Calcedonianos e monofisitas: compartilhamos as mesmas crenças? (autor anônimo)
Atualmente, tem-se afirmado que a Igreja Ortodoxa calcedoniana e os não-calcedonianos (monofisitas) realmente creem nas mesmas coisas com relação à Encarnação de Cristo e que expressamos nossa crença comum em palavras diferentes. Para entender claramente se isso é de fato verdade, devemos estar cientes dos significados de quatro termos centrais usados nos séculos IV e V, na época da controvérsia trinitária (século IV) e da controvérsia cristológica (século V). Esses quatro termos são prosopon, hypostasis, physis e ousia.
Quatro termos centrais
Prosopon (plural: prosopa) tinha o significado básico de face ou semblante. Assim, também era usado para significar um personagem (em uma peça), máscara, aparência ou expressão externa, papel, um eu ou pessoa individual, um indivíduo em particular ou uma pessoa no sentido legal.
Hypostasis (plural: hypostaseis) vem do verbo grego uphistemi, que é um composto de upo (debaixo) e istemi (sustento); assim, o significado básico de uphistemi é o que sustenta / está por baixo como um suporte ou fundamento. Etimologicamente, hypostasis é o equivalente ao latim substantio (substância). No meu dicionário de grego patrístico, as definições de hipóstase gastam 7 páginas, mas, em geral, podemos dizer que a gama de significados incluía a substância, o material (do qual é feito algo); a fundação (de um edifício ou de uma linha de raciocínio); a existência substantiva de um ser, ou também aquele que possui essa existência substantiva (aproximando-se do significado de pessoa); podia ser usado como equivalente à ousia (essência), ou podia se referir a uma instanciação concreta de uma essência abstrata, isto é, a natureza realizada em um indivíduo em particular. Como você notará, neste artigo eu uso a palavra grega hypostasis em vez da palavra "pessoa"; é somente depois de Calcedônia que "pessoa" se torna uma tradução confiável para hypostasis.
Physis (plural: physeis) podia se referir à natureza como manifestada no mundo físico; teologicamente, significava "natureza" com o significado de uma essência com os atributos próprios a ela; portanto, se referia a uma realidade concreta, seja um tipo específico ou espécie de ser (como a raça dos homens) ou, mais especificamente, a um ser em particular com seus atributos - como poderíamos, em inglês, por um lado, falar de "a natureza dos homens" ou "a natureza de Deus" e, por outro lado, dizer: "Ele é de natureza tímida, enquanto ela é de natureza extrovertida". É útil ter em mente que, antes de Calcedônia, muitas pessoas sentiam que "para ser algo mais do que uma abstração mental, a physis deve ser realizada em uma entidade independente e concreta, uma hypostasis" (Lampe, A Patristic Greek Lexicon, p. 1500). Assim, para muitas pessoas, falar de duas physeis implicava necessariamente a existência de duas hypostaseis.
Ousia (plural: ousiai) é um particípio do verbo "ser"; podia ser traduzido como "substância" (como em homoousios - consubstancial), mas ainda em uma ampla gama de significados: propriedade, bens ou substância de alguém; a substância material da qual uma coisa é feita; ser imutável e estável, realidade última; uma coisa real em oposição a um nome ou símbolo da coisa; a verdadeira natureza de uma coisa ou a posse de tal natureza; o primário verdadeiro que subjaz todas as mudanças e processos na natureza.
Como vimos, cada um desses termos podia ser usado de várias maneiras (pense em todas as maneiras pelas quais usamos a palavra "natureza" em inglês). Isso poderia, e causou, dificuldades quando a Igreja tentou expressar em linguagem humana a plenitude da verdade que lhe fora dada no dia de Pentecostes. Por exemplo, a palavra prosopon tinha um significado bastante fraco para a ideia de "pessoa" - dizer que o Deus Único tinha três prosopa poderia ser interpretado de maneira Ortodoxa, mas também poderia ser interpretado de maneira sabeliana ou modalista: um Deus com três faces, um Deus que desempenhou os três "papéis" de Pai, Filho e Espírito Santo. Da mesma forma, dizer que Jesus Cristo tinha um prosopon podia ser interpretado de uma maneira Ortodoxa, mas foi também a maneira como os nestorianos expressaram sua ideia herética de que em Jesus Cristo o Verbo de Deus estava unido a um homem específico em uma espécie de união moral.
Outro problema surgiu no uso dos três termos hypostasis, physis e ousia. Embora physis e hypostasis geralmente fossem usadas para se referir a uma realidade concreta, enquanto ousia geralmente possuía um sentido mais geral e abstrato, ainda assim, as três poderiam ser usadas de forma intercambiável em muitos casos. Assim, no Primeiro Concílio de Niceia, hypostasis e ousia foram usadas mais ou menos como sinônimos. Na linguagem teológica disponível para a Igreja nos séculos IV e V, simplesmente não havia termos claros e óbvios para expressar as idéias teológicas de "pessoa" e "natureza".
No curso das controvérsias trinitárias do século IV, ficou claro que a Igreja precisava de uma linguagem mais precisa para expressar a unidade e a distinção dentro da Trindade, e os três Padres Capadócios resolveram brilhantemente esse problema, limitando e esclarecendo o significado desses termos, expressando a unidade de Deus falando de uma ousia e as distinções entre Pai, Filho e Espírito Santo, falando de três hypostasis. No entanto, não ficou claro imediatamente como os termos usados pelos Capadócios na teologia trinitária poderiam ou deveriam ser aplicados na cristologia - por exemplo, falar da ousia divina unida à ousia humana em Cristo poderia soar como se toda a Trindade tivesse se encarnado. Uma maneira clara e Ortodoxa de aplicar esses termos à Encarnação ainda precisava ser elaborada. E assim entramos nas controvérsias cristológicas do século V.
As controvérsias cristológicas do século V
Na época dessas controvérsias, havia duas principais escolas teológicas de pensamento dentro da seção oriental do império romano: as escolas "Antioquina" e "Alexandrina". Havia várias diferenças entre elas, como seus métodos de interpretação das Escrituras. Para nossos propósitos, é mais importante considerar seus diferentes entendimentos de como nossa salvação foi realizada.
A escola Antioquina foi caracterizada por uma insistência na humanidade plena de Cristo. Contra Apolinário, que disse que o Verbo de Deus havia assumido apenas carne humana, os teólogos antioquinos estavam preocupados em preservar toda a natureza humana, incluindo a livre vontade, do Cristo Encarnado. Para eles, foi a união e cooperação do humano com o divino em Cristo que trouxe a nossa salvação - se Cristo não fosse plenamente humano, não seríamos salvos. A deficiência deles estava em um entendimento fraco ou mal expresso da união entre as naturezas humana e divina; levado ao seu extremo lógico (e a maioria ou todas as heresias são uma tentativa de fazer a Revelação Cristã se encaixar na lógica humana de uma maneira ou de outra), isso levou à heresia de Nestório.
A escola Alexandrina, por outro lado, era caracterizada por uma profunda oposição à heresia de Ário, que sustentara que o Logos não era Deus, mas um ser criado, embora superior aos humanos. Assim, os alexandrinos insistiram especialmente na divindade de Cristo - se o Filho de Deus não tivesse unido nossa humanidade a Si mesmo tão completamente que a tornasse completamente Sua, não teríamos sido salvos. A fraqueza dessa escola de pensamento era uma tendência a reduzir a humanidade de Cristo a um elemento puramente passivo que parece perder sua humanidade distintiva e ser absorvida pela divindade; o extremo lógico disso é o monofisismo.
São Cirilo de Alexandria, embora de totalmente Ortodoxo, estava dentro da tradição teológica alexandrina. Por isso, e também por sua intensa oposição à heresia de Nestório, ele estava especialmente preocupado em afirmar a unidade do Verbo Encarnado. Para fazer isso, ele pegou a frase "uma natureza (physis) do Verbo de Deus Encarnado" a partir de um escrito que estava sendo divulgado sob o nome de Santo Atanásio, o Grande. Por acaso, no século VI, esse escrito foi descoberto ser uma fraude - a obra havia sido na verdade escrita por Apolinário. Para os antioquinos, a frase usada por São Cirilo soava apolinariana e, de certa forma, eles estavam certos; ao mesmo tempo, São Cirilo (que acreditava que essa frase possuía a autoridade de Santo Atanásio) a interpretava de maneira Ortodoxa. A falta de São Cirilo foi simplesmente uma certa imprecisão em sua maneira de expressar a união de Deus e do homem na Encarnação - ou melhor, em sua preocupação em enfatizar a unidade do divino e humano em Cristo, ele não conseguiu encontrar uma maneira clara de expressar a realidade da humanidade completa de Cristo. Sua teologia era Ortodoxa, mas sua linguagem era um tanto ambígua. Ele entendeu que a visão Ortodoxa da Encarnação poderia ser expressa em outros termos; em suas cartas, ele indicou que também aceitava falar de Cristo como tendo duas naturezas, desde que isso fosse interpretado de maneira Ortodoxa. Sua preferência, no entanto, permaneceu com a fórmula "uma natureza", porque ele sentiu que era uma melhor proteção contra o nestorianismo.
Devemos ter em mente que, naquele tempo, a palavra "natureza" (physis) ainda tinha uma gama bastante ampla de significados. Todos, alexandrinos e antioquinos, comumente usavam a physis e hypostasis como equivalentes. Os antioquinos tendiam a falar de duas physis e duas hypostaseis, a fim de mostrar claramente a humanidade plenamente funcional de Cristo, mas dessa maneira eles só tinham a fraca palavra prosopon para indicar a unidade do divino e humano. Os alexandrinos geralmente falavam de uma physis e uma hypostasis; São Cirilo usou as frases "uma natureza (physis) do Verbo de Deus Encarnado" e "uma hypostasis do Verbo de Deus Encarnado" de forma intercambiável. Falando em uma physis e uma hypostasis, os teólogos alexandrinos mostraram claramente a união completa do divino e do humano em Cristo, mas não encontraram uma maneira satisfatória de indicar a humanidade plena de Cristo. Restou ao Concílio de Calcedônia combinar as ideias de ambas as escolas, separando os dois termos e usando hypostasis para se referir à única Pessoa de Cristo e physis para se referir à plena divindade e à plena humanidade que estavam unidas Nele.
Como vimos, as escolas de pensamento antioquina e alexandrina enfatizavam um aspecto da Encarnação que era absolutamente vital para nossa salvação: os antioquinos enfatizavam a importância de uma humanidade completa e plenamente funcional em Cristo, cooperando livre e perfeitamente com o divino. Os alexandrinos insistiam na necessidade de uma união entre o humano e o divino que fosse tão íntima, tão abrangente, que o Verbo de Deus verdadeiramente tornou-a Sua própria humanidade que Ele havia assumido. Os Padres do Concílio de Calcedônia, evitando os extremos heréticos de cada posição, combinaram o melhor de ambas as escolas na definição calcedoniana:
Seguindo, então, os Santos Padres, todos nós, com uma só voz, ensinamos que deve ser confessado que nosso Senhor Jesus Cristo é um só e o mesmo Filho, o Mesmo perfeito em Divindade, o Mesmo perfeito em Humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, o Mesmo [consistindo] de uma alma racional e um corpo; homoousios (consubstancial) com o Pai quanto à Sua Divindade, e o Mesmo homoousios (consubstancial) conosco quanto à Sua humanidade; em todas as coisas semelhante a nós, exceto no pecado; gerado do Pai antes das eras quanto à Sua Divindade, e nos últimos dias, o Mesmo, para nós e para a nossa salvação, [nascido] de Maria, a Virgem Theotokos, quanto à Sua humanidade;
Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Unigênito que devemos reconhecer em duas naturezas, [que existem] sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só prosopon e uma só hypostasis - não dividido ou separado em duas prosopa, mas um só e o Mesmo Filho e Unigênito, o Logos divino, o Senhor Jesus Cristo; assim como os profetas da antiguidade [falaram] a respeito Dele, e como o próprio Senhor Jesus Cristo nos ensinou, e como o Símbolo dos Padres (o credo de Niceia) nos transmitiu.
A "conquista" de Calcedônia foi possível pelo menos parcialmente pela contribuição de São Leão, o Grande, Papa de Roma, que, em seu Tomo, descreveu uma imagem equilibrada e harmoniosa do Cristo Encarnado como existindo em duas naturezas (substantiae no original em latim), unidas em uma pessoa (persona em latim). Os bispos reunidos em Calcedônia compararam cuidadosamente o Tomo de São Leão com os escritos de São Cirilo e declararam que a teologia de São Leão era plenamente Ortodoxa. Dióscoro, no entanto, recusou-se a aceitar a frase "união de duas naturezas" ou "... em duas naturezas". Ele insistiu na frase "união [oriunda] de duas naturezas" ou "...a partir de duas naturezas" (ek duo physeon). Essa formulação foi amplamente utilizada nas décadas anteriores a Calcedônia, mas tinha a desvantagem de poder ser interpretada de maneira monofisita, como foi por Eutiques, que declarou que aceitava duas naturezas antes da união, mas apenas uma natureza depois da união - isto é, quando as duas naturezas da Divindade e da humanidade se uniram na Encarnação de Cristo, elas se uniram e se tornaram uma natureza composta, divina-humana. Dióscoro, ao sustentar que a Encarnação era uma união a partir de duas naturezas, não uma união de duas naturezas, negou que as duas naturezas continuassem a existir, cada uma preservando suas próprias características, no Senhor Encarnado. A sua posição foi decisivamente rejeitada pelo Concílio.
Após Calcedônia
Calcedônia permaneceu fiel ao pensamento de São Cirilo de Alexandria, mas para expressar esse pensamento com clareza, o Concílio teve que abandonar suas palavras ("uma natureza do Verbo de Deus Encarnado"). Grandes grupos, no entanto, recusaram essa modificação e insistiram em manter a redação de São Cirilo; estes eram os monofisitas (de "mono" [uma] e "physis"). Devido à insistência nas palavras exatas de São Cirilo, alguns historiadores os chamam de "cirilianos fundamentalistas".
Como as regiões onde estavam a maioria dos monofisitas situavam-se às margem do Império (Egito, Palestina e Síria) e porque o imperador tentou impor a aceitação de Calcedônia pela força bruta, alguns historiadores explicam a divisão entre os calcedonianos e os não-calcedonianos como resultado de tensões políticas e culturais. Isso é simplista demais, como percebemos quando observamos que os cristãos na Síria estavam divididos entre nestorianos, calcedonianos e monofisitas.
Pode parecer mais plausível, pelo menos na superfície, dizer que a diferença entre calcedonianos e monofisitas é apenas uma questão de linguagem - tendo em mente também que alguns dos monofisitas eram falantes de siríaco, o que levou ao problema de encontrar traduções adequadas de termos teológicos sutis. Não é possível, dizem alguns, que os calcedonianos estão usando a palavra physis de uma maneira, e os não-calcedonianos de outra maneira - e que estejam simplesmente usando uma linguagem diferente para expressar o mistério incompreensível da união entre humano e divino no Cristo Encarnado? Se este for o caso, todos nós acreditamos na mesma coisa, mas estamos simplesmente expressando de maneiras diferentes. Essa é a linha de raciocínio seguida pelos diálogos calcedonianos / não-calcedonianos dos últimos anos. Parece convincente, mas é falso, como podemos ver quando analisamos mais adiante a controvérsia monotelita, a teologia de São Máximo, o Confessor, e o 6º Concílio Ecumênico, como faremos na seção final deste artigo.
Tentativas de Reunião
Entre os 4º e 6º Concílios Ecumênicos (451-680), houve muitas tentativas de reunião entre os monofisitas e os calcedonianos. Algumas foram regionais; outras foram a política oficial do Império. Em alguns casos, tentou-se desfocar os problemas e apresentar uma declaração vaga o suficiente para que todos pudessem aceitá-la e interpretá-la como quisessem; em outros casos, o imperador ou o patriarca de Constantinopla simplesmente proibiu a discussão dos pontos de divisão. Nenhuma dessas tentativas de reunião durou.
Na tentativa atual de reunião com os monofisitas, vemos as mesmas tendências de desfocar os problemas e evitar mencionar pontos sobre os quais discordamos. Vejamos, por exemplo, uma palestra proferida na terceira consulta entre os teólogos Ortodoxos e os Ortodoxos Orientais [Não-calcedonianos] em Genebra, em 1970, por Pe. Paul Verghese e impresso no Greek Orthodox Theological Review, vol. XVI, n. 1 e 2, 1971, pp. 133-143 (Esta palestra também está impressa em "Does Chalcedon Divide or Unite?" [Calcedônia nos Une ou nos Divide?], pp. 127-137, sob o nome do Metropolita Paulos Mar Gregorios, nome que Pe. Verghese adotou quando foi consagrado metropolita). O autor, teólogo da Igreja Siríaca Ortodoxa da Índia, afirma que:
aqueles que aceitam Calcedônia e aqueles que rejeitam esse concílio concordam que Cristo é consubstancial conosco em sua humanidade e que a natureza humana com todas as suas propriedades e faculdades permanece distinta e não absorvida em Cristo. ... Estamos felizes que as Igrejas Ortodoxas em a comunhão com Constantinopla e até mesmo nossos amigos Católicos Romanos aceitam essa dupla consubstancialidade. A esse respeito, todos nós aderimos à única tradição autêntica, mesmo quando alguns de nós não aceitam o concílio de Calcedônia. Isso significa que, para nós, Calcedônia não é um elemento essencial da tradição autêntica e, no que diz respeito a nós, outras igrejas também podem rejeitar Calcedônia e ainda estar dentro da tradição autêntica (Review, pp. 134-135; Does Chalcedon, pp. 128-129).
A ideia expressa nesta passagem - de que mantemos a mesma fé, embora um grupo aceite todos os sete concílio, enquanto o outro grupo rejeita os últimos quatro - também foi declarada em várias discussões durante a consulta de 1970 (todas as citações retiradas do Review, pp. 30 -34):
Bispo Gregorios [Copta]: Nos perguntam por que, se aceitamos a fé de Calcedônia, não aceitamos o concílio em si. O fato é que temos dificuldades com os horos [definições] de Calcedônia. Nossos pais encontraram nestorianismo no horos de Calcedônia ... Mesmo se aceitarmos os ensinamentos de Calcedônia, não somos obrigados a aceitar Calcedônia.
Liqe Seltanat Habte Mariam [Etíope]: Definitivamente, continue crendo em Calcedônia; mas não espere que nós aceitemos Calcedônia.
Bispo Zakka [Siríaco]: Quando dizemos que aceitamos a fé, queremos dizer a fé que a Igreja tinha antes de Calcedônia, formulada pelos três concílios ecumênicos aceitos por todos. Sejamos claros; Calcedônia não é aceitável para nós.
Verghese: Uma vez que a fé já existe sem Calcedônia, por que insistir em que Calcedônia seja aceito? Não deve haver nenhum mal-entendido sobre a posição das Igrejas não-calcedonianas; não haverá aceitação formal de Calcedônia.
Mais tarde, Pe. Paul Verghese fez uma declaração na qual começou dizendo: "Em minha opinião, é claro que concordamos com a substância do ensino não apenas do 4º, mas também dos 5º, 6º e 7º concílios" e concluiu, "eu só queria enfatizar o fato de que é um grande obstáculo para nós se os calcedonianos afirmarem que os 7 concílios são inseparáveis".
A importância do Sexto Concílio Ecumênico
A afirmação veemente desses teólogos não-calcedonianos de que "Calcedônia não é aceitável para nós" levanta a questão de se eles de fato aceitam a fé de Calcedônia. A fé de Calcedônia foi expressa na definição de Calcedônia; se eles não podem aceitar a definição, parece razoável concluir que eles não aceitam a fé. Ainda assim, alguém poderia argumentar que eles estão apenas resistindo a uma determinada linguagem que parece, para eles, ter conotações nestorianas. A questão permanece: temos a mesma crença sobre a Encarnação de Cristo, simplesmente expressando-a com palavras diferentes? Para ver se esse é o caso, vejamos mais detalhadamente o artigo apresentado pelo Pe. Verghese, no qual ele considera "o Sexto Concílio que nos parece muito confuso, para não dizer em grave erro" (Review, p. 137; Does Chalcedon, p. 131). Em relação à definição dogmática do Sexto Concílio, ele declara:
Aqui, como anteriormente no decreto, o Tomo de Leão é expressamente afirmado. O decreto realmente chama o Tomo de "o pilar da fé correta". Talvez você possa entender que tudo isso é bastante difícil para nós aceitarmos. Para nós, Leão ainda é um herege. Talvez nos seja possível abster-nos de condená-lo pelo nome, no interesse de restaurar a comunhão entre nós. Mas não podemos, em sã consciência, aceitar o Tomo de Leão como "o pilar da fé correta" ou aceitar um concílio que fez tal declaração. O concílio aprova explicitamente o que claramente considero heresia no Tomo de Leão: "Cada natureza realiza em comunhão com a outra o que lhe pertence apropriadamente, ou seja, o Verbo, faz o que pertence ao Verbo, e a carne o que pertence à carne." Se alguém entende corretamente a união hipostática, não é possível dizer que a carne faz algo por si mesma, mesmo que se diga que está em união com o Verbo. A carne não tem sua própria hypostasis. É a hypostasis do Verbo que age através da carne. É a mesma hipóstase do Verbo que realiza as ações do Verbo e de sua própria carne. O argumento do horos [definição dogmática] neste Sexto Concílio é basicamente inaceitável para nós (Review, p. 139; Does Chalcedon, p. 133).
Não podemos dizer o que este concílio diz quando afirma "duas vontades naturais e duas operações, que juntas concorrem à salvação do gênero humano."...
Resumindo: A aceitação do Sexto Concílio é muito mais difícil para nós do que a aceitação de Calcedônia. A seguir, os principais motivos: ...
b) Não podemos aceitar a fórmula dithelita [duas vontades], atribuindo vontade e energia às naturezas, e não à hypostasis. Só podemos afirmar a única natureza divina-humana unida e inconfusa, vontade e energia de Cristo, o Senhor encarnado.
c) Concluímos que este Sexto Concílio exalta como padrão principalmente os ensinamentos de Leão e Agatão, papas de Roma, venerando apenas com os lábios [NT: isto é, de boca pra fora] os ensinamentos do bem-aventurado Cirilo. Consideramos Leão um herege por seu ensino de que a vontade e a operação de Cristo devem ser atribuídas às duas naturezas de Cristo, e não à hypostasis única. A natureza humana é tão "natural" para Cristo, o Verbo encarnado, como é a divina. É a hypostasis única que agora é divina e humana, e todas as atividades provêm da hypostasis única (Review, pp. 140-141; Does Chalcedon, pp. 134-135).
É surpreendente que o autor dessas declarações também possa dizer que "Em minha opinião, é claro que concordamos com a substância do ensino não apenas do 4º, mas também dos 5º, 6º e 7º concílios"(Review, 34). A questão de saber se a vontade é atribuída à natureza ou à hypostasis foi um grande ponto de discórdia na controvérsia monotelita e, portanto, de importância central nas considerações e decisão final do Sexto Concílio. Embora Verghese, nas primeiras páginas do The Greek Orthodox Theological Review que estamos analisando, tenha afirmado que "O encontro na Universidade de Bristol, na Inglaterra, em 1967 ... eliminou a possibilidade de que a posição monotelita fosse a adotada pela Ortodoxia Oriental [isto é, pelos não-calcedonianos]" (Review, página não numerada), aqui ele declarou um princípio central da posição de monotelita, isto é, que a vontade pertence à hypostasis única e não às duas naturezas. Mas se, como ele aponta, a hypostasis do Cristo Encarnado é a hypostasis da Palavra, então há duas possibilidades: [1] que a hypostasis (pessoa) da Segunda Hypostasis (Pessoa) da Santíssima Trindade mudou na Encarnação e se tornou uma hypostasis composta com uma vontade composta, como parece estar implícito na referência do Pe. Verghese à "hypostasis única que agora é divina e humana" - mas isso é inaceitável para nós, pois não podemos imaginar a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade mudando e se tornando composta. Ou, [2], que se a vontade pertence à hypostasis, e a hypostasis é o Verbo de Deus, então a natureza humana de Cristo é inteiramente movida e controlada pela hypostasis (pessoa) do Verbo de Deus - em outras palavras, a humanidade de Cristo é um instrumento puramente passivo de Sua divindade, completamente desprovida de liberdade e sem operação (energia) própria. Nesse caso, a humanidade de Cristo não é, de fato, uma humanidade livre e plenamente funcional; embora ainda seja possível aos não-calcedonianos dizerem que Cristo é consubstancial a nós em relação à Sua humanidade, eles claramente não compartilham as mesmas crenças que nós em relação a Cristo como Deus perfeito e Homem perfeito.
O Sexto Concílio Ecumênico, no entanto, é "muito mais do que a dogmatização de duas vontades em Cristo", como o Dr. Joseph Farrell aponta em seu excelente estudo, Free Choice in St. Maximus the Confessor [Livre Escolha em São Máximo, o Confessor] (St. Tikhon's Seminary Press, 1989, 191). A teologia de São Máximo é excepcionalmente ampla, profunda e sutil; neste breve artigo, não posso esperar abordar a análise do Dr. Farrell sobre São Máximo, mas mencionarei brevemente algumas de suas conclusões sobre a importância de São Máximo e a aceitação de sua teologia pela Igreja Ortodoxa no Sexto Concílio Ecumênico. Como ele diz, o Sexto Concílio é a confissão, não tanto de duas vontades em Cristo, mas de Sua vontade humana e, portanto, da natureza voluntária de Sua Paixão; é também a confissão da livre escolha [livre arbítrio] humana e da necessidade da cooperação da vontade humana em nossa salvação (p. 191). O Dr. Farrell também apresenta São Máximo e, portanto, o Sexto Concílio Ecumênico, como um elo importante na cadeia do desenvolvimento teológico Ortodoxo, desde a controvérsia ariana no século IV à teologia de São Gregório Palamas e ao concílio hesicasta de 1351:
O Sexto Concílio Ecumênico é, portanto, muito mais importante para os Ortodoxos do que a definição calcedoniana, porque em sua definição estão também ocultas as respostas de um dos mais brilhantes teólogos da Igreja Oriental às questões vitais da predestinação divina e do livre arbítrio humano. Além disso, é importante porque também está oculto o pressuposto de um vasto desenvolvimento teológico, que remonta à triadologia [teologia trinitária] dos Capadócios, à controvérsia ariana, à problemática origenista e suas fundações neoplatônicas subjacentes. Mais do que qualquer outro concílio, foi levado a refletir de maneira sistemática sobre as relações da triadologia, da cristologia e as vontades divinas e humanas. De uma maneira importante, confronta a questão da revelação e da razão, da teodicéia [o problema do mal em um mundo criado por um Deus amoroso e onipotente] e o possível uso (ou rejeição) dos significados filosóficos dos termos filosóficos ... (pág. 192).
O Dr. Farrell procede e contrasta o entendimento monotelita da impecabilidade de Cristo como uma mera determinação passiva da natureza humana pela natureza divina com a doutrina detelita de São Máximo, que "toma como ponto de partida não a humanidade caída, mas a humanidade deificada de Cristo e dos santos no eschaton" (p. 193), e salienta que:
São Máximo delineou verdadeiramente uma doutrina única do livre arbítrio... Ao fazê-lo, ele foi levado a postular a existência de uma distinção real entre a categoria da essência divina e as energias divinas, e das energias divinas entre si. .... Ao fazer isso, ele apontou claramente a direção do desenvolvimento subsequente da formulação da doutrina para [São Gregório] Palamas (p. 193).
O Sexto Concílio é inseparável do Concílio de Calcedônia, que esclarece-o e interpreta-o; é meu argumento, portanto, que é através da atitude deles [dos não-calcedonianos] em relação ao Sexto Concílio, bem como ao Quinto e Sétimo, que podemos ver se uma comunhão cristã em particular realmente aceita ou não os ensinamentos de Calcedônia.
Pe. Verghese conclui seu artigo afirmando que, se a aceitação dos 4º, 5º, 6º e 7º Concílios for necessária para a reunião, há pouca esperança de que ela seja alcançada em um futuro próximo. Mas se, como sugeriram alguns dos participantes calcedonianos, os quatro últimos Concílios não devem ser considerados iguais em importância aos anteriores, ele sugere que as igrejas "iniciem conversas formais com o objetivo de restaurar a comunhão entre nossas duas famílias", sendo o primeiro passo a emissão de uma declaração comum que "deve exprimir com clareza que compartilhamos, entre nossas duas famílias, substancialmente a mesma tradição autêntica da igreja cristã indivisa";
A declaração também deixaria claro que, embora não seja possível que as Igrejas calcedonianas repudiem ou rejeitem qualquer um dos sete concílios, é igualmente difícil para os não-calcedonianos agora aceitarem formalmente os quarto, quinto, sexto e sétimo concílios reconhecidos por a família calcedoniana. Poderia deixar claro que os não-calcedonianos se absteriam de condenar formalmente o Concílio de Calcedônia ou o Papa Leão. A declaração também deixará claro que as Igrejas calcedonianas se absteriam de condenar Dióscoro e Severo como hereges (Review ;, pp. 141-142; Does Chalcedon, pp. 135-136).
Nesta sugestão, vemos a inclinação de buscar uma intercomunhão desonesta, que evita chegar em um acordo em nossos pontos de diferença - por exemplo, a oferta que os não-calcedonianos se absteriam de condenar formalmente São Leão, o Grande, embora Pe. Verghese tenha afirmado repetidamente que eles o consideram herege - e que apresenta uma declaração de "acordo" tão ampla que todas as partes podem se inscrever, cada uma interpretando-a como bem entenderem. Em resposta a isso, podemos dizer com Pe. John Romanides (da Igreja Grega), um dos participantes calcedonianos, que
Sentimos fortemente que ... sempre fomos objetos de uma técnica ecumênica que visa a realização de intercomunhão ou comunhão ou união sem concordância sobre Calcedônia e os Quinto, Sexto e Sétimo Concílios Ecumênicos... a fé confessada pelos Padres de Calcedônia é a verdadeira fé. Se aceitarmos essa fé, também devemos aceitar os Padres que professam essa verdadeira fé (Review, p. 30).
Autor Anônimo - Chalcedonians and Monophysites: Do We Share the Same Beliefs? (Original)
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Ortodoxia Calcedoniana e Heterodoxia Não-Calcedoniana (por Nicholas Marinides)
O título deste ensaio pode surpreender muitos que assumem que a união dos Ortodoxos com os não-calcedonianos (as igrejas históricas copta, etíope, eritreia, síria ocidental (siríaca / jacobita), armênia e indiana (Malankara)) está prestes a acontecer. Tal suposição se deve à ignorância entre muitos Ortodoxos anglófonos das críticas às quais eminentes teólogos Ortodoxos de outros países têm feito ao diálogo entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos. Essa ignorância não é culpa dos muitos fiéis simples e clérigos da paróquia que receberam a idéia de reunião entre irmãos separados há muito tempo com alegria sincera e inocente. É devido à escassez de vozes críticas no Ocidente (ou seja, fora das terras tradicionalmente Ortodoxas) e especialmente no mundo de língua inglesa. A seguir, tentarei contribuir com minha pequena parte para remediar esse "apagão da mídia", como o teólogo ortodoxo francês Jean-Claude Larchet o chamou. [1. “La question christologique. À propos du projet d’union de l’Église orthodoxe avec les Églises non chalcédoniennes : problèmes théologiques et ecclésiologiques en suspens,” Le Messager orthodoxe 134 (2001): 11–200; republicado em sua obra Personne et nature. La Trinité – Le Christ – L’homme. Contributions aux dialogues interorthodoxe et interchrétien contemporains (Paris: Cerf, 2011), 65–158; faz menção de um media blackout (ele usa a palavra em inglês) na mídia Ortodoxa ocidental na p. 68.] É claro que não poderei cobrir tudo, mas espero que meu ensaio sirva como um alerta e um incentivo para uma investigação mais aprofundada por parte dos leitores.
Uma breve história do diálogo
O diálogo entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos começou com quatro consultas não oficiais em Aarhus (1964), Bristol (1967), Genebra (1970) e Addis Abeba (1971). Os principais teólogos de cada lado participaram de pelo menos algumas delas, como os Pe. Georges Florovsky, John Meyendorff e John Romanides, assim como o Prof. John Karmiris, do lado Ortodoxo, e o Bispo Paul Verghese e Pe. V.C. Samuel do lado Não-Calcedoniano. Foi sucedido por um diálogo oficial que começou no final da década de 1970 e culminou em duas declarações de acordo em 1989 e 1990. Elas foram então submetidas às respectivas igrejas locais de ambos os lados para serem aprovadas como base teológica suficiente para a reunião; pretendia-se que os detalhes complicados do verdadeiro processo fossem elaborados em reuniões subsequentes, bem como em nível local. A base para a união foi afirmada como o reconhecimento da teologia de ambos lados como ortodoxa, apesar das diferenças terminológicas, e o acordo de que ambos os lados poderiam manter sua respectiva enumeração de concílios, santos e tradições locais. Parece que não houve reuniões oficiais depois de 1998, provavelmente por causa da controvérsia que as declarações de acordo causou, de ambos os lados, mas principalmente entre os Ortodoxos. Parte da resistência foi mais silenciosa e passiva, como a postergação das declarações de acordo pela Igreja Ortodoxa Russa para estudos adicionais, mas algumas foram mais ativas e vociferantes, como a declaração conjunta da comunidade monástica atonita que opondo-se aos planos de reunião com base nas declarações de acordo. [2. O memorando da Santa Comunidade do Monte Athos (o órgão representativo oficial dos vinte mosteiros governantes) pode ser consultado em inglês aqui. Para uma visão alternativa, consulte o artigo do Bp. Alexander Golitzin, que foi tonsurado no Monte Athos] Estes últimos foram apoiados por uma série de obras do mosteiro atonita de São Gregório (Grigoriou), liderado por seu abade, o arquimandrita George Kapsanis, de abençoada memória. Mas o protesto não se limitou aos círculos monásticos. Teólogos acadêmicos como Athanasy Yevtić (ex-bispo de Zuma e Herzegovina e atualmente professor da Escola Teológica de Belgrado), Pe. Theodore Zisis (professor da Universidade de Thessaloniki), e o acima mencionado Jean-Claude Larchet, também entraram no debate.
Claramente, um considerável diálogo intra-Ortodoxo sobre esse assunto ocorreu desde o início dos anos 90. No entanto, é assumido por muitos, especialmente leigos e clérigos da paróquia, mas também incluindo bispos, que a união foi praticamente alcançada. Consequentemente, houve uma pressa em realizá-la em um nível prático. O exemplo mais flagrante disso é a política da intercomunhão eucarística sob uma ampla gama de circunstâncias que foi estabelecida sinodalmente pelo sínodo do patriarcado Ortodoxo de Antioquia com os Não-Calcedonianos em 1991. Embora o acordo pareça nunca ter sido totalmente implementado devido ao medo das possíveis reações de outras igrejas Ortodoxas locais, ele criou muita confusão em relação à posição Ortodoxa. De qualquer forma, a intercomunicação tácita é muito comum em nível paroquial no Oriente Médio e nos Estados Unidos. Também há cooperação frequente em áreas práticas, como a educação, tanto em seminários quanto em grupos de jovens. Isso teve alguns efeitos benéficos em ajudar os Não-Calcedonianos a redescobrir a tradição patrística, tanto em suas raízes pré-Calcedonianas quanto em seus frutos Calcedonianos, mas geralmente isso ocorre em uma cultura relativística do campus (pelo menos nos seminários dos EUA) que já aceita os Não-Calcedonianos como totalmente Ortodoxos.
O entusiasmo pela união é certamente compreensível. No caso dos Não-Calcedonianos, isso é sentido especialmente por causa das óbvias semelhanças entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos na liturgia e no ascetismo. Qualquer pessoa que tenha passado algum tempo em igrejas e mosteiros Não-Calcedonianos (como eu fiz nos EUA e em Damasco, Jerusalém e Wadi al-Natrun, antiga Scetis, no Egito) não pode deixar de apreciar a beleza de seu culto e a seriedade da devoção que se encontra lá. Tais observações freqüentemente levam a uma percepção de que os Ortodoxos são de fato muito mais próximos dos Não-Calcedonianos, apesar de rejeitarem a teologia Calcedoniana, do que de outras igrejas Calcedonianas, como os Católicos Romanos, cuja cristologia [dos Católicos Romanos] está formalmente de acordo com o dogma Ortodoxo, mas cuja liturgia e espiritualidade muitas vezes parecem bastante estranhas. O sentimento de familiaridade e simpatia é reforçado pela sina comum dos Ortodoxos e dos Não-Calcedonianos no Oriente Médio, onde ambos há muito são oprimidos pela hegemonia política e social islâmica e agora enfrentam o extermínio nas mãos dos jihadistas. Outro elemento, é preciso admitir, é o fascínio que muitos Ortodoxos têm por igrejas Não-Calcedonianas como as da Etiópia e da Índia (Malankara). Dado que a Igreja Ortodoxa é, na prática, esmagadoramente “branca”, a presença de comunidades antigas, indígenas e supostamente Ortodoxas na África e no Subcontinente parece reforçar empiricamente as afirmações da Ortodoxia de ser a Igreja Católica, que contém todos fiéis sob os céus. No entanto, por mais compreensíveis que sejam esses motivos, eles não são suficientes quando não existe um acordo teológico real.
Objeções a priori aos resultados do diálogo
Infelizmente, o diálogo até agora encobriu os problemas substantivos, em vez de enfrentá-los francamente. Antes de abordar algumas questões cristológicas específicas, mencionarei alguns problemas que qualquer Ortodoxo deve prestar atenção ao examinar as recomendações para a reunião.
Em primeiro lugar, dados os pressupostos eclesiológicos da Ortodoxia, deveria ser preocupante que o diálogo pareça ter assumido que a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica está visivelmente dividida por 1.500 anos. Isso parece implicar uma "teoria dos ramos" que vê todas as igrejas como ramos de uma igreja invisível. Tal teoria dos “ramos” ou “igreja invisível” é negada nos textos fundamentais que definem a participação Ortodoxa no movimento ecumênico (como as declarações de Toronto e Oberlin), mas ela entrou pela porta dos fundos no caso do diálogo com os Não-Calcedonianos? [3 O texto da Declaração de Toronto do encontro do Comitê Central do WCC - World Council of Churches - em 1950 (redigida pelo P. Georges Florovsky) pode ser lido aqui. Especialmente significativas são as seguintes declarações: “(IV.4) As igrejas membros do Conselho Mundial consideram o relacionamento de outras igrejas com a Santa Igreja Católica que os credos professam como um assunto para consideração mútua. No entanto, a associação não implica que cada igreja deva considerar as outras igrejas membros como igrejas no verdadeiro e pleno sentido da palavra." Infelizmente, isso é invalidado de alguma forma pelo parágrafo anterior, que é discutível (pelo menos) do ponto de vista Ortodoxo: “(IV.3) As igrejas membros reconhecem que a pertença à Igreja de Cristo é mais abrangente do que a pertença de seus próprios corpos de igreja.” A declaração de Oberlin, formulada para a Conferência Norte-Americana de Estudos sobre Fé e Ordem de 1957 e na qual Florovsky também estava envolvido, pode ser encontrada aqui.]
Intimamente ligada a isso está a segunda objeção. Se os Não-Calcedonianos não são obrigados a aceitar o Quarto Concílio Ecumênico (Calcedônia) e os três subsequentes, e a não aceitar os Padres cuja teologia desempenhou um papel fundamental na formulação das definições dos concílios, o que isso implica na epistemologia teológica Ortodoxa, dado que a Ortodoxia acredita ser a Igreja dos Sete Concílios e de santos como Savas, o Santificado, Máximo, o Confessor, e João de Damasco, que eram firmes opositores dos Não-Calcedonianos de seu tempo?
Às vezes, os participantes do diálogo argumentam que essas pessoas (e seus opositores, os pais da teologia Não-Calcedoniana, como Dioscóro, Philoxenus e Severo) foram cegados pela polêmica e política contemporâneas. Alega-se, ou pelo menos está implícito, que agora somos capazes de nos aproximarmos com mais amor e compreensão hoje, porque esses fatores circunstanciais foram removidos. Mas podemos admitir facilmente que esses grandes santos - um dos quais, São Máximo, compôs um conjunto magnífico de Quatro Centúrias sobre o Amor e exemplificou seus princípios durante sua perseguição pelas autoridades imperiais monotelitas - foram impedidos pelo Zeitgeist do império romano antigo tardio de entender e expressar a vontade de Deus em uma questão tão importante? Temos a auto-confiança (para não dizer audácia) para afirmar que nos sobressaímos mais na virtude do amor do que essas pessoas santas? E mesmo que um ou outro Padre possa às vezes errar, como ocorreu no curso da história da igreja, a concordância deles, expressa em última instância nos dogmas dos concílios ecumênicos, é considerada decisiva e vinculativa para a crença Ortodoxa.
O registro teológico, brevemente
Quando, na verdade, recorremos ao registro teológico da Igreja sobre as posições dos Não-Calcedonianos, vemos um obstáculo aparentemente insuperável à união nos termos acordados no diálogo. Os monofisitas (também designados por escritores patrísticos como Severans, Akephaloi etc.) são condenados não apenas pelo Quarto Concílio Ecumênico de Calcedônia, mas também por todos os concílios ecumênicos subseqüentes, como parte da refutação do próprio monofisitismo ou heresias posteriores que foram percebidas como decorrentes dele, como monotelismo e a iconoclastia. As definições mais ou menos concisas dos concílios foram informadas e apoiadas pelos escritos polêmicos detalhados de luminares como Máximo, o Confessor e João de Damasco, já mencionados, além de outros que são menos conhecidos fora dos círculos especializados, como como João, o Gramático, Leôncio de Jerusalém, Leôncio de Bizâncio, Santo Anastácio do Sinai e Theodore Abu Qurrah (este último foi o primeiro teólogo Ortodoxo a escrever em árabe, no início do século IX).
Essas decisões foram confirmadas rotineiramente por concílios e Padres posteriores, mais autoritariamente no Synodicon da Ortodoxia, que é estabelecido para ser lido no Domingo da Ortodoxia, embora, na prática, muitas vezes apenas seja recitado um breve trecho, que não cita nenhuma heresia específica. Certamente, houve tentativas posteriores de reaproximação e diálogo com o objetivo de reunir os Ortodoxos e os Não-Calcedonianos (principalmente as tentativas de São Fócio para uma reunião com os armênios no século IX - que conseguiram trazer grande parte do povo armênio de volta à Ortodoxia - e sob o imperador Manuel Comnenus, no século XII), mas sempre com base na tradição conciliar e patrística. Essa tradição foi seguida por santos mais recentes, como Nectário de Aegina (um considerável escritor teológico) e pelo recém-canonizado Paisius do Monte Athos. [4. São Nectário de Pentapolis e Aegina discutiu a questão em seu livro sobre os Concílios Ecumênicos, Αἱ οοκουμενικαὶ σύνοδοι (Thessaloniki 1972), 134ss. As opiniões de São Nectário sobre o diálogo com os heterodoxos estão resumidos em grego pelo falecido Metropolita Meletius de Preveza e Nicópolis aqui. As opiniões de São Paisius estão resumidas em Hieromonk Isaac Atallah, da Stavronikita, Βίος Γέροντος Παϊσίου του Ἁγιορείτου (Mt. Athos 2004), 690–91. (Cito o grego porque não tenho a tradução em inglês).] Além disso, pelo menos dois dos gigantes da teologia Ortodoxa no século XX, Georges Florovsky e Dumitru Staniloae, depois do entusiasmo inicial, manifestaram preocupações sobre a direção que o diálogo estava tomando. [5. Para Pe. Staniloae, veja Met. Methodius of Axum (agora Pisidia), «Τό ἔργον τῆς Διορθοδόξου Θεολογικῆς Ἐπιτροπῆς διά τόν διάλογον τῶν Ὀρθοδόξων καί τῶν Ἀρχαίων Ἀνατολικῶν Ἐκκλησιῶν» em Abba Salama 7 (Athens 1976), 206 (non vidi), e para Pe. Florovsky veja abaixo.]
A base declarada para a reunião como resultado do Diálogo tem sido a alegação de que a separação de um milênio e meio de duração não foi causada pela divergência real no conteúdo entre os dois lados, mas por mal-entendidos verbais e obstinação. Tal alegação é baseada predominantemente em pesquisas teológicas acadêmicas realizadas ao longo do século passado. Começando com a monografia de Joseph Lebon, Le Monophysisme sévérien, muitos estudiosos distinguiram entre o extremo monofisismo do arquimandrita Constantinopolita Eutiques (o principal condenado no Quarto Concílio Ecumênico, ao passo que seu seu protetor Dioscoro, patriarca de Alexandria, foi formalmente condenado apenas por transgressões canônicas) e o monofisismo moderado de Severo de Antioquia, que é seguido até hoje pelas igrejas Não-Calcedonianas. Essa distinção é inquestionável como tal (e já foi reconhecida por muitos Padres antigos), mas a afirmação adicional de que esse monofisismo moderado é apenas verbal - simplesmente uma fidelidade obstinada à terminologia de São Cirilo de Alexandria - e, portanto, substancialmente Ortodoxa, não ganhou a mesma aceitação geral. Isso levou ao novo e solecista termo “Miafisitas” para denotar os Não-Calcedonianos de uma maneira que eles não consideram ofensivo: o argumento é que eles crêem em uma natureza [oriunda, originária] de duas naturezas após a união em Cristo, mas não em uma natureza simples [não-composta]. A ginástica mental envolvida nessa justificativa do eufemismo é óbvia.
Como resultado dessa premissa de concordância em conteúdo, os acordos conjuntos emitidos pelo Diálogo pareciam uma reescrita moderna do Henoticon, o notório edito de união emitido pelo imperador Zenão no final do século V, que tentou varrer Calcedônia pra baixo do tapete e retroceder a cristologia de volta aos dias de São Cirilo, criando uma união artificial baseada em concordar em discordar. Nos acordos de hoje, como no caso do Henoticon, os Ortodoxos renunciam mais do que ganham [6. Desnecessário será dizer que o diálogo sobre dogma não deve ser conduzido como um processo de compromisso e troca de qualquer maneira!]. Os Não-Calcedonianos resistiram com sucesso a todas as tentativas de tornar obrigatório o reconhecimento dos Concílios Ecumênicos 4 até o 7, e não foram seriamente desafiados pelos participantes Ortodoxos quanto às suas objeções a doutrinas como as duas energias e vontades de Cristo e mesmo ao entendimento Ortodoxo da deificação.[7 A articulação de São João Damasceno da doutrina da deificação foi criticada pelo falecido V.C. Samuel, um dos eminentes participantes indianos do diálogo, no último capítulo de seu livro The Council of Chalcedon Re-examined (Madras 1977, repr. Kent, UK 2005). O falecido papa copta Shenuda III também foi muito hostil [à doutrina da deificação]: veja o postscript em Stephen Davis, Coptic Christology in Practice: Incarnation and Divine Participation in Late Antique and Medieval Egypt (Oxford 2008), 271–78. Os oponentes de Shenuda nesta questão, o falecido abade do Mosteiro de São Macário em Wadi al-Natrun, Mateus, o Pobre, e seus monges, foram influenciados em sua teologia pela leitura dos Padres gregos e russos. O encontro deles com a tradição Calcedoniana tem sido parte do motivo do renascimento da vida espiritual monástica e leiga no Egito nas últimas décadas e é motivo de certo otimismo em relação à trajetória da teologia Não-Calcedoniana contemporânea, mas até agora levou à confusão em relação à própria tradição deles, em vez de críticas e esclarecimentos.]
A heresia de Severo, de acordo com os Padres (mais uma vez, brevemente)
Uma citação patrística usada e abusada para apoiar os resultados do Diálogo é a afirmação de João de Damasco de que os “Monofisitas. . . são ortodoxos em tudo. . .” Como a elipse sugere, há mais nessa citação do que aparenta. Eu traduzo a passagem inteira [8. CH. 83 da obra de São João, Sobre as Heresias] para suprir o que está faltando:
Egípcios, também chamados de Esquemáticos [9. Alguns editores desejam corrigir essa palavra pra "Cismáticos", mas a tradição manuscrita apóia a leitura acima.] e os monofisitas, que, a pretexto da composição do tomo em Calcedônia, entraram em cisma com a Igreja Ortodoxa. Eles são designados egípcios porque foram os egípcios que começaram esse esquema [10. Veja a nota anterior.] no reinado de Marciano e Valentiniano, os imperadores, mas eles são ortodoxos em tudo o mais. Estes, por apego a Dióscoro de Alexandria, que havia sido deposto no Concílio de Calcedônia como um aliado das doutrinas de Eutiques, tornaram-se hostis ao Concílio e, na época, eles fizeram inúmeras acusações contra o Concílio, as quais nós suficientemente descartamos no início deste livro, mostrando que essas pessoas são desonestas e de cabeça vazia. Seus líderes eram Teodósio, o Alexandrino (daí "teodosianos") e Jacó, o Sírio (daí "jacobitas"). Os defensores, garantidores e aliados desses são Severo, o corruptor de Antioquia, e o trabalhador fútil João, o Triteísta, [11. Em grego, isso é um trocadilho com o epíteto pelo qual João era conhecido, "Philoponus", que significa "trabalhador esforçado" e tem uma conotação positiva; João o chama de "Mataioponus".] que negam o mistério da salvação comum. Eles escreveram muitas coisas contra o ensino inspirado por Deus dos 630 em Calcedônia, e colocaram muitos obstáculos no caminho para aqueles que foram arruinados pela destruição deles e, ao expor essências particulares, eles confundem o mistério da economia.
Sem a elipse, João dificilmente pode ser citado em apoio à abordagem adotada pelo Diálogo. [12. A passagem é deturpada no volume editado pelo P. Thomas Fitzgerald, Restoring the Unity in Faith: The Orthodox–Oriental Orthodox Theological Dialogue (Brookline, MA: Holy Cross, 2007), 20: “aqueles que não aceitaram a terminologia de Calcedônia eram, no entanto, ortodoxos em todas as coisas”; disponível on-line aqui] É claro que, para ele, os monofisitas são ortodoxos em tudo, exceto na cristologia deles - e isso não é uma exceção insignificante, pois os leva a negar "o mistério da salvação comum". [13. Significado, a expiação realizada por Cristo por todas as pessoas, sujeito à resposta voluntária de cada uma.] Isso pode ser confirmado lendo o restante de suas obras cristológicas. Mesmo em seu livro Contra os Jacobitas, que às vezes é citado como reconhecendo uma ortodoxia "ideológica" na doutrina Não-Calcedoniana por causa de seu tom mais pacificador, ele de fato extrai todas as implicações heréticas dos ensinamentos de Severo e seus seguidores.
É precisamente esse fenômeno que deixa muitas pessoas desconfortáveis com as obras polêmicas dos Padres em geral, e particularmente aquelas dirigidas contra os Não-Calcedonianos. A tática polêmica mais comum dos Padres é o reductio ad absurdum, partindo das premissas de seus oponentes e levando-as passo a passo à sua conclusão lógica, que se mostra algo repugnante ao senso comum cristão. Em Contra os Jacobitas, João mostra como uma recusa em aceitar duas naturezas em Cristo pode levar a excluí-Lo da natureza comum da Trindade - e esse é apenas um dos possíveis absurdos aos quais a doutrina de severiana pode levar. São Máximo, em alguns de seus escritos, usa a técnica para mostrar como a cristologia severiana leva ao monoenergismo e ao monotelismo (tarefa não muito difícil, pois Severo ensinou essas doutrinas explicitamente) e é baseada nas mesmas premissas de Nestório (um pouco menos óbvio, o argumento é que os dois começaram a partir de uma confusão entre natureza e hypostasis e depois tiraram conclusões opostas, mas igualmente blasfemas). Para nós hoje, educados em diferentes formas de argumentação, essa tática pode parecer injusta, mas tal sentimento vago não pode negar o fato de que é perfeitamente lógico e tem um longo pedigree que remonta à matemática e à filosofia gregas antigas, de onde passou para a caixa de ferramentas da argumentação patrística. Não podemos negar isso sem jogar fora a maior parte da literatura polêmica patrística. E devemos reconhecer que, em seu contexto cristão, ela pretende ajudar-nos a "falar a verdade com amor", mostrando as perigosas consequências às quais os primeiros princípios aparentemente inócuos podem levar.
Quando examinada assim, a cristologia Não-Calcedoniana, representada preeminentemente por Severo, tropeça devido à sua negação da realidade plena e da concretude da natureza humana de Cristo. Expressando a linha de argumentação patrística em termos mais compreensíveis para o homem moderno, Pe. Georges Florovsky escreveu:
Os seguidores de Severo não podiam falar da humanidade de Cristo como uma "natureza". Esta foi decomposta em um sistema de traços, pois a doutrina do Logos "assumindo" a humanidade ainda não tinha sido totalmente desenvolvida pelo monofisismo na inter-pessoalidade [isto é, carácter inter-hipostático]. Os monofisitas geralmente falavam da humanidade do Logos como οἰκονομία. Não é sem fundamento que os Padres do Concílio de Calcedônia detectaram aqui um sabor sutil do docetismo original. Certamente este não é o docetismo dos antigos gnósticos, nem é o apolinarianismo. No entanto, para os seguidores de Severo, o "humano" em Cristo não era inteiramente humano, pois não era ativo, não era "auto-motivado". Nessa contemplação dos monofisitas, o humano em Cristo era como um objeto passivo da influência divina. A divinização, ou theosis, parece ser um ato unilateral da Divindade sem levar suficientemente em consideração a sinergia da liberdade humana, cuja aceitação de forma alguma implica um "segundo sujeito". [14. The Byzantine Fathers of the Fifth Century, Collected Works Vol. 8 (Liechtenstein: Büchervertriebsanstalt, 1987).]
Conclusão
Onde é que isso nos deixa? Os argumentos apresentados acima obviamente não pretendem negar aos nossos irmãos Não-Calcedonianos sua fervorosa devoção a Cristo, que eles mantiveram corajosamente em circunstâncias angustiantes, passadas e presentes. Também não pretendo negar a verdadeira beleza de sua antiga liturgia e prática monástica. Apontar as falhas na herança teológica deles não é regojizar-se delas triunfalisticamente, mas convidá-los a um estudo mais aprofundado da tradição comum anterior aos cismas dos séculos V e VI. [15. Cf. o princípio enunciado na Declaração de Toronto citada acima: “(IV.5) As igrejas membros do Conselho Mundial reconhecem em outras igrejas elementos da verdadeira Igreja. Elas consideram que esse reconhecimento mútuo as obriga a dialogar seriamente, na esperança de que esses elementos da verdade levem ao reconhecimento da verdade plena e à unidade baseada na verdade plena.”] Esse amor firme é baseado na esperança de que eles reconheçam que o "fundamentalismo ciriliano" que eles herdaram de Severo e de seus outros mestres não é, de fato, um desenvolvimento fiel da tradição antiga, nem mesmo do próprio Cirilo, porque nega a Reconciliação de 433 na qual ele concordou com João de Antioquia para resolver o cisma que resultou do controverso Concílio de Éfeso de 431 (Terceiro Concílio Ecumênico). Há espaço para a expressão "uma natureza encarnada do Verbo de Deus", mas apenas com base na explicação dessa expressão consagrada pelos Padres Ortodoxos do Quinto Concílio Ecumênico, em harmonia com Calcedônia.
Nem deve diálogo necessariamente ser encerrado. Mas, para continuar de maneira verdadeira e responsável, deve ser reiniciado em novas fundações. As discussões iniciadas na década de 1960 carregam o espírito inconfundível do tipo confuso de ecumenismo que começava a substituir, nos círculos Ortodoxos na WCC [Conselho Mundial das Igrejas], o tipo intelectualmente rigoroso e teologicamente honesto que foi iniciado por Florovsky anteriormente (é significativo que ele participou apenas do primeiro diálogo não oficial e fez apenas algumas contribuições lacônicas, conforme registrado nas atas). Devemos ser claros sobre nossa eclesiologia: a Una Sancta - a Igreja Ortodoxa, Calcedoniaana - é o pilar e o fundamento da verdade. Devemos ser claros sobre nossa cristologia: os Concílios Ecumênicos - todos os sete - são o critério incontestável dela. Devemos ser claros em nossa terminologia: eufemismos como "Oriental Orthodox" * (uma distinção que nem mesmo pode ser traduzida para a maioria das outras línguas) servem apenas para enlamear as águas da doutrina e confundir o rebanho que procura beber delas. A intercomunhão que foi aprovada sinodicamente em Antioquia e é tacitamente difundida em outros lugares deve parar, embora com a devida consideração pelas dificuldades pastorais da situação atual no Oriente Médio hoje, onde movimentos bruscos seriam imprudentes. Sempre foi um princípio básico do diálogo Ortodoxo com os heterodoxos que a comunhão deve ser o resultado de um pleno acordo teológico, não meios de criar fatos falsos.
Embora a cooperação prática deva continuar entre Ortodoxos e Não-Calcedonianos em questões urgentes, como a coordenação de esforços filantrópicos e políticos para a resolução, ou pelo menos mitigação, das trágicas circunstâncias das crises no Oriente Médio, devemos pensar criticamente sobre novos passos em direção à reunião. Isso exigirá de nós Ortodoxos discussões mais intensas entre nós, com consciência das opiniões críticas como resumi aqui, a fim de estabelecer um diálogo futuro em cima de um consenso Ortodoxo sólido. Para que essa discussão intra-Ortodoxa seja informada, precisamos de mais literatura on-line sobre aspectos específicos das objeções Ortodoxas à cristologia dos monofisitas, especialmente traduções para o inglês de textos patrísticos relevantes e estudos acadêmicos. Enquanto isso, espero ter dado aos leitores material suficiente para uma reflexão séria.
Nicholas Marinides - Chalcedonian Orthodoxy and Non-Chalcedonian Heterodoxy (original)
* Nota do tradutor: Uma forma comum de diferenciar os Ortodoxos e os Não-Calcedonianos em inglês é referir-se aos Ortodoxos como "Eastern Orthodox" e aos Não-Calcedonianos como "Oriental Orthodox". Essa forma de diferenciar as duas igrejas ("eastern" e "oriental" significam praticamente o mesmo em inglês) causa confusão devido a semelhança entre os significados e em outras línguas, como no português, é ainda mais difícil traduzir a suposta diferença entre as palavras "eastern" e "oriental". Sendo assim, o autor corretamente critica essa maneira de diferenciar as duas igrejas.
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