Prefácio
Fui
levado a escolher este tópico específico para a presente tese devido ao meu
diálogo apologético nas aulas de apologética. Quando meu oponente - um pastor Presbiteriano - e eu entrávamos na discussão sobre a questão da salvação
pessoal e passávamos pelo conjunto usual de citações bíblicas que os dois lados
liam de forma diferente, senti que era importante enfatizar que os ensinamentos
Ortodoxos e os Protestantes sobre a salvação não possuem exatamente o mesmo
peso, já que o ensino Protestante "somente a fé" é uma novidade do
século XVI que nasceu do protesto contra os abusos do Papado. Nem os Apóstolos,
nem os Pais Orientais, nem os Pais Latinos ensinaram sobre a salvação desta
maneira.
Para
minha surpresa, esta declaração causou uma impressão no meu oponente. Ele disse
que tem um problema com esse fato, que é algo com o qual está "lutando"
e que ele acha isso até mesmo "preocupante". Outra admissão que fez
foi que ele (apesar de ser pastor e um graduado do seminário, eu acrescentaria)
nunca questionou as concepções Protestantes sobre a salvação e nunca teve que lidar
com as concepções contrárias das igrejas Católica Romana ou Ortodoxa.
Isto me
fez perceber, em nosso diálogo, que não é apenas importante para nós,
Ortodoxos, podermos explicar o que cremos, mas também expor nossos
oponentes e ouvintes à nossa abordagem da fé cristã em geral e da teologia em
particular - que deslegitima as abordagens das denominações não-Ortodoxas e de
indivíduos e torna interpretação deles de citações bíblicas particulares
bastante irrelevante.
Simplificando,
nosso ensino sobre a salvação não pode ser reduzido a um conjunto de citações
bíblicas ou patrísticas que simplesmente lemos de uma determinada maneira. Nosso
ensino sobre a salvação pode ser remontado à Igreja Apostólica através da
continuidade ininterrupta do culto e da prática, da vida da Igreja. Em outras
palavras, nossa doutrina da salvação é corporificada pela vida que a Igreja tem
vivido desde os tempos de Cristo e dos Apóstolos.
Esta
doutrina é multidimensional e envolve aspectos dogmáticos, históricos,
bíblicos, eclesiológicos e outros. Da mesma forma, a crítica das doutrinas
não-Ortodoxas da salvação pessoal também pode ser oferecida a partir de
múltiplos pontos de vista. O presente trabalho é um exercício apologético
destinado a delinear essa lógica, interconectividade e complexidade para um
crente cristão não-Ortodoxo.
Como já
foi mencionado, a idéia aqui é apresentar o ensino Ortodoxo sobre a salvação
pessoal como algo que pode ser primariamente extraído diretamente das
abundantes evidências bíblicas, apostólicas e patrísticas, em oposição à
abordagem mais comum que é extraída da oposição ao ensinamento Católico Romano
/ Protestante (usando "argumentos Protestantes contra os Católicos e argumentos Católicos contra os Protestantes").
Introdução:
Salvação Objetiva e Subjetiva
"O
dogma da salvação em Cristo é o dogma central do cristianismo, o coração da
nossa fé cristã". [1]
Nós
chamamos Cristo de "nosso Salvador" e, em nosso Símbolo da Fé [o Credo],
confessamos nossa crença "Creio em um só Senhor, Jesus Cristo... por nós,
homens, e para a nossa salvação [2], desceu dos céus: e encarnou
pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez
homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu
e foi sepultado...". Por estas palavras, a Igreja Ortodoxa ensina que a
salvação da raça humana é alcançada pelo Filho de Deus, Senhor Jesus Cristo,
que disse sobre si mesmo: "o Filho do homem não veio para ser servido, mas
para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos." (Mateus 20:28,
Marcos 10:45). [3], [4]
Por que
chamamos Cristo de "o Salvador"? Da mesma forma, podemos também
perguntar: o que é salvação? Salvação de que? Se estamos falando de salvação,
alguém deve estar em
perigo. As respostas que a Igreja Ortodoxa dá a essas
questões estão ligadas ao ensinamento Ortodoxo sobre o "pecado original" e
suas consequências. "A doutrina do pecado original tem grande significado
na cosmovisão cristã, porque sobre ela repousa toda uma série de outros dogmas".
[5]
Desde o
início, o ensinamento da Igreja tem sido que a natureza do homem foi
profundamente corrompida como resultado da queda. Adão e Eva pecaram violando a
ordem de Deus, rompendo sua conexão com Deus - o único que é Vida. "A
ruptura desta comunhão com Deus só pode ser consumada na morte, porque nada
criado pode continuar indefinidamente a existir por si só. Assim, pela
transgressão do primeiro homem, o princípio do "pecado (o diabo) entrou no
mundo e através do pecado a morte, e assim a morte caiu sobre todos os homens
..." [veja Romanos 5:12]." [6] Nossa natureza foi danificada e
tornou-se completamente deslocada. Nossa essência íntegra dividiu-se em três
partes - mente, coração e corpo - que entraram em conflito uma com a outra. Nós
herdamos essa natureza danificada, com sua pré-disposição ao pecado. "O
pecado original é entendido pela teologia Ortodoxa como uma inclinação
pecaminosa que entrou na humanidade e se tornou sua doença espiritual".
[7], [8]
"...
Com a transgressão do mandamento, o princípio do pecado imediatamente entrou no
homem - 'a lei do pecado'... Atingiu a própria natureza do homem
e rapidamente começou a se enraizar nele e se desenvolver. ... As inclinações
pecaminosas no homem assumiram a posição reinante; o homem tornou-se servo do
pecado (Romanos 6: 7). Tanto a mente quanto os sentimentos se tornaram
obscurecidos nele e, portanto, sua liberdade moral muitas vezes não se inclina
para o bem, mas para o mal ".[9] Este dano" foi transmitido aos
descendentes [de Adão] e pesa sobre eles". [10] Não somos culpados do
pecado de Adão (como coloca a soteriologia ocidental), mas ainda temos que
lidar com suas conseqüências, pois afetou toda a humanidade.
Esta
compreensão do pecado de Adão como dano tem implicações profundas para a nossa
compreensão do que Cristo fez por nós, porque, de outra forma, alguém poderia
perguntar: por que um Deus amoroso não poderia simplesmente perdoar o pecado de
Adão? Por que Cristo precisou vir? A resposta patrística a isto é que o
"dano original" não pode ser "perdoado" - só pode ser
curado! Adão e Eva se arrependeram - no entanto, "arrependimento [não]
resgata os homens do que é de acordo com sua natureza; tudo o que faz é fazê-los
cessar de pecar" (São Atanásio o Grande,"Sobre a Encarnação").
[11]
Cristo
não nos tornou sem pecado, ainda há pecado no mundo, mesmo após a ressurreição de
Cristo. Ele nos livrou do poder do pecado, da pré-disposição ao pecado, que o
homem não conseguia reverter sozinho. Os Santos Pais dizem que Cristo assumiu
a natureza perfeita (de Adão antes da queda), mas com todas as deficiências
(aflições) causadas pela queda. "A essência divina, enquanto sem carne,
não participa do sofrimento. Mas uma vez que foi Seu Corpo que se sujeitou a todos esses sofrimentos, dizemos que o Verbo estava sofrendo por nós, porque Ele, que
é sem paixão, estava em um corpo sofredor "(São Cirilo de Alexandria).
[12] Cristo restaurou a nossa essência humana Nele mesmo. "Jesus Cristo,
ao unir a humanidade e Deus em Sua própria pessoa, reabriu para nós humanos o
caminho para a união com Deus. Em Sua própria pessoa, Cristo mostrou o que é a
verdadeira 'semelhança com Deus' e, através de Seu sacrifício
redentor e vitorioso, estabeleceu essa semelhança mais uma vez dentro de nosso
alcance". [13] É assim que a Igreja sempre entendeu a salvação entregue a
nós por Jesus Cristo.
No
entanto, a palavra "salvação" é usada na Escritura com dois
significados diferentes.
"Na
pregação dos Apóstolos, especialmente digno de atenção, é o fato de que eles
precisamente nos ensinam a distinguir entre a verdade da salvação da humanidade
como um todo, que já foi realizada, e outra verdade - a necessidade de uma
recepção pessoal e assimilação do dom da salvação por parte de cada um dos
fiéis, e o fato de que esta última salvação depende de cada um. Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus,
escreve o apóstolo Paulo (Efésios 2: 8); mas ele também ensina: operai a vossa
salvação com temor e tremor (Filipenses 2:12). [14]
"Nossa
salvação objetiva é realizada apenas no sacrifício de Jesus Cristo, enquanto
nossa salvação pessoal ou subjetiva, que na linguagem do Novo Testamento é
chamada de "justiça", "santidade" ou "salvação"
(no sentido estrito) é realizada como uma continuação desta salvação objetiva,
com nossa energia ou atividade pessoal atuando em cooperação com a Energia
Divina ou a Graça". [15]
É o
ensinamento Ortodoxo da salvação pessoal (subjetiva) que pretendemos expor no
presente trabalho.
Capítulo
1: O Ensinamento Ortodoxo sobre a Salvação Pessoal
O
ensinamento Ortodoxo sobre a salvação pessoal baseia-se no ensino sobre o
propósito da criação do homem por Deus e os danos sofridos pela natureza humana
como resultado do "pecado original". Deus criou o homem "à Sua imagem e semelhança" (Gênesis 1 : 26) - isto é, Deus queria que o homem fosse deus
pela graça. "A perda do Reino de Deus foi a consequência mais grave da
queda. Adão e Eva perderam a bem-aventurança que já haviam provado no
Paraíso".[16] "Após a sua primeira queda, o próprio homem - na alma -
se afastou de Deus e tornou-se não receptivo à graça de Deus que estava aberta a ele;
ele deixou de ouvir a voz divina dirigida a ele, e isso levou ao aprofundamento
do pecado nele". [17]
A
salvação é a restauração da totalidade da imagem de Deus em nós, da
possibilidade de nossa união com Deus. É a restauração da nossa essência
original. "A Sagrada Tradição ensina que ... seremos salvos quando nos
tornarmos como Cristo ... Por nossa fé nEle e nosso desejo de tornar-nos
semelhante a Deus, não somos salvos de uma só vez, mas sim lentamente transformados nas criaturas que fomos criados para sermos.". [18]
1.2 Todos são chamados à salvação.
A
salvação não é para os "eleitos", ou "pessoas escolhidas".
Deus "quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da
verdade." (1 Timóteo 2: 4). Além disso, "Mas que lhe é agradável
aquele que, em qualquer nação, o teme e faz o que é justo". (Atos 10:35).
Cristo disse: "Eu ... atrairei todos todos a mim" (João 12:32). Ele
"morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para
aquele que por eles morreu e ressuscitou..." (2 Coríntios 5:15). De Cristo,
os apóstolos "receberam graça e apostolado, por obediência à fé entre
todas as nações..." (Romanos 1: 5). Junto com os apóstolos "confiamos no
Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente daqueles que
crêem" (1 Timóteo 4:10).
Há vários
lugares na Escritura que atestam o fato de que a salvação não é um ato único,
mas prolongado no tempo: "Aquele que perseverar até o fim será salvo"
(Mateus 10:22), "A nós que estamos sendo salvos "(1 Coríntios 1:18),
etc. O próprio Cristo indica que a salvação é uma jornada que dura toda a vida: "Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua
cruz, e siga-me"(Mateus 16 : 24). O apóstolo Paulo exorta os Filipenses a
"operar a sua salvação com temor e tremor" (Filipenses 2:12).
É
possível aproximar-se ou afastar-se da salvação: "... porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé" (Romanos 13:11). Ao tentar
tornar-se justo, pode-se progredir em vários graus: "... se a vossa
justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no
reino dos céus" (Mateus 5:20). [19] Cristo vincula a entrada no reino dos
céus - isto é, a salvação eterna - ao nível de justiça que alguém pode
adquirir.
"...
Nossa Igreja, no entanto, ensina que nossa salvação pessoal não é nem um dom, nem uma obra simples, mas sim um processo e um empreendimento que
amadurece ou se desenvolve gradualmente e se realiza na cooperação de duas
pessoas: Deus e homem". [ 20]
Este
processo de restauração da nossa comunhão original com Deus é a nossa
"salvação pessoal". Como cristãos, não buscamos apenas bênçãos de
Deus, mas Deus mesmo - e nossa salvação é o conhecimento experiencial de Deus.
"E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17: 3). "... O
conhecimento de Deus e a salvação eterna ... são inseparáveis um do outro"
(São Clemente de Alexandria, "Stromata"). [21]
Crescendo
no conhecimento de Deus, em comunhão com Deus, o homem torna-se mais e mais
deificado - "no sentido de que o Espírito Santo habita dentro dos fiéis cristãos e transforma-os na imagem de Deus em Cristo, eventualmente dotando-os
na ressurreição com imortalidade e o caráter moral perfeito de Deus ".
[22]
Comparado
com a multiplicidade de termos que o Novo Testamento usa como sinônimos para a
"salvação" - "redenção", "reconciliação",
"adoção", "justificação", etc. - um termo patrístico posterior,
theosis, parece abranger melhor os aspectos mais importantes.
Há uma
abundância de evidências bíblicas e patrísticas que demonstram que a Igreja
sempre acreditou na possibilidade de nossa theosis e a considerou como meio de nossa
salvação. "Quando Cristo disse: "Arrependei-vos, porque o reino dos
céus está próximo" (Mateus 4:17), isto é um chamado para uma vida de
Theosis". [23] "Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o
Espírito de Deus habita em vós?" (1 Coríntios 3:16, 6:19). "Ele, de
fato, assumiu a humanidade para que possamos nos tornar Deus" (São
Atanásio de Alexandria, "Sobre a Encarnação"). [24] "Por
intermédio destas ele nos deu as suas grandiosas e preciosas promessas, para
que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da
corrupção que há no mundo, causada pela cobiça." (2 Pedro 1:4) "Visto
que o Senhor assim nos redimiu através do Seu próprio sangue, dando a Sua alma
para as nossas almas, e a Sua carne para a nossa carne, e também derramou o
Espírito do Pai pela união e comunhão de Deus e do homem, transmitindo de fato
Deus para os homens por meio do Espírito e, por outro lado, unindo o homem a
Deus por Sua própria encarnação e concedendo-nos na Sua vinda imortalidade de forma duradoura e verdadeira, através da comunhão com Deus..." (Santo
Irineu de Lyon, "Contra Heresias", Livro 5, 1: 1). [25]
"(Cristo) terá conosco tal unidade pela graça como Ele mesmo tem com o Pai
por natureza ... Essa glória que o Pai deu ao Filho, o Filho nos dá também pela
graça ... Uma vez que se tornou nosso parente pela carne e tendo nos feito
participantes de Sua Divindade, Ele (por isso) nos fez seus parentes... Temos
uma unidade com Cristo ... que um marido tem com sua esposa e esposa com o
marido "(São Simeão, o Novo Teólogo). [26]
"São
Máximo, o Confessor, diz: "A base forte e segura da esperança para a
deificação da essência do homem é Deus tornando-se homem, o que torna o homem
deus na mesma medida em que o próprio Deus se tornou homem. Pois é claro que
Aquele que se tornou homem sem pecado, pode deificar a essência (humana) sem a transformar em Divindade, elevando-a para Si mesmo na mesma medida, na qual Ele
se humilhou pelo homem." São Máximo se refere a Deus como
"desejando a salvação e ansiando pela deificação" dos homens. Por seu
imensurável amor pelo homem, Cristo ascendeu ao Gólgota e sofreu a morte na
Cruz, que reconciliou e uniu o homem com Deus ". [27]
É
importante enfatizar que, de acordo com o ensinamento patrístico sobre theosis,
a pessoa humana não está sendo absorvida, ou "engolida", pela
Divindade. Na oração do "Sumo Sacerdote", Jesus Cristo ora a Deus Pai
sobre Seus seguidores para que "todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em
mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós"(João 17:21). Assim como
três pessoas da Santíssima Trindade habitam umas nas outras sem perder seu
caráter individual, também somos chamados a "habitar" em Deus sem
perder nossa identidade.
Através
da theosis, nós, claro, não nos tornamos Deus por essência - nos tornamos
Deus pela graça. Nossa comunhão é com as energias divinas - isto é, as
manifestações de Deus neste mundo - não com a essência de Deus.
Por fim,
deve-se notar que, uma vez que Cristo salvou a pessoa inteira, nossa salvação
pessoal envolve tanto a alma como o corpo. "Apresenteis os vossos corpos em sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus" (Romanos 12: 1). A santidade não é apenas
uma perfeição moral. Muitos santos Ortodoxos demonstraram fisicamente os frutos
da theosis. A partir das vidas dos Santos Pais da Igreja primitiva, conhecemos muitos
exemplos de sinais visíveis e corporais que acompanham a theosis - como a luz
incriada ("a luz do Tabor") envolvendo os santos vivos. Os corpos de
alguns santos foram milagrosamente preservados da corrupção. Em Marcos 16:17,
Cristo lista os sinais externos que acompanharão aqueles que terão alcançado a
theosis.
De acordo
com o ensinamento da salvação como theosis, a Igreja sempre entendeu a salvação
como algo que começa e já pode ser experimentado em nossa vida terrena. O
próprio Cristo se referiu à salvação no tempo presente: "Eis que o Reino
de Deus já está no meio de vós" (Lucas 17:21) - e assegurou que
"dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte sem que vejam
chegado o reino de Deus com poder."(Marcos 9: 1). Pode-se dizer que
"somos gradualmente salvos à medida que somos deificados, cumprindo o ensino de Cristo e os Seus mandamentos" [28].
Os
escritos do apóstolo São João Teólogo são especialmente repletos de referências
à vida eterna como algo já presente: "Aquele que crê no Filho tem a vida
eterna" (João 3:36). "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem
a vida eterna ..." (João 6:54). "Nós sabemos que passamos da morte
para a vida ..." (1 João 3:14). "... E vós sabeis que nenhum homicida
tem a vida eterna permanecendo nele...." (1 João 3:15). Etc.
Como a
vida eterna é a comunhão com Deus, a presença de Deus em nós, ela "não tem
em sua essência nada que impeça sua revelação aqui na Terra; em outras
palavras, a vida eterna - como estado de alma humana - não depende das
condições do espaço e do tempo, não pertence apenas ao mundo além do túmulo,
mas depende exclusivamente do desenvolvimento moral e, portanto, para os
eleitos, pode começar nesta vida". [29]
Não
estamos trabalhando por uma recompensa futura, uma vez que "para qualquer um que anseie por verdade e vida, essa mesma verdade e essa mesma vida são a recompensa; porque era para elas que ele estava trabalhando." [30]
Pode-se
encontrar um completo consenso patrístico sobre a compreensão de nossa vida
espiritual como um desenvolvimento que começa aqui na Terra e continua na vida
após a morte. A salvação eterna não é algo qualitativamente novo - mas uma
revelação completa do que foi semeado pelo homem em sua luta espiritual terrena.
Um grande asceta do século IV, São Macário o Grande, que provou a comunhão com
Deus em sua vida terrena, estava tão permeado com essa experiência, que ele
quase não podia imaginar o que mais poderia ser dado à sua alma além do túmulo
[31] e estava inclinado a acreditar que no dia da Ressurreição será apenas o
corpo que "será coberto e glorificado com a Luz de Deus que existe na alma
humana agora - para que o corpo possa reinar com a alma, mesmo agora
participando no Reino de Cristo, consolado e iluminado pela luz eterna
"(São Macário, o Grande, Discurso 2," Sobre o Reino das Trevas
"). [32]
Saltando um
pouco à frente, acrescentaremos que, é da
natureza da Igreja em geral, ser simultaneamente a preparação para o futuro
(vida eterna) e já o cumprimento, a antecipação dela: "Por um lado, a
Igreja mesma é a preparação: ela "nos prepara" para a vida eterna.
Assim, sua função é transformar toda a nossa vida em preparação. Por
sua pregação, doutrina e oração, ela nos revela constantemente que o "valor"
final - que dá sentido e direção a nossas vidas - está "próximo",
"por vir", deve ser esperado, antecipado. ... No entanto, por outro lado, a Igreja
é também essencialmente cumprimento. Os eventos que lhe deram origem e que
constituem a própria fonte de sua fé e vida já ocorreram. Cristo veio. Nele, o
homem foi deificado e ascendeu ao céu. O Espírito Santo veio e Sua vinda
inaugurou o Reino de Deus. A graça foi dada e a Igreja verdadeiramente é
"o paraíso na terra", pois nela temos acesso à mesa de Cristo em Seu Reino. Recebemos
o Espírito Santo e podemos participar, aqui e agora, da nova vida e estar em
comunhão com Deus". [33]
Como se
embarca na jornada da theosis? Primeiro, o homem precisa que sua vontade seja
despertada para o desejo de estar com Deus. A fé é o que a desperta. A fé é uma
força motriz e o "coração" da vida espiritual. Como se obtém ela? Deus
dá fé àqueles que o procuram. É preciso ser um buscador da verdade, atento à sua consciência e verificá-la perante a lei que lhe é conhecida. Vendo essa "centelha de busca", Deus ajudará sempre.
Sem fé em
Cristo, o homem não pode se salvar porque ele não sabe que Deus é Amor que tudo
perdoa. Conhecendo-se ser um pecador que merece punição, ele vê Deus como um
governante do Universo, poderoso, hostil e sem misericórdia. Neste estado,
estando amedrontado e aguardando a punição, não se pode simplesmente voltar espontaneamente ao amor por Ele - sem o qual não há salvação. "Como,
pois, invocarão aquele em quem não creram?" (Romanos 10:14). [34] Não se
pode aprender que Deus é um Pai misericordioso e amoroso porque "Deus
nunca foi visto por alguém." (João 1:18). Só se pode aprender que Deus é
Amor porque "o Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o
revelou." (João 1:18). Através da fé em Cristo, recebe-se "ousadia e
acesso [a Deus] com confiança" (Efésios 3:12). E, vendo que Deus é um Pai amoroso, começa-se a desejar-Lhe e a amá-Lo em troca. Só através da fé se pode chamar a Deus "meu Deus" - ou seja, associarmo-nos livremente a Deus. Assim, através da fé, uma união pessoal íntima é
estabelecida entre o fiel e Deus. "Qualquer que confessar que Jesus é o
Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus" (1 João 4:15).
A Sagrada
Escritura e os primeiros Padres da Igreja são absolutamente claros sobre esta
importância da fé como o início do caminho da salvação: "Quem crer e for
batizado será salvo; mas quem não crer será condenado" (Marcos 16:16).
"Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos
de Deus, aos que crêem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da
vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus."(João 1: 12-13).
"Sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se
aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o
buscam." (Hebreus 11: 6). "Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido.Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam.Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo." (Romanos 10:9-13) "O tempo está cumprido, e o reino de Deus
está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho." (Marcos 1:15).
"... E assim, nós, tendo sido convocados por Sua vontade em Cristo Jesus , não
somos justificados através de nós mesmos ou através da nossa própria sabedoria,
compreensão ou piedade ou obra que fizemos em santidade de coração, mas através
da fé, pela qual o Deus Todo-Poderoso justificou todos homens desde o início..." (São Clemente, "Primeira Epístola aos Coríntios"). [35]
Lendo as
citações acima, pode-se perguntar: a fé é tudo o que é necessário para a
salvação? Aqui é importante notar que existem duas narrativas paralelas tanto
na Sagrada Escritura quanto nas obras patrísticas: uma dá uma impressão de
salvação através da "fé salvífica", e a outra prega a importância das
obras, além da fé. Em todos os casos, é preciso ter cuidado e tentar entender o
que cada escritor estava falando e a quem ele estava se dirigindo.
Na Igreja
primitiva, a "fé" significava todo o estilo de vida de um crente - em
oposição a permanecer pagão ou judeu. As boas ações eram entendidas como parte
integrante dessa "fé". Por outro lado, ao falar especificamente sobre
"fé" e "obras", um Apóstolo ou um Santo Padre desejava
freqüentemente enfatizar que a "fé fria" - isto é, aqueles que eram cristãos
somente em nome, por razões sociais, familiares ou outras - não poderia salvar alguém:
é necessário realmente operar "a salvação com medo e tremor"
(Filipenses 2:12). Assim, ambas as narrativas - "fé" e "fé e
obras" - são consistentes uma com a outra.
Além da
experiência espiritual subjetiva, a "fé" é entendida pela Igreja
também como uma doutrina a seguir, isto é, todo o conteúdo da instrução
de Cristo aos Apóstolos (Mt 28:20), "a fé uma vez entregue aos
santos"(Judas 3): os ensinamentos da Igreja. Crer em Cristo como Salvador
e Deus é também crer em tudo o que Ele ensinou. Em outras palavras, os
Ortodoxos dizem que fé não significa meramente "que cremos", mas "aquilo no que cremos". [36]
Simplesmente
confessar Cristo como o Senhor não lhe dá a salvação: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará
no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos
céus." (Mateus 7:21). Os demônios não são salvos, mesmo que também tenham
fé: "... Os demônios também crêem e tremem" (Tiago 2:19) - e até
confessam a Cristo: "Nos saiu ao encontro uma jovem, que tinha espírito de
adivinhação, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores. Esta,
seguindo a Paulo e a nós, clamava, dizendo: Estes homens, que nos anunciam o
caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo." (Atos 16: 16-17).
1.7 O
arrependimento é uma condição necessária para a salvação pessoal.
Assim, a
fé é só o começo. "A fé apenas revela para alguém a verdade de que, por seus pecados
anteriores, Deus não o punirá, que, ao contrário, Ele está pronto para
aceitá-lo e perdoá-lo e reconhecê-lo como Seu filho. Mas isso ... apenas limpa
o caminho para Deus, mas não faz nada com ele. Antes disso, ele tinha medo de
se voltar para Deus, mas agora ele conheceu a Deus e parou de temê-lo, e, ao
contrário, cresce em amor por Ele. Mas ele ainda é o mesmo homem. É necessário que ele não apenas comece a amar a Deus, mas que se volte ativamente em direção a Ele." [37]
Para
crer verdadeiramente, é necessário entender a magnitude de seus pecados
perdoados por Deus, perceber que se é um pecador digno de morte. O homem só
pode ter o verdadeiro amor por Deus quando ele percebe o verdadeiro horror de
seus pecados que Deus o perdoou gratuitamente. Esse estado - o arrependimento -
pode até ser chamado de "o princípio da fé". Sem se julgar, o homem
não pedirá perdão a Deus - e sem pedir perdão, não o receberá, e assim não será
salvo. O retorno para Deus começa com o arrependimento. Ao vê-lo, Deus, como o
pai na parábola do filho pródigo, corre para nos encontrar: "quando ainda estava
longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe
ao pescoço e o beijou." (Lucas 15:20)
A fé
acompanhada pelo arrependimento - "a fé do ladrão sábio" [38] - é,
portanto, a verdadeira fé que salva. Cristo espera arrependimento de Seus
seguidores: "Não venho chamar os justos, mas os pecadores ao
arrependimento" (Mateus 9:13). E Ele deixa claro que a possibilidade da
salvação de alguém está ligada ao seu arrependimento: "O tempo está
cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no
evangelho" (Marcos 1:15). "Lembra-te, pois, de onde caíste, e
arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei,
e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres." (Apocalipse
2: 5). Além disso, a resistência à Verdade, uma vez que é conhecida - ou seja,
a falta de arrependimento - é algo com a qual a salvação se torna impossível:
"Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra
o Espírito não será perdoada aos homens."(Mateus 12:31).
O
verdadeiro arrependimento - a capacidade de ver a profundidade dos pecados - é
o fundamento de todo o "edifício" da vida cristã, que é a humildade
("Bem-aventurados os pobres em espírito ..."), a percepção de que não
se pode livrar dos seus pecados sem Cristo. Os Santos Pais concordam com a primazia da humildade na vida espiritual. Podemos notar aqui que Adão teve todos os dons
de Deus, mas ele não teve experiência de humildade. [39]
1.8 O
batismo é a porta de entrada no caminho para a salvação.
O
arrependimento ainda não é suficiente para a salvação. É preciso rejeitar a
vida antiga do pecado e começar a nova vida. Mas não se pode nascer na vida
nova de forma espontânea, pois continuará voltando para sua vida antiga. Então
precisamos da graça de Deus para terminar o que não podemos terminar por nós
mesmos. "Porque aquele que pretende perseguir a virtude deve primeiro
condenar a maldade, e depois ir em busca dela. Pois o arrependimento não demonstra que eles [os Hebreus] estejam
limpos. Por esta razão, eles foram batizados imediatamente, para que o que eles não conseguiam realizar por si mesmos, isto pudesse ser realizado pela graça de Cristo. Tampouco o arrependimento é suficiente para a
purificação, mas os homens devem primeiro receber o batismo" (São João
Crisóstomo, "Homilias da Epístola aos Hebreus", Homilia 9,"
Sobre os Hebreus 6: 1-3 "). [40]
A Igreja
primitiva apostólica e patrística era absolutamente clara de que o
batismo era essencial para a salvação de alguém, como o próprio Cristo disse:
"Aquele que crer e ser batizado será salvo" (Marcos 16:16). Em Seu
diálogo com Nicodemos, "Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na
verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de
Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode,
porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer? Jesus respondeu: Na
verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito,
não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário
vos é nascer de novo."(João 3: 3-7)
Esta
citação tem sido a base da crença Ortodoxa sobre a necessidade do batismo para
a salvação. No capítulo 13 de seu "Sobre o Batismo", Tertuliano prova
que a salvação através da fé pura ("a tua fé te salvou" (Mateus 9:22,
Marcos 10:52, etc.)) só existia antes da Paixão e Ressurreição de Cristo .
Então, Cristo impôs a lei do batismo, dizendo: "Portanto, vão e façam
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo" (Mateus 28:19). A definição de Cristo de João 3:5
"... ligou a fé à necessidade do batismo. Assim, todos os que se
tornaram crentes costumavam ser batizados. Então foi também que Paulo, quando
ele creu, foi batizado; e este é o significado do preceito que o Senhor lhe deu
quando punido com o flagelo da perda de visão, dizendo: "Levanta-te e entra
em Damasco; lá será demonstrado a você o que você deve fazer", ser batizado,
o que era a única coisa que lhe faltava. A esse respeito, ele havia aprendido o
suficiente e acreditava que "o Nazareno" fosse "o Senhor, o
Filho de Deus"". [41]
Desde os
tempos mais antigos, a Igreja acreditou na ação salvífica e redentora do batismo.
"O batismo agora também nos salvou" (1 Pedro 3:21). "E
disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de
Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito
Santo" (Atos 2:38). "Nós entramos, então, na fonte uma vez: uma vez
que os pecados são lavados". [42] Talvez seja evidente que a Igreja nunca tenha acreditado nos poderes "mágicos" do batismo. A condição para
receber o perdão dos pecados no batismo é o desejo livre de parar a vida antiga
do pecado (isto é, o arrependimento). A forma visível (imersão) é o símbolo da
rejeição da vida antiga.
Também é
importante enfatizar que o batismo nunca foi visto como um ato
"legal" de conceder o perdão dos pecados cometidos. No batismo, os pecados
de alguém não são simplesmente perdoados por Deus, mas apagados. A Igreja
primitiva acreditava no poder regenerativo do batismo: " Segundo a sua
misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito
Santo" (Tito 3: 5). Em sua Primeira Apologia , São Justino, o Mártir,
descreve o rito do batismo da Igreja primitiva: os novos convertidos "são
trazidos por nós, onde há água, e são regenerados da mesma forma em que nos
regeneramos ... Para que nós ... possamos obter na água a remissão dos pecados
anteriormente cometidos, é pronunciado sobre aquele que escolhe nascer de novo,
e se arrependeu de seus pecados, o nome de Deus Pai e Senhor do universo
"(Capítulo 61). [43] Em geral, uma completa destruição dos pecados é a
única forma de perdão dos pecados conhecido pelo cristianismo. [44]
Tendo
desenvolvido o desejo por Deus através da fé, o homem verdadeiramente se une a
Cristo somente no batismo. A Igreja sempre entendeu o batismo como a morte e
ressurreição com Cristo: "Ou, porventura, ignorais que todos quantos fomos
batizados em Cristo Jesus
fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na
morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do
Pai, assim andemos nós também em novidade de vida."(Romanos 6: 3-4). A
nova vida que se recebe no batismo é uma união mística com Cristo que o próprio
Cristo comparou com os ramos e a videira: "Eu sou a videira, vós as varas;
quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis
fazer. Se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará;
e os colhem e lançam no fogo, e ardem."(João 15: 5-6). No batismo,
verdadeiramente aceita-se Cristo em si mesmo, como um modo de vida, torna-se de
Cristo, "reveste-se de Cristo" (Gálatas 3:27). A justificação que se recebe
no batismo é o próprio Cristo (São Macário, o Grande). [45] O batismo restaura
a predisposição original da alma humana e da natureza humana em geral. [46]
Os Santos
Pais ensinaram que a graça da justificação que se recebe no batismo é, de
certa forma, temporária - e pode ser perdida. [47] A semente da nova vida
recebida no batismo, "as primícias do Espírito" (Romanos 8:23), pode
permanecer sem fruto na vida de um cristão indiferente - assim como o talento
da parábola dos talentos (Mateus 25:14 -30) ou a semente da parábola do
semeador (Mateus 13: 3-8) que não caiu em boa terra.
No
batismo, nossos pecados são lavados, mas não nos tornamos sem pecado. Através
de nossas fraquezas, os pecados encontram seu caminho de volta à nossa vida.
Tendo agora Cristo em nós - Aquele que acabou com o domínio do pecado sobre os
poderes de nossa alma - temos, no entanto, que continuar lutando contra os resquícios de nossos hábitos pecaminosos. Não basta simplesmente rejeitar a nossa
antiga vida pecaminosa: ela deve ser completamente erradicada. Nossa salvação
se tornará eterna se apagarmos de nós mesmos a própria possibilidade do pecado.
[48] Da mesma forma, não entraremos no Reino dos Céus se permanecermos
satisfeitos com a graça da justificação que recebemos em nosso batismo e não
procurarmos aumentá-la. Por esta razão, temos o mandamento do Apóstolo "não
extingais o Espírito" (1 Tessalonicenses 5:19). Não devemos parar "Até
que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a
homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Efésios 4:13) - em outras palavras, não devemos parar até que sejamos deificados.
O
ensinamento da Igreja sobre a vida espiritual como um esforço contínuo tem uma
base sólida nas palavras do próprio Cristo: "Estreito é o caminho, que
conduz à vida, e poucos que a encontram" (Mateus 7:14 ). "Desde os
dias de João Batista até agora, o Reino dos céus é tomado à força, e os que
usam de força se apoderam dele." (Mateus 11:12). "Alguém lhe
perguntou: "Senhor, serão poucos os salvos? " Ele lhes disse:
"Esforcem-se para entrar pela porta estreita, porque eu lhes digo que
muitos tentarão entrar e não conseguirão." (Lucas 13: 23-24).
Qual
plano deve ser seguido na contínua luta espiritual após o batismo? As
bem-aventuranças (Mateus 5: 3-11) delineiam esse processo em geral. Há também um ramo
do ensinamento patrístico - chamado ascetas - e uma abundância de textos que
oferecem um plano mais detalhado. Os pais ascéticos identificaram oito
principais disposições pecaminosas de almas - chamadas paixões - e os estágios
através dos quais elas tomam posse de nossa alma. Com base em sua experiência
pessoal, esses pais também desenvolveram métodos abrangentes para combater cada
paixão e plantar na alma uma virtude oposta a ela. [49]
Enquanto
a visão geral do ensinamento ascético vai além do escopo do presente trabalho,
apenas enfatizamos que a Igreja Apostólica e Patrística primitiva nunca
considerou a luta de alguém para cumprir os mandamentos de Cristo - obras, na
terminologia tradicional - como meio de obter a salvação. Na verdade, a Igreja
sempre ensinou que não podemos cumprir perfeitamente qualquer mandamento. Os
santos choravam sobre suas virtudes por esse motivo. Mas então, por que tentar
manter os mandamentos é importante? Porque assim abre-se uma imagem real de si
mesmo - o estado desse "dano original" que herdamos de Adão. Como
disse São Pedro de Damasco, "o primeiro sinal do início da saúde da alma é
ver seus pecados inumeráveis como areia do mar". [50]
Em outras
palavras, na Ortodoxia, nossas boas obras são consideradas como meio de
conhecer a nós mesmos. Forçar-se a manter diligentemente os mandamentos de
Cristo conduz a humildade. E é aí que a salvação começa. É quando se percebe
que precisa-se de Cristo - como se perceberia que está doente e precisa de um
médico. De acordo com os Santos Pais, antes de perceber quem você realmente
é, você nem pode ser chamado de cristão.
Vendo o
quão você está afligido é o que te coloca diante de Cristo. É por isso que
nossas obras são importantes! Elas não são "méritos", não nos dão
nada - mas elas são os meios de aprender a verdade sobre nós mesmos que nos
leva à verdadeira fé em Cristo.
Em geral,
Deus procura em nós a capacidade de aceitar a comunhão com Ele - e nos dá
prontamente em proporção com a nossa capacidade de aceitar. [51] Essa capacidade é o que importa. É por isso que mesmo aqueles que não tiveram a
chance de ser batizados (por exemplo, mártires cristãos, ou o ladrão sábio)
ainda podem entrar no Reino dos Céus. É o zelo do bem que nos torna membros do
Reino dos Céus e nos dá a capacidade de aceitar a santidade. É a disposição da
própria alma que conta: o desejo do Reino de Cristo. Se alguém é "pobre em
espírito" e verdadeiramente anseia por Deus, a salvação será dele, mesmo
que ele não tenha feito boas ações. "Não são aqueles que trabalham que são
salvos, mas aqueles que espiritualmente estão sempre com Deus, que vivem por
Deus" [52].
É
mantendo os mandamentos que as virtudes são plantadas em nossas almas. Nossa
vida na Terra pode assim ser vista como o tempo que temos para a
"educação" de nossa alma, criando nela a disposição que nos permite a
comunhão com Deus. Cristo não precisa das ações que realizamos quando guardamos
os Seus mandamentos, Ele não precisa do nosso sofrimento - o que Ele precisa é
o estado interno da nossa alma que se manifesta quando nós, por exemplo,
voltamos a outra face ao nosso ofensor. "Meu filho, dê-me o teu
coração" (Provérbios 23:26). [53]
Entendido
assim, a importância das obras para a salvação de alguém encontra apoio
abundante na Sagrada Escritura.
O próprio
Cristo disse: "Se alguém me ama, guardará a minha palavra. Meu Pai o
amará, nós viremos a ele e faremos nele morada" (João 14:23). A
necessidade das obras está mais ilustrada na seguinte passagem: ao homem que
perguntou: "O que devo fazer para que eu possa herdar a vida
eterna?", Jesus diz o que ele precisa fazer - não é apenas ter fé ou ter
sido batizado : "Segue o teu caminho, vende tudo o que tens, e dá ao
pobre, e tens tesouro no céu: e vem, toma a cruz e segue-me" (Marcos 10:
17-21).
Jesus
Cristo julgará as pessoas com base no que fizeram e não fizeram, e não se eles
acreditaram: "Eu tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me
de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me", etc. Aqueles que não fizeram
essas coisas" irão para o castigo eterno, mas os justos na vida eterna
"(Mateus 25: 31-46). "Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor,
entrará no reino dos céus; mas aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos
céus "(Mateus 7:21). O julgamento será de acordo com nossas obras - não a fé
ou a pertença à Igreja: "Todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo,
para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou
mal"(2 Coríntios 5:10). "Ele recompensará cada um segundo as suas
obras" (Mateus 16:27). "O justo julgamento de Deus; Quem renderá a cada
um segundo as suas obras "(Romanos 2: 5-6). "E vi os mortos, grandes
e pequenos, que estavam diante de Deus, e abriram-se os livros; e abriu-se
outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que
estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os mortos que
nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram
julgados cada um segundo as suas obras."(Apocalipse 20: 12-13).
Pode-se
encontrar até algumas citações do Velho Testamento sobre a redenção (perdão dos
pecados) como resultado das obras: "A água apaga o fogo ardente, a esmola
enfrenta o pecado." (Eclesiástico, 3:33). "Porque a esmola
livra da morte: ela apaga os pecados" (Tobias 12: 9).
E, claro,
há um forte consenso Patrístico que aponta para a necessidade de obras para a
salvação.
No texto
do século 2, "O Pastor" de Hermas [54], que até desfrutava do status
de Escritura em algumas partes da Igreja primitiva, estão os mandamentos dados
ao autor pelo visitante Divino ("o Pastor"): "Não se abstenha de
boas obras, mas faça-as. Ouça, ele disse, qual é a virtude das boas obras que
você deve fazer, para que você possa ser salvo. O primeiro de tudo é a fé e o
temor do Senhor, então a caridade, a concórdia, a equidade, a verdade, a
paciência e a castidade" (Parte II,"Mandamentos", Mandamento 8,
verso 8). Curiosamente, a fé é mencionada nesta lista como uma das obras.
"Mas agora eu digo para você, se você não observar esses mandamentos, mas
os negligenciar, você não será salvo" (Parte II, "Mandamentos",
Mandamento 12, Verso 16). Negar os mandamentos resultará na perda da salvação.
São
Clemente de Roma, em sua 1ª Epístola aos Coríntios, [55] escreve: "Vistamo-nos de concórdia, sendo humildes e moderados, mantendo-nos distantes de
todas as conversas maliciosas e maledicência, sendo justificados por obras e não por palavras
"(30: 3). "O que devemos fazer então, irmãos? Devemos abster-nos de
fazer o bem e abandonar o amor? Que o Mestre nunca permita que isso aconteça;
mas vamos nos apressar com instância e zelo para realizar todas as boas obras
"(33: 1). "Portanto, é necessário que sejamos zelosos em fazer bem,
pois dEle são todas as coisas; porque Ele nos adverte dizendo: Eis que o Senhor
e a Sua recompensa está diante de Seu rosto, para recompensar cada um segundo a
sua obra. Ele nos exorta, portanto, a crer Nele com todo o nosso coração, e a
não ser ocioso nem descuidado para toda boa obra "(34: 2-4).
1.11
Deus não força a salvação em ninguém, mas ajuda aqueles que a escolheram.
Como já
foi mencionado acima, o ensinamento Ortodoxo sobre a salvação baseia-se na
doutrina do livre arbítrio. Em sua queda, o homem não perdeu seu livre
arbítrio. O homem ainda podia escolher estar com Deus ou sem Ele - o que ele
não conseguia fazer era mover por si só de volta para Deus, pois o caminho foi
fechado pelo "pecado original".
Cristo
abriu esse caminho, e agora nossa salvação é uma questão exclusiva da nossa
escolha. Deus honra nossa escolha - seja ela qual for. Esta é a razão pela qual
Deus não faz desaparecer os demônios: Deus respeita seu livre arbítrio, pois o livre arbítrio é uma característica da divindade (que, infelizmente, pode ser
mal utilizado). Somos salvos através da cooperação da nossa vontade com a de Deus -
chamado de sinergia na teologia Ortodoxa - a doutrina famosamente expressa por Santo Atanásio o Grande como "Deus não nos salva sem nós". [58] O
próprio Cristo prometeu a Sua resposta aos que procuram Sua ajuda: "Peçam,
e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta.
Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e àquele que bate, a porta
será aberta." (Mateus 7: 7-8).
Por outro
lado, Deus não força a salvação a ninguém: de outra forma, isso não seria
"salvação", mas sim Sua re-criação de nós em algo
que contradiria Seu próprio projeto original em relação a nós. Primeiro Ele nos criou à
Sua imagem e agora Ele "nos salva" retirando a Sua imagem de nós e
essencialmente nos equiparando com todas as outras criaturas vivas? Quando foi
perguntado a São João Crisóstomo por que nem todo mundo é salvo, ele disse:
"Porque vocês mesmos não querem [ser salvos]. Embora a graça seja de fato
a graça, e ela salva, mas salva apenas
aqueles que a desejam, mas não aqueles que não a querem e dela se afastam." [59] Da mesma forma, o Juízo Terrível é terrível
não porque alguém será colocado no inferno contra sua vontade - mas porque essa
será a autodeterminação final de cada ser humano.
São Irineu
de Lyon, em seu "Contra heresias", Livro 4, Capítulo 37, diz que a
expressão de nosso Senhor: "Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos,
como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não
quiseste!"(Mateus 23:37), "estabeleceu a antiga lei da liberdade
humana, porque Deus fez o homem um agente [livre] desde o início, possuindo
seu próprio poder, assim como sua própria alma, para obedecer os princípios
... de Deus voluntariamente, e não pela compulsão de Deus. Pois não há coerção com Deus, mas uma boa vontade [para conosco] está presente com Ele continuamente. E, portanto, Ele dá bons conselhos a todos". [60] Além disso, São Irineu diz: "Portanto, Deus ofereceu o bem, como o testemunha o Apóstolo nesta epístola [Romanos 2: 4-5, 7], e os que o praticam receberão glória e honra por tê-lo feito, quando podiam não fazê-lo; os que não o fazem receberão o justo julgamento de Deus por não ter feito o bem que podiam fazer"[61]. Obviamente, a Igreja
primitiva acreditava que o julgamento de Deus - e, como resultado , a
possibilidade da salvação de alguém - é afetado pelo que o homem
conscientemente e livremente faz ou não faz.
1.12
Ninguém pode ter certeza da salvação.
A Igreja
primitiva não acreditava que o batismo garantia a salvação: "... Depois de
ter lavado aquele que foi convencido e concordou com o nosso ensinamento,
leve-o ao lugar onde os chamados irmãos estão reunidos, para que possamos
oferecer orações sinceras em comum para nós mesmos e para a pessoa batizada
[iluminada], e para todos os outros em todos os lugares, para que possamos ser
considerados dignos, agora que aprendemos a verdade, por nossas obras também
sermos considerados bons cidadãos e guardiões dos mandamentos, para que
possamos ser salvos com uma salvação eterna "(São Justino o Mártir,
Primeira Apologia, Capítulo 65). [63] Mais uma vez, vale a pena notar que a
eterna salvação está ligada as obras.
Mesmo o
próprio apóstolo Paulo não sentia que sua salvação estava garantida:
"...porque agora a nossa salvação está mais próxima do que quando
cremos" (Romanos 13:11) - "mais próxima", mas não uma "certeza".
"não luto como quem esmurra o ar. Mas esmurro o meu corpo e faço dele meu
escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser
reprovado." (1 Coríntios 9 : 26-27). Notamos imediatamente que, para o
Apóstolo, a possibilidade de sua salvação estava vinculada a seus feitos
ascéticos. "...se de alguma maneira posso chegar à ressurreição dentre os mortos.
Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar
aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não
julgo que o haja alcançado ... "(Filipenses 3: 11-13).
A
Escritura diz que é possível que alguém, depois de crer, se afaste da fé e
perca a salvação: "Se, tendo escapado das contaminações do mundo por meio
do conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, encontram-se novamente
nelas enredados e por elas dominados, estão em pior estado do que no princípio.
Teria sido melhor que não tivessem conhecido o caminho da justiça, do que,
depois de o terem conhecido, voltarem as costas para o santo mandamento que
lhes foi transmitido."(2 Pedro 2: 20-21). Esta é a razão pela qual a
Igreja nunca glorifica qualquer pessoa viva como um Santo.
Mesmo os
maiores santos, até a última hora, nunca tinham dado por certo que estavam indo
para o céu. Foi dito sobre São Sysoes, o Grande, que, estando no seu leito de
morte, viu os anjos chegarem para levar sua alma e disse aos discípulos que queria
pedir aos anjos que lhe desse mais tempo porque, na opinião dele, ele nem
sequer havia começado a se arrepender ainda. Muitos santos repetirão durante
toda a vida as palavras "Todo mundo será salvo, eu sozinho perecerei".
[64]
"A
Igreja e os sacramentos são os meios designados por Deus para que possamos
adquirir o Espírito santificador e nos transformar na semelhança divina".
[65]
A
doutrina da Igreja tem sido de suma importância para a soteriologia Ortodoxa
desde os tempos mais antigos. Cristo fundou a Igreja (Mateus 16:17), amou e
"se entregou por ela" (Efésios 5:25). A Igreja é o corpo místico de
Cristo (Efésios 1:23), "a coluna e o fundamento da Verdade" (1
Timóteo 3:15), e "as portas do inferno não prevalecerão contra ela"
(Mateus 16: 18). A Igreja recebeu a Verdade e é guiada pelo Espírito Santo - o
que torna a Igreja infalível. Quem busca a Verdade encontrá-lo-á ao recorrer à
Igreja e se submeter a ela.
A Igreja
primitiva era pequena, visível e bem definida. Se tornar um "cristão"
significava se juntar a essa Igreja visível: "E todos os dias acrescentava
o Senhor à igreja" (Atos 2:47). E havia um limite claro entre a Igreja e o
resto do mundo: "Dos outros, porém, ninguém ousava ajuntar-se a eles"
(Atos 5:13). Uma pessoa se tornaria membro da Igreja através do sacramento do batismo, após um a
três anos de intensa preparação - com exorcismos frequentes, aprendendo as
Escrituras, dominando a oração, o jejum e outros aspectos da vida espiritual.
[66] Todas essas coisas só eram possíveis na Igreja. É natural que a Igreja
primitiva acreditasse que "fora da Igreja, não há salvação, porque a
salvação é a Igreja" (São Cipriano de Cartago). São Cipriano chegou até a
dizer que "não se pode ter Deus como seu Pai, se não se tem a Igreja como
sua Mãe" [67].
Em um
sentido puramente prático, podemos ver a Igreja como uma ferramenta que Deus
instituiu para a nossa salvação. Na Igreja, podemos participar dos frutos da
redenção que nos são entregues por Cristo. Tendo nos tornado membros da Igreja através do batismo, ainda assim temos a mesma natureza corrupta, inclinada ao pecado ("pecado ancestral"). É requerido um esforço da nossa parte
para permanecer limpo após o nosso batismo. "Mesmo aqueles cheios do Espírito
Santo têm pensamentos naturais neles e a vontade de consentimento com os mesmos" (São
Macário do Egito). [68] A justiça que recebemos no batismo é a semente de
Cristo, "o novo Adão" - é a oportunidade de ser como Cristo.
Precisamos proteger essa semente e deixá-la crescer. É por isso que precisamos
dos Mistérios (sacramentos) que a Igreja nos oferece - o mais importante, o
arrependimento e a eucaristia.
A graça
do batismo perdido por causa dos pecados pode ser restaurada no Mistério do
Arrependimento. A Igreja sempre considerou a confissão de pecados como
"segundo batismo": assim como no batismo, Deus, vendo o verdadeiro
desejo de rejeitar o pecado, apaga-o e dá força para que o homem permaneça nessa decisão.
Essa reconciliação com Deus é algo que somos chamados a renovar vezes e vezes.
Em 2 Coríntios o Apóstolo Paulo, dirigindo-se aos cristãos batizados, diz:
"Rogamo-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com
Deus." (2 Coríntios 5:20).
O
Sacramento da Eucaristia - "O Mistério dos Mistérios", instituído
pelo próprio Cristo na Última Ceia (Mateus 26: 26-29, Marcos 14: 22-25, Lucas
22: 17-20, 1 Coríntios 11: 23-25 ) - nos une a Cristo não apenas
espiritualmente, mas também corporalmente, pois Cristo salvou não apenas a alma
humana, mas o homem inteiro. O próprio Cristo disse: "Na verdade, na
verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes
o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos.Quem come a minha carne e bebe o
meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia."(João 6:
53-54).
"A
Igreja primitiva compreendeu a presença de Cristo na Eucaristia de maneira
literal, pregou-a e escreveu sobre ela". [69] "Leste, Oeste , Norte e
Sul - o testemunho de escritores cristãos primitivos é sempre o mesmo: a
Eucaristia é literalmente o corpo e o sangue de Cristo. Nem uma opinião
dissidente! "[70] Aqui está um texto de exemplo do século II:" De
fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da
maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de
Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por
virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi
dita a ação de graças — alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso
sangue e nossa carne — é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus
encarnado." (São Justino o Mártir, Primeira Apologia, Capítulo 66). [71]
O
Sacramento da Eucaristia era visto como o último ato que finaliza a pertença à Igreja. Em sua Primeira Apologia ,
São Justino o Mártir descreve como na Igreja primitiva os "nascidos
novamente" (os recém-batizados) eram imediatamente levados à assembléia
para participar da Eucaristia com todos os outros (Capítulo 65). [72]
A Igreja
acredita que uma parábola de Cristo: "O reino dos céus é semelhante ao
fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que
tudo esteja levedado." (Mateus 13:33), refere-se à misteriosa
transformação do homem e sua comunhão com o Espírito Santo que acontece na
Igreja através dos Mistérios. Assim como o fermento faz massa fermentada não
instantaneamente, a nova pessoa é criada não instantaneamente, não magicamente.
Como já foi mencionado acima sobre o batismo, a Igreja nunca acreditou na ação
"mágica" dos santos mistérios. Seja-vos feito segundo a vossa fé.
" (Mateus 9:29). A fé, o auto-exame e o arrependimento ainda são
necessários para que tenham um efeito salvífico. É possível que alguns crentes
participem deles indignamente: "... Portanto, qualquer que comer este pão,
ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do
Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba
deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua
própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa disto há entre
vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem."(1 Coríntios 11, 27-30).
A Igreja
é também o guardião da tradição da salvação pessoal, "a vida em
Cristo". Todos os Santos Pais que citamos até agora são considerados os
Professores [Doutores] da Igreja, não porque fossem os mais sábios e conhecedores, mas
porque eram santos - isto é, eles, através da vida de ascetismo, arrependimento
e oração, purificaram-se de suas paixões pecaminosas e alcançaram a theosis. O
exemplo de tal vida foi dado à Igreja pelo próprio Cristo.
"Nós
sabemos que Jesus Cristo não nos trouxe apenas um ensinamento, e que o trabalho
dos Apóstolos e da Igreja não era apenas ouvir os discursos de Jesus Cristo e,
em seguida, passá-los em sua precisão literal de geração em geração: para este propósito, o melhor meio não é uma tradição oral, mas algumas tábuas de pedra.
Sabemos que Jesus Cristo trouxe-nos, em primeiro lugar, uma nova vida e ensinou
isso aos Apóstolos, e que a tarefa da Tradição da Igreja não é apenas
transmitir o ensinamento, mas passar de geração em geração a mesma vida
concebida com Cristo, passar o que não pode ser passado por nenhuma palavra,
qualquer escrita, mas apenas através da interação pessoal direta ". [73]
Cristo
disse: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão
por mim" (João 14: 6). E em Sua própria pessoa, Cristo nos mostrou
salvação - isto é, "o que a verdadeira 'semelhança com Deus' é
..." [74]
NOTAS
[1] Protopresbyter Michael Pomazansky. Orthodox Dogmatic Theology: A Concise Exposition (Platina, CA: Saint Herman of Alaska Brotherhood, 1984), 195.
[2] Salvo indicação em contrário, todos os itálicos e destaques são meus - V.K.
[3] A menos que uma parte de outra citação, todas as citações bíblicas são retiradas da versão King James.
[4] N. Uspensky, “Spasenie veroi” (“Salvation through Faith”), http://www.golubinski.ru/academia/uspensky/spasenie.htm.
[5] Pomazansky, ibid., 160.
[6] John S. Romanides, “Original Sin According to Saint Paul”, http://www.orthodoxinfo.com/inquirers/frjr_sin.aspx.
[7] Pomazansky, ibid., 163-164.
[8] Mais frequentemente, pode-se ver o termo "pecado ancestral" na teologia Ortodoxa. Os Santos Pais orientais também usaram o termo "dano original", em oposição ao "pecado original" (que é, na verdade, um termo ocidental muito posterior).
[10] Pomazansky, ibid., 160.
[11] Santo Atanásio, On The Incarnation (Crestwood, NY: St. Vladimir Seminary Press, 1998), 33.
[12] São Cirilo de Alexandria, “Epístola para Nestorius,” http://azbyka.ru/otechnik/?Kirill_Aleksandrijskij/poslanie1_k_nestoriyu.
[13] Timothy Ware, The Orthodox Church (London, England: Penguin Books, 1991), 225.
[14] Pomazansky, ibid., 197.
[15] Elder Cleopa of Romania, The Truth of Our Faith (Thessalonica, Greece & London, Ontario: Uncut Mountain Press, 2000), 154.
[16] Pomazansky, ibid., 159.
[17] Pomazansky, ibid., 163-164.
[18] Frank Schaeffer, Dancing Alone: The Quest for Orthodox Faith in the Age of False Religion (Brookline, MA: Holy Cross Orthodox Press, 1994), 207.
[19] Schaeffer, ibid., 74.
[20] Elder Cleopa, ibid., 153.
[21] São Clemente de Alexandria, Stromata, 4:22, http://www.biblicalstudies.ru/Lib/Father2/Kliment8.html.
[22] Carmen Fragapane, “Salvation by Christ: A Response to the Credenda/Agenda,” http://www.orthodoxinfo.com/inquirers/frag_salv.aspx.
[23] Arquimandrita George, Theosis: The True Purpose of Human Life (Mount Athos, Greece: Holy Monastery of St. Gregorios, 2006), 9.
[24] Santo Atanásio, ibid., 93.
[25] Santo Irineu de Lyons, Contra Heresias, Livro 5, 1:1, http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf01.ix.vii.ii.html
[26] Citado do Bispo (agora Metropolita) Hilarion (Alfeyev), Tainstvo very: Vvedenie v pravoslavnoe dogmaticheskoe bogoslovie (The Mystery of Faith: Introduction to Orthodox Dogmatic Theology), Chapter 6,”Iskuplenie” (“Redemption”), http://bishop.hilarion.orthodoxia.org/1_3_3_1_9_5.
[27] Ibid.
[28] Schaeffer, ibid., 207.
[29] Arquimandrita Sergii (Stragorodskii), Pravoslavnoe uchenie o spasenii (The Orthodox Teaching on Salvation), Chapter 3, “Vozmezdie” (“Redemption”), http://azbyka.ru/dictionary/17/sergiy_uchenie_o_spasenii.shtml.
[30] Stragorodskii, ibid.
[31] Stragorodskii, ibid.
[32] Citado de Stragorodskii, ibid.
[33] Alexander Schmemann. Of Water and the Spirit: A Liturgical Study of Baptism (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press, 1974), 16-17.
[34] Stragorodskii, ibid., Chapter 5, “Vera” (“Faith”).
[35] São Clemente de Roma, “Primeira Epístola aos Coríntios”, 32:4, http://www.earlychristianwritings.com/text/1clement-lightfoot.html (accessed April 9, 2010).
[36] Constantine Platis, Dance, O Isaiah: Questions and Answers on Some of the Differences between Eastern Orthodox Christianity and Other Faiths (Boston, MA: Holy Orthodox Metropolis of Boston, 2000), 55.
[37] Stragorodskii, ibid., Chapter 5, “Vera” (“Faith”).
[38] A.I. Osipov, aulas públicas, http://www.predanie.ru/mp3/Lekcii_professora_Alekseja_Ilicha_Osipova/.
[39] Osipov, ibid.
[40] São João Crisóstomo, Homilias da Epístola aos Hebreus, Homilia 9, “On Hebrews 6:1-3”, http://www.ccel.org/ccel/schaff/npnf114.v.xiii.html (accessed May 14, 2010).
[41] Tertullian, On Baptism, Chapter 13, http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf03.vi.iii.xiii.html (accessed April 10, 2010).
[42] Tertullian, ibid., Chapter 16.
[43] São Justino o Mártir, A Primeira Apologia, Cap. 61, “Batismo Cristão”, http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf01.viii.ii.lxi.html (accessed April 10, 2010).
[44] Stragorodskii, ibid., Chapter 4, “Spasenie” (“Salvation”).
[45] Stragorodskii, ibid.
[46] Ibid.
[47] Ibid.
[48] Ibid.
[49] Pode-se ver, por exemplo, Santo Ignatius (Bryanchaninov), Asketicheskie opyty (Ensaios Ascéticos).
[50] Osipov, ibid.
[51] Stragorodskii, ibid.
[52] Stragorodskii, ibid., Chapter 5, “Vera” (“Faith”).
[53] Stragorodskii, ibid., Chapter 1, “Pravovoe zhizneponimanie pered sudom Svyashennogo Pisaniya i Svyashennogo Predaniya” (“The Legalistic Mentality before the Judgment by the Holy Scripture and Holy Tradition”).
[54] Hermas, O Pastor, Parte II, “Mandamentos”, http://ministries.tliquest.net/theology/apocryphas/nt/hermcom.htm (accessed April 8, 2010).
[55] São Clemente, ibid.
[56] São Clemente de Roma, “Segunda Epístola aos Coríntios”, http://www.earlychristianwritings.com/text/2clement-lightfoot.html (accessed April 8, 2010).
[57] São Policarpo de Smyrna, “Epístola aos Filipenses”, http://www.earlychristianwritings.com/text/polycarp-lightfoot.html (accessed April 9, 2010).
[58] Osipov, ibid.
[59] Osipov, ibid.
[60] Santo Irenaeus, ibid., Book 4.
[61] Ibid.
[62] Stragorodskii, ibid., Chapter 5, “Vera” (“Faith”).
[63] São Justino o Mártir, ibid.
[64] Ware, ibid., 236.
[65] Ware, ibid., 238.
[66] Casimir A. Kucharek, The Sacramental Mysteries: A Byzantine Approach (Alleluia Press, 1976), 85-99.
[67] São Cipriano de Cartago, “Kniga o edinstve cerkvi” (“Book on the Unity of the Church”), http://apologia.narod.ru/earlyfat/fath/IIIage/kipri1.htm.
[68] Stragorodskii, ibid., Chapter 4, “Spasenie” (“Salvation”).
[69] Kucharek, ibid., 162.
[70] Kucharek, ibid., 166.
[71] São Justino o Mártir, ibid.
[72] Ibid.
[73] Stragorodskii, ibid., “Vmesto predisloviya: vopros o lichnom spasenii” (“Instead of Foreword: The Question of Personal Salvation”).
[74] Ware, ibid., 225.
http://orthochristian.com/46463.html
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