terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O Caminho Ortodoxo: Deus como Oração (Kallistos Ware) [Parte 7/8]


CONTEÚDO
1 Prólogo - Sinais no Caminho 
2 Deus como Mistério 
3 Deus como Trindade 
4 Deus como Criador 
5 Deus como Homem 
6 Deus como Espírito 
7 Deus como Oração 
8 Epílogo - Deus como Eternidade

Não eu, mas Cristo em mim.
Gálatas 2:20

Não há vida sem oração. Sem oração, há apenas loucura e horror.
A alma da ortodoxia consiste no dom da oração.
Vasili Rozanov

Os irmãos perguntaram a Abba Agathon: "Entre todas as nossas várias atividades, pai, qual é a virtude que exige o maior esforço?" Ele respondeu: "Perdoe-me, mas acho que não existe trabalho maior do que orar a Deus. Pois toda vez que o homem deseja orar, seus inimigos, os demônios, tentam impedi-lo; pois eles sabem que nada os obstrui tanto quanto a oração a Deus. Em tudo o que homem se compromete, se ele perseverar, ele alcançará o repouso. Mas, para orar, o homem deve lutar até o último suspiro."
Os Ditos dos Padres do Deserto

Os Três Estágios no Caminho

Pouco depois de ser ordenado sacerdote, pedi a um bispo grego um conselho sobre a pregação dos sermões. Sua resposta foi específica e concisa. "Todo sermão", disse ele, "deve conter três pontos: nem menos nem mais".

É costume também dividir o caminho espiritual em três estágios. Para São Dionísio, o Areopagita, trata-se da purificação, iluminação e união - um esquema frequentemente adotado no Ocidente. São Gregório de Nisa, tomando como modelo a vida de Moisés, fala de luz, nuvem e escuridão. Mas, neste capítulo, seguiremos um esquema triplo, diferente, elaborado por Orígenes, tornado mais preciso por Evagrius, e plenamente desenvolvido por São Máximo, o Confessor. O primeiro estágio aqui é praktiki ou a prática das virtudes; o segundo estágio é physiki ou a contemplação da natureza; O terceiro e último estágio, o fim da nossa jornada, é a theologia ou "teologia" no sentido estrito da palavra, isto é, a contemplação do próprio Deus.

O primeiro estágio, a prática das virtudes, começa com o arrependimento. O cristão batizado, ao ouvir sua consciência e ao exercer o poder de sua livre vontade, luta com a ajuda de Deus para escapar da escravidão em relação aos impulsos apaixonados. Ao cumprir os mandamentos, ao crescer em sua percepção do certo e do errado e desenvolvendo seu senso de "dever", gradualmente ele atinge a pureza do coração; e é isso que constitui o objetivo final do primeiro estágio. No segundo estágio, a contemplação da natureza, o cristão aguda sua percepção do "ser" [1] das coisas criadas, e assim descobre o Criador presente em tudo. Isso o leva ao terceiro estágio, a visão direta de Deus, que não está somente em tudo, mas acima e além de tudo. Nesse terceiro estágio, o cristão não mais experimenta Deus apenas por intermédio de sua consciência ou das coisas criadas, mas ele encontra o Criador face a face numa união de amor sem mediação.  A visão plena da glória divina é reservada para a Era por vir, mas mesmo nesta vida presente, os santos desfrutam da promessa e as primícias da colheita vindoura.

Muitas vezes, o primeiro estágio é denominado "vida ativa", enquanto o segundo e o terceiro são agrupados e designados conjuntamente de "vida contemplativa". Quando essas frases são usadas pelos escritores ortodoxos, eles normalmente se referem a estados espirituais internos e não a condições externas. Não é apenas o trabalhador social ou o missionário que está seguindo a "vida ativa"; o eremita ou recluso também o faz, na medida em que ele ainda está lutando para superar as paixões e crescer em virtude. E da mesma forma, a "vida contemplativa" não se restringe ao deserto ou ao recinto monástico: um mineiro, datilógrafo ou dona de casa também pode possuir silêncio interior e a oração do coração e, portanto, pode ser no verdadeiro sentido um "contemplativo". Nos Ditos dos Padres do Deserto nós encontramos a seguinte história sobre Santo Antônio, o maior dos solitários: "Foi revelado a Abba Antônio no deserto: 'Na cidade há alguém que é seu igual, um médico de profissão. Tudo o que ele pode poupar, ele dá aos necessitados e, durante o dia inteiro, ele canta o Hino Três-vezes-Santo com os anjos'".

A imagem de três estágios em uma viagem, embora útil, não deve ser tomada literalmente. A oração é uma relação viva entre pessoas, e as relações pessoais não podem ser cuidadosamente classificadas. Em particular, deve-se enfatizar que os três estágios não são estritamente consecutivos, um deles chegando ao fim antes do próximo começar. Os vislumbres diretos da glória divina às vezes são conferidos por Deus em uma pessoa como um presente inesperado, mesmo antes que essa pessoa tenha começado a se arrepender e se comprometer com a luta da "vida ativa". Por outro lado, por mais profundamente possível que um homem seja iniciado por Deus nos mistérios da contemplação, enquanto ele viver na terra, ele deve continuar a lutar contra as tentações; até o fim de seu tempo na terra, ele ainda está aprendendo a se arrepender. "Um homem deve esperar a tentação até o último suspiro", insiste São Antônio do Egito. Em algum lugar nos Ditos dos Padres do Deserto, há uma descrição da morte de Abba Sisois, um dos mais santos e mais amados dos "anciãos". Os irmãos em pé ao redor de sua cama viram que seus lábios estavam se movendo. "Com quem você está falando, pai?", perguntaram. "Veja", ele respondeu: "os anjos vieram para me levar, e eu estou pedindo mais tempo - mais tempo para me arrepender." Seus discípulos disseram: "Você não precisa se arrepender". Mas o velho disse: "Na verdade, eu não tenho certeza se eu sequer comecei a me arrepender." Então sua vida chega ao fim. Nos olhos de seus filhos espirituais, ele já era perfeito; mas em seus próprios olhos ele ainda estava no início.

Ninguém, portanto, pode reivindicar nesta vida ter passado além do primeiro estágio. Os três estágios são tanto sucessivos como simultâneos.  Devemos pensar na vida espiritual em termos de três níveis de aprofundamento, interdependentes, coexistindo uns com os outros.

Três Pressuposições

Antes de falar mais sobre esses estágios ou níveis, será sábio considerar três elementos indispensáveis, pressupostos em todos os pontos do Caminho espiritual.

Primeiro, pressupõe-se que o viajante do Caminho é membro da Igreja. A viagem é realizada em comunhão com os outros, não isoladamente. A tradição ortodoxa é intensamente consciente do caráter eclesial de todo o cristianismo verdadeiro. Vamos tomar e completar uma citação anterior de Aleksei Khomiakov:

Ninguém é salvo sozinho. Aquele que é salvo é salvo na Igreja, como membro dela e em união com todos os outros membros. Se alguém crê, ele está na comunhão de fé; se ele ama, ele está na comunhão do amor; se ele ora, ele está na comunhão de oração.

Como o Pe. Alexander Elchaninov observa:

A ignorância e o pecado são característicos de indivíduos isolados. Somente na unidade da Igreja encontramos esses defeitos superados. O homem encontra seu eu verdadeiro apenas na Igreja: não no desamparo do isolamento espiritual, mas na força de sua comunhão com seus irmãos e seu Salvador.

É claro que há muitos que com seu cérebro consciente rejeitam Cristo e sua Igreja, ou que nunca ouviram falar dele; e, no entanto, desconhecidos para si mesmos, essas pessoas são verdadeiras servas do único Senhor em seu coração profundo e na direção implícita de toda a vida. Deus é capaz de salvar aqueles que nesta vida nunca pertenceram à sua Igreja. Mas, olhando para a questão do nosso lado, isso não permite que nenhum de nós diga: "A Igreja é desnecessária para mim". No cristianismo não existe uma elite espiritual isenta das obrigações da adesão normal à igreja. O solitário no deserto é membro da igreja tanto quanto o artesão da cidade. O caminho ascético e místico, enquanto, de um ponto de vista, é "o vôo do solitário para o Solitário", é, ao mesmo tempo, essencialmente social e comunal. O cristão é aquele que tem irmãos e irmãs. Ele pertence a uma família - a família da Igreja.

Em segundo lugar, o Caminho espiritual pressupõe não só a vida na Igreja, mas a vida nos sacramentos. Como Nicolas Cabasilas afirma com grande ênfase, são os sacramentos que constituem a nossa vida em Cristo. Mais uma vez, não há lugar para o elitismo. Não devemos imaginar que exista uma via para o cristão "comum" - a via do culto em conjunto, centrado em torno dos sacramentos - e outra via para alguns poucos que são chamados a oração interior. Pelo contrário, existe apenas um caminho; o caminho dos sacramentos e o caminho da oração interior não são alternativas, mas formam uma única unidade. Ninguém pode ser verdadeiramente cristão sem participação nos sacramentos, assim como ninguém pode ser verdadeiramente cristão se ele trata os sacramentos apenas como um ritual mecânico. O eremita no deserto pode receber comunhão menos freqüentemente do que o cristão na cidade; isso não significa, no entanto, que os sacramentos são menos importantes para o eremita, mas simplesmente que o ritmo de sua vida sacramental é diferente. Certamente Deus é capaz de salvar aqueles que nunca foram batizados. Mas, mesmo que Deus não esteja submetido aos sacramentos, nos estamos a eles.

Anteriormente, observamos, com São Marcos, o Monge, como toda a vida ascética e mística já está contida no sacramento do Batismo: por mais que uma pessoa avance no Caminho, tudo o que ele descobre não é senão a revelação ou a manifestação da graça batismal. O mesmo pode ser dito da Sagrada Comunhão: toda a vida ascética e mística é um aprofundamento e realização de nossa união eucarística com Cristo Salvador. Na Igreja Ortodoxa, a comunhão é dada aos infantes desde o momento do Baptismo em diante. Isso significa que as primeiras memórias da infância da Igreja que um cristão ortodoxo tem provavelmente estarão ligadas com a vinda do Corpo e Sangue de Cristo; e a última ação consciente de sua vida, assim ele espera, também será a recepção dos Dons Divinos. Assim, sua experiência da Sagrada Comunhão se estende por todo o alcance de sua vida consciente. É sobretudo através da Comunhão que o cristão é feito um com e em Cristo, "cristificado", "emdeusado" [2] ou "deificado"; é sobretudo através da Comunhão que ele recebe as primícias da eternidade. ‘Bem-aventurado aquele que tem comido o pão do amor que é Jesus’, escreve São Isaac, o Sírio. "Enquanto ainda neste mundo, ele respira o ar da ressurreição, em que os justos se deleitarão depois que ressuscitarem dos mortos". "Todos os esforços humanos atingem aqui seu objetivo final", diz Nicolas Cabasilas. "Pois, neste sacramento, alcançamos o próprio Deus, e o próprio Deus é feito um conosco na mais perfeita de todas as uniões possíveis. Este é o mistério final: além disso, não é possível ir, nem pode-se acrescentar nada."

O Caminho espiritual não é apenas eclesial e sacramental; também é evangélico. Este é o terceiro pressuposto indispensável para um cristão ortodoxo. Em cada passo da via, buscamos orientação na voz de Deus nos falando através da Bíblia. De acordo com os Ditos dos Padres do Deserto, "Os anciões costumavam dizer: Deus não exige nada dos cristãos, exceto que ouçam as Sagradas Escrituras e ponham em prática as coisas que são ditas nelas." (Mas em outro lugar Os Ditos também insistem na importância de ter a orientação de um pai espiritual, para nos ajudar a aplicar corretamente as Escrituras.) Quando perguntaram a Santo Antônio do Egito, "Que regras devo manter para agradar a Deus?", ele respondeu: "Onde quer que você vá, tenha sempre Deus diante de seus olhos; no que quer que você faça ou diga, tenha um exemplo das Sagradas Escrituras; e seja qual for o lugar em que você habite, não seja apressado para se mudar para outro lugar. Mantenha estas três coisas e você viverá." "A única fonte pura e suficiente das doutrinas da fé", escreve o Metropolita Filareto de Moscou, "é a Palavra de Deus revelada, contida nas Sagradas Escrituras".

Para alguém entrando no mosteiro como novato, o Bispo Ignatius Brianchaninov dá essas instruções, que certamente se aplicam com igual força aos leigos:

Desde a sua primeira entrada no mosteiro, o monge deve dedicar todo cuidado e atenção possível à leitura do Santo Evangelho. Ele deve estudar o Evangelho tão de perto que sempre estará presente em sua memória. A cada decisão moral que ele toma, para cada ato, para cada pensamento, ele deve sempre deveria ter em sua memória o ensinamento do Evangelho... Mantenha-se estudando o Evangelho até o fim de sua vida. Nunca pare. Não pense que você conheça o suficiente, mesmo que você conheça tudo de cor.

Qual é a atitude da Igreja Ortodoxa em relação ao estudo crítico da Bíblia, como tem sido realizado no Ocidente nos últimos dois séculos? Uma vez que nosso cérebro que raciocina é um presente de Deus, há, sem dúvida, um lugar legítimo para pesquisas acadêmicas sobre origens bíblicas. Mas, embora não devamos rejeitar essa pesquisa de como um todo, não podemos, como ortodoxos, aceitá-la na íntegra. Sempre precisamos ter em vista que a Bíblia não é apenas uma coleção de documentos históricos, mas é o livro da Igreja, contendo a Palavra de Deus. E, portanto, não lemos a Bíblia como indivíduos isolados, interpretando-a unicamente pela luz do nosso entendimento particular, ou em termos de teorias atuais sobre criticismo de origem, forma ou redação. Lemos ela como membros da Igreja, em comunhão com todos os outros membros ao longo dos tempos. O critério final para nossa interpretação da Escritura é a mente da Igreja. E isso significa manter constantemente em vista como o significado da Escritura é explicado e aplicado na Santa Tradição: isto é, como a Bíblia é entendida pelos Pais e pelos santos, e como ela é usada no culto litúrgico.

Ao lermos a Bíblia, estamos reunindo informações, lutando com o sentido de frases obscuras, comparando e analisando. Mas isso é secundário. O verdadeiro propósito do estudo da Bíblia é muito mais do que isso - alimentar nosso amor por Cristo, acender nossos corações na oração e nos fornecer orientação em nossa vida pessoal. O estudo das palavras deve dar lugar a um diálogo imediato com a própria Palavra viva. "Sempre que você lê o Evangelho", diz São Tikhon de Zadonsk, "o próprio Cristo está falando com você. E enquanto você lê, você está rezando e conversando com ele."

Deste modo, os ortodoxos são encorajados a praticar uma leitura lenta e atenta da Bíblia, onde nosso estudo nos leva diretamente à oração, assim como a lectio divina do monaquismo beneditino e cisterciense. Mas, geralmente, os ortodoxos não recebem regras ou métodos detalhados para essa leitura atenciosa. A tradição espiritual ortodoxa faz pouco uso de sistemas de "meditação discursiva", como foram elaborados no Ocidente da Contra-Reforma por Inácio de Loyola ou Francisco de Sales. Uma das razões pelas quais os ortodoxos geralmente não sentiram necessidade de tais métodos é que os serviços litúrgicos a que atendem, especialmente nas Grandes Festas e durante a Quaresma, são muito longos e contêm repetições freqüentes de textos e imagen centrais. Tudo isso é suficiente para alimentar a imaginação espiritual do fiel, de modo que ele não precisa, adicionalmente, repensar e desenvolver a mensagem dos serviços da igreja em um período diário de meditação formal.

Abordada de maneira orante, a Bíblia é sempre contemporânea - não apenas como escritos compostos no passado distante, mas como uma mensagem direta para mim aqui e agora. "Aquele que é humilde em seus pensamentos e se dedica ao trabalho espiritual", diz São Marcos, o Monge, "quando ele lê as Sagradas Escrituras aplicará tudo para si mesmo e não para outra pessoa". Como um livro inspirado exclusivamente por Deus e dirigido a cada um dos fiéis pessoalmente, a Bíblia possui poder sacramental, transmitindo graça ao leitor, levando-o a um ponto de reunião e a um encontro decisivo. A escolaridade crítica não é de modo algum excluída, mas o verdadeiro significado da Bíblia só será evidente para aqueles que a estudam com seu intelecto espiritual, bem como com seu cérebro que raciocina.

Igreja, sacramentos, Escrituras - tais são os pressupostos para nossa jornada. Consideremos agora os três estágios: a vida ou prática ativa das virtudes, a contemplação da natureza, a contemplação de Deus.

O Reino dos céus é tomado à força

Como o título indica, a vida ativa exige o esforço de nossa parte, luta, no empenho persistente do nosso livre arbítrio. "Estreito é o portão e estreito é o caminho que leva à vida ... Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai" (Mateus 7:14 , 21). Nossa salvação resulta da convergência de dois fatores, de valor desigual mas indispensáveis: iniciativa divina e resposta humana. O que Deus faz é incomparavelmente mais importante, mas também é necessário a participação do homem.

Em um mundo não caído, a resposta do homem ao amor divino seria totalmente espontânea e alegre. Mesmo em um mundo caído, o elemento de espontaneidade e alegria permanece, mas também há necessidade de lutar resolutamente contra os hábitos e inclinações profundamente enraizados que são o resultado do pecado, tanto original como pessoal. Uma das qualidades mais importantes necessárias para o viajante no Caminho é a perseverança fiel. A resistência exigida de alguém que escala uma montanha fisicamente é requerida da mesma forma daqueles que ascenderiam à montanha de Deus.

O homem deve fazer violência a si mesmo - isto é, ao seu eu caído - porque o Reino dos céus é tomado à força, e os que usam de força se apoderam dele (Mateus 11:12). Isto é dito repetidamente por nossos guias no Caminho; e eles estão falando, deve ser lembrado, tanto para cristãos casados quanto para monges e freiras. "Deus exige tudo de um homem - sua mente, sua razão, todas as suas ações. Deseja ser salvo quando você morrer? Vá e se esgote; vá e trabalhe; vá, procure e você encontrará; vigie e bata, e será aberto para você" (Os Ditos dos Padres do Deserto). "A idade atual não é um tempo para descansar e dormir, mas luta, combate, mercado, escola, viagem. Portanto, você deve se esforçar e não ser desanimado e ocioso, mas se dedicar a ações santas" (Starets Nazari de Valamo). "Nada vem sem esforço. A ajuda de Deus está sempre pronta e sempre próxima, mas é dada apenas àqueles que procuram e trabalham, e apenas àqueles buscadores que, depois de colocar todos os seus poderes à prova, então clamam com todo o coração: Senhor, ajude-nos" (Bispo Teófano o Recluso).  "Onde não há tristeza, não há salvação" (São Serafim de Sarov). "Descansar é o mesmo que retroceder" (Tito Colliander). Ainda assim, para que não fiquemos muito abatidos por esta severidade, também nos dizem: "Toda a vida do homem é apenas um dia, para aqueles que trabalham com avidez" (Os Ditos dos Padres do Deserto).

E o que todas essas palavras sobre esforço e sofrimento significam na prática? Significam que cada dia devemos renovar nosso relacionamento com Deus através da oração viva; e orar, como Abba Agathon nos lembra, é a tarefa mais difícil de todas. Se não encontrarmos a oração difícil, talvez seja porque não começamos a orar. Significam também que cada dia devemos renovar nosso relacionamento com os outros através da simpatia imaginativa, por meio de atos de compaixão prática e através da poda de nossa própria vontade. Significam que devemos assumir a cruz de Cristo, não uma vez por todas, por um único gesto grandioso, mas novamente  a cada dia: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me" (Lucas 9:23). E, no entanto, esse carregar a cruz diariamente é ao mesmo tempo um compartilhamento diário na Transfiguração e Ressurreição do Senhor:  entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo... morrendo, e eis que vivemos" (2 Coríntios 6: 9, 10).

Uma mudança de Mente

Tal é o caráter geral da vida ativa. É marcado sobretudo por quatro qualidades: o arrependimento, a vigilância, a discriminação e a guarda do coração. Vejamos brevemente cada um desses.

"O começo da salvação é condenar a si mesmo" (Evágrio). O arrependimento marca o ponto de partida da nossa jornada. O termo grego metanoia, como observamos, significa primariamente uma "mudança de mente". Corretamente entendido, o arrependimento não é negativo, mas positivo. Significa, não a auto-piedade ou remorso, mas conversão, a re-centralização de toda a nossa vida sobre a Trindade. É olhar, não para trás com arrependimento, mas avançar com esperança - não para baixo em nossas próprias deficiências, mas para cima no amor de Deus. É ver, não o que não conseguimos, mas o que, pela graça divina, podemos nos tornar agora; e é agir sobre o que vemos. Arrepender-se é para abrir nossos olhos para a luz. Nesse sentido, o arrependimento não é apenas um ato único, um passo inicial, mas um estado contínuo, uma atitude de coração e vontade que precisa ser renovada incessantemente até o fim da vida. Nas palavras de São Isaias de Sketis, "Deus exige que continuemos nos arrependendo até nosso último suspiro". "Esta vida lhe foi dada para o arrependimento", diz São Isaac, o Sírio. "Não a desperdice em outras coisas".

Arrepender-se é acordar. Arrependimento, mudança de mente, leva à vigilância. O termo grego usado aqui, nepsis, significa literalmente sobriedade e vigília - o oposto de um estado de estupor do álcool ou de drogas; e, portanto, no contexto da vida espiritual, significa atenção, vigilância, lembrança. Quando o filho pródigo se arrependeu, diz-se que "tornou em si" (Lucas 15:17). O homem néptico é aquele que tornou a si mesmo, que não sonha acordado,  à deriva sob a influência de impulsos passageiros, mas que possui um senso de direção e propósito. Como o Evangelho da Verdade (segundo século) expressa: "Ele é como aquele que desperta da embriaguez, retornando a si mesmo ... Ele sabe de onde ele veio e para onde ele está indo".

A vigilância significa, entre outras coisas, estar presente onde estamos - neste ponto específico do espaço, neste momento particular. Muitas vezes, estamos dispersos e fragmentados; estamos a viver, não no estado de alerta no presente, mas na nostalgia do passado, ou no receio e ilusão do futuro. Embora nós, de fato, somos obrigados de forma responsável planejar o futuro - pois a vigilância é o oposto da displicência - nós devemos pensar no futuro apenas na medida em que depende do momento presente. Ansiedade sobre possibilidades remotas que estão completamente fora de nosso controle imediato é pura perda de nossas energias espirituais.

O homem "neptico", então, está reunido no aqui e agora. Ele é aquele que arrebata o kairos, o momento decisivo da oportunidade. Deus, observa C. S. Lewis em The Screwtape Letters, quer que os homens atendam principalmente a duas coisas: "a eternidade em si, e aquele ponto do tempo que eles chamam de Presente. Pois o Presente é o ponto em que o tempo toca a eternidade. Do momento presente, e só nele, os seres humanos tem uma experiência que (Deus) tem da realidade como um todo; nele apenas é oferecido a liberdade e a atualidade." Como ensina Meister Eckhart: "Aquele que permanece sempre no presente agora, nele Deus engendra seu Filho sem cessar."

O homem "neptico" é aquele que entende esse "sacramento do momento presente" e que tenta viver nele. Ele diz para si mesmo, nas palavras de Paul Evdokimov: "A hora pela qual você está atualmente passando, o homem que você conhece aqui e agora, a tarefa em que você está envolvido neste momento - estes são sempre os mais importantes em toda a sua vida." Ele toma pra si o lema escrito no brasão de Ruskin: Hoje, hoje, hoje. "Há uma voz que clama ao homem até o último suspiro, e diz: Converta-se hoje" (Os Ditos dos Padres do Deserto).

Crescendo em Vigilância e autoconhecimento, o viajante no Caminho começa a adquirir o poder de discriminação ou discernimento (em grego, diakrisis). Esse age como um senso espiritual de gosto. Assim como o sentido físico do gosto, se saudável, diz ao homem de uma vez se o alimento está mofado ou saudável, assim também o gosto espiritual, se desenvolvido através do esforço ascético e da oração, permite que o homem distinga entre os pensamentos e impulsos variados dentro dele. Ele aprende a diferença entre o mal e o bem, entre o supérfluo e o significativo, entre as fantasias inspiradas pelo diabo e as imagens marcadas em sua imaginação criativa por arquétipos celestiais.

Por meio da discriminação, então, o homem começa a tomar nota mais cuidadosa do que está acontecendo dentro dele, e então ele aprende a proteger o coração, fechando a porta contra as tentações ou provocações do inimigo. "Guarda o teu coração com toda diligência" (Prov. 4:23). Quando o coração é mencionado nos textos espirituais ortodoxos, deve ser entendido no sentido bíblico pleno. O coração significa não apenas o órgão físico no peito, nem simplesmente as emoções e as afeições, mas o centro espiritual do ser do homem, a pessoa humana feita à imagem de Deus - o eu mais profundo e verdadeiro, o santuário interno onde só se pode entrar por meio do  sacrifício e da morte. O coração está, portanto, intimamente relacionado ao intelecto espiritual, do qual já falamos; em alguns contextos, os dois termos são quase intercambiáveis. Mas o "coração" tem frequentemente um sentido mais inclusivo do que o "intelecto". A 'oração do coração', na tradição ortodoxa, significa oração oferecida por toda a pessoa, envolvendo intelecto, razão, vontade, afeições, e também o corpo físico.

Um aspecto essencial de proteger o coração é a guerra contra as paixões. Por "paixão", aqui não se trata apenas de luxúria sexual, mas qualquer apetite desordenado ou anseio que se apropria violentamente da alma: raiva, ciúme, gula, avareza, desejo de poder, orgulho e outros. Muitos dos Padres tratam as paixões como algo intrinsecamente mau, isto é, como doenças internas alheias à verdadeira natureza do homem. Alguns deles, no entanto, adotam um ponto de vista mais positivo, considerando as paixões como impulsos dinâmicos originalmente colocados no homem por Deus e, portanto, fundamentalmente bons, embora atualmente distorcidos pelo pecado. Nesta segunda e mais sutil perspectiva, nosso objetivo não é eliminar as paixões, mas redirecionar sua energia. A raiva descontrolada deve ser transformada em justa indignação, ciúmes rancorosos em zelo pela verdade, desejo sexual em um eros que é puro no seu fervor. As paixões, então, devem ser purificadas, não eliminadas; ser educadas, não erradicadas; ser usadas positivamente, não negativamente. Para nós e para os outros, dizemos, não 'Reprimir', mas 'Transfigurar'.

Este esforço para purificar as paixões deve ser realizado no nível da alma e do corpo. No nível da alma, são purificadas através da oração, através do uso regular dos sacramentos da Confissão e da Comunhão, através da leitura diária das Escrituras, alimentando nossa mente com o pensamento do bem, através de atos práticos de dedicação amorosa aos outros. No nível do corpo elas são purificadas acima de tudo através de jejum e abstinência, e através de prostrações freqüentes durante a oração. Sabendo que o homem não é um anjo, mas uma unidade de corpo e alma, a Igreja Ortodoxa insiste no valor espiritual do jejum corporal. Não jejuamos porque há algo em si impuro no ato de comer e beber. A comida e a bebida são, ao contrário, do presente de Deus, o qual devemos participar com alegria e gratidão. Nós somos jejuamos, não porque desprezamos o presente divino, mas para nos conscientizarmos de que é de fato um presente - para purificar o nosso comer e beber, e fazer deles, não mais uma concessão à ganância, mas um sacramento e meios de comunhão com o Doador. Entendido dessa maneira, o jejum ascético é dirigido, não contra o corpo, mas contra a carne. Seu objetivo não é de modo destrutivo enfraquecer o corpo, mas criativamente tornar o corpo mais espiritual.

A purificação das paixões conduz, eventualmente, pela graça de Deus, para o que Evagrius chama de apatheia ou "serenidade". Por esse termo ele não quer dizer uma condição negativa de indiferença ou insensibilidade em que já não sente a tentação, mas um estado positivo de reintegração e liberdade espiritual no qual já não caímos em tentação. Talvez a apatheia possa ser traduzida melhor como "pureza de coração". Significa avançar da instabilidade para a estabilidade, da duplicidade à simplicidade ou unidade do coração, da imaturidade do medo e da suspeita à maturidade da inocência e da confiança. Para Evágrio, a serenidade e o amor estão integralmente conectados, como os dois lados de uma moeda. Se você cobiçar, você não pode amar. Serenidade significa que não somos mais dominados pelo egoísmo e pelo desejo descontrolado, e assim nos tornamos capazes do amor verdadeiro.

A pessoa "serena", longe de ser apática, é aquela cujo coração queima com amor por Deus, por outros humanos, por toda criatura viva, por tudo o que Deus criou. Como São Isac, o Sírio escreve:

Quando um homem com um coração como este pensa nas criaturas e as olha, seus olhos estão cheios de lágrimas por causa da compaixão esmagadora que pressiona seu coração. O coração de tal homem se torna macio, e ele não pode suportar ouvir ou encarar qualquer ferimento, mesmo o menor sofrimento, infligido a qualquer coisa na criação. Portanto, ele nunca deixa de orar com lágrimas, mesmo para os animais mudos, para os inimigos da verdade e por todos aqueles que o ferem, pedindo que sejam guardados e recebam a misericórdia de Deus. E para os répteis também ele reza com grande compaixão, que surge sem fim em seu coração, segundo o exemplo de Deus.

Através da Criação ao Criador

O segundo estágio sobre o Caminho tríplice é a contemplação da natureza - mais exatamente, a contemplação da natureza em Deus, ou a contemplação de Deus na natureza e através dela. O segundo estágio é, portanto, um prelúdio e um meio de entrada para o terceiro: ao contemplar as coisas que Deus fez, o homem de oração é levado à contemplação do próprio Deus. Esta segunda etapa da physiki ou "contemplação natural", como afirmamos, não é necessariamente posterior a praktiki, mas pode ser simultânea com ela.

Nenhuma contemplação de qualquer tipo é possível sem nepsis ou vigilância. Não consigo contemplar a natureza nem Deus sem aprender a estar presente onde estou, reunidos neste momento presente, neste lugar presente. Pare, olhe e ouça. Tal é o primeiro começo da contemplação. A contemplação da natureza começa quando abro meus olhos, literalmente e espiritualmente, e começo a notar o mundo ao meu redor - notar o mundo real, isto é, o mundo de Deus. O contemplativo é aquele que, como Moisés diante da Sarça Ardente (Êxodo 3: 5), tira os sapatos - isto é, se despoja da apatia da familiaridade e do tédio - e então reconhece que o lugar onde ele está de pé é um terreno sagrado. Contemplar a natureza é tomar consciência das dimensões do espaço sagrado e do tempo sagrado. Este objeto material, essa pessoa a quem estou falando, esse momento de tempo - cada um é sagrado, cada um é à sua maneira irrepetível e, assim, de valor infinito, cada um pode servir de janela para a eternidade. E, tornando-me sensível ao mundo de Deus ao meu redor, também me torno mais consciente do mundo de Deus dentro de mim. Começando a ver a natureza em Deus, começo a ver meu próprio lugar como pessoa humana dentro da ordem natural; começo a entender o que é ser microcosmo e mediador.

Em capítulos anteriores, indicamos a base teológica dessa contemplação da natureza. Todas as coisas são permeadas e mantidas no ser pelas energias incriadas de Deus, e assim todas as coisas são uma teofania que medeia sua presença. No coração de cada coisa está o seu princípio interno ou logos, implantado dentro dele pelo Logos Criador; e assim, através do logoi, entramos em comunhão com o Logos. Deus está acima e além de todas as coisas, mas como Criador ele também está dentro de todas as coisas - "panenteísmo", não panteísmo. Contemplar a natureza, então, usando a frase de Blake, é limpar as "portas de nossa percepção", tanto no nível físico como no espiritual, e assim discernir as energias ou logoi de Deus em tudo o que ele fez. É descobrir, não tanto através da nossa razão discursiva, mas através do nosso intelecto espiritual, que todo o universo é umas Sarça Ardente cósmica, cheia do Fogo divino, ainda não consumida.

Tal é a base teológica; mas a contemplação da natureza também requer uma base moral. Não podemos avançar para o segundo estágio do Caminho, a menos que façamos progresso no primeiro estágio, praticando as virtudes e cumprindo os mandamentos. Nossa contemplação natural, se não tem um fundamento firme na "vida ativa", torna-se meramente estética ou romântica, e não consegue subir ao nível do verdadeiramente noético ou espiritual. Não pode haver percepção do mundo em Deus sem arrependimento radical, sem uma mudança de mente contínua.

A contemplação da natureza tem dois aspectos correlativos. Primeiro, significa apreciar a "quididade" de coisas particulares, pessoas e momentos. Devemos ver cada pedra, cada folha, cada grama, cada sapo, cada rosto humano, pelo que é verdadeiramente, em toda a distinção e intensidade de seu ser específico. Como o profeta Zacarias nos adverte, não devemos "desprezar o dia das pequenas coisas" (4:10). "O verdadeiro misticismo", diz Olivier Clement, "é descobrir o extraordinário no ordinário". Nenhuma coisa existente é insignificante ou desprezível, pois, como a obra de Deus, cada uma tem seu lugar único na ordem criada. Apenas o pecado é insignificante e trivial, assim como a maioria dos produtos de uma tecnologia caída e pecaminosa; mas o pecado, como já observamos, não é uma coisa real, e os produtos da pecaminosidade, apesar de sua aparente solidez e poder destrutivo, participam igualmente da mesma irrealidade.

Em segundo lugar, a contemplação da natureza significa que vemos todas as coisas, pessoas e momentos como sinais e sacramentos de Deus. Em nossa visão espiritual, não apenas vemos cada coisa em relevo, destacando-se em todo o brilho de seu ser específico, mas também devemos ver cada coisa como transparente e através de cada coisa criada discernirmos o Criador. Descobrindo a unicidade de cada coisa, descobrimos também como cada um de seus pontos aponta para além de si mesmo para quem o fez. Então, aprendemos, nas palavras de Henry Suso, a ver o interior no exterior: "Aquele que pode ver o interior no exterior, para ele, o interior é mais interior do que aquele que só pode ver o interior no interior".

Estes dois aspectos da contemplação natural estão exatamente indicados no poema de George Herbert The Elixir:

Ensine-me, meu Deus e Rei,

Em todas as coisas te ver,

E o que eu faço em qualquer coisa,

Para fazer como para ti.

Um homem que observa o vidro,

Nele pode deter os olhos;

Ou, se quiser, ultrapassá-lo,

E os céus espiar..


Olhar para o vidro é perceber a "verdade", a realidade intensa de cada coisa; olhar através do vidro e, assim, ‘espiar’ o céu é discernir a presença de Deus dentro da coisa e além.  Essas duas maneiras de olhar para o mundo confirmam e se complementam. A criação nos leva a Deus, e Deus nos envia de volta à criação, permitindo-nos olhar a natureza com os olhos de Adão no Paraíso. Pois, vendo todas as coisas em Deus, as vemos com uma vivacidade que nunca mais possuíam.

Não devemos restringir a presença de Deus no mundo a uma gama limitada de objetos e situações "piedosas", ao mesmo tempo que rotulamos todo resto como "seculares"; mas devemos ver todas as coisas como essencialmente sagradas, como um presente de Deus e um meio de comunhão com ele. No entanto, não segue que devemos aceitar o mundo caído em seus próprios termos. Este é o erro infeliz de grande parte do "cristianismo secular" no ocidente contemporâneo. Todas as coisas são de fato sagradas em seu verdadeiro ser, de acordo com sua essência mais íntima; mas nossa relação com a criação de Deus foi distorcida pelo pecado, original e pessoal, e não devemos redescobrir esta sagrada intrínseca, a menos que nosso coração seja purificado. Sem abnegação, sem disciplina ascética, não podemos afirmar a verdadeira beleza do mundo. É por isso que não pode haver contemplação genuína sem arrependimento.

A contemplação natural significa encontrar Deus não só em todas as coisas, mas igualmente em todas as pessoas. Ao reverenciar os santos ícones na igreja ou em casa, devemos refletir que cada homem e mulher é um ícone vivo de Deus. "O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram" (Mateus 25:40). Para encontrar Deus, não precisamos deixar o mundo, isolar-nos de nossos semelhantes e mergulhar em algum tipo de vazio místico. Pelo contrário, Cristo está nos olhando através dos olhos de todos aqueles a quem nos encontramos. Uma vez que reconhecemos sua presença universal, todos os nossos atos em que servimos aos demais tornam-se atos de oração.

É comum considerar a contemplação como um dom raro e exaltado, e, sem dúvidas, o é em sua plenitude. No entanto, todas as sementes de uma atitude contemplativa existem em todos nós. A partir desta hora e momento, posso começar a andar no mundo, consciente de que é o mundo de Deus, que ele está perto de mim em tudo o que vejo e toco, em todos os que encontro. Ainda que eu faça isso espasmodicamente e de forma incompleta, eu já coloquei meus pés no caminho contemplativo.

Muitas pessoas que acham a oração em silêncio, sem imagens, completamente além de sua capacidade presente, e para quem as frases familiares escritas na Escritura ou nos livros de oração se tornaram tediosas e secas, podem renovar sua vida interior através da prática da contemplação natural. Aprendendo a ler a palavra de Deus no livro da criação, descobrindo sua assinatura em todas as coisas, eu então - quando eu volto a ler suas palavras na Escritura e nos livros de oração - descubro que as frases bem conhecidas tem uma nova profundidade de significado. Então, a natureza e as Escrituras se complementam. Nas palavras de São Ephrem, o sírio:

Onde quer que você vire os olhos, há um símbolo de Deus;

Onde quer que você leia, você encontrará seus tipos ...

Olhe e veja como a Natureza e as Escrituras estão unidas ...

Louvor ao Senhor da Natureza,

Glória ao  Senhor das Escrituras.

Das Palavras ao Silêncio

Quanto mais o homem passa a contemplar Deus na natureza, mais ele percebe que Deus também está acima e além da natureza. Encontrando vestígios do divino em todas as coisas, ele diz: "Isto também é tu; nem isto é tu." Então, o segundo estágio do Caminho espiritual o leva, com a ajuda de Deus, ao terceiro estágio, quando Deus não é mais conhecido apenas pelo meio do que ele fez, mas em uma união direta e sem mediação.

A transição do segundo para o terceiro nível é efetuada - assim nós aprendemos com nossos mestres espirituais na tradição Ortodoxo - aplicando na vida de oração a via da negação ou abordagem apofática. Nas Escrituras, nos textos litúrgicos e na natureza, são apresentadas inúmeras palavras, imagens e símbolos de Deus; e somos ensinados a dar o valor total a essas palavras, imagens e símbolos, abordando-os em nossa oração. Mas, como essas coisas nunca podem expressar toda a verdade sobre o Deus vivo, somos encorajados também a equilibrar essa oração afirmativa ou catafática pela oração apofática. Como afirma Evágrio, "A oração é colocar de lado os pensamentos." Esta não deve ser considerada, é claro, uma definição completa de oração, mas indica o tipo de oração que leva o homem do segundo para o terceiro estágio do Caminho. Alcançando a Verdade eterna que está além de todas palavras e pensamentos humanos, o buscador começa a esperar em Deus em quietude e silêncio, não mais falando sobre Deus ou com Deus, mas simplesmente escutando. ‘Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus’ (Sal. 46:10).

Esta quietude ou silêncio interno é conhecido em grego como hesychia, e aquele que busca a oração de quietude é chamado de hesicasta. Hesychia significa concentração combinada com tranquilidade interna. Não deve ser apenas entendida em sentido negativo como a ausência de fala e de atividade externa, mas denota de maneira positiva a abertura do coração humano em relação ao amor de Deus. Escusado será dizer, para a maioria das pessoas, se não todas, a hesychia não é um estado permanente. O hesicasta, além de entrar na oração de quietude, também usa outras formas de oração, partilhando do culto litúrgico corporativo, lendo a Escritura, recebendo os sacramentos. A oração apofática coexiste com a catafática, e cada uma fortalece a outra. A via da negação e a via da afirmação não são alternativas; são complementares.

Mas como é que vamos parar de falar e começar a ouvir? De todas as lições sobre oração, essa é a mais difícil de aprender. Há pouco proveito dizer a nós mesmos: "Não pense", pois a suspensão do pensamento discursivo não é algo que possamos alcançar apenas através de um esforço de vontade. A mente sempre inquieta exige de nós alguma tarefa, de modo a satisfazer sua constante necessidade de ser ativa. Se a nossa estratégia espiritual é inteiramente negativa - se tentarmos eliminar todo o pensamento consciente sem oferecer a nossa mente qualquer atividade alternativa - é provável que terminemos com um vago sonhar acordado.. A mente precisa de alguma tarefa que a mantenha ocupada e, no entanto, habilite-a ir além de si mesma até a quietude. Na tradição ortodoxa hesicasta, a obra que normalmente é atribuída a ele é a freqüente repetição de uma breve "oração flecha", mais comumente a Oração de Jesus: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador.

Nos é ensinado que, ao recitarmos a Oração de Jesus, devemos evitar, na medida do possível, qualquer imagem ou figura específica.  Nas palavras de São Gregório de Nissa, "O Noivo está presente, mas ele não é visto". A Oração de Jesus não é uma forma de meditação imaginativa sobre diferentes incidentes na vida de Cristo. Mas, ao deixar de lado as imagens, devemos concentrar toda nossa atenção sobre, ou melhor, dentro das palavras. A Oração de Jesus não é apenas um encantamento hipnótico, mas uma frase significativa, uma invocação dirigida a outra Pessoa. Seu objeto não é o relaxamento, mas o estado de alerta, não sonolência, mas uma a oração viva. E assim a Oração de Jesus não deve ser dita mecanicamente, mas com um propósito interno; no entanto, ao mesmo tempo, as palavras devem ser pronunciadas sem tensão, violência ou ênfase indevida. O barbante ao redor de nosso pacote espiritual deve ser firme, e não frouxo; no entanto, ele não deve ser amarrado com tamanha força a ponto de cortar as bordas do pacote.

Normalmente se distinguem três níveis ou graus na Oração de Jesus. Ela começa como "oração dos lábios", oração oral. Então ela se interioriza mais interior, tornando-se "oração do intelecto", oração mental. Finalmente, o intelecto "desce" para o coração e se une a ele, então a oração torna-se "oração do coração"  ou, mais exatamente, "oração do intelecto no coração". Neste nível, torna-se oração de toda a pessoa - não mais algo que pensamos ou dizemos, mas algo que somos: pois o propósito final do Caminho espiritual não é apenas uma pessoa que diz orações de vez em quando, mas uma pessoa em que é oração o tempo todo. A oração de Jesus começa como uma série de atos específicos de oração, mas seu objetivo final é estabelecer naquele que ora um estado de oração incessante, que continua ininterrupto mesmo em meio a outras atividades.

Portanto a oração de Jesus começa como uma oração oral como qualquer outra. Mas a repetição rítmica da mesma frase curta permite que o hesicasta, em virtude da simplicidade das palavras que ele usa, avance para além de todo o idioma e imagens no mistério de Deus. Desta forma, a Oração de Jesus desenvolve, com a ajuda de Deus, o que os escritores ocidentais chamam de "oração de atenção amorosa" ou "oração de olhar simples", onde a alma descansa em Deus sem uma sucessão constantemente variável de imagens, idéias e sentimentos. Além disso, há uma fase posterior, quando a oração do hesicasta deixa de ser o resultado de seus próprios esforços, e torna-se - de tempos em tempos, ao menos, - o que os escritores ortodoxos chamam de “auto-atuante” e escritores ocidentais chamam de 'infundida '. Cessa, em outras palavras, de ser "minha" oração, e torna-se, em maior ou menor grau, a oração de Cristo em mim.

No entanto, não se deve imaginar que esta transição da oração oral para a oração de silêncio, ou da oração "ativa" para "auto-atuante ", seja rápida e fácil. O autor anônimo do livro Relatos de um Peregrino Russo recebeu a oração contínua "auto-atuante" depois de apenas algumas semanas praticando a Invocação do Nome de Jesus, mas seu caso é completamente excepcional e não deve ser considerado como a norma. Mais comumente, aqueles que recitam a Oração de Jesus são concedidos de tempos em tempos momentos de "arrebatamento", vindo inesperadamente como um presente, quando as palavras de oração recuam no fundo ou desaparecem completamente, e são substituídas por um senso imediato da presença e do amor de Deus. Mas, para a grande maioria, essa experiência é apenas um breve vislumbre, não um estado contínuo. De qualquer forma, seria imprudente tentar induzir, por meios artificiais, o que só pode resultar do fruto da ação direta de Deus. O melhor caminho, ao invocar o Santo Nome, é concentrar todos os nossos esforços na recitação das palavras; caso contrário, em nossas tentativas prematuras de alcançar a oração sem palavras do coração, acabamos nos dando conta de que não estamos rezando de maneira alguma, mas apenas sentados semi-adormecidos.  Deixe-nos seguir o conselho de São João Climacus: "Confine sua mente nas palavras da oração". Deus fará o resto, mas a seu modo e ao seu tempo.

União com Deus

O método apofático, seja em nosso discurso teológico ou em nossa vida de oração, é aparentemente negativo em caráter, mas, em seu objetivo final, é extremamente positivo. O abandono de pensamentos e imagens não leva a vacuidade, mas a uma plenitude superando tudo o que a mente humana pode conceber ou expressar. O caminho da negação se parece menos ao descascar de uma cebola e mais ao entalhar de uma estátua.. Quando descascamos uma cebola, removemos uma pele após a outra, até que finalmente não haja mais cebola: acabamos com nada. Mas o escultor, quando se desfaz em um bloco de mármore, nega por um efeito positivo. Ele não reduz o bloco a um monte de fragmentos aleatórios, mas, através da ação aparentemente destrutiva de quebrar a pedra em pedaços, ele acaba revelando uma forma inteligível.

Assim é em um nível mais alto com o uso do apofatismo. Negamos para afirmar. Dizemos que algo não é para dizer que algo é. O caminho da negação acaba sendo o caminho da super afirmação. Nossa separação de palavras e conceitos serve como trampolim, a partir da qual saltamos para o mistério divino. A teologia apofática, em seu verdadeiro e pleno significado, não leva a uma ausência, mas a uma presença, não ao agnosticismo, mas a uma união de amor. Assim, a teologia apofática é muito mais do que um exercício puramente verbal, pelo que equilibramos afirmações positivas com negativas. Seu objetivo é nos levar a um encontro direto com um Deus pessoal, que ultrapassa infinitamente tudo o que podemos dizer dele, seja negativo ou positivo.

Esta união de amor que constitui o verdadeiro objetivo da abordagem apofática é uma união com Deus em suas energias, não em sua essência. Tendo em mente o que foi dito anteriormente sobre a Trindade e a Encarnação, é possível distinguir três diferentes tipos de união:

Primeiro, há entre as três pessoas da Trindade uma união de acordo com a essência: Pai, Filho e Espírito Santo são "um em essência". Mas entre Deus e os santos não ocorre tal união. Embora "emdeusado" ou "deificados", os santos não se tornam membros adicionais da Trindade. Deus continua sendo Deus e o homem permanece homem. O homem se torna deus pela graça, mas não Deus em essência. A distinção entre Criador e criatura ainda continua: é superada pelo amor mútuo, mas não abolida. Deus, por mais perto que ele se aproxime do homem, ainda permanece o "inteiramente Outro".

Segundo, existe entre as naturezas divina e humana do Cristo encarnado uma união de acordo com a hipóstase, uma união "hipostática" ou pessoal: a divindade e a humanidade em Cristo são tão unidas que constituem ou pertencem a uma única pessoa. Mais uma vez, a união entre Deus e os santos não é desse tipo. Na união mística entre Deus e a alma, há duas pessoas, e não uma (ou, mais exatamente, quatro pessoas: uma pessoa humana e as três pessoas divinas da Trindade indivisa). É uma relação "Eu - Tu": o "Tu" permanece "Tu", por mais próximo o "Eu" possa chegar.  Os santos estão mergulhados no abismo do amor divino, mas não são engolidos. "Cristificação" não significa aniquilação. Na Era por vir, Deus é "tudo em todos" (1 Cor. 15:28); mas "Pedro é Pedro, Paulo é Paulo, Filipe é Filipe. Cada um retém sua própria natureza e identidade pessoal, mas todos estão cheios do Espírito"(As Homilias de São Macário).

Uma vez que, então, a união entre Deus e os seres humanos que ele criou é uma união não de acordo com a essência, nem segundo a hipóstase, resta em terceiro lugar que deve ser uma união de acordo com a energia. Os santos não se tornam Deus por essência e nem uma pessoa com Deus, mas participam nas energias de Deus, isto é, na sua vida, poder, graça e glória. As energias, como insistimos, não devem ser "objetivadas" ou consideradas intermediárias entre Deus e o homem, uma "coisa" ou presente que Deus confere à sua criação. As energias são verdadeiramente Deus mesmo - ainda assim não Deus como ele existe dentro de si mesmo, na sua vida interior, mas Deus, como ele se comunica em amor transbordante. Aquele que participa das energias de Deus está, portanto, conhecendo o próprio Deus face a face, através de uma união de amor direta e pessoal, na medida em que um ser criado é capaz disso. Dizer que o homem participa nas energias mas não na essência de Deus é dizer que entre o homem e Deus acontece uma união, mas não confusão. Significa que afirmamos a respeito de Deus, do modo mais literal e enfático: "Sua vida é minha", ao mesmo tempo que repudiamos o panteísmo. Afirmamos a proximidade de Deus, ao mesmo tempo em que proclamamos a sua alteridade.

Escuridão e Luz

Ao se referir a esta "união de acordo com a energia", que está muito além de tudo o que o homem pode imaginar ou descrever, os santos utilizaram, forçosamente, a linguagem do paradoxo e do simbolismo. Pois o discurso humano é adaptado para delinear aquilo que existe no espaço e no tempo, e mesmo aqui nunca pode fornecer uma descrição exaustiva. Quanto ao que é infinito e eterno, aqui a fala humana não pode fazer mais do que apontar ou indicar.

Os dois "sinais" ou símbolos principais empregados pelos pais são os da escuridão e da luz. Não, é claro, que Deus como tal seja luz ou escuridão: estamos falando em parábolas ou analogias. De acordo com sua preferência por um "sinal" ou o outro, os escritores místicos podem ser caracterizados como "noturnos" ou "solares". São Clemente de Alexandria (seguindo o autor judeu Filo), São Gregório de Nissa e São Dionísio, o Areopagita, dão preferência ao "sinal" da escuridão; Orígenes, São Gregório, Teólogo, Evágrio, As Homilias de São Macário, São Simeão, o Novo Teólogo e São Gregório Palamas usam principalmente o "sinal" da luz.

A linguagem da "escuridão", aplicada a Deus, toma sua origem principalmente da descrição bíblica de Moisés no monte Sinai, quando se diz que ela entra na "espessa escuridão" onde Deus estava (Êxodo 20:21). É significativo que nessa passagem não se afirma que Deus é a escuridão, mas que ele habita na escuridão: a escuridão denota, não a ausência ou a irrealidade de Deus, mas a incapacidade da nossa mente humana de compreender a natureza interior de Deus. A escuridão está em nós, e não nele.

A base primária para a linguagem da "luz" é a frase em São João: "Deus é luz, e nele não há escuridão" (1 João 1: 5). Deus é revelado como luz acima de tudo na Transfiguração de Cristo no Monte Tabor, quando "o rosto dele resplandeceu como o sol, e as suas vestes eram brancas como a luz" (Mateus 17: 2). Esta luz divina, vista pelos três discípulos na montanha - vista também por muitos dos santos durante a oração - não é senão as energias incriadas de Deus. A luz do Tabor não é nem uma luz física e criada, nem uma "luz do intelecto" puramente metafórica. Embora não material, ela é, no entanto, uma realidade objetivamente existente. Sendo divinas, as energias incriadas superam nossos poderes humanos de descrição; e assim, ao chamar essas energias de "luz", nós estamos inevitavelmente empregando a linguagem do "sinal" e do símbolo.  Não que as energias sejam meramente simbólicas. Elas realmente existem, mas não podem ser descritas em palavras; ao se referir a elas como "luz", usamos o termo menos enganoso, mas nossa linguagem não deve ser interpretada literalmente.

Embora não-física, a luz divina pode ser vista pelo homem através dos seus olhos físicos, desde que seus sentidos tenham sido transformados pela graça divina. Seus olhos não contemplam a luz pelos poderes naturais da percepção, mas através do poder do Espírito Santo que atua dentro dele.

"O corpo é deificado ao mesmo tempo que a alma" (São Máximo, o Confessor). Aquele que contempla a luz divina é permeado inteiramente por ela, de modo que seu corpo brilha com a glória que ele contempla. Ele mesmo se torna luz. Vladimir Lossky não falava apenas de metáforas quando escreveu: "O fogo da graça, acendido no coração dos cristãos pelo Espírito Santo, faz com que eles brilhem como se fossem velas diante do Filho de Deus". As Homilias de São Macário afirmam sobre essa transfiguração do corpo do homem:

Assim como o corpo do Senhor foi glorificado, quando ele subiu a montanha e se transfigurou na glória de Deus e na luz infinita, os corpos dos santos também são glorificados e brilham como relâmpagos ... "E eu dei-lhes a glória que a mim me deste"(João 17:22): assim como muitas lâmpadas são acesas a partir de uma chama, assim os corpos dos santos, sendo membros de Cristo, precisam ser o que Cristo é, e nada mais... Nossa natureza humana se transforma no poder de Deus, e é acesa em fogo e luz.

Na vida dos santos, ocidentais e orientais, existem numerosos exemplos de tal glorificação do corpo. Quando Moisés desceu da escuridão do Sinai, seu rosto brilhava com tanto brilho que ninguém podia contemplá-lo, e ele teve que colocar um véu sobre seu rosto quando conversava com os outros (Êxodo 34: 29-35). Nos Ditos dos Padres do Deserto nos contamos como um discípulo olhou através da janela da cela de Abba Arsenius e viu o ancião "como uma chama de fogo". De Abba Pambo é dito: "Deus glorificou tanto ele que ninguém podia olhar pra sua face, por causa da glória que sua face tinha." Mil e quatrocentos anos depois, Nicolas Motovilov usa essas palavras para descrever uma conversa com seu starets, São Serafim de Sarov: "Imagine no centro do sol, no brilho deslumbrante de seus raios do meio do dia, o rosto de um homem falando com você."

Em alguns escritores, as idéias de luz e escuridão são combinadas. Henry Vaughan fala de uma "escuridão deslumbrante" em Deus, enquanto São Dionísio usa a frase "resplendor da escuridão divina". Em outros lugares, São Dionísio diz: "É dito que a escuridão divina é a luz inacessível na qual Deus habita." Não há auto-contradição sobre tal linguagem, pois para Deus "a escuridão e a luz são iguais" (Salmo 139:12). Como Jacob Boehme diz: "A escuridão não é a ausência de luz, mas o terror que vem da luz cegante." Se é dito que Deus habita na escuridão, isso não significa que haja falta ou privação em Deus, mas que ele é uma plenitude de glória e amor além de nossa compreensão.


Notas:

[1] Preferi traduzir o termo "isness" como "ser". 
[2] Nota do Tradutor: "Emdeusado" e não endeusado, seguindo o jogo de palavras do original "ingodded".


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