1 Prólogo - Sinais no Caminho
2 Deus como Mistério
3 Deus como Trindade
4 Deus como Criador
5 Deus como Homem
6 Deus como Espírito
7 Deus como Oração
8 Epílogo - Deus como Eternidade
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida.
João 14: 6
Pe. George Florovsky
Um dos mais conhecidos Pais do Deserto do Egito do século
IV, São Sarapião Sindonita, viajou certa vez em peregrinação a Roma. Lá, ele
foi informado sobre uma famosa reclusa, uma mulher que vivia sempre em uma
pequena sala, nunca saindo. Cético sobre seu modo de vida - pois ele próprio
era um grande andarilho - Sarapião a chamou e perguntou: "Por que você
está sentada aqui?" Ao que ela respondeu: "Não estou sentada. Estou
em uma jornada."
Eu não estou sentada. Estou em uma jornada. Todo cristão pode aplicar essas palavras a si mesmo.
Ser cristão é ser um viajante. Nossa situação, dizem os Pais Gregos, é como a
do povo israelita no deserto do Sinai: vivemos em tendas, não em casas, pois
espiritualmente estamos sempre em movimento. Estamos em uma jornada pelo espaço
interior do coração, uma jornada não medida pelas horas do nosso relógio ou pelos
dias do calendário, pois é uma jornada do tempo até a eternidade.
Um dos nomes mais antigos para o cristianismo é
simplesmente "o Caminho". "Naquele tempo", é dito nos Atos
dos Apóstolos, "Naquele tempo houve um grande tumulto por causa do
Caminho" (19:23); Félix, o governador romano de Cesarea, tinha "um
conhecimento bastante preciso do Caminho" (24:22). É um nome que enfatiza
o caráter prático da fé cristã. O cristianismo é mais do que uma teoria sobre o
universo, mais do que ensinamentos escritos no papel; é um caminho ao longo do
qual viajamos - no sentido mais profundo e rico, o caminho da vida.
Existe apenas um meio de descobrir a verdadeira natureza do
cristianismo. Devemos tomar esse caminho, nos comprometermos com este modo de
vida, e então começaremos a ver por nós mesmos. Enquanto
permanecermos fora, não podemos entender corretamente. Certamente, precisamos
receber instruções antes de começar; precisamos nos informar quais sinais
buscar, e precisamos ter companheiros. De fato, sem orientação de outras
pessoas, dificilmente é possível começar a jornada. Mas as instruções dadas pelos
outros nunca podem nos transmitir como o caminho realmente é; elas não podem
substituir a experiência pessoal e direta. Cada um é chamado para verificar por
si mesmo o que foi ensinado, é necessário que cada um re-viva a Tradição que
recebeu. "O Credo", disse o Metropolita Filareto, de Moscou,
"não pertence a você, a menos que você o tenha vivido". Nesta jornada
tão importante, ninguém pode ser um viajante sem sair de seu conforto. Ninguém
pode ser cristão por experiência alheia. Deus tem filhos, mas Ele não tem
netos.
Como cristão da Igreja Ortodoxa, gostaria particularmente
de sublinhar esta necessidade da experiência viva. Para muitos no
ocidente do século XX, a Igreja Ortodoxa parece principalmente singular pelo
seu ar de antiguidade e conservadorismo; a mensagem dos ortodoxos aos seus
irmãos ocidentais parece ser: "Nós somos o seu passado". Para os
próprios ortodoxos, no entanto, a lealdade à Tradição não significa
essencialmente a aceitação de fórmulas ou costumes de gerações passadas, mas
sim a experiência sempre nova, pessoal e direta do Espírito Santo no
presente, aqui e agora.
Ao descrever uma visita a uma igreja no interior da Grécia,
John Betjeman enfatiza o elemento da antiguidade, mas também enfatiza algo
mais:
... O
interior em forma de abóbada engole o dia.
Aqui,
onde acender uma vela é orar,
A chama
da vela mostra os olhos amendoados
Dos
santos locais que vêem sem surpresa
Seus
martírios retratados em paredes
Onde a
luz do dia fracamente filtrada toca.
A chama
mostra as tintas rachadas
azul
marinho
E
vermelho e dourado, com a madeira granulada mostrada
por meio
-
De muitos
ícones beijados, que datam, talvez,
O século
XIV ...
Assim
vigorosamente a árvore antiga cresce,
Podada
por perseguição, regada com sangue,
Suas
profundas raízes vivas na lama pré-cristã.
Não
precisa de proteção burocrática.
É a sua
própria ressurreição perpétua...
Betjeman chama a atenção aqui para muito daquilo que um
ortodoxo considera precioso: o valor dos gestos simbólicos, como a iluminação
de uma vela; o papel dos ícones ao transmitir um sentido da igreja local como
"o paraíso na terra"; a proeminência do martírio na experiência
ortodoxa - sob os turcos desde 1453, sob os comunistas desde 1917. A ortodoxia no
mundo moderno é de fato uma "árvore antiga". Mas, além da idade, há
também vitalidade, uma "ressurreição perpétua"; e é isso que importa,
e não a mera antiguidade. Cristo não disse: "Eu sou costume"; ele
disse: 'Eu sou a Vida'.
O objetivo do presente livro é descobrir as fontes
profundas desta "ressurreição perpétua". O livro indica alguns dos
sinais e marcos decisivos sobre o Caminho espiritual. Não há aqui uma tentativa
de fornecer uma narrativa factual da história e da situação contemporânea do
mundo ortodoxo. Informações sobre isso podem ser encontradas no meu trabalho
anterior, A Igreja Ortodoxa (Penguin Books), originalmente publicado em 1963;
e, na medida do possível, evitei repetir o que se diz ali.
Meu objetivo no presente livro é oferecer um breve relato
dos ensinamentos fundamentais da Igreja Ortodoxa, abordando a fé como um
caminho de vida e um caminho de oração. Assim como Tolstoi intitulou uma de
suas histórias curtas, "Pelo que vivem os homens", então este livro
poderia ter sido chamado, "Pelo que vivem os cristãos ortodoxos".
Em uma época anterior e mais formal, ele poderia ter assumido a forma de um
"catecismo para adultos", com perguntas e respostas. Mas não fiz o
esforço de ser exaustivo. Muito pouco é dito aqui sobre a Igreja e seu caráter
"conciliar", sobre a comunhão dos santos, os sacramentos, o
significado do culto litúrgico: talvez eu consiga transformar esses assuntos no
tema de outro livro. Ao me referir ocasionalmente a outras comunhões cristãs,
não faço comparações sistemáticas. A minha preocupação é descrever em termos
positivos a fé pela qual, como ortodoxo, eu vivo, em vez de sugerir áreas de
concordância ou discordância com o catolicismo romano ou o protestantismo.
Ansioso para que a voz de outras e melhores testemunhas
seja ouvida além da minha, incluí muitas citações, especialmente no início e na
conclusão de cada capítulo. Breves notas sobre os autores e fontes citadas
podem ser encontradas no final do livro. A maioria das passagens são dos livros
de ofícios ortodoxos, usados diariamente em nosso culto, ou então daqueles que
chamamos de Pais - escritores principalmente dos primeiros oito séculos da
história cristã, mas em alguns casos de datas posteriores; pois um autor em
nossos dias também pode ser um "Pai". Estas citações são as
'palavras' que provaram ser mais úteis para mim, pessoalmente, como sinais para
minhas próprias explorações no Caminho. Há, naturalmente, muitos outros
escritores, não citados aqui pelo nome, dos quais eu também fiz uso.
Ó Salvador, que viajastes com Lucas e Cleopas a Emaús,
viaje com os teus servos enquanto agora se dirigem para o seu caminho, e defenda-os
de todo mal (Oração antes de começar uma jornada).
Festa do Santo Apóstolo e Evangelista João, o Teólogo, 26
de setembro de 1978
Arquimandrita Kallistos
Nenhum comentário:
Postar um comentário