclusiva aos protestantes, mas é, na verdade, a interpretação latina predominante dos escritos de Bem-aventurado Agostinho sobre nosso tema (ἀρχιμ Γεωργιάδης, Νέα Σιών 19 (1924), 73-83, 97-112, 165-81, 253-60). Não menos que o grande historiador eclesiástico K. J. Hefele (pp. 117-132) no primeiro volume de sua História dos Concílios (Conciliengeschichte) inclui (erroneamente) Agostinho, junto com Aquino e Boaventura, como fonte do ensinamento que o Batismo dos hereges necessariamente confere santificação e regeneração (sanctificatio et renovation interioris hominis).

471. Meyendorff, “Um divisor de águas,” 80.

472. Ibid.

473. Schmemann, “Unity, Division, Reunion in the Light of Orthodox Ecclesiology.”

474. Florovsky, Collected Works, 13:67.

475. Da mesma forma, não há arrependimento no Hades porque, tendo a alma sido separada do corpo, ali o homem está num estado fragmentado. Para que um homem retorne à "imagem e semelhança", ele deve ser um todo - alma e corpo. Assim também, na vida eclesiástica, a plenitude, a unidade, é impossível fora da totalidade do Corpo, fora da carne e do sangue do Corpo de Cristo. A "unidade" fora da Eucaristia é quimérica, assemelha-se a uma alma sem corpo, ao estado de estar morto.

476. John S. Romanides, “Orthodox Ecclesiology According to Alexis Khomiakov,” The Greek Orthodox Theological Review 2:1 (1956), 57–73. Segundo Khomiakov, a perda da unidade orgânica é anterior ao cisma e é a causa raiz do mesmo, como é evidente no caso do Filioque. O pecado subjacente que tornou e impossibilita a reconciliação é um orgulho individualista que justifica a autonomia e menospreza a conciliaridade. Tal fragmentação foi transferida do nível de governo da igreja para o da teologia e dos mistérios, para mais tarde gerar o fruto da extrema desintegração na Reforma. Como escreve o Pe. John Romanides, "Khomiakov não vê no Romanismo e no Protestantismo dois extremos contrários, mas sim dois lados da mesma moeda. Tanto a unidade latina quanto a liberdade protestante são de natureza puramente externa, privadas do vínculo da comunhão orgânica interior de amor. Ambas pretendem ser capazes de moldar a teologia da Igreja aplicando regras ordinárias de lógica e razão tomadas emprestadas de uma análise dos fenômenos materiais".

477. Archimandrite Kallistos Ware, Communion and Intercommunion: A Study of Communion and Intercommunion Based on the Theology and Practice of the Eastern Church (Minneapolis: Light and Life, 1980), 16.

478. Pe. Georges Florovsky, “Terms of Communion in the Undivided Church,” em Intercommunion. O Relatório da Comissão Teológica Nomeada pelo Comitê de Continuação da Conferência Mundial sobre Fé e Ordem, juntamente com uma Seleção do Material Apresentado à Comissão, ed. D. Baillie e John Marsh (London, 1952), 50, como citado em Ware, Communion and Intercommunion, 16–17. O Professor George Galitis também é citado por Ware na mesma linha, que na Igreja antiga "só há comunhão e não-comunhão" (G. Galitis, The Problem of Intercommunion with the Heterodox from an Orthodox Point of View: A Biblical and Ecclesiological Study [in Greek] [Athens, 1966], 24–25.)  É importante notar que Pe. Georges Florovsky, cujas opiniões são frequentemente citadas em apoio de versões de teologia-eclesiologia batismal, desde muito cedo qualificou explicitamente suas reflexões acadêmicas sobre as opiniões de Santo Agostinho e afirmou que as opiniões do Santo não eram "mais do que um 'theologoumenon', uma doutrina estabelecida por um único Padre".  Do mesmo modo, ele exortou os Ortodoxos a levá-lo em conta, não por si mesmo ou em seus próprios termos, e certamente não como tem sido interpretado dentro da teologia latina, mas simplesmente como uma visão que pode ajudar na formação de uma "verdadeira síntese ecumênica". De fato, Pe. Florovsky lamentou que os Ortodoxos tenham expressado demasiadas vezes a doutrina dos sacramentos usando o modelo romano, sem nenhuma adoção criativa ou transformadora da concepção de Santo Agostinho. Pelo contrário, Pe. Florovsky rejeitou formal e firmemente a teoria da unidade primordial num Batismo comum como é enfatizado pelo Catolicismo Romano, explicando que ela, como a teoria protestante dos ramos, disfarça e minimiza o escândalo da "des-união", que para ele deveria ser enfrentada frontalmente e explicada em termos da "verdadeira Igreja [Ortodoxa] e secessões". Florovsky enfatizou a unidade dos mistérios, especialmente os três primeiros, e por isso pensou não tanto em termos de regeneração ligada ao Batismo, mas em termos de incorporação ao Corpo Comum de Cristo na Eucaristia. Veja Andrew Blane, Georges Florovksy, Russian Intellectual and Orthodox Churchman (Crestwood, NY: St. Vladimir's Seminary Press, 1997), 311-17.

479. Ware, Communion and Intercommunion, 20.

480. Veja o capítulo 2 onde é discutida a divergência de Roma em relação ao τύπος apostólico do Batismo.

481. Ware, Communion and Intercommunion, 23.

482. Schmemann, “Unity, Division, Reunion.”

483. PG 62.344.36: Τί τοίνυν τὴν κεφαλὴν ἀφεὶς, ἔχει τῶν μελῶν; ἐὰν ἐκεῖθεν ἐκπέσῃς, ἀπόλωτας.

484. Jorge A. Scampini, "Reconhecemos um só Batismo para o perdão dos pecados", discurso proferido na Comissão Plenária Fé e Ordem em Kuala, Malásia, de 28 de julho a 6 de agosto de 2004. É importante observar que o Papa João Paulo II, na sua encíclica Ut Unum Sint (par. 42), relacionou esta ideia de comunhão profunda, apesar da divisão, ao "caráter batismal", seguindo assim fielmente o precedente estabelecido por Congar, Bea, e Vaticano II: "A própria expressão irmãos separados tende a ser substituída hoje por expressões que evocam mais prontamente a comunhão profunda - relacionada ao caráter batismal - que o Espírito alimenta, apesar das divisões históricas e canônicas. Hoje falamos de "outros cristãos", "outros que receberam o batismo" e "cristãos de outras comunidades". . . . Este alargamento de vocabulário é indicativo de uma mudança significativa nas atitudes. Há uma maior consciência de que todos nós pertencemos a Cristo".

485. PG 63.131.39, São João Crisóstomo, Homilia sobre a Epístola aos Hebreus, 17.6.

486. Dimitru Staniloae, Γιὰ ἕναν Ὀρθόδοξο Οἰκουμενισμὸ [Rumo a um Ecumenismo Ortodoxo] (Athens, 1976), 29.

[...]

570. Veja, por exemplo, John W. O’Malley, What Happened at Vatican II (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2008), 301.

571. Veja João Calvino, Institutes of the Christian Religion 4 (1559 ed.), chap. 2, nos. 11–12; e Yves M.-J. Congar, Divided Christendom, A Catholic Study of the Problem of Reunion, trad. M. A. Bousfield (London: Geoffrey Bles: The Centenary Press, 1939), 224–48.

572. Cardeal Joseph Ratzinger, "A Eclesiologia do Vaticano II", palestra proferida no Congresso Pastoral da Diocese de Aversa, Itália, 15 de setembro de 2001.

573. Cardeal Joseph Ratzinger, Theological Highlights of Vatican II (New York: Paulist Press, 2009), 112.

574. Cardeal Joseph Ratzinger, The Open Circle: The Meaning of Christian Brotherhood, trad. W. A. Glen-Doeple (New York: Sheed and Ward, 1966), 125.

575. Concilium universale Chalcedonense anno 451 2,1,2.129.23.

576. Foi assim que Pe. Alexander Schmemann descreveu a abordagem de certos teólogos russos ao fenômeno do movimento ecumênico e à natureza da participação Ortodoxa no mesmo. Pe. Schmemann incluiu como representantes do ponto de vista acima mencionado teólogos émigré russos como Sergius Bulgakov, Leo Zander, Nicholas Zernov e Pavel Evdokimov. Veja Alexander Schmemann, Russian Theology, 1920-1965 (Richmond: Union Theological Seminary in Virginia, 1969), 190-91, como citado por Andrew Blane em Georges Florovsky, Russian Intellectual and Orthodox Churchman (New York: St. Vladimir's Seminary Press, 1993), 125. Veja também Divine Ascent, A Journal of Orthodox Faith, 1:2 (1997) (Monastery of St. John of Shanghai and San Francisco, Pt. Reyes, CA.), 43ff. Interessantemente, a avaliação que Yves Congar faz destes teólogos (Congar cita Zander e Nicholas Berdiaev em particular) é muito semelhante à do Pe. Schmemann. Na sua obra Divided Christendom, A Catholic Study of the Problem of Reunion, trans. M. A. Bousfield (Londres: Geoffrey Bles: The Centenary Press, 1939), Pe. Congar escreve que eles vêem a nova realidade ecumênica justificando novas atividades que são abertas ao Espírito Santo e "não redutíveis às categorias eclesiásticas até agora prevalentes" (138).

577. P. Evdokimov, L’Orthodoxie (Neuchatel: Delachaux et Niestlé, 1959), 343, como citado em Christopher Butler, The Theology of Vatican II (London: Darton, Longman and Todd, 1967; rev. ed. 1981). Evdokimov também afirma, como citado por Butler, que "os não-Ortodoxos, considerados do ponto de vista de sua fidelidade denominacional, não se encontram mais na Igreja Ortodoxa; mas, apesar de toda a sua separação, a Igreja continua presente e a agir diante da fé e da correta intenção de salvação deles".(como citado em Christopher Butler, The Idea of the Church [Baltimore: Helicon Press, 1962]). Evdokimov foi um observador oficial no Vaticano II e teve contato pessoal com os teólogos que moldaram a nova eclesiologia. O Bispo Kallistos Ware faz eco destas palavras de Evdokimov no seu livro A Igreja Ortodoxa: "Muitas pessoas podem ser membros da Igreja que visivelmente não o são; laços invisíveis podem existir apesar da separação exterior. O Espírito de Deus sopra onde quer, e, como disse Irineu, onde o Espírito está, lá está a Igreja. Sabemos onde está a Igreja, mas não podemos ter certeza onde ela não está; e por isso devemos abster-nos de julgar. . . .” Timothy Ware [Bispo Kallistos de Diokleia], The Orthodox Church (London: Penguin, 1997), 308.

578. É possível que a influência tenha sido recíproca para alguns, pois um teólogo tão notável como Vladimir Lossky também manteve uma posição de certa forma idêntica à expressa na LG e UR. Na introdução a um artigo sobre a Igreja escrito pelo Patriarca Sergius de Moscou, Lossky escreveu que, "existe uma única Igreja verdadeira, a única que confere a graça sacramental; mas existem várias maneiras de se separar desta única Igreja verdadeira, e vários graus de diminuição da realidade eclesial fora dos seus limites visíveis". Vladimir Lossky, nota introdutória ao artigo do Patriarca Sergius de Moscou, “L’Église du Christ et les communautés dissidentes,” Messager de I’Exarchat du Patriarche Russe en Europe Occidentale 21 (Paris, 1955), 9–10.

579. Joseph Famerée, “Orthodox Influence on the Roman Catholic Theologian Yves Congar, O.P.,” St. Vladimir’s Theological Quarterly 39 (1995), 412–13. Congar cita a obra de Berdiaev Esprit et liberté, Essai de philosophie chrétienne (Paris, Ed. Je sers, 1933) como a fonte para esta perspectiva.

580. Famerée, 413.

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