sábado, 7 de novembro de 2020

Resposta oficial da Ortodoxia ao Calvinismo - A Confissão de Dositheus (1673)

A Igreja Ortodoxa formulou duas grandes respostas à Reforma Protestante. A primeira resposta foi ao Luteranismo quando os teólogos luteranos de Tübingen e o Patriarca Jeremias II de Constantinopla trocaram cartas de 1573 a 1581.  A troca de cartas terminou em um impasse devido a diferenças teológicas irreconciliáveis. Veja "Diálogo Luterano Ortodoxo no Século XVI". A segunda resposta foi à tradição Reformada quase um século depois, em 1672, quando um sínodo de bispos se reuniu em Jerusalém para responder à Confissão Calvinística de Cirilo Lucaris de 1629. O concílio rejeitou categoricamente a Teologia Reformada e redigiu uma declaração formal conhecida como a Confissão de Dositheus. Ela logo adquiriu o status de ser a posição definitiva da Ortodoxia sobre a Teologia Reformada.

Neste artigo, examinarei a Confissão de Dositheus para entender por que o Calvinismo foi rejeitado e a razão para estas rejeições. O Sínodo de Jerusalém elaborou longas respostas a três questões: (1) sola scriptura, (2) dupla predestinação, e (3) ícones e orações aos santos. Além disso, elaborou respostas mais curtas: (1) sola fide, (2) governo da igreja, (3) os sacramentos, e (4) orações pelos mortos. Para ajudar o leitor, algumas partes dos trechos citados foram enfatizadas.

Cirilo Lucaris

Cirilo Lucaris (1572-1638) nasceu em Creta, que na época estava ocupada pela República de Veneza. Sua formação foi muito abrangente. Ele estudou em Veneza, Pádua, Wittenberg e Genebra, onde encontrou a fé reformada. Durante um breve período de tempo foi professor na Academia Ortodoxa de Vilnus, Lituânia. Ele foi ordenado sacerdote sob o patriarcado de Alexandria. Mais tarde ele serviu como Patriarca de Alexandria de 1601 a 1620. Depois, de 1620 até sua morte em 1638, serviu como Patriarca de Constantinopla. O período de Cirilo como Patriarca de Constantinopla foi tumultuoso, marcado por ter sido deposto e reeleito várias vezes para o patriarcado. Seu mandato instável reflete as intrigas do domínio turco e os esforços do Catolicismo Romano para expandir sua influência na Rússia e no Império Otomano. Em 1638, o Sultão ordenou a execução de Cirilo por medo de que ele incitasse os cossacos contra ele.

Cirilo Lucaris

A Confissão de Cirilo

Em 1629, a Confissão de Cirilo foi publicada em latim em Genebra. Nos anos seguintes, ela viria a ser traduzida para o francês, o alemão e o inglês. A Confissão de Cirilo gerou considerável controvérsia entre os Ortodoxos. Entre 1638 e 1691, seis concílios locais a condenaram (Ware p. 96). Em 1638, um sínodo em Constantinopla declarou: "Anátema a Cirilo, o novo ímpio iconoclasta!" (Pelikan p. 285) A adesão de Cirilo ao Calvinismo pode ser atribuída a três fatores: (1) o atrativo da teologia reformada, (2) a falta de precisão até então em certos pontos da teologia Ortodoxa (Pelikan p. 283), e (3) a vantagem de conseguir apoio dos Protestantes contra o Catolicismo Romano.

A Confissão de Cirilo também foi controversa de outras formas. Havia quem acreditasse que a Confissão de Cirilo foi uma falsificação. Deve-se notar, entretanto, que a Confissão estava em circulação há cerca de nove anos antes da morte de Cirilo, em 1638. Além disso, não há evidência de Cirilo ter repudiado sua Confissão por escrito. Em seu favor estava o fato de que Cirilo não foi deposto por um sínodo de bispos, mas pelo sultão turco.

Uma avaliação recente sobre Cirilo Lucaris pode ser encontrada no livro Rock and Sand do Pe. Josiah Trenham (2015). Como graduado do Seminário Westminster (Escondido, CA), Seminário Teológico Reformado (Jackson, MS; Orlando, FL), e tendo recebido seu doutorado sob a supervisão de Andrew Louth na Universidade de Durham, Inglaterra, o Pe. Josiah está em boa posição para avaliar a controvérsia sobre as inclinações teológicas de Cirilo Lucaris. Ele escreveu:

Os historiadores têm divergido quanto à autenticidade desta confissão, alguns afirmando a autoria de Lucaris, e outros observando que temos um grande corpo de livros e cartas do Patriarca em que ele não defende posições calvinistas e é um defensor da Santa Ortodoxia. Não há dúvida de que os jesuítas estavam procurando prejudicar Lucaris e rotulá-lo como um Calvinista e um traidor da Sagrada Ortodoxia de modo que sua corajosa oposição às intrigas latinas fosse enfraquecida... Embora se diga que o Patriarca Lucaris tenha repudiado oralmente a autoria da Confissão em várias ocasiões, isto nunca foi feito por escrito.

Há uma certa ambivalência quanto ao status póstumo de Cirilo na Ortodoxia. O Patriarcado de Alexandria o reconheceu como santo e mártir, mas as outras jurisdições Ortodoxas ainda não aceitaram este julgamento sobre Cirilo. Encontrei várias tentativas complicadas de provar que Cirilo foi falsamente acusado de ser um Protestante. À luz da ausência de provas de que a Confissão de Cirilo foi uma falsificação juntamente com a ausência de qualquer prova de que Cirilo tenha negado a Confissão, inclino-me no sentido da Confissão de Cirilo de 1629 como uma prova genuína de que Cirilo adotou a fé Reformada. Também acho digno de nota que dois proeminentes estudiosos - o metropolita Kallistos Ware e o professor de Yale Jaroslav Pelikan - assumiram Cirilo como o autor da Confissão de 1629. Entretanto, o foco principal deste artigo será a resposta do Sínodo 1672 à teologia Reformada, e não o status das crenças de Cirilo Lucaris.

A Confissão de Dositheus

O Sínodo de Jerusalém foi convocado em 1672 para responder à controvérsia gerada pela Confissão de Cirilo. Ele se reuniu 108 anos após a morte de Calvino e não muito depois da tradição Reformada ter elaborado duas grandes declarações doutrinárias: os Cânones de Dort (1619) e a Confissão de Westminster (1646). Em outras palavras, o Sínodo estava se dirigindo ao Calvinismo em uma época em que ele havia atingido uma expressão madura. O Sínodo de Jerusalém publicou a Confissão de Dositheus que condenava explicitamente os ensinamentos de João Calvino. O documento recebeu seu nome a partir de Dositheus Notaras, o Patriarca de Jerusalém que presidiu o Sínodo.

A Confissão de Dositheus consiste em: um parágrafo inicial, dezoito decretos, quatro questões, e um epílogo. A Confissão em termos claros denunciou João Calvino e a tradição Reformada. 

. . mas seria a Igreja dos perversos {Psalm 25:5} como é óbvio que é sem dúvida a igreja dos hereges, e especialmente a de Calvino, que não têm vergonha de aprender com a Igreja, e depois repudiá-la de forma ímpia. (Decreto 2; Leith p. 487)

Aqui o sínodo Ortodoxo reconheceu a familiaridade de Calvino com os Pais da Igreja e depois o criticou por ter abandonado o consenso patrístico. Ainda mais marcante é a linguagem forte usada para descrever a tradição Reformada como a "igreja dos hereges". Também é notável a especificidade da linguagem do documento.  Cirilo Lucaris é mencionado pelo nome três vezes: no Decreto 10 (Leith p. 492), Questão 4 (Leith p. 515) e no Epílogo (Leith p. 516). Calvino é mencionado pelo nome uma vez no Decreto 2 (Leith p. 487), e os Calvinistas duas vezes: no Decreto 10 (Leith p. 492) e na Questão 4 (Leith p. 513).

Sola Scriptura

Protestantes Conservadores e Evangélicos ficarão felizes ao descobrir que no Decreto 2, a Igreja Ortodoxa afirma a inspiração divina e a infalibilidade da Escritura. No entanto, eles descobrirão que o Sínodo repudiou o princípio Protestante da sola scriptura (somente a Bíblia), insistindo que a Bíblia deve ser entendida à luz de como a Igreja interpretou a Bíblia.
Cremos que as Escrituras Divinas e Sagradas são ensinadas por Deus; e, portanto, devemos crer na mesma sem duvidar; no entanto, não de forma diferente daquela que a Igreja Católica tem interpretado e entregue a mesma. (Leith p. 486)

O Sínodo advertiu que sem a autoridade de ensino da Igreja, as consequências serão homens interpretando a Bíblia a partir de sua própria perspectiva, abrindo assim o caminho para a heresia, a fragmentação teológica e o denominacionalismo.

Pois [caso aceitássemos as Escrituras] de outra forma, cada homem mantendo a cada dia um sentido diferente a respeito delas, a Igreja Católica [isto é, a Igreja Ortodoxa] não permaneceria, pela graça de Cristo, como Igreja até os dias de hoje, mantendo a mesma doutrina de fé, e sempre crendo de forma idêntica e firme. Mas, ao contrário, ela ficaria dividida em inumeráveis partidos, e sujeita a heresias.  (Leith p. 486) 

Como mencionado anteriormente, os Protestantes conservadores e Evangélicos ficarão felizes ao saber que a Ortodoxia afirma a infalibilidade da Escritura. Entretanto, eles precisarão se esforçar para lidar com a afirmação de que, assim como o Espírito Santo inspirou a Bíblia, assim também Ele inspirou a Igreja. A frase final do Decreto 2 afirma que tanto a Bíblia quanto a Igreja Ortodoxa são infalíveis.

. . é impossível que ela [a Igreja] erre de qualquer maneira, ou que engane, ou seja enganada; mas tal como as Sagradas Escrituras, ela é infalível, e tem autoridade perpétua.

Ao contrário do Catolicismo Romano que situa a infalibilidade no papado, a Ortodoxia entende que a infalibilidade é o resultado do Espírito Santo guiando toda a Igreja Ortodoxa para a verdade (veja João 16:13). O magisterium (autoridade de ensino) da Igreja Ortodoxa é estruturado pela Santa Tradição, por exemplo, o Credo Niceno, os Sete Concílios Ecumênicos, a Divina Liturgia, os Pais da Igreja, etc. O Decreto 12 explica com mais detalhes como o Espírito Santo através dos Pais da Igreja mantém a Igreja Ortodoxa livre de erros. (Leith p. 496) 

O Sínodo encorajou todos os cristãos Ortodoxos a ouvir a Bíblia, uma referência à leitura das Escrituras durante a Liturgia. Entretanto, na Questão 1, desencorajou a leitura privada da Escritura, a menos que alguém tivesse sido devidamente treinado na interpretação e significado das Escrituras. (Leith pp. 506-507) A Questão 2 refuta a doutrina Protestante da perspicuidade das Escrituras, afirmando que certas partes das Escrituras são difíceis de entender. (Leith p. 507) Na Questão 3, a canonicidade dos livros deuterocanônicos (também conhecidos como Apócrifos) - os quais muitos Protestantes não reconhecem - é defendida. Tudo isso evidencia como a Ortodoxia entende e aborda as Escrituras de forma diferente do Protestantismo. (Leith pp. 507-508)

Dupla Predestinação

A teologia reformada é bem conhecida por sua doutrina de dupla predestinação. Verificamos que a Igreja Ortodoxa tem uma compreensão diferente da predestinação. A sentença inicial do Decreto 3 afirmou que Deus predestina as pessoas, mas rejeita explicitamente a doutrina da dupla predestinação.
Cremos que o bom Deus predestinou desde a eternidade para a glória aqueles que Ele escolheu, e que consignou à condenação aqueles que Ele rejeitou; mas não de forma que Ele justifique alguns, e consigne e condene outros sem causa. (Decreto 3)
Poder-se-ia perguntar como a Ortodoxia pode afirmar os decretos eternos de Deus e ao mesmo tempo rejeitar a dupla predestinação. A resposta é que, ao contrário do Calvinismo que ensina a eleição incondicional, a Ortodoxia acredita que a humanidade manteve a capacidade para o livre arbítrio após a Queda e que Deus, em sua onisciência, anteviu como cada pessoa exerceria seu livre arbítrio.
Mas, como Ele anteviu que uns fariam um uso correto de seu livre-arbítrio, e os outros um uso incorreto, Ele predestinou uns, ou condenou os outros. (Decreto 3)

Assim [ele ainda tem] a mesma natureza em que foi criado, e o mesmo poder de sua natureza, isto é, o livre arbítrio, vivendo e operando, de modo que ele é capaz por natureza de escolher e fazer o que é bom, e de evitar e odiar o que é mau. (Decreto 14)

A declaração do Decreto 3 de que Deus não justificaria ou condenaria "sem causa" - uma referência à doutrina Calvinista da eleição incondicional - pode ser entendida como ensinando a eleição condicional, ou seja, dependente das escolhas morais que alguém faz.

É altamente instrutivo notar como o Sínodo de Jerusalém entendeu o livre arbítrio humano como a base para a doutrina da sinergia (cooperação humana com a graça divina). Além disso, a sinergia está atuando em todas as pessoas com dois resultados diferentes: salvação ou condenação. 

E entendemos assim o uso do livre arbítrio, que a graça Divina e iluminadora, e que chamamos de graça preventiva [ou, preveniente], sendo, como uma luz para aqueles que se encontram nas trevas, pela bondade Divina transmitida a todos, para aqueles que estão dispostos a obedecê-la - pois ela é útil apenas para os dispostos, não para os não dispostos - e cooperar com ela, naquilo que ela requer como necessário para a salvação, consequentemente, é concedida uma graça particular. Esta graça coopera conosco e nos capacita e nos faz perseverar no amor de Deus, isto é, em realizar aquelas coisas boas que Deus quer que façamos, e que Sua graça preventiva nos admoesta que devemos fazer, nos justifica e nos faz predestinados. Mas aqueles que não obedecem, e cooperam com a graça; e, portanto, não observam as coisas que Deus quer que façamos, e que abusam o livre arbítrio a serviço de Satanás, que receberam de Deus para realizar voluntariamente o que é bom, são consignados à condenação eterna. (Decreto 3)

O entendimento Ortodoxo é que, mesmo depois da Queda, o homem mantém o livre arbítrio e que Deus concede a graça preventiva a todas as pessoas: "pela bondade Divina transmitida a todos".  Além disso, ele entende que a graça preventiva "coopera conosco" indicando o entendimento sinérgico da salvação em Cristo. A aplicação da doutrina da sinergia aos salvos e aos não-salvos pode ser vista nas duas frases paralelas "aqueles que estão dispostos a obedecer" e "aqueles que não obedecem, e cooperam com a graça". Assim, toda a humanidade recebeu em alguma medida a graça de Deus, e escolheu ou responder positivamente à graça de Deus ou recusá-la.

A afirmação do livre arbítrio do Decreto 3 desafia uma das premissas fundamentais da soteriologia reformada: o monergismo, o ensinamento de que Deus é a única fonte e único determinante de nossa salvação. Isto é, se somos salvos, é porque Deus assim escolheu nos salvar, e se somos condenados, é porque Deus em sua inescrutável sabedoria escolheu este destino para nós. Não há espaço para o livre arbítrio ou sinergismo no paradigma monergista da salvação encontrado na teologia reformada.

Lendo ainda mais o Decreto 3, encontramos o tom de indignação e consternação dos Pais do Sínodo de Jerusalém diante da crueldade insensível implícita na doutrina reformada da dupla predestinação. Em termos claros, eles condenaram este ensinamento como sendo ímpio e blasfemo.
Mas então, afirmar que a Vontade Divina é, portanto, unicamente e sem causa, o autor da condenação deles, que maior difamação pode ser dirigida a Deus? E que maior injúria e blasfêmia pode ser oferecida ao Altíssimo?

Mas quanto à punição eterna, à crueldade, à impiedade e à desumanidade, nós nunca, nunca dizemos que Deus é o autor, que nos diz que há alegria no céu por um de um pecador que se arrepende.

Sola Fide

No Decreto 13, a Confissão de Dositheus rejeita o núcleo da doutrina Protestante sola fide (justificação pela fé somente):

Cremos que um homem não é simplesmente justificado pela fé somente, mas pela fé que opera através do amor, ou seja, através da fé e das obras. (Leith p. 496)

Eles explicaram que as boas obras são uma manifestação ou fruto da fé, algo bem diferente da compreensão Católica Romana medieval de boas obras como meritórias.
Mas consideramos as obras não como testemunhas que certificam nosso chamado, mas como sendo frutos em si mesmas, através dos quais a fé se torna eficaz, e como em si mesmas meritórias, através das promessas Divinas {cf. 2 Coríntios 5:10} de que cada um dos fiéis pode receber o que é feito através de seu próprio corpo, seja bom ou mau.
A breve resposta do Sínodo de Jerusalém ao sola fide aqui reflete muito provavelmente os Luteranos dando maior ênfase ao sola fide do que os Calvinistas.

Ícones e a Veneração dos Santos

Na Questão 4, o Sínodo de Jerusalém formulou uma longa refutação ao iconoclasmo dos reformados. (Leith pp. 508-516). Em resposta aos Calvinistas que citavam o Segundo Mandamento como fundamento para a rejeição de imagens, o Sínodo de Jerusalém observou que o Segundo Mandamento foi mais tarde seguido por Deus instruindo Moisés a fazer representações dos querubins, bois e leões que deveriam ser colocados no Templo. Ao colocar o Segundo Mandamento no contexto mais amplo, o sínodo de Jerusalém fez algo que os Calvinistas daquela época e ainda hoje não conseguem fazer. 

Portanto, quando contemplamos o próprio Deus dizendo em um momento: "Não farás para ti nenhum ídolo ou semelhança; nem os adorarás, nem os servirás;" {Êxodo 20:4,5; Deuteronômio 5:8,9} e em outro, ordenando que sejam feitos querubins; {Êxodo 25:18} e ainda, que bois e leões {1 Reis 7:29} foram colocados no Templo, não consideramos precipitadamente a seriedade destas coisas. Pois a fé não está em segurança; mas, como já foi dito, considerando a ocasião e outras circunstâncias, chegamos à interpretação correta da mesma; e concluímos que, "Não farás para ti nenhum ídolo, ou semelhança", é o mesmo que dizer: "Não adorarás deuses estranhos", {Êxodo 20:4} ou ainda, "Não cometerás idolatria". (Leith p. 510)

O Sínodo concluiu que o Segundo Mandamento é melhor entendido, não como uma condenação de representações visuais em lugares de culto, mas sim a adoração de falsos deuses.

O Sínodo de Jerusalém defendeu a veneração dos ícones observando que era uma prática antiga que remontava ao tempo dos Apóstolos e que foi afirmada pelo Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia 787). 

E quanto aos santos que eles [os Calvinistas] apresentam como dizendo que não é lícito adorar ícones, concluímos que eles antes nos ajudam, já que eles em suas acirradas disputas, contra aqueles que adoram os santos ícones com latria [do grego: adoração], bem como contra aqueles que trazem os ícones de seus parentes falecidos falecidos para a Igreja.  Eles submeteram a anátema aqueles que fazem isso, mas não contra a adoração correta, seja dos Santos, seja dos santos Ícones, seja da preciosa Cruz, ou de outras coisas que foram mencionadas, especialmente desde que os santos Ícones têm estado na Igreja, e têm sido venerados pelos Fiéis mesmo desde os tempos dos Apóstolos. Isto é registrado e proclamado por muitos com quem e após quem o Sétimo Santo Sínodo Ecumênico envergonha toda a impudência herética. (Leith p. 510)

Relacionada à veneração dos ícones está a veneração dos santos.

Os Santos sendo, e reconhecidos pela Igreja Católica como sendo, intercessores, como foi dito no Oitavo Decreto, é hora de dizer que os honramos como amigos de Deus, e como orando por nós ao Deus de todos. 

A compreensão Ortodoxa da ressurreição de Cristo influenciou fortemente sua compreensão de que existe algum tipo de comunhão entre a Igreja Militante na terra e a Igreja Triunfante no céu, e que os santos estão presentes diante do trono de Deus. Isto contrasta fortemente com a prática geral dos Calvinistas e outros Protestantes de darem pouca atenção aos mortos após seu sepultamento.

Outras diferenças

A tradição Reformada favoreceu o sistema de governo presbiteriano, uma forma de governo eclesiástico tipificada pelo regulamento das assembleias de presbíteros (anciãos). Isto é contrário ao episcopado histórico, no qual a autoridade do bispo repousava no fato de ele fazer parte da cadeia da sucessão apostólica. Por esta razão, o Sínodo de Jerusalém sentiu-se obrigado a defender o episcopado histórico (Decreto 10).

Os decretos 15 a 17 tratam dos sacramentos em geral, e do batismo e da Eucaristia em particular. O sínodo de Jerusalém afirmou a necessidade do batismo infantil e rejeitou a noção de rebatismo. A presença real de Cristo na Eucaristia é afirmada. O que é interessante notar é que a doutrina da consubstanciação de Lutero é rejeitada e a presença real é definida em termos muito parecidos com a doutrina Católica Romana da transubstanciação. Esta semelhança pode ser vista no uso de categorias aristotélicas de substância e acidentes. (Decreto 17, Leith p. 503; veja também Ware p. 97) A Confissão enfatizou que a presença real não é algo que pode ser explicado. (Leith, p. 504) Insiste que as únicas eucaristias válidas são aquelas celebradas por um sacerdote Ortodoxo autorizado por um bispo canônico Ortodoxo. (Leith, p. 505)

No que diz respeito à vida após a morte, o Sínodo de Jerusalém ensinou que depois da morte a alma parte para o regozijo ou para o sofrimento e que este é um estado temporário até a ressurreição, quando a alma será reunida ao corpo (Decreto 18; Leith p. 505). Também afirmou a eficácia de orar pelos mortos - uma prática que a maioria dos Protestantes evita.

Resumo e Conclusão

Quer Cirilo Lucaris tenha sido ou não um Calvinista, a Confissão de Dositheus deixa claro em termos nítidos que ela rejeitou a teologia Reformada. Ele repudiou o coração da soteriologia Reformada através de sua rejeição da dupla predestinação, eleição incondicional, e por sua afirmação do livre arbítrio humano após a Queda juntamente com o entendimento sinérgico da salvação (Decreto 3). Além disso, ela rejeitou outras doutrinas Protestantes fundamentais: sola fide (Decreto 13), sola scriptura (Decreto 2). Com relação às práticas de culto, o iconoclasmo reformado é rejeitado (Questão 4).

À luz de sua recepção universal pela Ortodoxia, a Confissão de Dositheus pode ser considerada a resposta dogmática definitiva da Igreja Ortodoxa à teologia Reformada. O Metropolita Kallistos Ware em seu livro The Orthodox Church observou:
Enquanto as decisões doutrinárias dos Concílios Gerais são infalíveis, as de um concílio local ou de um bispo individual estão sempre suscetíveis de erro; mas se tais decisões são aceitas pelo resto da Igreja, então elas vêm a adquirir autoridade Ecumênica (ou seja, uma autoridade universal semelhante àquela possuída pelas declarações doutrinárias de um Concílio Ecumênico). (pp. 202-203)
Assim, a Confissão de Dositheus representa a resposta oficial e definitiva da Ortodoxia ao Calvinismo. A rejeição pelo Concílio de Jerusalém de tantas doutrinas centrais do Protestantismo (sola fide e sola scriptura), bem como da soteriologia e eclesiologia características da tradição Reformada, significa que existem diferenças irreconciliáveis entre as duas tradições. Assim, embora as duas tradições possam compartilhar pontos em comum com respeito à Trindade e à cristologia, elas estão bastante afastadas em relação a tantas outras doutrinas.

As simpatias pró-Reforma de Cirilo Lucaris na Confissão de 1629 tiveram uma influência positiva na Ortodoxia. Forçou a Igreja Ortodoxa a lidar com muitas de suas crenças implicitamente mantidas, levando-a a reafirmá-las com maior clareza e precisão. Jaroslav Pelikan observa:
Quando Cirilo Lucaris compôs sua Confissão Oriental da Fé Cristã, ele se esforçou para aderir à ortodoxia oficial em relação aos dois dogmas básicos e usar o silêncio oficial da igreja em outras questões como uma ordem para enxertar o Protestantismo em sua Ortodoxia Oriental. O resultado da controvérsia sobre sua confissão mostrou que o Oriente na realidade acreditava e ensinava muito mais do que confessava, mas foi forçado a tornar seus ensinamentos confessionalmente explícitos em resposta ao desafio. (p. 283)

Assim, a Confissão de Dositheus é imensamente útil para as pessoas que desejam comparar e contrastar a Ortodoxia contra o Calvinismo (a tradição Reformada). É também muito útil para os cristãos Ortodoxos que desejam defender sua religião contra seus críticos Reformados.

Fonte: Robert Arakaki - Orthodoxy’s Official Response to Calvinism — The Confession of Dositheus (1673)


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

A Forma de Recepção dos Católicos Romanos Convertidos na Igreja Ortodoxa (Pe. George Dragas)

 A Forma de Recepção dos Católicos Romanos Convertidos na Igreja Ortodoxa

com especial referência às decisões dos Sínodos de 1484 (Constantinopla), 1755 (Constantinopla), e 1667 (Moscou) [1] 



1. Introdução: Os cânones antigos

A forma de recepção dos heterodoxos na Igreja Ortodoxa foi especificada por vários cânones antigos, [2] que foram incorporados ao Direito Canônico da Igreja Ortodoxa. Estes incluem os cânones apostólicos 46, 47, e 50, os cânones 8 e 19 do 1º Sínodo Ecumênico, Cânone 7 do 2º Sínodo Ecumênico, Cânon 95 do 6º Sínodo Ecumênico, Cânon 66 do Sínodo Local de Cartago e Cânones 1, 5, e 47 de São Basílio. Cânone 7 do Segundo Concílio Ecumênico (381) [3] e o Cânon 95 do Quinto-Sexto Concílio Ecumênico (691) são particularmente importante. [4]

De acordo com esses cânones, há três formas de receber os heterodoxos na Igreja:

a) por re-batismo (na verdade, batismo), quando a celebração do batismo heterodoxo é considerado deficiente ou inválido por causa de fé e/ou prática deficiente,

b) por Crisma e assinatura de um Libellus apropriado de renúncia da heresia particular que os convertidos anteriormente mantinha, e 

c) através da simples assinatura de um Libellus ou Confissão de Fé apropriado, onde os erros de heterodoxia da pessoa recebida são devidamente denunciadas e a fé Ortodoxa é plenamente abraçada.

A recepção dos Católicos Romanos nas Igrejas Orientais, que ocorreram após o grande Cisma de 1054, foi realizada em qualquer uma das três formas acima mencionadas. A prática variou de acordo com os tempos e as circunstâncias. A questão chave para determinar a forma de recepção foi a percepção Ortodoxa do batismo Católico Romano. Esta percepção mudou por várias razões, incluindo a prática Católica Romana, e parece que tal mudança se tornou um fator importante na determinação da forma de recepção dos Católicos Romanos na Ortodoxia.

A aceitação de alguma validade do batismo Católico Romano significava que os convertidos Católicos Romanos seriam recebidos pela economia do Crisma, onde o que faltou no batismo Católico Romano seria fornecido pela graça do Espírito Santo. A não aceitação de tal validade, por outro lado, significava que a akribeia dos cânones tinham que ser aplicada, ocasião em que os convertidos Católicos Romanos foram (re-)batizados. O que, entretanto, tornou o batismo Católico Romano parcialmente válido ou inválido nem sempre foi claramente explicitado, embora tenha sido implicitamente sugerido.

Já na época do grande Cisma (1054), o batismo dos latinos foi submetido a severas críticas. O Patriarca Ecumênico Miguel Cerulário escreveu naquela ocasião ao Patriarca Pedro de Antioquia, sobre os desvios da Igreja Ocidental em relação à antiga tradição e incluiu neles "a administração ilegítima do Batismo." [5] O problema era a prática Católica Romana de imersão única, que havia sido condenada pelos cânones antigos, e o uso de novos costumes estranhos como o uso do sal.[6] É interessante notar aqui a anatematização da Igreja Oriental pelo Cardeal Humbert devido à prática do Patriarca Cerulário de re-batizar os latinos que entraram na Igreja Grega, que lembra a prática ariana.[7]

O renomado canonista Teodoro Balsamon, que em 1193 argumentou, com base no cânon 7 do Segundo Concílio Ecumênico, que os batismos latinos, baseados em uma única imersão, deveriam ser considerados inválidos porque o caso deles era semelhante ao dos eunomianos, compartilhou a posição de Cerulário. [8]

Que os Ortodoxos rebatizaram os Católicos Romanos após o Cisma de 1054 também é confirmado pelo 4º Cânon do IV Concílio Ocidental de Latrão, que foi convocado em 1215 pelo Papa Inocêncio III. [9] No século XIII, especialmente após o saque de Constantinopla pelos cruzados em 1204, a prática de rebatizar os convertidos ocidentais para a Ortodoxia foi intensificada. O Metropolita Germanos de Ainos apontou que a razão para esta prática rigorosa era a agressão violenta, que a Igreja Ocidental mostrou em relação à Igreja Oriental naquela época. Parte dessa agressão foi a tentativa de proselitismo contra os Ortodoxos, usando vários artifícios desonestos, incluindo a declaração da união das duas Igrejas através de um pseudo-sínodo. [10]  Em 1222 o (legítimo) Patriarca de Constantinopla, Germanos II, que estava localizado em Nicéia por causa do saque da Cidade Real pelos cruzados, escreveu um tratado [11] que identifica três tipos de Batismo Ocidental: o autêntico e Apostólico, que é aceitável para os Ortodoxos, o Batismo de imersão única, e o Batismo por efusão ou aspersão, que são altamente questionáveis. Na época de Miguel Palaiologos (1261), Melécio o Confessor expôs a invalidade do Batismo Latino que se baseava na imersão única e sugeriu por implicação o re-batismo dos convertidos latinos.[12]

Durante o século XIII, o rebatismo dos convertidos latinos era uma prática universal na Rússia e deve ter sido transferida da Igreja Grega para lá. Assim, o Papa Honório ΙΙΙ (1216-1227) e o Papa Gregório ΙΧ (1241) acusam os russos de práticas de re-batismo. [13]

Na primeira metade do século XIV (por volta de 1335) Matthaios Vlastaris ressalta o mesmo problema. [14] Em 1355, o Patriarca Kallistos de Constantinopla (1350-4, 1355-63) escreve ao clero de Trnovo que os latinos que foram batizados por imersão única devem ser rebatizados.[15] No final do século XIV, porém, Makarios de Ancyra afirma que os latinos convertidos à Ortodoxia devem ser recebidos apenas por Crisma, de acordo com o cânon 7 de Constantinopla I (381). [16]

No século XV, o Metropolita Marcos de Éfeso informou aos Ortodoxos que os latinos têm dois tipos de batismo, um com tripla imersão e outro com efusão. [17] Gregório Mammas (1469) mostrou que São Marcos favorecia o Crisma. [18] Constantino Oikonomos, no entanto, acredita que São Marcos estava usando "economia". Isto explica porque a prática Ortodoxa de receber convertidos latinos variou: aqueles que tiveram o batismo apostólico (tripla imersão) foram crismados, enquanto aqueles que foram batizados por efusão foram rebatizados. Esta diferenciação explica o comentário de Vryennios que é citado por Syropoulos de que os latinos são "não-batizados."[19]

2. A Decisão do Grande Sínodo de Constantinopla, em 1484. 

Este Sínodo foi convocado na sagrada Igreja de Pammakaristos pelo Patriarca Simeão (1472-75, 1482-1485) em 1482 e novamente em 1484. Na primeira etapa, emitiu um Horos denunciando o Concílio de Ferrara-Florença (1438) e sua doutrina do Filioque, e na segunda, publicou um Acolouthy para a recepção dos convertidos latinos na Igreja Ortodoxa. Este Sínodo se chamou Ecumênico presumivelmente porque todos os quatro Patriarcas Orientais estavam presentes. Ele denunciou o Concílio de Florença e decidiu que "os convertidos latinos à Ortodoxia deveriam ser recebidos na Igreja apenas pelo Crisma e pela assinatura de um Libellus de fé apropriado que incluiria a denúncia dos erros latinos".

O texto básico do Sínodo de 1484 é o Acolouthy (Ofício) para a Recepção de Latinos que é o seguinte (minha tradução do original grego) [20]:

ACOLOUTHY (OFÍCIO)

para a Recepção de Latinos na Igreja Ortodoxa 

Publicado pelo mesmo santo e grande Sínodo, para aqueles que retornam vindos da heresia latina à Igreja ortodoxa e católica de Constantinopla, mas também para os três patriarcas mais santos do Oriente, isto é, os de Alexandria, Antioquia e Jerusalém.

Este Acolouthy foi publicado em Constantinopla no ano de 1484, durante o patriarcado do Patriarca Santíssimo Senhor Simeão. Que se saiba também que este Sínodo, sendo ecumênico, é o primeiro, com a ajuda de Deus, a derrubar e invalidar aquele Sínodo tão ilegítimo que foi convocado em Florença, como um Sínodo que procedeu de forma maléfica e inconstitucional; e como um Sínodo que não seguiu os Sínodos santos e ecumênicos que o precederam; portanto, incluímos a Declaração (Horos) deste nosso Sínodo Ortodoxo e Santo, i. e. aquele de Constantinopla, no atual códice sagrado da santa e grande Igreja de Cristo, uma vez que foi convocado durante nossos dias.

O Sumo Sacerdote, ou um Sacerdote que foi ordenado pelo primeiro, veste uma estola, e diz: "Bendito é o nosso Deus...", de pé diante dos Portões da Santa Bema. Então, começamos imediatamente com: "Glória a Ti, nosso Deus, glória a Ti". "Rei Celestial...". O "Triságio". A "Trindade Santíssima...". “. O "Pai Nosso...". “. O "Kyrie Eleison" (12 vezes). O " Vinde, adoremos...". O "Salmo 50". E então, depois destas coisas terem sido ditas, eles trazem a pessoa que retorna à Ortodoxia proveniente do Catolicismo Romano diante dos santos portões da Bema e o Sacerdote lhe pergunta com a cabeça descoberta, como a seguir:

Pergunta: Tu queres, ó homem, tornar-te Ortodoxo e renuncias a todos os dogmas vergonhosos e estranhos dos latinos, isto é, a respeito da processão do Espírito Santo, nomeadamente que eles pensam e declaram erroneamente que Ele também procede do Filho; e além disso, a respeito dos ázimos que eles usam na liturgia, e do resto dos costumes da Igreja deles, que não estão de acordo com a Igreja Católica e Ortodoxa do Oriente?

O latino: Sim, ó santo Mestre, eu faço isto de todo o meu coração. 

Pergunta: Tu aceitas nosso santo Símbolo da Fé, e tu o manténs inalterado, e sem qualquer adição ou subtração? [o Símbolo da Fé] como foi escrito pelos santos e grandes Concílios Ecumênicos, aquele que foi reunido primeiro em Nicéia, em Bitínia, e aquele que foi convocado em Constantinopla, o segundo Ecumênico, e foi posteriormente afirmado e ratificado por todos os Concílios Ecumênicos? 

Resposta: Sim, santo Mestre, isto é o que amo de todo o meu coração e o mantenho inalterado.

Pergunta: Tu submetes a um anátema, como fizeram nossos santos e divinos Pais, aqueles que ousaram dizer o Credo com algum tipo de adição e que balbuciam que o Espírito Santo procede do Filho como procede do Pai?

Resposta: Confesso que isto é necessário de todo o meu coração e submeto a um anátema estes [que dizem o Credo com alteração]. 

Pergunta: Tu rejeitas e consideras nulo e sem efeito o Sínodo, que foi convocado anteriormente em Florença da Itália e aquelas coisas fraudulentas, que este Sínodo abraçou erroneamente contra a Igreja católica? 

Resposta: Eu rejeito este Sínodo, meu Mestre, e o considero como se ele não tivesse sido convocado ou realizado. 

Pergunta: Tu afastas-te completamente das reuniões dos latinos em suas igrejas, ou mesmo daqueles que são de mentalidade latinizante, e daqueles que usam ázimos de forma judaica, ou celebra estes [mistérios] de forma apolinarista, considerando-os como hereges?

Resposta: Sim, meu Mestre, e eu faço isto de todo o meu coração. 

Pergunta: Tu prometes que de agora em diante, pela graça de Deus, permanecerás firme até o fim de tua vida nesta Fé Ortodoxa de nossa Santa Igreja, imóvel e inabalável, não importa o que possa acontecer contigo? 

Resposta: Sim, honorável Mestre, eu prometo isto com a ajuda de Deus. 

O Sumo Sacerdote ou o Sacerdote: Confesse, portanto, o santo Símbolo (Credo) de nossa fé sem nenhum acréscimo. Ele então confessa em voz alta: "Creio em um só Deus..." e ele diz isto até o fim. Então, quando ele completa o Símbolo inteiro, o sacerdote o unge com o santo e grande Myrhon (Crisma) da Igreja. O sacerdote inscreve uma cruz na testa e também nas orelhas, no queixo, nas mãos, assim como no peito e nos joelhos, dizendo ao ungir cada um dos sentidos: "O Selo do dom do Espírito Santo, Amém". Após a unção com o Crisma, o Sacerdote oferece acima da cabeça da pessoa que foi ungida com o Crisma a seguinte oração:

Oremos ao Senhor, Senhor nosso Deus, que inclinou os céus e peregrinou com os da terra pela infinita misericórdia, que ensinou os seres humanos a confessar a verdadeira e imaculada confissão, o conhecimento da Trindade consubstancial e co-eterna, e o Espírito venerável e todo-poderoso, tendo pronunciado por Tua boca infalível que procede e deve sua hipóstase a Teu Pai e Deus que não tem começo, Tu, ó Mestre, recebe, como misericordioso e compassivo, teu servo _____ que retorna a partir da heresia latina à verdade de teu Evangelho e de tua boca infalível, e à teologia exata da piedade de teus santos Apóstolos e mestres, congregando-o e unindo-se aos verdadeiros dogmas de tua Igreja santa, católica e apostólica, tornando-o digno do reino infinito e eterno dos céus através do conhecimento e da declaração dos dogmas da piedade. Deixai de lado, então, como compassivo e misericordioso qualquer transgressão que ele cometeu em sua vida em conhecimento ou na ignorância; assegurai-lhe que permaneça firme na fé ortodoxa e na confissão de Ti; ampliai-lhe a boca para que ele possa extrapolar contra as heresias dos portões do inferno e do resto da impiedade; abre-lhe bem os olhos da mente para que ele possa compreender Tuas maravilhas; ensina-lhe a buscar a santidade no temor diante de Ti; não te lembres das iniquidades dele; purifica a alma dele das brumas heréticas e de qualquer outro tipo de impiedade; reúne-o através de nós enquanto ele se dirige ao Teu rebanho ortodoxo; pois a Ti pertence toda glória, honra e adoração juntamente com Teu Pai, que não tem começo, e com Teu Espírito, todo santo e bom e vivificante, agora e sempre e nos séculos dos séculos, AMEN.

Então, ele diz o Salmo: "Eu te exaltarei, ó meu Deus, meu Rei"... Depois, "Glória..., tanto Agora...". "Mais venerávelque os querubins...". "Que Deus tenha piedade de nós ...". 

Em seguida, os Ektenes e as Despedidas.

LIBELLUS 

que os convertidos latinos são solicitados a produzir por escrito 

Como fomos solicitados por nosso Santíssimo Mestre ou Sumo Sacerdote__________ , a produzir uma confissão pura no códice da Igreja, que é mantida pela Igreja Católica dos Gregos, já de acordo com sua ordem divina e de adoração, retornamos nosso presente libellus escrito, por meio do qual confessamos plenamente que aceitamos tudo o que foi pronunciado e aceito pelos cânones divinos e santos, os cânones apostólicos e os dos sete santos concílios ecumênicos, e aqueles particulares que são plenamente confessados pela santa Igreja dos gregos, rejeitando todos os costumes inaceitáveis dos latinos e toda outra inovação sacrílega; pelo qual nossa presente confissão escrita foi entregue à grande Igreja católica e apostólica de Constantinopla, no mês de _______, do indiciado ___________, do ano _______.

O que é particularmente importante observar nesse Acolouthy é a oração que segue o Crisma, que difere da utilizada no segundo Sacramento da Iniciação. Fica claro que esta é uma ação extraordinária do Espírito, que domestica, por assim dizer, a pessoa que ingressa na Igreja. A ausência de qualquer referência ao batismo ou ao rebatismo não implica em validade ou invalidez. Há talvez uma referência velada a ele na rejeição dos "costumes inaceitáveis dos latinos" e das "outras inovações sacrílegas", mas, de alguma forma, há aqui uma assimetria entre o batismo e este ato de Crismação.

Alguns autores assumiram que esta nova política foi devida às novas circunstâncias que a queda de Constantinopla provocou. A Igreja queria evitar um agravamento ainda maior das relações com o Ocidente. Ao aceitar esta economia, porém, a Igreja não endossou a prática ilegítima latina de imersão única, mas simplesmente aceitou o batismo latino como válido por economia. [21] Assim, em 1575 o Patriarca Jeremias II (1572-1594) criticou explicitamente em sua correspondência com os teólogos luteranos de Tübingen o Batismo de imersão única ou Batismo por aspersão, mas não o declarou como inválido. [22] Mas em 1715 Dositheos de Jerusalém declarou que os latinos que não são batizados por tripla imersão correm o risco de serem considerados como não-batizados. [23] Em 1708 o Patriarca Kyprianos (1708-1709) considera o Batismo dos Latinos válido por economia. Em 1718, o Patriarca Jeremias III (1716-1726) foi questionado pelo czar Pedro o Grande da Rússia sobre o batismo dos ocidentais. Em sua carta ao Czar de 31 de agosto de 1718, o Patriarca se referiu a uma decisão sinodal de seu antecessor, Kyprianos (1708-1709), que estipulava que o Crisma deveria ser o meio de receber luteranos e calvinistas na Ortodoxia após sua renúncia de seus erros.[24]

Com o passar do tempo, porém, e as condições mudaram na vida e relações das Igrejas no Oriente e no Ocidente, a prática litúrgica também mudou. A agressão ocidental no Oriente exigiu uma nova política. Em 1722 um Sínodo em Constantinopla, no qual Atanásio de Antioquia (+1724) e Chrysanthos de Jerusalém (1707-1731) participou, decidiu pelo rebatismo dos latinos como retaliação pelo cisma que os missionários latinos causaram na Síria. [25] Esta retaliação atingiu seu auge em 1755, devido à contínua agressão latina em Antioquia e, em geral, no Oriente. Um Sínodo convocado em Constantinopla produziu uma Declaração (Horos) que exigiu o rebatismo dos latinos.

3. A decisão do Sínodo de Constantinopla em 1755 [26].

O patriarca Cirilo V que ascendeu ao trono de Constantinopla pela primeira vez em 1748 tendo sido Metropolita da Nikomedia convocou este Sínodo.[27] As circunstâncias, que o ditaram, foram muito provavelmente as tentativas dos latinos de converter os Ortodoxos no Oriente Médio e em outros lugares, declarando que não havia diferenças substanciais entre gregos e latinos. Esta situação de proselitismo desonesto, especialmente no Oriente Médio, é claramente exposta pelos historiadores Makraios e Hypsilantes.[28] A ocasião surgiu em 1750, quando Cirilo recebeu vários latinos, rebatizando-os. Os políticos ocidentais residentes em Constantinopla ficaram profundamente descontentes e conspiraram contra o Cirilo alcançando eventualmente o afastamento dele do trono de Constantinopla (1751). Paisios II, seu sucessor, que retornou ao Trono Ecumênico pela quarta vez, não rebatizou os latinos, mas isso provocou sua queda, porque o povo se opôs a ele como sendo de mentalidade latinizante. [29] Isto ocorreu através de um certo monge Auxentios [30] que afirmou ter recebido uma visão celestial confirmando sua visão sobre o rebatismo dos latinos e apoiando Cirilo V. Cirilo V retornou ao trono quinze meses após a queda de Paisios II, em 1752, por aclamação popular. O conflito que se seguiu entre ele e os latinos que viviam na Cidade e alguns dos Hierarcas "de mentalidade latinizante" que estavam alinhados com eles o levou a convocar um Sínodo em 1775 que decidiu rebatizar os convertidos latinos que desejavam entrar para a Igreja Ortodoxa. Este Sínodo emitiu um Horos (Declaração) que revela a perspectiva do Patriarca Cirilo e seus seguidores; isto é, uma perspectiva que já havia sido expressa em um livro de Christophoros Aitolos, um contemporâneo apoiador de Cirilo, intitulado Uma denúncia da Aspersão. O texto do Horos é o seguinte: [31]

HOROS

da Santa e Grande Igreja de Cristo

sobre o Batismo dos Convertidos vindos do Ocidente

Já que muitos são os meios pelos quais somos feitos dignos de alcançar nossa salvação, e alguns deles estão interligados e formam uma sequência uns com os outros de forma semelhante a uma escada, por assim dizer, todos visando a um mesmo fim. Primeiro de tudo, então, é o batismo, que Deus entregou aos santos Apóstolos, de tal forma que, sem ele, os demais são ineficazes. Pois é dito: "Aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus" (João 3:5). O primeiro modo de geração trouxe o homem para esta existência mortal. Era, portanto, imperativo, e necessariamente assim, que outra forma mais mística de geração fosse encontrada, não começando na corrupção nem terminando nela, onde seria possível para nós imitar o autor de nossa salvação, Jesus Cristo. Pois a água do batismo na fonte toma o lugar do ventre, e há nascimento para aquele que nasce, como diz Crisóstomo (PG 59:153); enquanto o Espírito que desce sobre a água tem o lugar de Deus que molda o embrião. E assim como ele foi colocado no túmulo e ao terceiro dia retornou à vida, assim também aqueles que creem, indo debaixo da água em vez de debaixo da terra, em três imersões representam em si mesmos a graça dos três dias da ressurreição (Gregório de Nissa PG 46: 585), sendo a água santificada pela descida do Espírito Santo, para que o Corpo possa ser iluminado pela água que é visível, e a alma possa receber a santificação pelo Espírito que é invisível. Pois assim como a água em um caldeirão participa do calor do fogo, assim também a água na fonte é transmutada, pela ação do Espírito que é invisível (Cirilo de Alexandria, PG 73:245). Ela purifica aqueles que são assim batizados e os torna dignos de adoção como filhos. Não é assim, porém, com aqueles que são iniciados de maneira diferente. Em vez de purificação e adoção, ela os torna impuros e filhos da escuridão.

Apenas três anos atrás, surgiu a questão: Quando os hereges chegam até nós, seus batismos são aceitáveis, dado que são administrados contrariamente à tradição dos santos Apóstolos e divinos Pais, e contrariamente aos costumes e ordenanças da Igreja Católica e Apostólica? Nós, que por misericórdia divina fomos criados na Igreja Ortodoxa e que aderimos aos cânones dos santos Apóstolos e dos divinos Pais, reconhecemos apenas uma Igreja, nossa santa Igreja católica e apostólica. São seus sacramentos, e consequentemente seu batismo, que nós aceitamos. Por outro lado, abominamos, por determinação comum, todos os ritos não administrados como o Espírito Santo ordenou aos santos Apóstolos, e como a Igreja de Cristo realiza até os dias de hoje. Pois eles são invenções de homens depravados, e os consideramos estranhos e alheios a toda a tradição apostólica. Por isso, recebemos aqueles que vêm até nós vindos deles como profanos e não-batizados. Nisto seguimos nosso Senhor Jesus Cristo que ordenou a seus próprios discípulos que batizassem, "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mateus 28: 19); seguimos os santos e divinos Apóstolos que nos ordenam a batizar os aspirantes com três imersões e emersões, e em cada imersão dizer um nome da Santíssima Trindade (Cânon Apostólico 50); seguimos o santo Dionísio, semelhante dos Apóstolos, que nos manda "mergulhar o aspirante, despojado de cada veste, três vezes em uma fonte contendo água e óleo santificados, tendo proclamado em voz alta as três hipóstases da Divina Beatitude, tendo selado o recém-batizado com o crisma mais divinamente potente, e depois fazer dele um participante da eucaristia super-sacramental (Sobre as Hierarquias Eclesiásticas, II: 7, PG 3:396); e seguimos o Segundo (cânon 7) e Penthekte (Cânon 95) santos Concílios Ecumênicos, que nos ordenam receber como não-batizados aqueles aspirantes à Ortodoxia que não foram batizados com três imersões e emersões, e em cada imersão não invocaram em voz alta uma das três hipóstases, mas foram batizados de alguma outra forma.

Nós também seguimos, portanto, estes decretos divinos e sagrados, e rejeitamos e abominamos os batismos pertencentes aos hereges. Pois eles discordam e são alheios ao divino ditame apostólico. Eles são águas inúteis, como disseram Santo Ambrósio e Santo Atanásio, o Grande. Eles não dão nenhuma santificação a tais que os recebem, nem servem de nada para lavar os pecados. Recebemos aqueles que vêm à fé Ortodoxa, que foram batizados sem serem batizados, como não-batizados, e sem perigo os batizamos de acordo com os cânones apostólicos e sinodais, nos quais a santa e apostólica e católica Igreja de Cristo, a Mãe comum de todos nós, se apoia firmemente.

Juntamente com esta nossa determinação e declaração conjunta, selamos este nosso Horos, estando de acordo com os ditames Apostólicos e Sinodais, e o certificamos por nossas assinaturas. 

No ano da salvação de 1755, 

+CIRILO, pela misericórdia de Deus, Arcebispo de Constantinopla 

+MATEUS, pela misericórdia de Deus, Papa e Patriarca da grande cidade de Alexandria e Juiz da Oecumene 

+PARTHENIOS, pela misericórdia de Deus, Patriarca da Cidade Santa de Jerusalém e de toda a Palestina.

Está claro a partir deste Horos que a principal objeção ao batismo Católico Romano foi sobretudo a maneira pela qual era celebrado. Há aqui referências claras por nuance à ausência da tripla imersão e à inovação ocidental de celebrar o batismo por aspersão, que foi sancionada pelo Concílio de Trento. O historiador Sergios Makraios enfatiza particularmente este ponto. [32] Os Kollyvades do Monte Athos, Eustratios Argenti e, no século XIX, o estudioso e erudito padre Constantino Oikonomos também mantiveram esta objeção. O ilustre professor contemporâneo da Universidade de Atenas, Protopresbítero George Metallinos, produziu uma defesa sustentada desta posição. Seu livro, Eu Confesso Um Só Batismo..., [33] também publicado recentemente em tradução inglesa pelo Mosteiro de São Paulo da Montanha Santa (1994) é extremamente valioso para a concepção canônica rigorosa (ou concepção akribeia) sobre a recepção de convertidos para a Ortodoxia. A única fraqueza deste livro reside em sua falha em analisar cuidadosamente os argumentos a favor da concepção canônica leniente (ou concepção econômica) que utiliza o Crisma para a recepção dos convertidos para a Ortodoxia junto com a confissão da Fé Ortodoxa e a denúncia dos erros heterodoxos. O Pe. Metallinos teria fornecido um argumento totalmente convincente, se ele tivesse produzido uma análise cuidadosa da visão dos "opositores", por assim dizer, de Cirilo V e do Sínodo de 1755 e se ele tivesse exposto a deficiência canônica da mesma (isto é, a unilateralidade).

A oposição latina a Cirilo V intensificou-se após suas decisões sinodais de 1755 e assim sua segunda queda aconteceu em 1757. [34] Kallinikos III ou IV [35] (anteriormente Metropolita de Proilavou) o substituiu, mas ele também foi derrubado pelo povo como "um Franco" e "de mentalidade latinizante" e substituído por Serafim, anteriormente de Philippoupolis. As opiniões de Kallinikos foram expostas em um tratado, que foi escrito em 1753, quando a controvérsia sobre a rebatização dos convertidos latinos para a Ortodoxia estava em seu auge. Este tratado foi publicado a partir do Cod. 122 da Biblioteca de Zagora em 1931, e é importante analisá-lo aqui a fim de obter um panorama real da visão dos adversários de Cirilo V. [36]

O texto está dividido em duas seções: uma que trata dos armênios e da forma como eles sempre foram recebidos na Igreja Ortodoxa e a outra, que trata dos latinos e como estes também foram recebidos na Ortodoxia. Ele argumenta que o Crisma e a Confissão, ou a assinatura de um Libellus (Declaração) de fé, foram as principais normas para a aceitação de convertidos para o rebanho Ortodoxo em ambos os casos. Particularmente interessante é a discussão sobre o batismo latino por aspersão, que incluía selar com saliva e colocar sal na boca do candidato ao batismo. Kallinikos explica que Tomás de Aquino introduziu pela primeira vez estes costumes no Ocidente na época do Imperador Ioannis Vatatzis, ou seja, cerca de 530 anos que esta inovação começou. Simão de Tessalônica, diz Kallinikos, já havia criticado os latinos por não utilizarem uma tripla imersão. As objeções então, levantadas contra o batismo Ocidental não eram algo relativamente novo, mas tinham raízes mais antigas. Por que antes a Igreja do Oriente tolerava tais práticas ocidentais, pergunta Kallinikos, e agora as considera intoleráveis?

A decisão do Sínodo de 1755, entretanto, continuou a ser normativa em muitos casos, mas não sem exceções: Em 1760 Ioannikios III permitiu a Ananias de Pringipos receber na Igreja Ortodoxa um armênio somente através do Crisma. [37] Em 1786, o Patriarca Prokopios emitiu um Regulamento Canônico para Gerasimos, anteriormente de Raska, dando-lhe o direito de batizar o uniata Narkissos que, de boa vontade e sem qualquer pressão externa, procurou entrar para a Igreja Ortodoxa.38 Um regulamento semelhante foi emitido em 1803 pelo Patriarca Kallinikos, antigo Metropolita de Nicéia, que observou que o batismo Católico Romano não traz salvação. [39] Constantino Oikonomos, escrevendo a seu amigo Alexander Strouzas na Rússia em 1846, refere-se à recepção de dois sacerdotes latinos pelo Patriarca Germanos em 1844 através do rebatismo. [40] Em 1846, porém, o Patriarca Anthimos VI, anteriormente Metropolita de Éfeso, recebeu Makarios de Amida (Djarbekir) e muitos outros Católicos Romanos pela assinatura de um libellus de fé apropriado. [41] Um ano depois, o Patriarca Anthimos VI recebeu um certo latino chamado Atanásio, que era amigo próximo de Makarios de Amida pela assinatura de um libellus. [42] Em 1860, sob o Patriarca Ioakim II de Constantinopla (1860-3, 1873-8) o Trono Antioquino recebeu 50.000 mil Católicos Romanos e Melquitas por Crisma e a assinatura de um libellus apropriado, datado:  Constantinopla, 26 de novembro de 1860 e assinado por Oikonomos Jean Habib e Gabriel Pjibaras. [43] 

Todos estes exemplos indicam claramente que a decisão de 1755 não se tornou uma norma universal. Isto foi formalmente reconhecido em 1875, quando uma Decisão Patriarcal e Sinodal foi enviada a todos os Bispos em todos os lugares, onde a forma de recepção dos convertidos latinos foi entregue ao julgamento dos Bispos locais. [44] Em 1878, entretanto, outra Epístola Sinodal (datada de 24 de abril de 1878) estipula que não meramente o Crisma, mas também o rebatismo deve ser a norma para receber latinos na Ortodoxia. [45] Em 1879, [46] 1880 [47] e 18[??] [48] outras Decisões Sinodais adotam a economia de receber latinos convertidos somente pelo Crisma e a assinatura de um libellus. [49] No entanto, os rebatismos dos latinos convertidos não desapareceram. Eles foram praticados especialmente na Terra Santa e na Síria.[50]

Acredito que a coleta e análise cuidadosa destes documentos sinodais patriarcais expõe a verdadeira natureza do "problema" e abre o caminho para uma solução adequada. A meu ver, existe aqui uma espécie de assimetria que lida de uma forma ou / ou com o paradoxo eclesiológico do cisma e da heresia, que não pode ser explicada ou racionalizada de uma forma que uma solução de uma única via tende a promover. O documento que tem atraído minha atenção mais do que qualquer outro a este respeito é a Encíclica Patriarcal e Sinodal de 1875.[51] Acredito que ela tenha compreendido toda a questão da maneira mais responsável e realista. Sua força reside no fato de reconhecer a verdadeira natureza do problema e se abster de fornecer uma solução precisa. Isto implica sensibilidade, maturidade e carisma que elevam a Grande Igreja de Cristo ao pedestal, que lhe pertence por tradição sagrada e favor divino.

CARTA PATRIARCAL E SINODAL (26 DE MAIO DE 1875) 

Tendo considerado em sínodo o assunto em discussão, a saber, o batismo dos latinos, isto é, se o mesmo pode ser considerado válido ou não, vimos claramente nos fatos históricos e nas promulgações eclesiásticas de várias épocas, que este assunto traz muitos prós e contras e tem tido muitos defensores e opositores, o que certamente não escapou a Vossa Excelência. Pois mesmo antes do Cisma, o Patriarca Cerulário costumava batizar os latinos que se convertiam à Ortodoxia, como é dito no Pittakion que Humbert, o Exarca de Leão IX deixou na Mesa de Santa Sofia contra o Patriarca Miguel, e numa epístola deste Patriarca ao Patriarca Pedro de Alexandria e a partir do fato de que este ato de Cerulário parece ter encontrado muitos imitadores com o passar do tempo. De fato, o Sínodo de Latrão de 1215 criticou os Ortodoxos por rebaptizar os latinos, ou seja, os convertidos provenientes da Igreja Latina.  Depois do Cisma, no entanto, temos, entre muitos outros, Marcos Eugenikos, que declara que devemos apenas ungir os latinos com Myrhon, e além disso, há decisões sinodais, como a convocada em 1207, e a convocada em 1484 sob o Patriarca Simeão, nas quais os outros três Patriarcas estavam presentes, na qual o conhecido Acolouthy foi composto, e também outro em 1600 convocado na cidade real e outro em Moscou pelo Patriarca Ioasaph de Moscou em 1667 na qual estavam presentes outros dois Patriarcas do Oriente, Paisios de Alexandria e Makarios de Antioquia. Todos estes declararam que somente com Myrhon (Crisma) deveríamos aperfeiçoar os convertidos provenientes da Igreja Ocidental. Por outro lado, temos a Decisão tomada em Moscou em 1622 pelo Patriarca Filareto da Rússia e o Horos que foi emitido sob Cirilo V, Patriarca de Constantinopla em 1755 e que se tornou aceito por todos os então Patriarcas, o que indica que eles [os convertidos latinos] deveriam ser batizados. Assim, o batismo dos ocidentais, às vezes foi considerado válido, porque era feito em nome da Santíssima Trindade e era referido ao batismo apropriado, e às vezes como inválido, por causa das muitas irregularidades de forma com as quais era revestido com o passar do tempo pelo constante aumento do estudo vão da Igreja Ocidental. Assim, a Santíssima Igreja Russa, partindo de razões óbvias, faz uso das decisões do mais novo Sínodo de Moscou sob o Patriarca Ioasaph de Moscou, discernindo que elas contribuem para o benefício da Igreja naquele lugar, enquanto as Igrejas do Oriente consideram necessário para o benefício da Ortodoxia seguir o Horos que havia sido emitido sob Cirilo V. Como estas coisas são assim, é deixado ao discernimento espiritual de Vossa Excelência e dos demais membros sinodais aceitar ou rejeitar o uso da economia que outra Igreja tem mantido por mais de dois séculos sem oscilar, se, como ela escreve, esta economia implica muitos benefícios para a Igreja de lá e a protege dos perigos invasores. Quando, então, as Igrejas ortodoxas locais forem capazes de se reunirem, então, com a ajuda de Deus, ocorrerá o acordo desejado sobre este assunto, assim como com outros também. [52]

No documento acima, o Santo Sínodo aponta para o futuro visando uma solução Ortodoxa unânime para o "problema" da recepção de convertidos provenientes da Igreja Ocidental para a Ortodoxia. Acredito que a solução já está ali. Não é a uniformidade, mas a liberdade, que caracteriza a posição Ortodoxa. Tal posição põe em evidência o ato do Espírito Santo que aperfeiçoa (teleioi) em nós tudo o que o Senhor realizou para nós objetivamente.

4. Os Sínodos russos do século XVII: especialmente os de 1620 e 1667. [53]

A norma mais antiga na Rússia para o recebimento de cristãos ocidentais, primeiro Católicos Romanos e depois Protestantes, na Igreja Ortodoxa era o (re)batismo. [54] Ao fazer isto, a Igreja Russa estava em sintonia com a Igreja de Constantinopla. Os Papas Honório III (1216-1227) e Gregório IX (1227-1241) reprovaram os russos por re-batizarem os latinos. Esta posição foi oficialmente e sinodicamente instituída por um Sínodo convocado em Moscou pelo Patriarca Filareto Nikititch em 1620. Este Sínodo estipulou o rebatismo dos latinos, dos uniatas e dos Ortodoxos da Pequena Rússia (Ucrânia) que haviam sido batizados por sacerdotes uniatas. Outro Sínodo convocado em Moscou pelo mesmo Patriarca, em 1621, reiterou a mesma posição. Os principais argumentos para esta posição foram os seguintes:

1) O Cânon 95 de Trullo especifica que os hereges devem ser rebatizados para entrarem na Igreja. 

2) Os latinos são hereges e como tal devem ser re-batizados. 

3) O rebatismo dos hereges é especificamente ordenado pelos cânones apostólicos 46 e 47. 

4) Todos os bispos Ortodoxos russos têm seguido a prática de rebatizar os convertidos latinos. 

5) Todos os Patriarcas Ecumênicos têm concordado com esta prática.

Estas decisões foram baseadas na akribeia dos cânones antigos, mas também na agressão dos poloneses Católicos Romanos contra os Ortodoxos Russos que reforçou a visão de que os Católicos Romanos eram hereges. De fato, tamanha era a agressão latina contra os Ortodoxos que os russos acreditavam que os latinos eram hereges totalmente corruptos e até mesmo ateus. As decisões sinodais de 1620 e 1621 foram questionadas pela primeira vez pelos sínodos convocados em Moscou em 1655 e 1656, quando Macário de Antioquia argumentou que os Católicos Romanos não eram hereges, mas sim cismáticos e como tal deveriam ser recebidos por economia. Esta opinião prevaleceu no Sínodo de Moscou de 1667, que contou com a presença do Patriarca Macário de Antioquia e Paisios de Alexandria.

O Sínodo de Moscou de 1667 realmente reverteu as decisões do Sínodo de 1620. A prática de rebatizar os latinos que retornaram à Ortodoxia foi abandonada e a recepção por Crisma foi adotada. Precursores a isto foram os Sínodos de 1655 e 1656, assim como a publicação do Trebnik (Livro de Oração) de Pedro Moghila em 1646, que aceitou os Católicos Romanos por Crisma. Os decretos deste Sínodo foram publicados em Pravoslanny Sobieseidnik [55] e podem ser resumidos como se segue:

1) Os latinos batizam não por uma imersão, mas por tripla infusão e por invocação da Santíssima Trindade. 

2) O cânon 7 do Segundo Concílio Ecumênico (381) e o cânon 95 do Concílio de Trullo aceitam o batismo de hereges que cometeram erros muito mais graves do que os latinos. 

3) Os antigos cânones apostólicos são aplicáveis àqueles que não têm verdadeiro batismo. Os latinos, no entanto, guardam um verdadeiro batismo. 

4) A Igreja Oriental aceitou o batismo latino em 1484 como verdadeiro. Assim, eles ordenaram que os erros latinos fossem eliminados e corrigidos através de uma confissão de fé apropriada e Crisma.

De acordo com Constantino Oikonomos, as medidas adotadas por este Sínodo de Moscou não foram tão surpreendentes quanto parecem. Em primeiro lugar, estavam em consonância com o resto da Igreja Oriental, que não desejava agravar as relações Oriente/Ocidente. Em segundo lugar, elas foram exigidas pelas circunstâncias particulares. A prudência política não exigiu nenhum confronto excessivo com os poloneses. O Patriarca Filareto havia optado em 1620 por uma posição baseada na exatidão teológica (akribeia). Neste momento histórico, porém, o czar Alexis Mikhailovich (1645-1676) queria uma decisão baseada na leniência (synkatabasis, oikonomia). Ele queria persuadir os latinos à Ortodoxia. [56]

Também é interessante lembrar aqui o caso dos Protestantes convertidos que foram diferenciados dos latinos nestes Sínodos e foram tratados de uma maneira diferente. Isto durou até 1718, quando Pedro o Grande perguntou ao Patriarca Ieremias II de Constantinopla sobre o batismo Protestante (Luterano-Calvinista) e foi-lhe dito que poderia receber os Protestantes convertidos através de uma confissão apropriada de fé e Crisma. O caso da recepção dos Protestantes convertidos surgiu pela primeira vez em 1644-5 quando Irina, filha do czar Michael Feodorovich, estava para se casar com Valdemarus, o filho do rei Cristiano IV dos dinamarqueses. Valdemarus foi rebatizado porque o batismo luterano foi considerado inaceitável naquele período, pelas seguintes razões:

1) Era por infusão e não por imersão e, como tal, não podia incorrer no perdão dos pecados. 

2) Não havia sacerdote para celebrá-lo porque os luteranos não tinham o verdadeiro sacerdócio. 

3) Era o batismo de hereges. 

4) Não era o verdadeiro batismo especificado pelos cânones antigos. [57]

Além disso, Pedro Moghila (um latinizador) certificou-se de que o Patriarca Ecumênico Parthenios havia concordado em fazer com que o Valdemarus fosse re-batizado. 

O rito litúrgico para receber latinos e Protestantes por confissão de fé e Crisma apareceu pela primeira vez em 1757. Foi reimpresso muitas vezes e atingiu sua forma final no Trebnik de 1895. [58]

5. Conclusões

A análise dos eventos e documentos acima mostra claramente que o uso do batismo ou do crisma para aceitar os latinos na Igreja Ortodoxa tem sido uma questão determinada por diferentes aplicações dos cânones antigos devido à variedade de circunstâncias históricas nas relações entre a Ortodoxia e o Catolicismo Romano e às práticas oscilantes dos latinos no que diz respeito à administração do batismo. Isto, creio, de forma alguma minimiza ou compromete a integridade canônica ou a consistência da Igreja Ortodoxa. Os dois princípios de akribeia e oikonomia, que claramente estão por trás das diferentes aplicações, não são inconsistentes um com o outro, sugiro que eles são assimétricos um ao outro, embora o resultado que eles produzem seja o mesmo. A decisão pelo emprego de um, ou do outro, cabe à Igreja de cada vez, que age através de suas estruturas legítimas de autoridade. O Metropolita Crisóstomo de Éfeso tem se concentrado recentemente nestes dois princípios canônicos de akribeia e oikonomia ao tratar do reconhecimento dos sacramentos dos heterodoxos nas relações diacrônicas entre a Ortodoxia e o Catolicismo Romano.[59] Estes são os dois pulmões canônicos da prática ortodoxa, que têm sido e estão sendo usados pela autoridade governante da Igreja. Para ilustrar isto, ele cita Dositheos de Jerusalém, Cirilo IV de Constantinopla e São Nikodemos, o Hagiorita. Dositheos escreveu: "os assuntos eclesiásticos são vistos de duas maneiras, no modo de akribeia e no modo de oikonomia; sempre que não podem ser tratados no modo de akribeia eles são tratados no modo de oikonomia".[60] Cirilo IV, escrevendo aos Patriarcas de Antioquia e Jerusalém, especificou mais claramente que "a oikonomia é usada de tempos em tempos... de uma maneira óbvia... sempre que, isto é, a perda ou o perigo da alma se segue por necessidade". Por fim, São Nikodemos salienta em seu Pedalion "que dois tipos de administração e correção são mantidos na Igreja de Cristo, um é chamado akribeia e o outro oikonomia e condescendência; é por estes dois que os ministros (oikonomoi) do Espírito regulam a salvação das almas, usando às vezes um e às vezes o outro." [61]

Notas

1. Este artigo foi preparado e lido no Diálogo Ortodoxo / Católico Romano (EUA) em 1998. 

2. Todos estes podem ser encontrados em O Leme (Pedalion), ed. de Agapios o Hieromonge e Nikodemos o Monge, tradução da edição grega de 1908 de D. Cummings e publicado pela Sociedade Ortodoxa de Educação Cristã em Chicago Illinois em 1957, que também contém comentários elaborados e esclarecedores (cf. especialmente pp. 68-76, 217-220 e 400-402).

3. O cânone 7 do Segundo Concílio Ecumênico diz o seguinte: "Aqueles que abraçam a Ortodoxia e se juntam ao número daqueles que estão sendo salvos, nós recebemos segundo os seguintes ritos e costumes: Arianos, Macedônios, Sabatianos, Novacianos, aqueles que se chamam Cátaros e Aristeri, Quartodecimanos ou Tetraditas, Apolinaristas - estes recebemos quando entregam declarações e anatematizam toda heresia que não mantém as mesmas crenças que a santa Igreja católica e apostólica de Deus. Eles são primeiro selados ou ungidos com o santo Crisma na testa, olhos, narinas, boca e ouvidos. Enquanto os selamos, dizemos: O Selo do dom do Espírito Santo. Mas os eunomianos, que são batizados em uma única imersão, os montanistas (aqui chamados frigios), os Sabelianos, que ensinam a identidade do Pai e do Filho e fazem outras coisas intoleráveis, e todas as outras seitas - já que há muitos aqui, em especial de quem vem do país dos Gálatas - recebemos todos os que desejam deixá-los e abraçar a ortodoxia como fazemos com os gregos [pagãos]. No primeiro dia fazemos deles cristãos; no segundo catecúmenos; no terceiro os exorcizamos soprando três vezes em seus rostos e ouvidos; e assim os catequizamos e os fazemos permanecer na igreja e ouvir as escrituras; e depois os batizamos". 

4. "Aqueles que vêm dos hereges para a Ortodoxia e para o número daqueles que deverão ser salvos, nós recebemos de acordo com a seguinte ordem e costume: Arianos, Macedônios, Novacianos, que se chamam Cathari, Aristeri, e Tesareskaidecatitae, ou Tetraditae, e Apolinaristas, recebemos por sua apresentação de certificados [libelli] e por sua anátematização de toda heresia que não é sustentada pela Santa Igreja Católica e Apostólica de Deus: primeiro os ungimos com o Santo Crisma na testa, olhos, narinas, boca e ouvidos; e enquanto os selamos, dizemos: O selo do dom do Espírito Santo. Mas em relação aos Paulicianos que depois voltaram para a Igreja Católica, foi estabelecida uma regra de que eles devem, definitivamente, ser rebatizados. Os Eunomianos também, que batizaram com uma imersão, e os Montanistas, que aqui são chamados frigios; e os Sabelianos, que consideram o Filho idêntico ao Pai, e são culpados de fazer certas outras coisas graves, e todas as outras heresias, pois há muitos hereges aqui, especialmente aqueles que vêm da região dos Gálatas, todos eles desejosos de vir à Ortodoxia, nós recebemos como gregos [pagãos]. E no primeiro dia os fazemos cristãos, no segundo catecúmenos, depois no terceiro dia os exorcizamos, depois de soprar três vezes em seus rostos e ouvidos; e assim os catequizamos, e os fazemos permanecer na igreja e ouvir as Escrituras; e depois os batizamos. E aqueles que vêm dos Maniqueus, e dos Valentianos e dos Marcionitas e de todas as heresias semelhantes, nós os rebatizamos recebendo-os como gregos [pagãos]. Quanto aos Nestorianos, Eutiquianos e Severianos, e aqueles de outras heresias semelhantes, eles precisam entregar certificados e anatematizar sua heresia e Nestório e Eutiques e Dioscóro e Severo e os demais Exarcas de tais heresias e aqueles que pensam juntamente com eles, e todas as heresias acima mencionadas, e assim eles se tornam participantes da Sagrada Comunhão". Para o grego original veja, Vlasios Phidas, Ieroi Kanones, Atenas 1997, s. 176.

5. PG 104:744. 

6. Veja Acta et Scripta quae de controversiis Ecclesiae graecae et latinae [de Will], Lipsiae 1861, p. 182: to theion baptisma epitelontes, tou baptizomenou baptizontes eis mian kata dusin, to onoma tou Patros kai tou Hyiou kai tou agiou Pneumatos epilegontes, alla kai alatos pros toutô ta tôn baptizomenôn plêrousi stomata, See also, Oikonomou K., Ta sôzomena... tom. 1, (1862) s. 490. 

7. Veja Migne PG 104: 744: “hôs oi areianoi anabaptizousi tous en onômati tês agias Triados bebaptizomenous kai malista tous Latinous”. Cf. also PG 120:793 (A carta de Cerulário a Pedro de Antioquia) e PL 143:1003 (a Bula Papal de Excomunhão).

8. Ralli-Potle, Syntagma... Kanonôn, vol. 2, p. 10.

9. Veja Mansi, Sacrorum Conciliorum... Collectio, tom. 22, p. 1082 Em cl. 990 lemos: “Baptizatos etiam a Latinis et ipsi Graeci rebaptizare ausu temerario praesumebant: et adhuc, sicut acceptimus, quidam opere hoc non verentur”.

10. Cf. Germanos de Ainos, Peri tou kyrous... bibliografia abaixo (1952), p. 303. 

11. Isto é mencionado por Leão Allatius em seu De Concessione..., p.712: "De azymis, purgatorio, et de tribus modis administrandi baptisma". Constantino Oikonomos cita esta referência e acrescenta que o batismo latino por efusão (kat' epichusin) deve ser repetido (p. 465). Veja também Miklosich-Mueller, Acta et Diplomatica Patriarchatus Constantinopolitani, tom. ii (1862) p. 81.

12. PG 144: 22. Germanos de Ainos, Peri tou kyrous... bibliografia abaixo (1952) p. 304. 

13. Cf. M. Jugie, Theologia Dogmatica... bibliografia abaixo (1930), p. 92. 

14. Patriarca Dositheos, Tomos Katallagês..., p. 144. Citado por Germanos de Ainos, op. cit., p. 144.

15. "Ele chama o batismo por uma só imersão de muito impróprio e cheio de impiedade (pragma atopôtaton kai dussebeian anameson). Sua visão se baseia nos cânones apostólicos que afirmam claramente que os batizados por uma só imersão (eis mian katadusin) não são batizados (hôs mh baptisthentas) e devem ser rebatizados (anabaptêzesthai parakeleuontai)". Veja Miklosich-Mueller, Acta et Diplomatica patriarcharum..., I (1860) p. 439. Cf. Kattenbusch, Lehrbuch der vergleichenden Confessionskunde, Freiburg 1892, p.404. 

16. Em Constantine Oikonomos, Ta sôzomena..., tomo I (1862) p. 468. Também Dositheos, Tomos Katallagês ss. 203-204. 

17. Dositheos, Tomos Agapês, Iassi 1698, p. 582, 584.

18. Gregory Mammas (1469) mostrou que São Marcos era a favor do Crisma (PG 160: 137). Constantino Oikonomos acreditou que "São Marcos estava usando a economia". 

19. Seção 9, cap. 9. Joseph Vryennios, um monge Estudita e mestre de Marcos Eugenicos, condena o batismo por uma imersão em seu tratado, Dialexis peri tês tou agiou Pneumatos ekporeuseôs meta tou latinophronos Maximou tês taxeôs tôn kêrykôn. Ele se baseia para isso nos Cânones dos Apóstolos e na autoridade de São Basílio e São João Crisóstomo. Ele também observa que os latinos erroneamente fazem isso (eis mian katadusin baptizousi, hôs mê ophelon): Iôsêf Bryenniou ta Eurethênta, editado por Eugenios Voulgaris, Leipzig 1768, vol. 1, pp. 418-9. Vryennios também se refere a uma obra sem título Kephalaia Heptakis Hepta, que expõe a confusão latina sobre o batismo. "Alguns usam a imersão tripla, repetindo os nomes em cada imersão e imergindo sucessivamente primeiro os pés, depois o corpo, e por último a cabeça. Eles também olham para o Oeste:" lbid. vol. III (1781) p.106.

20. Veja Dositheos de Jerusalém, Tomos Agapês, Iassi 1698; ou Ralli e Potli, Syntagma Ierôn Kanonôn, tom. 5, pp. 143-147; ou M. Gedeon, Kanonika Diataxeis, tom. 2, Constantinopla 1889, pp. 65-69. Karmires, Ta Dogmatika kai Symbolika Mnêmeia, vol. ii, pp. 987-991. Para uma tradução francesa deste Acolouthy veja, L. Petit, Ichos d' Orient, 2 (1899) pp. 130-131.

21. Cf. Oikonomos, op. cit. p.406. 

22. Veja Mesolôras, Symbolika, Athens 1883, p. 226. 

23. Veja seu Istoria peri tôn en Ierosolymois Patriarcheuontôn, 1715, p. 525

24. Veja Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit., tom. 1, p.148 onde é feita menção a esta decisão, mas nenhum texto é fornecido. Gedeon relata que o texto foi publicado em tradução russa na Coleção de Leis do Império Russo, vol. 5, arte. 3225. O autor uniata A Palmieri publicou o texto em russo em seu artigo "La Rebaptisation des Latins chez les Grecs", Revue de l'Orient Chretien, 7 (1902) p. 640. Para o texto grego, veja Nea Sion, 19 (1924) 258-259. De acordo com Oikonomos, esta decisão foi simplesmente uma questão de "economia" (Veja seu Ta sôzomena..., tom. i, Atenas 1862, p. 509. Cf. também pp. 431 e 476). 

25. Veja Gedeon, Patriarchikoi Pinakes, p.626. Cf. também a obra de Neale, History of the Eastern Church: The Patriarchate of Antioch, Londres 1873, pp. 184-186.

26. Para as Atas deste Sínodo veja, Johannes Dominicus, "Synodi Constantinopolitanae de iterando baptismo a Latinis collato 1755 a mense ianuario ad iulium", em seu Sacrorum Conciliorum Nova et Amplissima Collectio, tom. xxxviii (1908) cls. 575-585. 

27. Veja Gedeon Patriarchikoi Pinakes. 1888, e 2ª edição, bibliografia abaixo (1996). Cf. também os ensaios na bibliografia abaixo de Savrames (1933) e Gritsopoulos (1959).

28. Veja Bibliografia abaixo: Paranikas (1875), Sathas (1885), Hypsilantes (1872), Georgiades (1882) e Alexandros Lavriotes (1900). 

29. Veja o relato do historiador Makraios em Sathas, bibliografia (1885).

30. Sobre o monge Auxentios veja especialmente Dapontes, bibliografia para (1766), Georgiades (1882) e Germanos Ainou (1952); também os historiadores Makraios e Hypsilantes citados acima. Veja também DM Paschali, "Auxentios o asceta da ilha de Andros...". Theologia II (1933) 302-318. [em grego]. 

31. Para o texto original, veja Eustratios Argenti, Rantismos Stêliteusis, 1756. Também Kanonika Diataxeis, de Gedeon, op. cit. tom. i (1888) pp. 252-255. A tradução fornecida aqui é baseada no livro Eu Confesso um só Batismo...; op. cit. na bibliografia abaixo (1984); com algumas alterações.

32. Veja o texto de Makraios em Sathas, op. cit. na bibliografia abaixo (1885). 

33. Op. cit. Bibliografia (1983) e (1994). 

34. Veja Makraios op. cit. e bibliografia Savrames (1933) e Gritsopoulos (1959). 

35. Além dos relatos de Makraios e Hypsilantes, veja Dyovounites, bibliografia (1915). 

36. Veja Kallinikos Proilavou, bibliografia (1931).

37. Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit., tom. 2, p. 256. 

38. Cf. Ekklesiastike Aletheia 1906, p.47. Citado por Germanos de Ainos, op. cit., p. 2, p. 256. 

39. Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit., tom. 2, p. 88. 

40. Citado por Germanos de Ainos, op. cit., p. 375.

41. Germanos de Ainos, op. cit., p. 315. Veja mais detalhes sobre isto em L. Petit, op. cit., pp. 132ff. 

42. Ibid. p.315. Também Delikanes Patriarchika Eggrapha ii, (1904) pp. 323-327. 

43. Veja. L Petit, op. cit. pp.133f, onde o texto do Libellus é apresentado em tradução francesa. Veja também ZN Matha, Atenas 1884, p. 182. Para o documento original grego do Memorando Patriarcal e Sinodal para esta ocasião, veja Karmires, Ta Dogmatika kai Symbolika Mnêmeia, vol. ii, pp. 993-998.

44. Theotokas, Nomologia, bibliography (1897) p. 369, citado por Germanos de Ainos, p. 316. 

45. Theotokas, Ibid. p. 370. 

46. Theotokas, Ibid. p. 370. 

47. Theotokas, Ibid. p. 371. 

48. Theotokas, Ibid. p. 371. 

49. Theotokas, Ibid. p. 316. 

50. Veja, L. Petit, op. cit. p. 135. 

51. Para este texto veja, MJ Gedeon, Kanonika Diataxeis, op. cit. tom. ii (1889) pp. 365-373. Cf. também M.G. Theotokas, Nomologia...  e Agathangelos de Calcedônia, bibliografia (1931).

52. O texto foi extraído do Memorando do Metropolita Agathangelos de Calcedônia a Sua Santidade Patriarca Ecumênico Fócio, publicado em Orthodoxa, 6:66 (1931) pp. 418-9.  A tradução é minha. Outra edição está em Karmiris, Ta dogmatika kai Symbolika Mnêmeia, vol. ii, pp. 977f.

53. Veja Pravoslavny Sobieseidnik 1 (1884) pp. 153-180 e 3 (1863) 348-351. 

54. Veja L.Petit, op. cit., p.135. Também M Jugie, Theologia Dogmatica, Bibliografia (1930), pp. 92, 107.

55. Op. cit. vol. 3 (1863) 348-351. 

56. Cf. sua declaração: "Hina tous Latinous dia tês oikonomias exêmer?sê roV ?nôsin robib?zousa". op. cit. p.508.

57. Cf. Pravoslavny Sobieseidnik, vol. 2 (1861) 241-276, 391-418. 

58. Para uma tradução francesa, veja L Petit, op. cit., pp. 136-137. 

59. Veja minha resenha deste livro, "The Recognition of the Sacraments of the heterodox in the diachronic relations of Orthodoxy and Roman Catholicism", Edições Epektasi, Katerini 1995, que foi escrito para o Diálogo Internacional Ortodoxo Católico Romano, no Greek Orthodox Theological Review, 42:3-4 (1997), 569-572. 

60. Veja seu livro recente, p. 222.

61. Veja Pêdalion (O Leme)... Agapiou kai Nikodêmou, ekd. 2, Atenas 1841, s. 30.

sábado, 31 de outubro de 2020

São Gregório Palamas e a Tradição dos Pais (Pe. George Florovsky)

Seguindo os Pais

"SEGUINDO OS SANTOS PAIS" ... Era habitual na Igreja Antiga introduzir afirmações doutrinárias através de frases como esta. O Decreto de Calcedônia abre precisamente com estas mesmas palavras. O Sétimo Concílio Ecumênico introduz sua decisão sobre os Santos Ícones de uma forma mais elaborada: "Seguindo o ensinamento divinamente inspirado dos Santos Pais e a Tradição da Igreja Católica." A didaskalia dos Pais é o termo de referência formal e normativo.

Isso era muito mais do que apenas um "apelo à antiguidade". De fato, a Igreja salienta sempre a permanência de sua fé através dos tempos, desde o princípio. Esta identidade, desde os tempos apostólicos, é o sinal mais evidente e expressão da fé correta - sempre a mesma. No entanto, a "antiguidade" por si só não é uma prova adequada da verdadeira fé. Além disso, a mensagem cristã era obviamente uma "novidade" impactante para o "mundo antigo" e, de fato, um chamado à "renovação" radical. O "Velho" passou, e tudo foi "feito Novo". Por outro lado, as heresias também podem apelar ao passado e invocar a autoridade de certas "tradições". De fato, as heresias frequentemente persistiam no passado.[1] As fórmulas arcaicas podem muitas vezes ser perigosamente enganosas. O próprio Vicente de Lerins estava plenamente consciente desse perigo. Bastaria citar esta tocante passagem dele: "E agora, que inversão espantosa da situação! Os autores da mesma opinião são julgados católicos, mas os seguidores - heréticos; Os mestres são absolvidos, os discípulos são condenados; Os escritores dos livros serão filhos do Reino, seus seguidores irão para a Geena" (Commonitorium, cap. 6). Vincente tinha em mente, evidentemente, São Cipriano e os Donatistas. O próprio São Cipriano enfrentou a mesma situação. "Antiguidade" como tal pode ser apenas um preconceito inveterado: nam antiquitas sine veritate vetustas erroris est (Epist. 74). Ou seja - " costumes antigos " como tais não garantem a verdade. "Verdade" não é apenas um "hábito".

A verdadeira tradição é apenas a tradição da verdade, traditio veritatis. Esta tradição, segundo Santo Irineu, está fundamentada em, e assegurada por, aquele carisma veritatis certum [carisma seguro da verdade], que foi "depositado" na Igreja desde o início e preservado pela sucessão ininterrupta do ministério episcopal. A "tradição" na Igreja não é uma continuidade da memória humana, nem uma permanência de ritos e hábitos.É uma tradição viva - depositum juvenescens, na expressão de Santo Irineu. Por conseguinte, não pode ser contada entre mortuas régulas [entre regras mortas]. Em última análise, a tradição é uma continuidade da presença permanente do Espírito Santo na Igreja, uma continuidade da orientação e da iluminação divina. A Igreja não está presa pela "letra". Ao contrário, ela é constantemente movida pelo "Espírito". O mesmo Espírito, o Espírito da Verdade, que "falou pelos Profetas", que guiou os Apóstolos, ainda está continuamente guiando a Igreja na compreensão e entendimento mais pleno da verdade divina, de glória em glória.

"Seguindo os Santos Pais" ... Isto não é uma referência a alguma tradição abstrata, em fórmulas e proposições. É primariamente um apelo ao testemunho santo. De fato, apelamos aos Apóstolos, e não apenas a uma "Apostolicidade" abstrata. Do mesmo modo, referimo-nos aos Pais. O testemunho dos Pais pertence, intrínseca e integralmente, à própria estrutura da crença Ortodoxa. A Igreja está igualmente comprometida com o kerygma dos Apóstolos e com o dogma dos Pais. Podemos citar neste ponto um admirável antigo hino (provavelmente, da pena de São Romano, o Melodista). "Preservando o kerigma dos Apóstolos e os dogmas dos Pais, a Igreja selou a única fé e vestindo a túnica da verdade, ela molda corretamente o tecido ricamente adornado da teologia celeste e louva o grande mistério da piedade " [2].

A Mente dos Pais 

A Igreja é de fato "Apostólica". Mas a Igreja também é "Patrística". Ela é intrinsecamente "a Igreja dos Pais". Estas duas "notas" não podem ser separadas. Apenas por ser "Patrística", a Igreja é verdadeiramente "Apostólica". O testemunho dos Pais é muito mais do que uma simples característica histórica, uma voz do passado. Citemos outro hino - do ofício dos Três Hierarcas. "Pela palavra do conhecimento vós compusestes os dogmas que os pescadores estabeleceram primeiramente em palavras simples, no conhecimento pelo poder do Espírito, pois assim a nossa simples piedade teve que adquirir composição". Há, por assim dizer, dois estágios básicos na proclamação da fé cristã. "A nossa simples fé teve que adquirir composição." Havia um impulso interior, uma lógica interior, uma necessidade interna, nesta transição - do kerygma para o dogma. Com efeito, o ensinamento dos Pais, e o dogma da Igreja, são ainda a mesma "simples mensagem" que uma vez foi transmitida e depositada, uma vez para sempre, pelos Apóstolos. Mas agora ela é, por assim dizer, devidamente e plenamente articulada. A pregação apostólica é mantida viva na Igreja, não apenas meramente preservada. Neste sentido, o ensino dos Pais é uma categoria permanente da existência cristã, uma medida constante e última e critério de fé correta. Os Pais não são apenas testemunhas da fé antiga, testes antiquitatis. São, antes, testemunhas da verdadeira fé, testes veritatis. "A mente dos Pais" é um termo de referência intrínseco na teologia ortodoxa, não menos do que a palavra da Sagrada Escritura, e de fato nunca se separou dela. Como foi bem dito, "a Igreja Católica de todos as épocas não é meramente uma filha da Igreja dos Pais - ela é e continua a ser a Igreja dos Pais". [3]

O caráter existencial da teologia patrística

A principal marca distintiva da teologia patrística era seu caráter "existencial", se pudermos usar este neologismo contemporâneo. Os Pais teologizaram, como dizia São Gregório de Nazianzo, "à maneira dos Apóstolos, não à maneira de Aristóteles - alieutikos, ouk aristotelikos [lit. “como pescadores, não como Aristóteles”— ed] (Hom. 23. 12). A teologia deles ainda era uma "mensagem", um kerygma. Sua teologia ainda era "teologia kerigmática", mesmo que muitas vezes fosse logicamente arranjada e acompanhada de argumentos intelectuais. A referência final ainda era a visão da fé, ao conhecimento espiritual e à experiência. À parte da vida em Cristo, a teologia não tem convicção e, se separada da vida de fé, a teologia pode degenerar em uma dialética vazia, uma polylogia vã, sem nenhuma consequência espiritual. A teologia patrística estava existencialmente enraizada no compromisso decisivo da fé. Não era uma "disciplina" auto-explicativa que podia ser apresentada argumentativamente, isto é, aristotelikos, sem qualquer engajamento espiritual prévio. Na era das disputas teológicas e dos debates incessantes, os grandes Pais Capadócios protestaram formalmente contra o uso da dialética, dos "silogismos aristotélicos", e tentaram remeter a teologia de volta à visão da fé. A teologia patrística só poderia ser pregada" ou "proclamada" - pregada do púlpito, proclamada também nas palavras da oração e nos ritos sagrados, e de fato manifestada na estrutura total da vida cristã. Uma teologia deste tipo nunca pode ser separada da vida de oração e do exercício da virtude. "O clímax da pureza é o início da teologia", como diz São João Clímaco: Telos de hagneias hypotheosis theologias (Scala Paradisi, grau 30).

Por outro lado, a teologia deste tipo é sempre, por assim dizer, "propedêutica", uma vez que seu objetivo e propósito último é verificar e reconhecer o Mistério do Deus Vivo, e de fato testemunhá-lo, em palavras e atos. A "teologia" não é um fim em si mesma. Ela é sempre apenas um caminho. A teologia, e mesmo os "dogmas", apresentam não mais que um "contorno intelectual" da verdade revelada, e um testemunho "noético" da mesma. Somente no ato de fé é que este "contorno" é preenchido com conteúdo. As fórmulas cristológicas são plenamente significativas apenas para aqueles que encontraram o Cristo Vivo, e O receberam e reconheceram como Deus e Salvador, e estão habitando pela fé nEle, em Seu corpo, a Igreja. Neste sentido, a teologia nunca é uma disciplina auto-explicativa. Ela apela constantemente para a visão da fé. "O que vimos e ouvimos, anunciamos a vocês". À parte este "anúncio", as fórmulas teológicas são vazias e não têm qualquer consequência. Pela mesma razão, estas fórmulas nunca podem ser tomadas "abstratamente", ou seja, fora do contexto total da crença. É enganoso destacar declarações particulares dos Pais e desprendê-las da perspectiva total na qual foram realmente pronunciadas, assim como é enganoso manipular com citações desprendidas das Escrituras. É um hábito perigoso "citar" os Pais, ou seja, seus dizeres e frases isoladas, fora daquele quadro concreto no qual unicamente têm seu pleno e próprio significado e estão verdadeiramente vivos. "Seguir" os Pais não significa apenas "citá-los". "Seguir" os Pais significa adquirir a "mente" deles, seu phronema.

O significado da "Era" dos Pais

Agora, chegamos ao ponto crucial. O nome de "Pais da Igreja" é geralmente restrito aos doutores da Igreja Antiga. E atualmente assume-se que a autoridade deles depende de sua "antiguidade", de sua proximidade comparativa com a "Igreja Primitiva", com a "Era" inicial da Igreja. Já São Jerônimo teve que contestar esta idéia. De fato, não houve diminuição de "autoridade", nem diminuição na imediatez da competência espiritual e do conhecimento, no curso da história cristã. De fato, porém, esta idéia de "diminuição" afetou fortemente nosso pensamento teológico moderno. Na realidade, é muito frequentemente assumido, consciente ou inconscientemente, que a Igreja Primitiva estava, por assim dizer, mais próxima da fonte da verdade. Como uma admissão de nosso próprio fracasso e inadequação, como um ato de autocrítica humilde, tal suposição é sólida e útil. Mas é perigoso fazer dela o ponto de partida ou a base de nossa "teologia da história da Igreja", ou mesmo de nossa teologia da Igreja. De fato, a Era dos Apóstolos deve manter sua posição única. No entanto, foi apenas um começo. É amplamente assumido que a "Era dos Pais" também terminou, e por isso é considerada apenas como uma formação antiga, "antiquada" em um sentido e "arcaica". O limite da "Era Patrística" é definido de forma variada. É comum considerar São João de Damasco como o "último Pai" no Oriente, e São Gregório o Dialogista ou Isidoro de Sevilha como "o último" no Ocidente. Esta periodização tem sido justamente contestada em tempos recentes. Não deveria, por exemplo, o São Teodoro do Estúdio, pelo menos, ser incluído entre os "Pais"? Mabillon sugeriu que Bernardo de Claraval, o Doutor melífluo, foi "o último dos Pais, e certamente não desigual dos anteriores". [4] Na verdade, é mais do que uma questão de periodização. Do ponto de vista ocidental, "a Era dos Pais" foi sucedida, e de fato superada, pela "Era dos Escolares", que foi um passo essencial adiante. Desde a ascensão do Escolasticismo, a "Teologia Patrística" passou a ser antiquada, tornou-se na realidade uma "era passada", uma espécie de prelúdio arcaico. Este ponto de vista, legítimo para o Ocidente, tem sido, infelizmente, aceito também por muitos no Oriente, de forma cega e acrítica. Portanto, é preciso enfrentar a alternativa.  Ou se tem que lamentar o "atraso" do Oriente que nunca desenvolveu nenhum "escolasticismo" próprio. Ou é preciso se retirar para "Era Antiga", de forma mais ou menos arqueológica, e praticar o que tem sido descrito de forma astuciosa recentemente como uma "teologia da repetição". Esta última, de fato, é apenas uma forma peculiar de "escolasticismo" imitativo.

Agora, não é raro sugerir que, provavelmente, "a Era dos Pais" tenha terminado muito mais cedo do que São João de Damasco. Muito frequentemente não se prossegue além da Era de Justiniano, ou mesmo já do Concílio de Calcedônia. Leôncio de Bizâncio não era já "o primeiro dos Escolásticos"? Psicologicamente, esta atitude é bastante compreensível, embora não possa ser teologicamente justificada. De fato, os Pais do século IV são muito mais impressivos, e sua grandeza única não pode ser negada. No entanto, a Igreja permaneceu plenamente viva também depois de Nicéia e Calcedônia. A atual ênfase excessiva nos "primeiros cinco séculos" distorce perigosamente a visão teológica e impede a compreensão correta do próprio dogma calcedoniano. O decreto do Sexto Concílio Ecumênico é frequentemente considerado como uma espécie de "apêndice" de Calcedônia, interessante apenas para especialistas em teologia, e a grande figura de São Máximo, o Confessor, é quase completamente ignorada. Assim, o significado teológico do Sétimo Concílio Ecumênico é perigosamente obscurecido, e  resta perguntar-se por que a Festa da Ortodoxia deveria estar relacionada à comemoração da vitória da Igreja sobre os Iconoclastas. Não foi apenas uma "controvérsia ritualística"? Muitas vezes esquecemos que a famosa fórmula do Consensus quinquesaecularis [consenso dos cinco séculos], ou seja, até Calcedônia, era uma fórmula Protestante, e refletia uma peculiar "teologia da história" Protestante. Era uma fórmula restritiva, por mais que parecesse ser demasiado inclusiva para aqueles que queriam ser isolados na Era Apostólica. A questão é que a atual fórmula oriental dos "Sete Concílios Ecumênicos" dificilmente é muito melhor, se ela tende, como costuma fazer, a restringir ou limitar a autoridade espiritual da Igreja aos primeiros oito séculos, como se "a Era de Ouro" do Cristianismo já tivesse passado e estivéssemos agora, provavelmente, já em uma Idade do Ferro, muito mais abaixo na escala do vigor espiritual e da autoridade. Nosso pensamento teológico tem sido perigosamente afetado pelo padrão de decadência, adotado para a interpretação da história cristã no Ocidente desde a Reforma. A plenitude da Igreja foi então interpretada de forma estática, e a atitude para com a Antiguidade tem sido distorcida e mal interpretada. Afinal, não faz muita diferença, se restringimos a autoridade normativa da Igreja a um século, ou a cinco, ou a oito. Não deveria haver nenhuma restrição. Consequentemente, não há espaço para qualquer "teologia da repetição". A Igreja ainda é plenamente autoritativa como tem sido nas eras passadas, uma vez que o Espírito da Verdade a vivifica de forma não menos eficaz como nos tempos antigos.

O Legado da Teologia Bizantina

Um dos resultados imediatos de nossa periodização descuidada é que simplesmente ignoramos o legado da teologia bizantina. Estamos preparados, agora mais do que há apenas algumas décadas, para admitir a autoridade perene dos "Pais", especialmente desde o reavivamento dos estudos patrísticos no Ocidente. Mas ainda tendemos a limitar o escopo da admissão, e obviamente os "teólogos bizantinos" não são prontamente incluídos entre os "Pais". Estamos inclinados a discriminar bastante rigidamente entre "Patrística" - num sentido mais ou menos estreito - e "Bizantinismo". Ainda estamos inclinados a considerar o "Bizantinismo" como uma sequência inferior à Era Patrística. Ainda temos dúvidas sobre sua relevância normativa para o pensamento teológico. Entretanto, a teologia bizantina era muito mais do que apenas uma "repetição" da teologia patrística e o que nela era novo não era de qualidade inferior em comparação com a "Antiguidade Cristã". De fato, a teologia bizantina era uma continuação orgânica da Era Patrística. Houve alguma ruptura? O ethos da Igreja Ortodoxa Oriental alguma vez foi alterado, em algum ponto ou data histórica, que, no entanto, nunca foi unanimemente identificado, de modo que o desenvolvimento "posterior" foi de menor autoridade e importância que qualquer outro? Esta admissão parece estar silenciosamente implícita no comprometimento restritivo aos Sete Concílios Ecumênicos. Assim, São Simeão, o Novo Teólogo, e São Gregório Palamas são simplesmente deixados de fora, e os grandes Concílios Hesicastas do século XIV são ignorados e esquecidos. Qual é a posição e a autoridade deles na Igreja?

Porém, de fato, São Simeão e São Gregório ainda são mestres e inspiradores de todos aqueles que, na Igreja Ortodoxa, estão lutando pela perfeição, e estão vivendo a vida de oração e contemplação, seja nas comunidades monásticas sobreviventes, seja na solitude do deserto, e até mesmo no mundo. Estas pessoas fiéis não estão cientes de nenhuma suposta "ruptura" entre "Patrística" e "Bizantinismo". A Filocalia, esta grande enciclopédia de piedade oriental, que inclui escritos de muitos séculos, está, em nossos dias, se tornando cada vez mais o manual de orientação e instrução para todos aqueles que estão dispostos a praticar a Ortodoxia em nossa situação contemporânea. A autoridade de seu compilador, São Nicodemos da Santa Montanha, foi recentemente reconhecida e reforçada por sua canonização formal na Igreja. Neste sentido, somos levados a dizer que "a Era dos Pais" ainda continua na "Igreja Venerante". Não deveria ela continuar também em nossa busca teológica e em nosso estudo, pesquisa e instrução? Não deveríamos recuperar "a mente dos Pais" também em nosso pensamento teológico e ensino? Recuperá-la, de fato, não como uma forma arcaica ou uma pose, e não apenas como uma relíquia venerável, mas como uma atitude existencial, como uma orientação espiritual. Somente desta forma nossa teologia poderá ser reintegrada à plenitude de nossa existência cristã. Não basta manter uma "Liturgia Bizantina", como nós fazemos, restaurar a iconografia bizantina e a música bizantina, como ainda estamos relutantes em fazer consistentemente, e praticar certos modos de devoção bizantina. É preciso ir às próprias raízes desta "piedade" tradicional, e recuperar a "mente patrística". Caso contrário, podemos estar em perigo de estarmos divididos interiormente - como muitos em nosso meio estão de fato - entre as formas "tradicionais" de "piedade" e um hábito não muito tradicional do pensamento teológico. Trata-se de um perigo real. Como "veneradores", ainda estamos na "tradição dos Pais". Não deveríamos nos manter, consciente e declaradamente, na mesma tradição também como "teólogos", como testemunhas e doutores da Ortodoxia? Podemos manter nossa integridade por qualquer outra maneira?




São Gregório Palamas e Theosis 

Todas estas considerações preliminares são altamente relevantes para nosso propósito imediato. Qual é o legado teológico de São Gregório Palamas? São Gregório não foi um teólogo especulativo. Ele era um monge e um bispo. Ele não estava preocupado com problemas abstratos de filosofia, embora ele também estivesse bem treinado neste campo. Ele estava preocupado apenas com os problemas da existência cristã. Como teólogo, ele era simplesmente um intérprete da experiência espiritual da Igreja. Quase todos os seus escritos, exceto provavelmente as suas homilias, eram escritos ocasionais. Ele estava lutando contra os problemas de sua própria época. E era uma época crítica, uma era de controvérsia e ansiedade. De fato, era também uma era de renovação espiritual.

São Gregório havia sido suspeito de inovações subversivas por seus inimigos em seu próprio tempo. Esta acusação ainda é mantida contra ele no Ocidente. Na verdade, porém, São Gregório estava profundamente enraizado na tradição. Não é difícil rastrear a maioria de seus pontos de vista e motivos de volta aos Pais Capadócios e a São Máximo o Confessor, que foi, por sinal, um dos mais populares mestres do pensamento e devoção bizantina. De fato, São Gregório também estava intimamente familiarizado com os escritos de Pseudo-Dionísio. Ele estava enraizado na tradição. No entanto, em nenhum sentido sua teologia foi apenas uma "teologia da repetição". Era uma extensão criativa da tradição antiga. Seu ponto de partida era a Vida em Cristo.

De todos os temas da teologia de São Gregório, destacamos apenas um, o crucial e o mais controverso. Qual é o caráter básico da existência cristã? O objetivo e o propósito último da vida humana foi definido na tradição patrística como theosis [divinização]. O termo é bastante ofensivo para o ouvido moderno. Ele não pode ser adequadamente traduzido em nenhuma língua moderna, nem mesmo em latim. Mesmo em grego, ele é um tanto pesado e pretensioso. De fato, é uma palavra ousada. O significado da palavra é, no entanto, simples e lúcido. Foi um dos termos cruciais do vocabulário patrístico. Neste ponto, bastaria citar apenas São Atanásio. Gegonen gar anthropos, hin hemas en heauto theopoiese [Ele se fez homem para nos divinizar em si mesmo (Adelphium 4)]. Autos gar enenthropesen, hina hemeis theopoiethomen. [Ele se tornou homem para que pudéssemos ser divinizados (De Incarnatione 54)]. Santo Atanásio retoma aqui a idéia favorita de Santo Irineu: qui propter imensam dilectionem suam factus est quod sumus nos, uti nos perficeret esse quod est ipse [Que, através de seu imenso amor se tornou o que somos, para que Ele pudesse nos levar a ser o que Ele mesmo é (Adv. Haeres. V, Praefatio)] Era a convicção comum dos Pais Gregos. Pode-se citar amplamente São Gregório de Nazianzo. São Gregório de Nissa, São Cirilo de Alexandria, São Máximo, e de fato São Simeão, o Novo Teólogo. O homem permanece sempre o que ele é, isto é, criatura. Mas a ele é prometido e concedido, em Cristo Jesus, o Verbo que se fez homem, uma participação íntima no que é Divino: A vida eterna e incorruptível. A principal característica da theosis é, segundo os Pais, precisamente "imortalidade" ou "incorruptibilidade". Pois só Deus "tem imortalidade" -ho monos echon athanasian (I Tm 6,16). Mas o homem agora é admitido em uma "comunhão" íntima com Deus, através de Cristo e pelo poder do Espírito Santo. E isto é muito mais que uma comunhão "moral", e muito mais que uma simples perfeição humana. Somente a palavra theosis pode apresentar adequadamente a singularidade da promessa e da oferta. O termo theosis é certamente bastante embaraçoso, se pensarmos em categorias "ontológicas". De fato, o homem simplesmente não pode "tornar-se" deus. Mas os Pais estavam pensando em termos "pessoais", e o mistério da comunhão pessoal estava envolvido neste ponto. A theosis significava um encontro pessoal. É aquela relação íntima do homem com Deus, na qual toda a existência humana é, por assim dizer, permeada pela Presença Divina. [5]

No entanto, o problema permanece: Como mesmo esta relação pode ser compatível com a Transcendência Divina? E este é o ponto crucial. Será que o homem realmente encontra Deus, nesta vida presente na Terra? Será que o homem encontra Deus, verdadeiramente, em sua vida presente de oração? Ou será que não existe mais do que uma actio in distans? A afirmação comum dos Pais Orientais era que, em sua ascensão devocional, o homem encontra realmente Deus e contempla Sua Glória eterna. Mas como é possível, se Deus "habita na luz inacessível"? O paradoxo era especialmente acentuado na teologia oriental, que sempre esteve comprometida com a crença de que Deus era absolutamente "incompreensível" - akataleptos - e incognoscível em Sua natureza ou essência. Esta convicção foi poderosamente expressa pelos Pais Capadócios, especialmente na luta deles contra Eunômio, e também por São João Crisóstomo, em seus magníficos discursos Peri Akataleptou. Assim, se Deus é absolutamente "inacessível" em Sua essência, e, portanto, Sua essência simplesmente não pode ser "comunicada", como pode a theosis ser possível? "Insulta a Deus aquele que procura apreender Seu ser essencial", diz Crisóstomo.  Já em Santo Atanásio encontramos uma clara distinção entre a própria "essência" de Deus e Seus poderes e recompensas: Kai en pasi men esti kata ten heautou agathoteta, exo de ton panton palin esti kata ten idian physin [Ele está em tudo por seu amor, mas fora de tudo por sua própria natureza (De Decretis II)]. A mesma concepção foi cuidadosamente elaborada pelos Capadócios. A "essência de Deus" é absolutamente inacessível ao homem, diz São Basílio (Adv. Eunomium 1:14). Só conhecemos Deus em Suas ações, e por Suas ações: Hemeis de ek men ton energeion gnorizein legomen ton Theon hemon, te de ousia prosengizein ouch hypischnoumetha hai men gar energeiai autou pros hemas katabainousin, he de ousia autou menei aprositos [Dizemos que conhecemos nosso Deus a partir de suas energias (atividades), mas não professamos aproximar-nos de sua essência - pois suas energias descem até nós, mas sua essência permanece inacessível (Epist. 234, ad Amphilochium)]. No entanto, é um verdadeiro conhecimento, não apenas uma conjectura ou dedução: hai energeiai autou pros hemas katabainousin. Nas palavras de São João de Damasco, estas ações ou "energias" de Deus são a verdadeira revelação do próprio Deus: he theia ellampsis kai energeia (De Fide Orth. 1: 14). É uma presença real, e não apenas uma certa praesentia operativa, sicut agens adest ei in quod agit [como o ator está presente na coisa em que ele atua]. Este modo misterioso de Presença Divina, apesar da transcendência absoluta da Essência Divina, ultrapassa toda compreensão. Mas não é menos certa por essa razão.

São Gregório Palamas se encontra em uma antiga tradição neste ponto. Em Suas "energias", o Deus inacessível se aproxima misteriosamente do homem. E este movimento divino efetua o encontro: proodos eis ta exo, nas palavras de São Máximo (Scholia in De Div. Nom., 1: 5).

São Gregório começa com a distinção entre "graça" e "essência": he theia kai theopoios ellampsis kai charis ouk ousia, all' energeia esti Theou [a iluminação divina e divinizante e graça não é a essência, mas a energia de Deus (Capita Phys., Theol., etc., 68-9)]. Esta distinção básica foi formalmente aceita e elaborada nos Grandes Concílios de Constantinopla, 1341 e 1351. Aqueles que negavam esta distinção foram anátematizados e excomungados. Os anátematismos do Concílio de 651 foram incluídos no rito do Domingo da Ortodoxia, no Triodion. Os teólogos Ortodoxos estão vinculados a esta decisão. A essência de Deus é absolutamente amethekte [incomunicável].  A fonte e o poder da theosis humana não é a essência divina, mas a "Graça de Deus": theopoios energeia, hes ta metechonta theountai, theia tis esti charis, all' ouch he physis tou theou [a energia divinizadora, pela qual alguém que participa é divinizado, é uma graça divina, mas de nenhuma maneira a essência de Deus (ibid. 92-3)]. Charis não é idêntico à ousia. É theia kai aktistos charis kai energeia [Graça e Energia divina e incriada (ibid., 69)]. Esta distinção, entretanto, não implica ou efetua divisão ou separação. Tampouco é apenas um "acidente", oute symbebekotos (ibid., 127). As energias "procedem" de Deus e manifestam Seu próprio Ser. O termo proienai [proceder] simplesmente sugere diakrisin [distinção], mas não uma divisão: ei kai dienenenoche tes physeos, ou diaspatai he tou Pneumatos charis [a graça do Espírito é diferente da Substância, e ainda assim não separada dela (Theophan, p. 940)].

Na realidade, todo o ensino de São Gregório pressupõe a ação do Deus Pessoal. Deus se move em direção ao homem e o abraça por Sua própria "graça" e ação, sem deixar aquela phos aprositon [luz inacessível], na qual Ele habita eternamente. O objetivo último do ensinamento teológico de São Gregório era defender a realidade da experiência cristã. A salvação é mais do que o perdão. É uma genuína renovação do homem. E esta renovação é efetuada não pela descarga, ou liberação, de certas energias naturais implicadas no próprio ser criatural do homem, mas pelas "energias" do próprio Deus, que assim encontra e envolve o homem, e o admite em comunhão com Ele mesmo. De fato, o ensinamento de São Gregório afeta todo o sistema da teologia, todo o corpo da doutrina cristã. Começa com a clara distinção entre "natureza" e "vontade" de Deus. Esta distinção também era característica da tradição oriental, pelo menos desde Santo Atanásio. Poder-se-ia perguntar neste ponto: esta distinção é compatível com a "simplicidade" de Deus? Não deveríamos antes considerar todas estas distinções como conjecturas meramente lógicas, necessárias para nós, mas em última análise sem qualquer significado ontológico? Na realidade, São Gregório Palamas foi atacado por seus oponentes precisamente a partir desse ponto de vista. O Ser de Deus é simples, e nEle até mesmo todos os atributos coincidem. Já Santo Agostinho divergia, neste ponto, da tradição oriental. Sob os pressupostos agostinianos, o ensino de São Gregório é inaceitável e absurdo. O próprio São Gregório antecipou a amplitude das implicações de sua distinção básica. Se alguém não a aceita, argumentou ele, então seria impossível discernir claramente entre a "geração" do Filho e a "criação" do mundo, sendo ambos atos da essência, e isto levaria a uma completa confusão na doutrina trinitária. São Gregório era bastante formal nesse ponto.
Se de acordo com os opositores delirantes e aqueles que concordam com eles, a energia Divina não difere em nada da essência Divina, então o ato de criar, que pertence à vontade, não será de forma alguma diferente da geração (gennan) e processão (ekporeuein), que pertencem à essência. Se criar não é diferente da geração e da processão, então as criaturas não serão de forma alguma diferentes do Gerado (gennematos) e do Projetado [dAquele que procede] (problematos). Se este for o caso segundo eles, então tanto o Filho de Deus quanto o Espírito Santo não serão diferentes das criaturas, e todas as criaturas serão tanto o gerado (gennematos) quanto o projetado (problematos) de Deus Pai, e a criação será deificada e Deus estará classificado entre as criaturas. Por esta razão, o venerável Cirilo, mostrando a diferença entre a essência de Deus e a energia, diz que gerar pertence à natureza Divina, ao passo que criar pertence a Sua energia Divina. Isto ele mostra claramente dizendo: "natureza e energia não são a mesma coisa". Se a essência Divina não difere em nada da energia Divina, então gerar (gennan) e projetar (ekporeuein) não diferirá em nada de criar (poiein). Deus Pai cria através do Filho e no Espírito Santo. Assim, Ele também gera e projeta através do Filho e no Espírito Santo, de acordo com a opinião dos opositores e daqueles que concordam com eles. (Capita 96 e 97.)
São Gregório cita São Cirilo de Alexandria. Mas São Cirilo, neste ponto, estava simplesmente repetindo Santo Atanásio. Santo Atanásio, em sua refutação do arianismo, enfatizou formalmente a diferença última entre ousia [essência] ou physis [substância], por um lado, e a boulesis [vontade], por outro. Deus existe, e então Ele também age. Há uma certa "necessidade" no Ser Divino, na realidade não uma necessidade de compulsão, e não fatum, mas uma necessidade de ser em si. Deus é simplesmente o que Ele é. Mas a vontade de Deus é eminentemente livre. Ele em nenhum sentido é necessitado para fazer o que Ele faz. Assim, gennesis [geração] é sempre kata physin [segundo a essência], mas a criação é uma bouleseos ergon [energia da vontade] (Contra Arianos III. 64-6). Estas duas dimensões, a de ser e a de agir, são diferentes, e devem ser claramente distinguidas. Evidentemente, esta distinção não compromete de forma alguma a "simplicidade divina". No entanto, é uma distinção real, e não apenas um dispositivo lógico. São Gregório estava plenamente consciente da importância crucial desta distinção. Neste ponto, ele foi um verdadeiro sucessor do grande Atanásio e dos hierarcas Capadócios.

Foi recentemente sugerido que a teologia de São Gregório, deve ser descrita em termos modernos como uma "teologia existencialista". Na realidade, ela difere radicalmente das concepções modernas que são atualmente denotadas por este rótulo. De qualquer forma, em todo caso, São Gregório opôs-se definitivamente a todos os tipos de "teologias essencialistas" que fracassam em considerar a liberdade de Deus, o dinamismo da vontade de Deus, a realidade da ação divina. São Gregório remontaria esta tendência a Orígenes. Era o problema da metafísica impessoalista grega. Se existe algum espaço para a metafísica cristã, ela deve ser uma metafísica de pessoas. O ponto de partida da teologia de São Gregório era a história da salvação: na escala maior, a história bíblica, que consistia de atos divinos, culminando na Encarnação do Verbo e Sua glorificação através da Cruz e da Ressurreição; na escala menor, a história do homem cristão, lutando em busca da perfeição, e ascendendo passo a passo, até encontrar Deus na visão de Sua glória. Era comum descrever a teologia de Santo Irineu como uma "teologia dos fatos". E com não menos justificativa podemos descrever também a teologia de São Gregório Palamas como uma "teologia dos fatos".

Em nosso próprio tempo, estamos chegando cada vez mais à convicção de que "teologia dos fatos" é a única teologia Ortodoxa sólida. Ela é bíblica. É Patrística. Ela está em total conformidade com a mente da Igreja.

Neste contexto, podemos considerar São Gregório Palamas como nosso guia e mestre, em nosso esforço para teologizar a partir do coração da Igreja.

Capítulo VII de The Collected Works of Georges Florovsky, Vol. I, Bible, Church, Tradition: An Eastern Orthodox View

Notas

1. Foi recentemente sugerido que os gnósticos foram, de fato, os primeiros a invocar formalmente a autoridade de uma "Tradição Apostólica" e que foi o uso deles que moveu Santo Irineu a elaborar sua própria concepção de Tradição. D. B. Reynders, "Paradosis: Le proges de l'idee de tradition jusqu'a Saint Irenee", em Recherches de Theologie ancienne et medievale, V (1933), Louvain, 155-191. Em qualquer caso, os gnósticos costumavam se referir à "tradição".

2. Paul Maas, ed.. Fruhbyzantinische Kirchenpoesie, I (Bonn, 1910), p. 24.

3. Louis Bouyer, "Le renouveau des etudes patristiques," em La Vie Intellectuelle, XV (Fevrier 1947), 18.

4. Mabillon, Bernardi Opera, Praefatio generalis, n. 23 (Migne, P. L., CLXXXII, c. 26).

5. Cf. M. Lot-Borodine, "La doctrine de la deification dans I'Eglise grecque jusqu'au XI siecle," em Revue de l'histoire des religions, tome CV, Nr I (Janvier-Fevrier 1932), 5-43; tomo CVI, Nr 2/3 (Setembro-Dezembro 1932), 525-74; tomo CVII, Nr I (Janeiro-Fevereiro 1933), 8-55.