O cristianismo não começou nos braços da filosofia. Cristo não andou pela Palestina pregando a lei natural. A Igreja primitiva não era um seminário filosófico. Os Apóstolos não adotaram o vínculo fides et ratio, fé e razão. O cristianismo da primeira metade do milênio marginalizou a fé filosófica grega pagã na razão. Esse cristianismo voltava-se para Jerusalém, não para Atenas. Embora esta Igreja tivesse termos e distinções dos filósofos gregos pagãos, ela não fundamentou sua teologia na filosofia deles. [1]
I. Teologia Natural e o Ocidente
Como veremos, com a adoção do projeto filosófico helenístico pelo Ocidente começamos a ver [2] o surgimento da chamada Teologia Natural, onde o Cristianismo é colocado sob uma nova luz, [3] assumindo uma identidade própria estranha à Fé Una, Santa, Católica e Apostólica [4]. Para o Ocidente, o projeto da Teologia Natural (que se distingue da revelação natural) desenvolveu-se e, sem dúvida, chegou ao seu clímax com Tomás de Aquino. A Teologia Natural é tipicamente definida como sendo o que a mente humana, pela "luz da razão natural apenas", pode conhecer sobre Deus independentemente da revelação. Para Aquino, como para a maioria dos teólogos que afirmam a teologia natural, existe a crença implícita de que certas verdades sobre Deus (por exemplo, que Deus existe, que existe apenas um Deus, que Ele é Bom, etc.) podem ser conhecidas e demonstradas pela razão sem primeiro pressupor a fé na revelação divina. Como veremos, o projeto de teologia natural do Ocidente faz uma distinção essencial entre a natureza da fé e da razão, distinção essa que depende de certos pressupostos epistemológicos relativos à natureza do conhecimento em geral. Ao traçar as diferenças entre a natureza da fé e da razão, Aquino argumenta que a existência de Deus não é um artigo de fé, mas um preambula (um preâmbulo) para os artigos de fé. [5] Consequentemente, o conhecimento natural é entendido como sendo pressuposto pela fé, assim como ele acredita que a natureza é pressuposto pela graça.
Estas conclusões são o resultado da epistemologia de Aquino derivada de uma concepção fundacionista clássica encontrada em Aristóteles. Discutiremos em detalhes as teorias fundacionistas clássicas do conhecimento, mas por enquanto basta observar que a teologia natural se compromete com uma concepção particular onde os fundamentos epistêmicos para a justificação do conhecimento podem existir e funcionar independentemente (epistemologia autônoma) dos pressupostos epistemológicos fornecidos pela revelação divina como a justificação única da razão humana (epistemologia teonômica). Embora Aquino reconheça que a capacidade humana de raciocinar e obter a verdade depende de Deus como causa, as pré-condições para a inteligibilidade não precisam estar localizadas em nosso pressuposto de que Deus é a condição justificadora necessária para a possibilidade do conhecimento. Esta conclusão deriva de uma distinção epistemológica/ontológica [6] feita em Aristóteles entre "o que é melhor conhecido por nós" versus "o que é melhor conhecido por natureza". [7] A idéia aqui é que a ordem natural de nossa investigação/conhecimento é começar a partir das coisas que são mais conhecidas e claras para nós (por exemplo, percepção sensorial) e proceder em direção àquelas que são mais claras e mais conhecidas por natureza (por exemplo, ser, Deus, etc.). [8] Em outras palavras, temporalmente falando os efeitos são conhecidos primeiro e depois a causa, embora na ordem real de existência a causa (o que é mais conhecido por natureza) seja sempre anterior ao efeito (o que é mais conhecido por nós). Portanto, segundo a Teologia Natural, os primeiros princípios dos fundamentos epistêmicos que são pressupostos não estão localizados na causa mas nos efeitos, ou seja, na percepção dos sentidos e naquilo que é declarado como sendo princípios auto-evidentes (não-demonstráveis). Entretanto, como veremos, mesmo que essa distinção na ordem de nosso conhecer (procedendo do que é melhor conhecido por nós à causa, isto é, o que é melhor conhecido por natureza) se revele verdadeira, afirmar isso se tornará problemático, pois a verdade dessa afirmação depende de já termos estabelecido que podemos saber que essa afirmação é verdadeira. Isso leva-nos a um raciocínio-circular e um bootstrapping-epistêmico. Em outras palavras, o método de descobrir a verdade da distinção estabelecida por Aristóteles entre "o que é melhor conhecido por nós" versus "o que é melhor conhecido por natureza" é suspeito, e apelar para esse princípio epistêmico será falacioso, pois suscita a questão [assume a conclusão]. Se nossa razão e seus processos estão em questão, não podemos usar nossa razão (o que está em questão) para demonstrar como nós conhecemos. Portanto, a Teologia Natural concede uma pretensa autonomia epistêmica àqueles que não pressupõem seu fundamento epistêmico na revelação divina, o que pressupõe uma neutralidade epistêmica na qual se pode, em teoria, raciocinar a partir da experiência sensorial e de princípios "auto-evidentes" até certas conclusões e verdades. No entanto, como já foi dito acima e no que será discutido nas seções seguintes, uma pretensa autonomia epistêmica pela qual alguém fundamenta seus pontos de partida/primeiros princípios epistêmicos no homem ou no mundo, à parte dos pressupostos de uma epistemologia teonômica fundamentada na revelação divina, suscitará a questão e fracassará em estabelecer uma base legítima para o conhecimento.
A teologia natural, que é o modus operandi do Ocidente, é um projeto distinto e difere significativamente do entendimento Ortodoxo Oriental da "revelação natural" e da ordo theologiae Ortodoxa. Novamente, no Ocidente, uma pretensa autonomia epistêmica é concedida ao que é chamado de "razão natural", que se pressupõe funcionar apropriadamente pela luz do intelecto apenas. Isto é explicitado na carta encíclica de João Paulo II, Fides et Ratio, quando ele declara que a razão natural "depende da percepção sensorial e da experiência e que avança pela luz do intelecto apenas...". [9] A Igreja Ortodoxa não apenas não concede uma pretensa autonomia epistêmica à razão natural, como também não faz separação entre revelação natural e sobrenatural. Pois, como afirma Dumitru Staniloae: "A revelação natural é conhecida e compreendida plenamente à luz da revelação sobrenatural, ou podemos dizer que a revelação natural é dada e mantida por Deus continuamente através de seu próprio ato divino que está acima da natureza. É por isso que São Máximo, o Confessor, não faz uma distinção essencial entre revelação natural e sobrenatural ou bíblica. Segundo ele, esta última é apenas a incorporação da primeira em pessoas e ações históricas". [10]
Uma vez que a Teologia Natural é o estudo do que pode ser conhecido sobre Deus a partir da razão humana apenas e independentemente da revelação, ela frequentemente tenta mostrar que certas verdades sobre Deus são demonstráveis pela razão através de argumentos cosmológicos a posteriori. Isso resulta em uma teologia empírica que tem sido historicamente compromissada com um programa filosófico e metafísico helenístico (uma fé filosófica grega pagã na razão), cujas conclusões chegam não ao Deus cristão, mas ao Deus grego dos filósofos. Isto é claramente afirmado em Aquino, que acredita que aquelas coisas sobre Deus que a filosofia grega pagã alcançou estão de certa forma contidas também nas Escrituras, na medida em que as Escrituras falam de muitas coisas que ele acredita que poderiam ser descobertas pela razão humana natural apenas, sem que Deus as revele, ou sem que a revelação natural esteja fundamentada na revelação sobrenatural. Pois no que diz respeito à Escritura, Aquino afirma: "Ela trata Dele não só enquanto Ele pode ser conhecido através das criaturas como os filósofos O conheceram - 'O que se pode conhecer de Deus lhes é manifesto' (Rom. I. 19) - mas também enquanto Ele é conhecido somente por Ele mesmo e revelado aos outros." [11]
Ao abraçar a filosofia helenística, o Ocidente e a Teologia Natural como um todo, concebe Deus mais como um conceito filosófico [12] - Deus como substância (ousia) - do que como pessoa (hipóstase), [13] e, portanto, difere substancialmente da Igreja Ortodoxa em sua ordo teologiae.[14] É por isso que muitos escritores têm representado "o pensamento grego antigo como essencialmente 'não-pessoal'"[15]. Entretanto, diferentemente dos seguidores da Teologia Natural que invertem a ordo theologiae, o método patrístico e Ortodoxo é abordar questões teológicas começando com as pessoas Pai, Filho e Espírito Santo. Portanto, os mesmos erros do helenismo que os Padres[16] combateram tão fervorosamente, a saber, a ontologia grega antiga que considera que a unidade e a ontologia de Deus consiste na substância de Deus, acabam sendo os mesmos erros teológicos fundamentais no Ocidente. A filosofia helenística trouxe o Ocidente "de volta à ontologia grega antiga: Deus é primeiramente Deus (Sua substância ou natureza, Seu ser), e então existe como Trindade, ou seja, como pessoas "[17].
Além disso, tendo rejeitado a doutrina Ortodoxa da [distinção] essência/energia, o Ocidente não tem meios teológicos para mediar Deus e o homem, a não ser as idéias filosóficas do homem sobre Deus. Em última análise, essa adesão às idéias em detrimento da pessoalidade é o que privou o Ocidente cristão, pelo menos teologicamente, da comunhão experiencial com as pessoas (hipóstases) de Deus que é mediada de forma única através de Suas energias divinas. Isso significou a adoração de sua idéia de Deus e não das pessoas do próprio Deus que existe primariamente como hipóstases do Pai, do Filho e do Espírito Santo, reveladas nas energias divinas mediadoras incriadas. Assim, a Teologia Natural, invertendo o método patrístico da ordo theologiae correta, juntamente com a adoção dos paradigmas da metafísica e da filosofia gregas, inevitavelmente conduz a uma teologia escolástica e racionalista que resulta na adoração de uma idéia genérica de Deus, ao invés das pessoas reais (hipóstase) da Santíssima Trindade através de Suas energias divinas. Pois é a adesão do Ocidente à doutrina da Simplicidade Divina Absoluta, uma conclusão derivada da Teologia Natural, considerar Deus como "uma substância puramente intelectual acessível à razão, possuindo todas as perfeições em um grau eminente, contendo todas as idéias de todas as coisas, princípio de toda ordem e toda realidade..." [18] Entretanto, sem uma ordo theologiae correta, pela qual os princípios epistêmicos são assumidos dentro da revelação divina da Santíssima Trindade que nos revela a doutrina Ortodoxa da distinção essência/energia, se cai no erro de afastar Deus do mundo. Pois a idéia da simplicidade divina absoluta conclui que Deus não está diretamente presente no mundo através de Suas atividades imanentes incriadas (isto é, energias), o que deixa o homem sem nada além de um mundo materialista de causas mecanicistas presidido por um Deus desconhecido e causalmente inerte - um deus genérico deísta que é concebido como uma idéia, "uma substância puramente intelectual acessível à razão" e não imanente no mundo e encontrado através da experiência.[19]
Além disso, se o conhecimento - como articulado por Aristóteles e Aquino - é sempre derivado da experiência sensorial, incluindo o nosso conhecimento de Deus, então resulta que nenhum desses efeitos criados constitui um conhecimento real do próprio Deus, uma vez que, na visão tomista, a essência de Deus nunca é acessada ou experimentada. [20] Nesse paradigma teológico, apenas se conhece uma série de causas criadas. E se tudo o que podemos conhecer de Deus são Suas causas criadas nesta vida, então deveria se esperar que o Iluminismo concluísse que não faz sentido acreditar em Deus, especialmente quando seu ponto de partida para a teologia é empírico (ou seja, a Teologia Natural) e fundamentado em uma epistemologia autônoma. É claro que os tomistas argumentarão que conhecemos a existência de Deus através da analogia entis, mas isso só complica ainda mais o problema. Pois como a experiência sensorial empírica a posteriori poderia fornecer evidências para um ser que não possui nenhuma relação real com o mundo do ser criado? Segundo Aquino, Deus é uma essência divina absolutamente simples não causada, o que significa que Ele em nada - como diz São João de Damasco - é como o ser criado. Em outras palavras, não pode haver similaridade entre o "ser" condicionado de um mundo criado e temporal e um "Ser" eterno incriado e incondicionado. Portanto, não faz sentido usar a frase analogia entis para chamar Deus de uma primeira causa dentro do contexto da teologia de Aquino. A analogia entis tomista nada tem a dizer sobre aquilo que é totalmente outro e, portanto, ela nunca faz a ponte entre a simplicidade divina absoluta e o ser criado. Agora passemos a considerar a conexão da Teologia Natural com a epistemologia fundacionista clássica.
II. A Epistemologia do Fundacionismo Clássico
A epistemologia fundacionista clássica tem suas raízes em Aristóteles. Foi Aristóteles que argumentou que "nem todo conhecimento é demonstrativo" e que algum conhecimento deve ser "independente de demonstração". Os teólogos que afirmam a teologia natural (e.g., Aquinas, et. al.) concordam com a clássica epistemologia fundacional de Aristóteles, mantendo que todo o conhecimento deve repousar sobre "primeiros princípios" ou "verdades autoevidentes". [21] A Teologia Natural ao se vincular a um modelo fundacionista clássico no que diz respeito à epistemologia, assume dois requisitos em relação ao conhecimento: (1) Nossos estados cognitivos são básicos, ou seja, possuem algum "status epistêmico positivo independentemente de suas relações epistêmicas com quaisquer outros estados cognitivos". E, (2) "Todo estado cognitivo não-básico só pode possuir status epistêmico positivo devido às relações epistêmicas que possui, direta ou indiretamente, com estados cognitivos básicos" [22].
Além dos problemas com o projeto de Teologia Natural do Ocidente, encontrados na adoção do projeto filosófico pagão helenístico com respeito à epistemologia, um projeto que herda uma fé filosófica grega pagã na razão, existem problemas com o compromisso da Teologia Natural com o fundacionismo clássico. A epistemologia do fundacionismo clássico parece ser filosoficamente problemática, pois assume que existem "dados" não-conceituais que servem como alicerces epistêmicos auto-evidentes/pontos de partida para o conhecimento empírico. Muitas vezes o fundacionista clássico defenderá a justificação epistêmica das crenças reduzindo-as ao que se chama crenças básicas. Por exemplo, para os fundacionistas clássicos do tipo cartesiano (por exemplo, racionalistas em oposição aos empiristas), os fundamentos epistêmicos auto-evidentes (crenças/dados básicos) não se baseiam em dados sensoriais empíricos, mas em outras crenças experimentadas dentro da mente. No entanto, este tipo de fundacionista clássico terá dificuldades em estabelecer como é possível justificar crenças relativas ao mundo externo (o mundo material) com base em crenças relativas aos estados experimentados da mente. Pois, para Descartes, o conhecimento empírico está restrito aos estados subjetivos da mente. Portanto, o desafio e o problema gira em torno das crenças fundacionais e de como justificar que os fundamentos são, de fato, justificações apropriadas. Como os racionalistas farão das crenças a priori inatas e auto-evidentes seus fundamentos para a justificação epistêmica em relação a outras crenças, a justificação dos princípios fundacionistas ou dos dados epistêmicos será, em última instância, circular, pois assumirá que tais crenças básicas epistêmicas justificam seus argumentos de que elas são fundacionais e epistemicamente básicas. Semelhantemente no caso dos empiristas, eles farão as impressões sensoriais seus fundamentos epistêmicos básicos. No entanto, como aponta Sellars, "as sensações não são mais epistêmicas em caráter do que árvores ou mesas, e não são mais inefáveis. Elas são privadas no sentido de que apenas uma pessoa pode percebê-las; mas são públicas no sentido de que você pode relatar, e pode afirmar os mesmos fatos sobre suas sensações que eu posso relatar sobre as minhas próprias sensações". [24] Além disso, o fundacionismo do tipo empirista terá os mesmos problemas e acusações de circularidade que os Racionalistas apresentam na tentativa deles para fornecer justificação para os critérios de justificação (por exemplo, ter os primeiros princípios localizados na sensação como epistemicamente dado ou básico) antes de estabelecer que eles são justificados em fazer tais argumentos. Sellars qualifica o que se entende por um "dado" epistêmico quando ele afirma: "O objetivo da categoria epistemológica do dado é, presumivelmente, explicar a idéia de que o conhecimento empírico repousa sobre um 'fundamento' de conhecimento não-inferencial da matéria de fato". [25] Além disso, o conteúdo não-conceitual da experiência sensorial, parece ser incapaz de justificar crenças proposicionais ou conceituais. Donald Davidson afirma:
A relação entre a sensação e uma crença não pode ser lógica, pois as sensações não são crenças ou outras atitudes proposicionais [ou seja, não são formuladas em termos conceituais]. Qual é então a relação? A resposta é, eu acho óbvia: a relação é causal. As sensações causam algumas crenças e, nesse sentido, são a base ou o fundamento dessas crenças. [26]
No entanto, a causalidade não pode fornecer justificativa adequada para as crenças. As explicações causais não explicam como ou porque uma crença é justificada. [27] Por exemplo, certamente pode ser o caso que "x" me faz acreditar "y" no tempo "t" e sucede que "y" é verdade, mas será que eu tenho conhecimento de que "y" é verdade no tempo "t"? Suponha que um neurocirurgião perverso "x" induz artificialmente uma crença "y" em mim, que é falsa. Então eu teria "x" me fazendo acreditar em "y" no tempo "t" quando "y" é falso. Como o neurocirurgião poderia igualmente me fazer acreditar em algo verdadeiro, surge imediatamente a questão, como eu saberia que "y" é verdadeiro no momento "t" se o meu conhecimento é causado por "x"? A resposta parece óbvia: eu não saberia. Portanto, as explicações causais não podem nos fornecer uma explicação do conhecimento.
III. Coerentismo: O Mundo Carregado-de-Teoria e o Mito do Dado
O coerentismo [28] é proposto como uma solução para os problemas do fundacionismo. O coerentismo concebe a estrutura do nosso conhecimento e a natureza da justificação em termos de um quadro epistemológico holístico. Em vez de ter "crenças básicas ou fundacionais e não-básicas ou derivadas "[29] , o coerentismo trata todas as nossas crenças igualmente dentro da nossa "rede de crenças "[30]. Em "Dois Dogmas do Empirismo", Quine nos dá uma idéia clara desta concepção epistemológica e explica a idéia de uma "rede de crenças". Ele afirma que "a totalidade dos nossos chamados conhecimentos ou crenças... é um tecido feito pelo homem, que afeta a experiência apenas ao longo das margens". [31] Este "tecido" ou "rede" de crenças, segundo Quine, esta em constante revisão, a fim de manter a margem do nosso esquema conceitual "ajustado à experiência". [32] O que temos nas teorias coerentistas do conhecimento é uma rejeição explícita do que se chama o "dogma do reducionismo" encontrado nas epistemologias fundacionistas clássicas. Quine, por exemplo, torna essa rejeição explícita em seu Dois Dogmas do Empirismo e se refere ao "dogma do reducionismo" como a idéia de que com cada afirmação pode haver "uma faixa única de possíveis eventos sensoriais associada, de tal forma que a ocorrência de qualquer um deles contribuiria para a maior probabilidade de verdade da afirmação". [33] Quine rejeita tal interpretação conceitual e a substitui pela idéia "de que nossas afirmações sobre o mundo externo enfrentam o tribunal da experiência dos sentidos não individualmente e sim apenas como um órgão corporativo". [34] Em outras palavras, as afirmações só têm sentido dentro do grande "tecido" ou "rede" de crenças e estruturas linguísticas. Isto revela outro problema adicional da Teologia Natural, que assume tanto uma epistemologia fundacionista clássica quanto uma abordagem evidencialista aos fatos e significados. O erro aqui, que o coerentista corretamente aponta, é considerar que evidências, afirmações, significados e fatos são todos independentes de teorias e podem ser abordados universalmente de uma maneira neutra, ou seja, que existe uma base comum neutra onde podemos extrair fatos e teorias, construir argumentos, etc. Torna-se claro, mediante reflexão, que o que constitui como evidência ou fato diferirá de acordo com nossos próprios comprometimentos pressuposicionais e determinados por paradigmas epistêmicos/teóricos particulares. Por exemplo, a palavra "amor" significa algo totalmente diferente para um cristão Ortodoxo, em contraste com o que significa para um secularista, que tem um paradigma fundamentalmente diferente. A evidência parecerá muito diferente para um ateu em comparação para um teísta. Estes apontamentos ecoam o pensamento de Wilfrid Sellars que argumentou que apesar de receberem os mesmos dados sensoriais, toda visão será uma visão como, uma visão segundo um conceito [35] ou a rede de nossas próprias crenças e comprometimentos teóricos. O que podemos aprender a apreciar a partir das teorias coerentistas (holismo epistêmico), é que não há observações ou significados independentes de teorias. Todas as observações, portanto, são teoricamente contaminadas/carregadas-de-teorias e não há significados básicos ou dados epistêmicos. [36] Temos argumentos semelhantes encontrados na tese Duhem-Quine da sub-determinação de dados para as teorias científicas. A idéia básica da sub-determinação da teoria científica pela evidência é que a evidência disponível em qualquer momento será insuficiente para determinar que teoria ou crenças devemos adotar. Em outras palavras, perante uma "escolha entre duas teorias ou duas formas de revisar nossas crenças", seremos incapazes de determinar qual teoria escolher com base na "evidência" e, portanto, nossa teoria será sub-determinada, sendo transitoriamente sub-determinada simplesmente pela evidência no presente, ou permanentemente indeterminada por todas as evidências possíveis. [37] Isto se relaciona com nossas considerações epistemológicas, já que dentro do programa epistemológico, como o próprio Quine aborda, duas divisões são feitas: as divisões no 'conceitual' (referente ao significado) e no 'doutrinário' (referente à verdade).
Já abordamos a questão do projeto de redução conceitual acima, o que nos pareceu problemático, pois afirmações e palavras só têm seu significado dentro do grande "tecido" ou " rede" de crenças e estruturas ou paradigmas da linguagem. O projeto de redução doutrinária, por outro lado, está interessado em "se o nosso conhecimento das coisas físicas externas pode ser adequadamente justificado com base em conhecimentos puramente 'sensoriais'". [38] Isto se refere especificamente à questão da justificação dentro da epistemologia. No entanto, como os coerentistas [39] argumentarão: é impossível validar tanto a ciência quanto teorias epistemológicas como verdadeiras, deduzindo-as a partir de experiências sensoriais empíricas. Hume não apenas mostrou isso adequadamente, oferecendo seu problema da indução, como também Sellars fornece sua própria crítica aos teóricos dos dados-sensoriais em seu Mito do Dado. [40] Os teóricos dos dados-sensoriais, como comenta James O'Shea, "estavam geralmente empenhados em defender a idéia de um dado epistêmico, o que... exige que o dado seja o tipo de coisa que possa fornecer evidências fundacionais para nossas afirmações sobre como as coisas estão no mundo." [41] E como mostra a crítica de Sellars, nenhum item do conhecimento empírico pode servir à função de um dado epistêmico, o que dá o golpe devastador ao fundacionismo clássico, e consequentemente, à Teologia Natural. Embora as teorias coerentistas tenham alguma semelhança com uma abordagem Ortodoxa, haverá problemas fundamentais em relação a essas teorias epistemológicas autônomas também. Por exemplo, ao criticar o fundacionismo clássico, o coerentismo não escapa de fato à problemática e ao real problema fundacional. Ele apenas oferece outra "versão do fundacionismo que sustenta que todas as crenças são fundacionais". Além disso, as tentativas do coerentismo para contornar o problema da circularidade serão insatisfatórias, pois se nenhuma crença na rede de estruturas ou paradigmas da linguagem é justificada em primeiro lugar, então o que fará com que todo o paradigma se justifique? Como aponta Michael Depaul: "podemos dizer que o coerentismo parece ter tanta probabilidade de êxito quanto uma brigada de baldes [nota do tradutor: brigada de baldes é um método de transporte de água em baldes onde os baldes são passados de uma pessoa para a próxima numa fila] que não termina num poço, mas simplesmente se move em círculo".[42] O problema é o de determinar nosso critério epistêmico de justificação antes de podermos determinar nosso critério de justificação, o que não é possível. Isto direciona nossa atenção, portanto, para os argumentos transcendentais.
IV. Argumentos Transcendentais
O que são Argumentos Transcendentais? Quando consideramos a existência do conhecimento, dos fatos, da validade da lógica e dos argumentos, das conclusões derivadas da experiência, uma questão importante surge para o questionador reflexivo. Como se determina que a razão humana, sem ajuda de qualquer outros poderes, pode realmente alcançar o que ela se propõe a fazer, ou seja, conhecer a realidade e o que é verdadeiro? Em outras palavras, exclusivamente dentro da esfera da razão humana, podemos determinar se o conhecimento existe? [43] Como todas as pessoas pressupõem algo, um pre-comprometimento no uso da lógica, da razão, da evidência, dos argumentos, etc., não há ninguém que seja pressuposicionalmente neutro quando se trata de questões factuais e da experiência. Consequentemente, o uso da razão, lógica, evidência, argumentos, etc. não é algo provado pela experiência ou pela razão. [44] É aquilo através do qual a pessoa procede para provar tudo o mais. O que encontramos em tal análise é que, em vez de provar fatos, inevitavelmente suscita-se a questão. Portanto, duas questões surgem imediatamente: (1) quais são as pré-condições necessárias para a inteligibilidade, ciência, lógica, experiência e moralidade que devem ser pressupostas para fundamentar e justificar o uso da razão, lógica, evidência, argumentos, etc., e (2) pode a razão humana, quando isolada apenas dentro da sua própria esfera da razão, determinar se seus processos são legítimos de tal forma que possamos conhecer qualquer coisa sem cair na circularidade viciosa do bootstrapping epistêmico?
Uma vez que o uso da razão, lógica, evidência, argumentos, etc. não é algo provado pela experiência ou dedução, mas sim aquilo através do qual procedemos para provar tudo o mais, a tarefa de descobrir as condições necessárias para a possibilidade do conhecimento situa-se no domínio dos argumentos transcendentais. Os argumentos transcendentais, inicialmente cunhados por Kant na dedução transcendental da sua Crítica da Razão Pura, são argumentos que tentam estabelecer as condições transcendentais para a possibilidade do conhecimento. Para Kant, esta é a tentativa da mente de estabelecer uma conclusão, não por meio da dedução, mas sim para chegar a uma conclusão de forma transcendental, [45] ou seja, o processo pelo qual se mostra que se a conclusão não é verdadeira, o conhecimento em si não seria possível.[46] Esta é uma característica essencial dos argumentos transcendentais. Em outras palavras, a forma de um argumento transcendental é a seguinte: X é uma condição necessária para a possibilidade de Y, de tal forma que Y não pode ser obtido sem X. Além disso, dado que X seria uma condição para Y, diz-se que a afirmação (Y [?] X) não é meramente uma verdade a posteriori necessária, estabelecida de acordo com as leis naturais que regem nosso mundo atual, mas que é uma verdade a priori necessária e metafísica. Em outras palavras, a verdade desta afirmação não é descoberta através da experiência das ciências empíricas (por exemplo, água = H20) [47], mas sim esta verdade se mantém metafisicamente tal que X é uma condição para Y em todos os mundos possíveis. Portanto, a afirmação feita por argumentos transcendentais, de que X é uma condição para Y, equivale a 'X é uma condição necessária para Y,' [48] e esta condição necessária possui força modal. Dentro dos argumentos transcendentais, não somente X é uma condição necessária para a razão ou o pensamento humano, como é uma condição necessária para a possibilidade da razão humana. Pois mesmo que não existisse pensamento ou razão humana, X ainda teria de existir, pois X é uma condição necessária para a possibilidade lógica do pensamento humano. Portanto, de acordo com a lógica modal S5, podemos atribuir operadores modais às nossas premissas ao representar formalmente nosso argumento transcendental (onde □ = necessariamente, e ◊ = possivelmente) no seguinte silogismo dedutivo válido:
Como James Anderson observa ao construir um argumento transcendental segundo a lógica modal S5 (como visto acima), quando a premissa transcendental (3) é expressa como uma afirmação sobre uma condição necessária para a possibilidade do pensamento humano, então o argumento transcendental conclui que X não é apenas transcendentalmente necessário, mas que ele é "necessário também no sentido mais amplo da lógica". [49] Isto fornece o tipo mais forte de argumento transcendental. Retornaremos a esta formulação lógica do argumento transcendental quando considerarmos o argumento transcendental para a existência de Deus.
O Argumento Transcendental para a Existência de Deus (ATD), que não deve ser confundido com um argumento do Deus-das-lacunas (uma falácia), simplesmente elimina todas as objeções e desculpas para não se acreditar em Deus. O ATD é um argumento pressuposicional e critica os pressupostos de outras cosmovisões. Uma vez que todas as pessoas pressupõem algo (por exemplo, um pre-comprometimento no uso da lógica, da razão, da evidência, da argumentação, etc.), não há ninguém que seja pressuposicionalmente neutro quando se trata de questões factuais e de experiência (como gostaria a Teologia Natural/fundacionismo clássico). Como dito anteriormente, o uso da razão, da lógica, da evidência, dos argumentos não é algo provado pela experiência. É aquilo através do qual procedemos para provar tudo o mais. No entanto, é preciso fundamentar e justificar que a razão, a lógica e os argumentos funcionam e são operações válidas para o que eles pensam que essas operações podem obter e estabelecer (trata-se de uma análise meta-lógica). O problema é que o homem, fechado dentro de sua própria esfera da razão, não pode apelar para aquilo que está em questão (isto é, razão, lógica e argumentos) para estabelecer que a razão, a lógica e os argumentos são válidos e funcionam. Isso seria cair na falácia do raciocínio circular (petição de princípio) e do bootstrapping epistêmico. Um Argumento Transcendental, portanto, tenta descobrir as pré-condições para a possibilidade da razão, da lógica e da argumentação. Ele faz isso tomando algum aspecto da racionalidade humana e investiga o que deve ser verdade (ou seja, a condição necessária) para que processos racionais válidos sejam possíveis. Mais uma vez, como já vimos, os argumentos transcendentais têm tipicamente a seguinte forma: Para que x seja verdade, y também deve ser verdade, pois y é a pré-condição (ou a condição necessária) de x. E dado que x é verdade, y é verdade.
O que o ATD demonstra é que existe apenas uma condição única que satisfará as condições para a possibilidade de conhecimento, racionalidade, lógica e argumentos. A pré-condição necessária (o que deve ser pressuposto) para se ter conhecimento, lógica e argumentos é a noção cristã Ortodoxa de Deus como Ele se revelou a nós (a revelação, portanto, é necessária, pois não conseguimos sair do pântano epistêmico da circularidade). Em outras palavras, o ATD argumenta a partir da impossibilidade do contrário. O contrário do cristianismo Ortodoxo (qualquer visão que negue a visão cristã Ortodoxa de Deus) mostra-se impossível. E se a negação do cristianismo Ortodoxo é falsa, então o cristianismo Ortodoxo prova-se verdadeiro. Ou seja, a estrutura do argumento é um silogismo disjuntivo. Ou A ou não-A; não-não-A; portanto A. Consequentemente, se o ATD estabelece que o cristianismo Ortodoxo é a pré-condição conceitual necessária para a racionalidade, a lógica e a argumentação, então, segue-se que devemos manter (pressupor) a cosmovisão cristã Ortodoxa como ela nos foi revelada para sermos racionais. Além disso, se alguém se recusa a aceitar a cosmovisão cristã Ortodoxa ou a existência de Deus, então ele não tem fundamento para a racionalidade e, sem tal fundamento, não tem base racional para formular uma objeção contra o ATD ou a conclusão do ATD, de que a noção Ortodoxa de Deus (que não é uma noção teísta genérica de Deus, mas um Deus pessoal único à Ortodoxia, a única condição que satisfaz as exigências colocadas) não existe. Portanto, o Deus do cristianismo Ortodoxo existe.
Mais uma vez, a obtenção das condições necessárias para a possibilidade do conhecimento não pode ser logicamente ou epistemicamente dependente de argumentos lógicos ou epistemológicos, uma vez que isso resultaria em suscitar a questão [assumir a conclusão] e equivaleria a um bootstrapping epistêmico. Nem a veracidade da afirmação de que tais e tais condições são necessárias para a possibilidade do conhecimento (se são as condições necessárias) dependeria de lógica, argumentos ou demonstrações silógicas. Pois o que está sendo buscado e identificado não está sendo feito por meio de uma análise lógica ou epistemológica, mas sim de uma análise meta-lógica ou meta-epistemológica. Estamos buscando os fundamentos epistêmicos próprios que tornariam possíveis a lógica, os argumentos, os silogismos e a razão. Portanto, as condições necessárias que justificariam o nosso conhecimento devem ser tanto metafisicamente quanto epistemicamente anteriores à epistemologia e aos argumentos. No entanto, uma vez obtidas tais condições, que fundamentariam e justificariam o uso da lógica e dos argumentos, isso não impede que se formule de forma recursiva/retroativa o argumento de forma silogística para ilustrar pedagogicamente o argumento transcendental feito, se você reconhecer que a verdade da conclusão do argumento não depende do argumento em si, mas sim do que é anterior ao argumento.
Portanto, um argumento transcendental para a existência de Deus pode ser formulado em dois silogismos para ilustrar que Deus é a condição necessária para a possibilidade da razão e da experiência. O primeiro é um silogismo do modus ponens:
Isto pode ser traduzido na forma de argumento modal construída anteriormente:
Uma vez que se pode questionar se a existência de Deus (Y) é de fato uma condição necessária para a possibilidade de conhecimento e experiência (X), em oposição a algo mais que satisfaria a condição necessária para a possibilidade de conhecimento, formamos o segundo argumento (silogismo disjuntivo):
Naturalmente, precisaremos ver porque Deus satisfaz a condição necessária para a possibilidade do conhecimento, e porque a variedade de outras pré-condições possíveis não satisfaria. Isto é voltar à nossa análise anterior. Pois o que a história da filosofia e da epistemologia nos ensina é que o homem isolado dentro de sua própria esfera da razão e comprometido com uma epistemologia autônoma, à parte a revelação teísta, não pode justificar a existência do conhecimento nem estabelecer se seus processos racionais são legítimos. [50] Tragicamente, o homem em sua pretensa autonomia e rebelião contra Deus é incapaz de conhecer "a natureza de si mesmo, a lógica, o mundo, os universais, ou como todos eles estão, ou poderiam estão, relacionados. Em suma, ele não pode alcançar uma teoria coerente do conhecimento. Consequentemente, nenhuma crença pode ser justificada, e nenhuma crença pode alcançar o nível de conhecimento". Como explica São Justino Popovich: "Há um abismo intransponível entre o homem e a verdade. O homem está em um lado desse abismo e não consegue encontrar nenhuma maneira de chegar ao outro, onde a Verdade transcendente se encontra". A razão, sem auxílio ou ajuda de alguma forma, é incapaz de determinar se seus processos são legítimos e se ela pode conhecer qualquer coisa. Portanto, a razão humana requer a ajuda do divino (ou seja, a assistência sobrenatural pela graça) através da fé, e é esta fé que permite ao participante receber o conhecimento como um dom de Deus. Esse conhecimento ultrapassa os limites da filosofia (razão humana) e fundamenta (e justifica) a existência do conhecimento alcançado por meio do intelecto humano. Como explica São Justino Popovich:
O poder da Verdade, do outro lado, responde à impotência do homem deste lado. A Verdade transcendente atravessa o abismo, chega no nosso lado e se revela - Ele mesmo - na pessoa de Cristo, o Deus-homem. Nele, a Verdade transcendente torna-se imanente no homem. O Deus-homem revela a verdade em e através de Si mesmo. Ele a revela, não através do pensamento ou da razão, mas pela vida que é Sua. Ele não apenas tem a verdade, Ele é Ele mesmo a Verdade. Nele, o Ser e a Verdade são um só. Portanto, Ele, em Sua pessoa, não apenas define a Verdade, mas mostra o caminho para ela: aquele que permanece Nele conhecerá a Verdade, e a Verdade o libertará (cf. João 8:32) do pecado, da falsidade e da morte. [53]
A solução para nossa situação difícil epistêmica, que a razão autônoma do homem não pode obter dentro de sua própria esfera de raciocínio, é uma verdade que é tanto pessoal quanto obtida através da vivência de uma vida de fé na humildade, permanecendo no único que está numa posição de conhecer a Verdade. Unindo-se a Cristo desta maneira, o homem pode alcançar o verdadeiro conhecimento. Pois, como na "pessoa do Deus-homem, Deus e o homem estão indissoluvelmente unidos" [54], o abismo entre o homem e a verdade torna-se superado. Através do theoanthropos nossos intelectos são "renovados, purificados e santificados... aprofundados e divinizados e tornados capazes de captar as verdades da vida à luz do Deus-feito-homem. No Deus-homem, a Verdade absoluta foi dada na sua totalidade de uma maneira real e pessoal." [55]
Portanto, a única condição que satisfará a possibilidade do conhecimento e a transpor o abismo entre o homem e a verdade é a idéia única de Deus coerentemente articulada na teologia da Igreja Ortodoxa que preservou a doutrina correta de Deus recebida na revelação divina [56] da Santíssima Trindade. Pois somente na doutrina Ortodoxa de Deus veremos que Deus (a condição necessária) é racional, onisciente, transcendente, não-contingente (necessário), intencional em Sua criação (em oposição à criação sendo acidental), um ser pessoal e comunal (tendo a perichoresis dentro de Sua Trindade), tendo energias divinas incriadas distintas da essência comum, que se encarna como o Deus-homem (o único que pode transpor a lacuna epistêmica), envia Seu Espírito Santo para iluminar e resolver a dificuldade epistêmica do homem, e revela estas verdades aos Seus Apóstolos e institui a Igreja una, santa, católica e apostólica [57] para preservar esta revelação inalterada e transmitida aos fiéis, não apenas para resolver nossa dificuldade epistêmica, mas para nos salvar da morte e do demônio. Essas condições só podem ser encontradas unicamente na Igreja Ortodoxa, que nos dá uma visão coerente de quem é Deus e como podemos conhecê-Lo. Além do mais, ao refletirmos, veremos que, sem isso, permaneceremos na mesma dificuldade epistêmica delineada anteriormente das diversas epistemologias autônomas e, consequentemente, não teremos qualquer justificativa para a existência do conhecimento. Portanto, devemos pressupor [58] o Deus que é "o Senhor e que se revelou a nós" [59] como o fundamento e a pré-condição necessária do conhecimento, a fim de possuir qualquer conhecimento. Ao pressupor Deus como condição necessária para a possibilidade do conhecimento o homem entrega sua "autonomia à revelação de Deus, não como uma conclusão que tenha cumprido as normas de seu critério epistemológico, mas como o fundamento e a pré-condição do próprio critério epistemológico. Sem uma revelação vinda de Deus, não podemos saber que todos os objetos do mundo estão racionalmente relacionados e que nossos atributos são apropriados para conhecer [o mundo]." [60] Isso nos leva a dirigir a nossa reflexão à apologética pressuposicional.
V. O que é a Apologética Presuposicional?
Embora o conceito, seu uso e aplicação na apologética cristã remonte aos Apóstolos e aos primeiros Padres da Igreja, a frase "apologética pressuposicional" foi popularizada pela primeiramente com a obra do teólogo reformado holandês Cornelius Van Til e seus alunos Greg Bahnsen e John Frame. Embora houvesse certos problemas com essas apologéticas pressuposicionais calvinistas devido à sua teologia reformada e concepção particular de Deus, sem dúvida há semelhanças com os métodos apologéticos dos Padres da Igreja, os quais eles certamente tomaram emprestados. Portanto, vale a pena dar uma olhada no que se entende por apologética pressuposicional e como ela difere das abordagens clássica ocidental e evidencialista. A apologética pressuposicional, antes de mais nada, rejeitou a idéia comum à maioria dos apologistas que assumiram que poderia haver uma posição epistêmica neutra e autônoma ao confrontar a descrença ou um ponto de partida neutro a partir do qual seu oponente poderia argumentar contra a existência de Deus - uma negação do fundacionalismo clássico. Em contraste com a teologia natural dos apologistas evidencialistas que concediam uma pretensa autonomia epistêmica aos seus oponentes, Van Til argumentou que como Deus é o ponto de partida epistemológico último, não pode haver argumentos para a fé cristã derivados de algo outro que não seja a própria fé e o que é recebido a partir da revelação divina. Como a revelação divina mostra que a autoridade de Deus é última, qualquer tentativa de argumentar a favor da fé cristã baseada em outra autoridade para além da de Deus é, como salienta Van Til, conceder que existe de fato uma autoridade superior ao próprio Deus. Isso, porém, necessitaria ser demonstrado; e uma vez que qualquer tentativa de argumentar a favor de uma autoridade superior a Deus seria autodestrutiva, o homem deve renunciar a um comprometimento com uma epistemologia autônoma e pressupor a verdade da fé cristã como o próprio fundamento da epistemologia. Portanto, contra Teologia Natural, Russell Manion resume:
Deus é provado, não como a conclusão de argumentos teísticos racionais ou empíricos, mas como o próprio fundamento do argumento em si. É com a rendição à visão de Deus sobre Si mesmo, sobre o mundo e sobre nós mesmos, que podemos articular uma teoria coerente do conhecimento. A revelação de Deus não é validada por alguma epistemologia autônoma. Ao contrário, nossa epistemologia é validada pela revelação de Deus e pela história contida nessa revelação. A revelação de Deus é auto-autenticante, porque, através dela, tudo mais é autenticado. [61]
VI. Conclusão: Apologética Presuposicional nos Padres da Igreja
Não apenas encontramos nos Padres um sistema epistêmico diferente dos princípios epistêmicos da Teologia Natural e do fundacionismo clássico, o modo de apologética também é significativamente diferente. Como mencionamos anteriormente, uma teoria Ortodoxa do conhecimento tem mais semelhanças em comum com as teorias coerentistas do que com as epistemologias fundacionistas. Consequentemente, os métodos apologéticos se assemelharão a "um método comum a todas as formas de metodologia apologética pressuposicional, ou seja, a da destruição de todo o sistema. Por exemplo, como Bahnsen observa em relação à metodologia de Van Til: 'sistemas inteiros estão em oposição'. [62]"[63] Aqui os sistemas têm a conotação de um paradigma, derivado do grego συστηµατικός, que significa "de ou como um todo organizado". Pe. Joshua Schooping explica que no "neste contexto, então, um 'sistema' pode ser entendido como aquilo onde os elementos coalescem, pelo menos na 'intenção', de tal forma que o que está no fim se alinha holisticamente com o que está no início e também com o que está no meio". [65] Por isso que Florovsky, a respeito da concepção dos Padres, afirma que a "verdade era, segundo Santo Irineu, um 'sistema bem fundamentado, um corpus (adv. haeres. II. 27. I - veritatis corpus), uma 'melodia harmoniosa' (II. 38. 3)". Portanto, os Padres - como Irineu - não só concebem as posições heréticas como sistemas/paradigmas (embora paradigmas incoerentes) in toto, possuindo falsos pontos de partida pressuposicionais (cânones da verdade [67]), eles consideram a fé Ortodoxa e a dogmática como um sistema coerente capaz de destruir outros sistemas em oposição a ele. Pois como Schooping salienta a respeito da concepção dos Padres sobre o sistema de fé, "não apenas oferece demonstração construtiva e prova dos fundamentos do sistema cristão [por exemplo, argumentos transcendentais], [68] mas também é ofensivo na medida em que procura, como um verdadeiro sistema, colocar o todo de um falso sistema diante de si para destruí-lo in toto, como um todo em oposição a outro todo". [69] Portanto, mais uma vez estamos diante do nosso argumento disjuntivo, que afirma, como aponta Bahnsen: "Ou se mantém todo o sistema do cristianismo ortodoxo... ou se nega todo o sistema." [70] Entretanto, ao negar o sistema da Fé Ortodoxa, a pessoa é levada a uma descrição incoerente tanto do mundo quanto do conhecimento e assim a sua posição se torna auto-contraditória. Pois ao explorar a questão: "Qual é o fundamento do intelecto e do conhecimento?", encontramos, como explica São Justino Popovich, que o homem, em sua pretensa autonomia epistêmica, "tenta explicar a si mesmo em termos de coisas, mas com um total fracasso, pois ao explicar a si mesmo em termos de coisas, o homem no final se reduz a uma coisa, a matéria... Ao tentar explicar o homem pelo homem, a filosofia alcança um resultado bizarro: apresenta uma imagem espelho de uma imagem espelho. Em última análise, tal filosofia, qualquer que seja seu caminho, centra-se na matéria e no homem. E de tudo isso decorre uma coisa: a impossibilidade de qualquer conhecimento verdadeiro do homem ou do mundo". [71] Por outro lado, tendo nossos primeiros princípios epistemológicos, que são pressupostos como as condições necessárias para o conhecimento, colocados dentro do que Santo Irineu chama de cânone da verdade encontrado em Cristo, [72] a Fé Ortodoxa não apenas obtém seguramente a única condição para a possibilidade do conhecimento, a Ortodoxia fornece uma descrição coerente de Deus, do homem e do mundo. Portanto, se o conhecimento é de alguma forma possível, então a epistemologia teonômica da Igreja Ortodoxa e a epistemologia autônoma são sistemas antitéticos, nos quais um deve ser verdadeiro e o outro falso. Como, tendo mostrado que os sistemas de epistemologia autônoma não são possíveis, [73] devemos concluir que a única pré-condição para o conhecimento é a existência de Deus e a veracidade de Sua revelação como transmitida "de uma vez por todas aos santos" [74] e preservada na Igreja Ortodoxa.
An Orthodox Theory of Knowledge: The Epistemological andApologetic Methods of the Church Fathers pelo Diácono Dr. Ananias Sorem
Notas
[1] Engelhardt, After God, 216
[2] O Padre da Igreja, Tertuliano, ao considerar o que Atenas tem a ver com Jerusalém, comenta os escritos de Paulo, afirmando: "Ele esteve em Atenas, e teve suas conversas (com os filósofos) familiarizando-se com aquela sabedoria humana que alega conhecer a verdade, mas que apenas a corrompe, e é ela mesma dividida em suas próprias múltiplas heresias, pela variedade de suas seitas mutuamente repugnantes. O que Atenas realmente tem a ver com Jerusalém? Que concórdia existe entre a Academia e a Igreja? O que há entre os hereges e os cristãos? Nossa instrução vem do "alpendre de Salomão" [Atos 3:5] que ele mesmo ensinou que "o Senhor deve ser buscado na simplicidade de coração" [Sb. 1:1]. Para longe com todas as tentativas de produzir um cristianismo maculado de tipo estoico, platônico e dialético! Não queremos nenhuma disputa curiosa depois de desfrutar do evangelho! Com a nossa fé, não desejamos mais crenças. Pois esta é a nossa fé louvável, e não há nada em que devamos crer além desta". (Tertuliano 1994, "Prescrição contra os hereges" VII, p. 246)
[3] "A teologia natural é um programa de investigação sobre a existência e os atributos de Deus, sem fazer referência ou apelar a qualquer revelação divina. Na teologia natural, pergunta-se o que significa a palavra "Deus", se e como os nomes podem ser aplicados a Deus, se Deus existe, se Deus conhece as futuras escolhas livres das criaturas, e assim por diante. O objetivo é responder a essas perguntas sem utilizar nenhuma afirmação extraída de qualquer texto sagrado ou revelação divina, ainda que alguém possa manter tais afirmações". (https://www.iep.utm.edu/theo-nat/#H2)
[4] Por exemplo, "Dentro da teologia cristã ocidental, Deus foi considerado cada vez mais como uma idéia filosófica, ao invés da Pessoa do Pai, que gera o Filho, e a partir de Quem somente procede o Espírito Santo. Deus como o mais pessoal de tudo foi obscurecido por uma teologia com uma robusta cobertura filosófica que tornou a abordagem teológica de Deus primariamente de erudição, não de esforço ascético de oração". (Engelhardt, After God, 35)
[5] Tomás de Aquino, Summa Theologica, pars. I, q.2, a.2.
[6] Deus é a causa do fato de conhecermos, mas o nosso conhecimento não depende que reconheçamos Deus como a causa do nosso conhecimento. Portanto, diz-se que na ordem real das coisas (ontológica) a causa é primeiro, mas na ordem temporal do nosso conhecer (epistemológico) os efeitos são conhecidos primeiro.
[7] Para saber mais sobre a distinção de Aristóteles em "O que é melhor conhecido por nós" vs. "O que é melhor conhecido em si mesmo/por natureza" veja Analíticos posteriores 71b32; Analíticos anteriores 68b35-7; Física Α.1, 184a16-20; Metafísica Ζ.3, 1029b3-12; Tópicos Ζ.4, 141b2-142a12.
[8] "A forma natural de fazer isso é partir das coisas que são mais conhecíveis e óbvias a nós e proceder para aquelas que são mais claras e mais conhecíveis por natureza; pois as mesmas coisas não são "conhecíveis relativamente a nós" e "conhecíveis" sem qualificações. Portanto, na presente investigação devemos seguir esse método e avançar do que é mais obscuro por natureza, mas mais claro para nós, para o que é mais claro e mais conhecível por natureza." (Aristóteles, Física 184a15-21)
[9] João Paulo, Fides et Ratio, Cap. 1, 8-9.
[10] Dimitrue Staniloae, The Experience of God, 1.
[11] Tomás de Aquino, Summa Theologica, pars. I, q. 2, a. 6
[12] "Dentro da teologia cristã ocidental, Deus foi considerado cada vez mais como uma idéia filosófica, ao invés da Pessoa do Pai, que gera o Filho, e a partir de Quem somente procede o Espírito Santo. Deus como o mais pessoal de tudo foi obscurecido por uma teologia com uma robusta cobertura filosófica que tornou a abordagem teológica de Deus primariamente de erudição, não de esforço ascético de oração". (Engelhardt, After God, 35)
[13] "Quando Deus estava conversando com Moisés, Ele não disse: "Eu sou a essência", mas "Eu sou Aquele que é". Assim, não é Aquele que é que deriva da essência, mas a essência que deriva Dele, pois é Ele que contém todo o ser em Si mesmo." (São Gregório Palamas, Tríades em Defesa dos Santos Hesicastas, III.ii.12)
[14] “ordo theologiae: Farrell enfatiza que o método patrístico (ou seja, Ortodoxo) de abordar as questões teológicas é, em parte, um fiel cumprimento da ordem correta na qual as próprias questões teológicas são colocadas. Os Padres Ortodoxos da Igreja começam com as pessoas Pai, Filho e Espírito Santo; através de sua experiência de Deus o Padre iluminado entende que ele não se fundiu com a essência divina, porque sabe que está em comunhão com um Deus amoroso; Ele não se tornou Deus". (James Kelley, "Joseph P. Farrell: An Overview of the Theological works).”
[15] John Zizioulas, Being as Communion, 27.
[16] O Padre da Igreja, Tertuliano, ao considerar o que Atenas tem a ver com Jerusalém, comenta os escritos de Paulo, afirmando: "Ele esteve em Atenas, e teve suas conversas (com os filósofos) familiarizando-se com aquela sabedoria humana que alega conhecer a verdade, mas que apenas a corrompe, e é ela mesma dividida em suas próprias múltiplas heresias, pela variedade de suas seitas mutuamente repugnantes. O que Atenas realmente tem a ver com Jerusalém? Que concórdia existe entre a Academia e a Igreja? O que há entre os hereges e os cristãos? Nossa instrução vem do "alpendre de Salomão" [Atos 3:5] que ele mesmo ensinou que "o Senhor deve ser buscado na simplicidade de coração" [Sb. 1:1]. Para longe com todas as tentativas de produzir um cristianismo maculado de tipo estoico, platônico e dialético! Não queremos nenhuma disputa curiosa depois de desfrutar do evangelho! Com a nossa fé, não desejamos mais crenças. Pois esta é a nossa fé louvável, e não há nada em que devamos crer além desta". (Tertuliano 1994, "Prescrição contra os hereges" VII, p. 246)
[17] John Zizioulas, Being as Communion, 40.
[18] Vladimir Lossky, Orthodox Theology, 21.
[19] Em jogo está um choque de mundos morais e metafísicos. O cristianismo tradicional está ancorado em uma experiência noética do Deus transcendente a Quem todos devem se conformar em termos contrários à moral e aos sentimentos de secularidade e modernidade. O cristianismo pós-tradicional, em contraste, tem raízes profundas no empreendimento escolástico cristão ocidental, que desde a Idade Média tem procurado relocar o divino dentro dos limites da razão e de uma lei natural que pode ser entendida em termos seculares... Essa compreensão racionalista e liberal da religião busca uma unidade na razão com o divino entendido como um princípio geral ou idéia que orienta as aspirações humanas". (Englehardt, The Foundations of Christian Bioethics, 149)
[20] Claro, há o exemplo da encarnação, mas explicar como a encarnação acontece quando se está comprometido com uma doutrina da simplicidade divina absoluta se torna filosófica e teologicamente problemático.
[21] Alguns "acham que todas as verdades são demonstráveis... supondo que não há outra forma de saber senão pela demonstração, acham que isso equivale a um regresso infinito, argumentando que se por detrás do anterior não há um primário, não poderíamos conhecer o posterior através do anterior (nisto eles têm razão, pois não se pode atravessar uma série infinita)... A nossa doutrina é a de que nem todo o conhecimento é demonstrativo, mas que o conhecimento das proposições imediatas é, pelo contrário, independente da demonstração. (Que tal seja uma necessidade, eis o que é evidente. Se for necessário conhecer as premissas anteriores, das quais a demonstração deriva, e se a regressão deve terminar no momento em que atingimos as verdades imediatas, estas verdades serão necessariamente indemonstráveis)." (Aristóteles, Analíticos Posteriores 72b5-23)
[23] "Uma crença particular é básica apenas no caso em que é epistemicamente justificada e deve sua justificação a algo diferente das outras crenças justificadas ou suas inter-relações; uma crença é não-básica apenas no caso em que é epistemicamente justificada, mas não básica. Os fundacionistas concordam que se alguém tem uma crença não-básica, então - no fundo - ela deve sua justificação a pelo menos uma crença básica. Existem crenças justificadas porque - e somente porque - existem crenças básicas. Tal é o gênero Fundacionismo. Uma espécie é o Fundacionismo Experiencial, a concepção de que uma crença básica pode dever sua justificativa à experiência." Daniel Howard-Snyder, “On an ‘Unintelligible’ Idea: Donald Davidson’s Case Against Experiential Foundationalism.” The Southern Journal of Philosophy (2002), 523.
[24] Sellars, SRLG, 40.
[25] Sellars, “Empiricism and the Philosophy of Mind,” I.3.
[26] Donald Davidson, “A Coherence Theory of Truth and Knowledge,” 428.
[27] Davidson também concorda que "uma explicação causal de uma crença não mostra como ou porque a crença é justificada". (Ibid.)
[28] De acordo com o coerenteismo acerca da justificação epistêmica, as crenças são justificadas "holisticamente" ao invés de uma forma linear e fragmentada. Cada crença é justificada em virtude de sua coerência com o resto do que se acredita, ou seja, em virtude de pertencer a um conjunto coerente ou rede de crenças. O coerentista evita o aparecimento de uma circularidade viciosa, insistindo que não se precisa primeiro ter justificativa para acreditar nas outras proposições em seu sistema de crenças". (https://plato.stanford.edu/entries/justep-foundational/)
[30] Veja Quine e Ullian 1970, cf. Neurath 1983/1932 and Sosa 1980.
[31] Quine, “Two Dogmas of Empiricism,” 42. 31
[32] Ibid., 44.
[33] Ibid., 40.
[34] Ibid., 41.
[35] O próprio Kant trata dessa mesma idéia quando afirma: "pensamentos sem conteúdo são vazios, e intuições sem conceitos são cegas. É, portanto, tão necessário tornar nossos conceitos sensíveis, ou seja, acrescentar-lhes o objeto a eles na intuição, quanto tornar nossas intuições inteligíveis, ou seja, submetê-las a conceitos". (Kant, The Critique of Pure Reason, [A51/B76])
[36] A idéia de um "dado" epistêmico muitas vezes depende da teoria dos dados sensoriais, que é explicada na famosa citação de H.H. Price: "Quando vejo um tomate há muito que posso duvidar... Uma coisa, porém, não posso duvidar: que existe uma mancha vermelha de forma redonda e mais ou menos volumosa, destacando-se de um fundo de outras cores, e tendo uma certa profundidade visual, e que todo esse campo de cor é apresentado à minha consciência..." (Price 1932: 3)
[38] Stroud, "Naturalized Epistemology", 222.
[38] Como diz Donald Davidson: "o que distingue uma teoria de coerência é simplesmente a afirmação de que nada pode valer como razão para uma crença, exceto outra crença." (Davidson, "A Coherence Theory of Knowledge and Truth", em Truth and Interpretation)
[39] O argumento de Wilfrid Sellars de que o dado é um mito, do "Empirismo e a Filosofia da Mente".
1. Um estado cognitivo é epistemicamente independente se possuir o seu status epistêmico independentemente de ser inferido ou inferível a partir de algum outro estado cognitivo. [Definição de independência epistêmica].
2. Um estado cognitivo é epistemicamente eficaz - é capaz de suportar epistemicamente outros estados cognitivos - se o status epistêmico desses outros estados puder ser validamente inferido (formal ou materialmente) a partir do seu status epistêmico. [Definição de eficácia epistêmica].
3. A doutrina do dado é que qualquer conhecimento empírico que p exige algum (ou é ele próprio) básico, ou seja, um conhecimento epistemicamente independente (que g, h, i, ...) que é epistemicamente eficaz em relação a p. [Definição de doutrina do dado].
4. As relações inferenciais são sempre entre itens com forma proposicional.
[Pela natureza da inferência].
5. Por conseguinte, os elementos não proposicionais (como os dados do sentidos) são epistemicamente ineficazes e não podem servir como aquilo que é dado.
[A partir de 2 e 4].
6. Nenhum estado mental adquirido inferencialmente, estruturado de forma proposicional, é epistemicamente independente.
[A partir de 1].
7. O exame de múltiplos candidatos a estados cognitivos não-inferencialmente adquiridos, estruturados de forma proposicional, indica que o status epistémico dos mesmos pressupõe a posse pelo sujeito conhecedor de outros conhecimentos empíricos, tanto de particulares como de verdades empíricas gerais.
[Da análise de Sellars das afirmações sobre dados dos sentidos e aparências nas Partes 1-IV da EPM e sua análise da autoridade epistémica na Parte VIII].
8. A pressuposição é uma relação epistémica e, portanto, inferencial.
[Assumido (veja PRE)].
9. O conhecimento empírico não-inferencialmente adquirido que pressupõe a posse pelo sujeito conhecedor de outro conhecimento empírico não é epistemicamente independente.
[A partir de 1, 7, e 8].
10. Qualquer cognição empírica, proposicional, é adquirida inferencialmente ou não-inferencialmente.
[Meio excluído].
11. Por conseguinte, as cognições estruturadas de forma proposicional, adquiridas inferencialmente ou não-inferencialmente, nunca são epistemicamente independentes e não podem servir como o dado.
[6, 9, 10, dilema construtivo].
12. Toda cognição ou está estruturada de forma proposicional ou não.
[Meio excluído]
13. Portanto, é razoável acreditar que nenhum item de conhecimento empírico pode servir para a função de um dado.
[5,11, 12, dilema construtivo].
https://plato.stanford.edu/entries/sellars/
[41] James O’Shea, Wilfrid Sellars: Naturalism with a Normative Turn, 111.
[42] “Coherentism” em The Cambridge Dictionary of Philosophy, 134.
[43] "Pode-se ser tentado aqui a responder que, porque nenhum contra-exemplo pode ser imaginado, a universalidade da lógica é inegável. Mas, será que o simples fato de estarmos psicologicamente inclinados de tal maneira que não podemos pensar no mundo em outras categorias além das categorias lógicas, nos justifica concluir que o mundo está vinculado por essas categorias? Por que devemos pensar que nossas limitações psicológicas são descritivas de todo o universo? A incapacidade psicológica de modificar a maneira como pensamos sobre a universalidade da lógica não prova que ela seja, de fato, universal. Significa apenas que não podemos modificar a maneira como pensamos sobre ela". (Russell M. Manion, "The Contingency of Knowledge and Revelatory Theism").
[44] Como observa Clemente de Alexandria: "Se alguém disser que o conhecimento científico é provável com a ajuda da razão, ele precisa perceber que os primeiros princípios não podem ser provados.... Somente pela fé é possível chegar ao primeiro princípio do universo". (Clemente de Alexandria, Stromateis, Livro II, Cap. 4, 13.4-14.1)
[45] Um argumento transcendental é, segundo Kant, "aquele que prova uma conclusão ao mostrar que, a menos que ele seja verdadeiro, a própria experiência seria impossível". (Simon Blackburn, The Oxford Dictionary of Philosophy, 380)
[46] Karl Popper, seguindo Kant, afirma que um argumento transcendental é "um argumento que apela ao fato de que possuímos conhecimento ou que podemos aprender a partir da experiência, e que conclui deste fato que o conhecimento ou a aprendizagem a partir da experiência deve ser possível, e ainda, que toda teoria que implica a impossibilidade de conhecer, ou de aprender a partir da experiência, deve ser falsa, pode ser chamado de 'argumento transcendental'". (“The Logic of Scientific Discovery” p.368 nota)
[47] Veja Kripke, Naming and Necessity (1972) sobre necessidade a posteriori vs. necessidade lógica ou metafísica.
[48] A primeira característica, e talvez a mais definitiva, é que esses argumentos envolvem uma afirmação de uma forma distintiva: a saber, que uma coisa (X) é uma condição necessária para a possibilidade de algo outro (Y), de modo que (diz-se) este último não pode ser obtido sem o primeiro. Ao sugerir que X é uma condição para Y desta forma, esta afirmação é presumida ser metafísica e a priori, e não meramente natural e a posteriori: isto é, se Y não pode ser obtido sem X, isto não é apenas porque certas leis naturais que regem o mundo atual e que podem ser descobertas pelas ciências empíricas tornam isso impossível (da forma que, por exemplo, a vida não pode existir sem oxigênio), mas porque certas restrições metafísicas que podem ser estabelecidas pela reflexão fazem de X uma condição para Y em todos os mundos possíveis (por exemplo, a existência é uma condição para o pensamento, pois ela é metafisicamente necessária para fazer ou ser qualquer coisa).” (Stern, Toward a Transcendental Argument, 3)
[49] James Anderson, “No Dilemma for the Proponent of the Transcendental Argument: A Response to David Reiter,” Philosophia Christi, 11.
[50] "Você pode reconhecer isto como um simples silogismo disjuntivo. Uma vez que o conhecimento é de todo possível, a Epistemologia Teonômica e a Epistemologia Autônoma são sistemas antitéticos. Um deve ser verdadeiro e outro deve ser falso. Se um é falso, então o outro é verdadeiro. Já vimos que, por princípio, a Epistemologia Autônoma não é possível. Partindo desta premissa, todos os fatos e toda a experiência são ininteligíveis. Portanto, devemos concluir que a pré-condição para o conhecimento, para a ciência e para a filosofia é a existência de Deus e a veracidade de sua revelação." (Russell M.Manion, “The Contingency of Knowledge and Revelatory Theism.”)
[51] Ibid.
[52] São Justino Popovich, “The Theory of Knowledge of St. Isaac the Syrian,” 68.
[53] Ibid.
[54] Ibid.
[55] Ibid.
[56] "Deus é o Senhor e Se revelou a nós; bendito aquele que vem em nome do Senhor." (Salmo 117: 27, 26)
[57] Para Irineu a Igreja é o repositório da verdade: 'Como temos, portanto, tais provas, não é necessário buscar a verdade entre outros, que é fácil de obter da Igreja'. (AH, III.IV.1). Isto também aponta a um princípio metodológico para a apologética especialmente fundamentada na Igreja".
(Pe. Joshua Shooping, Irenaeus and Orthodox Apologetic Methodology: A Neopatristic Presuppositionalism, nota, 76)
[58] "Argumentamos, portanto, através da "pressuposição". O cristão, como fez Tertuliano, deve contestar os próprios princípios da posição do seu oponente. A única "prova" da posição cristã é que, a menos que sua verdade seja pressuposta, não há possibilidade de "provar" o que quer que seja. O atual estado de coisas como pregado pelo cristianismo é o fundamento necessário da própria "prova"." (Cornelius Van Til, “My Credo” in Jerusalem and Athens: Critical Discussions on the Philosophy and Apologetics of Cornelius Van Til)
[59] Salmo 117:27.
[60] Russell M. Manion, The Contingency of Knowledge and Revelatory Theism (1999).
[61] Ibid.
[62] Van Til’s Apologetic, 268.
[63] Pe. Joshua Shooping, Irenaeus and Orthodox Apologetic Methodology: A Neopatristic Presuppositionalism, 69.
[64] Henry George Liddell and Robert Scott, A Greek-English Lexicon.
[65] Pe. Joshua Shooping, Irenaeus and Orthodox Apologetic Methodology: A Neopatristic Presuppositionalism, 71.
[66] Georges Florovsky, Bible, Church, Tradition: An Eastern Orthodox View, 79.
[67] Irineu provavelmente se referiria ao cânone da verdade, pois é este cânone que integra as peças no mosaico apropriado. (Pe. Joshua Shooping, Irenaeus and Orthodox Apologetic Methodology: A Neopatristic Presuppositionalism, 71).
[68] Itálico meu.
[69] Ibid., 69.
[70] Greg Bahnsen, Van Til, 263.
[71] São Justino Popovich, “The Theory of Knowledge of Saint Isaac the Syrian,’ Man and the God-Man, 68.
[72] "Como consideração epistemológica, no entanto, Cristo parece funcionar como um primeiro princípio epistemológico. Assim parece que o Pai funciona como primeiro princípio metafísico ou ontológico de Irineu, aquele sobre o qual seu sistema metafísico está estabelecido, enquanto que Cristo como primeiro princípio epistemológico revela o que é ontologicamente (embora não cronologicamente) anterior." (Joshua Schooping, Irenaeus and Orthodox Apologetic Methodology: A Neopatristic Presuppositionalism, 75).
[73] Ao colocar nossa fé em uma epistemologia autônoma (em coisas fora de Deus ou dentro da esfera isolada da razão apenas), nós nos separamos de nosso entendimento. Pois, como explica São Justino Popovich, ao fazer isso, nos consideramos a nós mesmos e a nossa própria mente "como a principal fonte da verdade e a medida máxima de tudo o que é, atribuindo-lhe todo o valor, tornando-a absoluta e idolatrando-a, ao mesmo tempo em que menosprezamos os outros poderes psíquicos e físicos do homem," (São Justino Popovich, “The Theory of Knowledge of Saint Isaac the Syrian,’ Man and the God-Man, 67) o que "arrasta o entendimento, e o homem junto com ele, para o nível dos sentidos", e invalida qualquer possibilidade de conhecimento.
[72] "Como consideração epistemológica, no entanto, Cristo parece funcionar como um primeiro princípio epistemológico. Assim parece que o Pai funciona como primeiro princípio metafísico ou ontológico de Irineu, aquele sobre o qual seu sistema metafísico está estabelecido, enquanto que Cristo como primeiro princípio epistemológico revela o que é ontologicamente (embora não cronologicamente) anterior." (Joshua Schooping, Irenaeus and Orthodox Apologetic Methodology: A Neopatristic Presuppositionalism, 75).
[73] Ao colocar nossa fé em uma epistemologia autônoma (em coisas fora de Deus ou dentro da esfera isolada da razão apenas), nós nos separamos de nosso entendimento. Pois, como explica São Justino Popovich, ao fazer isso, nos consideramos a nós mesmos e a nossa própria mente "como a principal fonte da verdade e a medida máxima de tudo o que é, atribuindo-lhe todo o valor, tornando-a absoluta e idolatrando-a, ao mesmo tempo em que menosprezamos os outros poderes psíquicos e físicos do homem," (São Justino Popovich, “The Theory of Knowledge of Saint Isaac the Syrian,’ Man and the God-Man, 67) o que "arrasta o entendimento, e o homem junto com ele, para o nível dos sentidos", e invalida qualquer possibilidade de conhecimento.
[74] Judas 1:3.
Textos edificantes
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