sábado, 21 de setembro de 2019

Os fracassos dos Concílios de Lyon e de Florença em reunir Oriente e Ocidente (Pe. John W. Morris)

A controvérsia da investidura no Ocidente

A missão do Cardeal Humbert a Constantinopla e o cisma que se seguiu devem ser entendidos no contexto de desenvolvimentos mais amplos dentro do papado medieval. Em 1073, o sucessor de Humbert como líder do movimento reformista, um monge chamado Hildebrando, tornou-se papa com o nome de Gregório VII. O novo papa se preparou para remover os últimos vestígios de controle leigo sobre a Igreja Ocidental. Em 1059, o papa Nicolau II decretara que os principais bispos de Roma, chamados cardeais, elegeriam todos os futuros papas, acabando com a dominação do papado pelas famílias rivais romanas. Gregório VII decidiu eliminar a investidura leiga, um meio pelo qual o imperador do Sacro Império Romano podia controlar a seleção de bispos em seu reino, exigindo-lhes que o homenageassem e recebessem os símbolos do ofício dele antes de assumir o cargo. Gregório emitiu um decreto proibindo a investidura por leigos. O Imperador Henrique IV respondeu com uma carta fortemente articulada, denunciando o papa como uma fraude e chamando-o de “Hildebrando, no momento não papa, mas falso monge”. [603] O papa irado então excomungou o governante desobediente. Sempre buscando uma oportunidade para afirmar sua independência, os nobres alemães se uniram alegremente à causa papal. A rebelião de sua nobreza obrigou o imperador a buscar a reconciliação com o líder da Igreja Ocidental.

Em um dos episódios mais dramáticos da história européia, Henrique foi ao castelo da Condessa Matilda em Canossa, no norte da Itália, onde Gregório fez uma pausa durante uma viagem à Alemanha para discutir seu caso antes de uma reunião da Dieta Alemã. O líder do Sacro Império Romano ficou descalço na neve por três dias, implorando o perdão do papa. Como nenhum padre pode se recusar a absolver um pecador arrependido, o papa não teve escolha senão remover a excomunhão e restaurar Henrique à comunhão. Finalmente, em 1122, o papa Calixto II e o imperador Henrique V elaboraram um acordo chamado Concordata de Worms, que permitiu ao Imperador continuar investindo um bispo recém-escolhido com suas terras e autoridade temporal, mas reservado ao arcebispo metropolitano local a autoridade de investi-lo com os símbolos de seu ofício eclesiástico. [604] Enquanto isso, os bispos alemães continuavam a crescer em riqueza e prestígio. Eventualmente, eles se tornaram governantes em grandes partes da Alemanha. Alguns deles construíram casas luxuosas como a Residência em Würzburg ou o Palácio Eleitoral em Bonn que se igualam aos palácios de qualquer governante secular.

O Concílio de Lyon

Após a restauração do Império Bizantino e o fim do domínio latino em Constantinopla em 1261, o Imperador Miguel VIII enfrentou um sério desafio de Carlos de Anjou, o governante da Sicília, que queria estender seu governo ao antigo império. Em um esforço para ganhar aliados contra Carlos, o irmão do rei Luís IX da França, Miguel pediu apoio ao papa. No entanto, o preço da ajuda papal era a união das Igrejas do Oriente e do Ocidente sob o domínio romano. O papa Clemente IV enviou ao imperador uma carta em 4 de março de 1267, na qual o convidou a enviar representantes a um concílio ecumênico para reunir as duas Igrejas. O papa deixou claro que o preço da união era a submissão ao papado, pois não haveria discussão sobre as questões que separavam o Ocidente do Oriente. Em vez disso, o imperador foi convidado a assinar um acordo aceitando a autoridade do papa.

A proposta de um concílio de união levou a uma controvérsia no Oriente. O imperador e seus partidários desejavam a união com Roma e as alianças políticas que ela traria. No entanto, o Patriarca José liderou aqueles que se recusaram a comprometer os ensinamentos da Igreja Ortodoxa, ou a entregar seus direitos tradicionais ao crescente poder do papado romano. O imperador emitiu um decreto apoiando a união e defendendo a ortodoxia da Igreja latina. Em resposta, um grupo de teólogos liderados por Job Jasites, um monge, e Pachymeres, um historiador, publicaram uma Resposta, que chamou os latinos de hereges e argumentou que a união com Roma significaria submissão à dominação papal. Depois de muita discussão, o imperador prevaleceu. Os bispos bizantinos concordaram em aceitar a primazia romana, a autoridade do papa para receber apelos e comemorar o bispo de Roma depois da união. No entanto, a carta a Roma aceitando o convite para participar do concílio também declarou que “devemos, então, manter todas as nossas doutrinas e ritos”. [605]

O concílio foi aberto em Lyon em 7 de maio de 1274. A delegação oriental consistia de três homens, nenhum dos quais representava nenhum dos quatro patriarcas. Como prometido, os representantes do Oriente não tiveram oportunidade de discutir as questões que dividiram as duas Igrejas. Em vez disso, o papa Gregório X exigiu a submissão total da Igreja Oriental. O imperador bizantino, cuja principal preocupação era a assistência papal para enfrentar a ameaça de Carlos de Anjou, forçou os representantes dos bispos ortodoxos a aceitar os termos papais. O imperador assinou uma declaração aceitando a posição romana em todas as questões, incluindo o purgatório, o filioque e o uso de pão ázimo para a Eucaristia. No entanto, o imperador também afirmou o direito da Igreja Oriental de continuar seguindo suas próprias tradições litúrgicas. Como resultado, o concílio proclamou a união das duas Igrejas em 6 de julho de 1274. [606]

Embora o Bispo de Calcedônia tenha proclamado a união durante uma Liturgia na capela do palácio imperial de Blachernae na presença de legados papais em 19 de janeiro de 1275, a maioria dos clérigos se opôs à união. O Patriarca Ecumênico, José I, retirou-se para um mosteiro no Mar Negro, em vez de aceitar o Concílio de Lyon. Embora seu sucessor, John XI Beccus, tenha feito campanha ativa em apoio a união, ele não conseguiu persuadir o clero bizantino a aceitar a união com Roma com base no Concílio de Lyon. Enquanto isso, as crescentes reivindicações papais de autoridade sobre a Igreja Oriental fortaleceram o movimento anti-união. Depois que o papa Nicolau II exigiu que a Igreja Oriental cantasse o Credo com a cláusula filioque, a união perdeu todo o apoio na capital bizantina. Finalmente, em 1281, o Papa Martin IV, percebendo que a Igreja Oriental nunca aceitaria as exigências papais, fez uma aliança com Carlos de Anjou. O papa então excomungou o imperador bizantino e instigou os latinos a restaurar seu domínio latino sobre a cidade imperial. No entanto, uma rebelião na Sicília em 1282, as famosas Vésperas da Sicília, impediu o ambicioso príncipe de apoiar o esquema papal para a conquista do Oriente. [607]

Gregório de Chipre e a cláusula Filioque

Depois que o papa excomungou o imperador, não demorou muito para a Igreja Oriental repudiar a união de Lyon. Andronicus II, o sucessor de Miguel VIII, forçou o patriarca John Beccus a se retirar para um mosteiro e restaurou José I no trono patriarcal. Uma série de concílios depôs Beccus e os defensores da união. Após a morte do Patriarca José em 28 de março de 1283, Gregório de Chipre subiu ao trono ecumênico. Gregório II foi um estudioso que presidiu uma série de concílios que condenaram Beccus por heresia e disciplinaram os bispos que apoiaram a união. Finalmente, o Concílio de Blachernae de 1285 aprovou um Tomos escrito por Gregório que declarou heresia ensinar que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, o filioque. 

Nos Tomos aprovados pelo concílio, Gregório escreveu: “o Pai é o fundamento e a fonte do Filho e do Espírito, a única fonte da divindade e a única causa”. O documento baniu da Igreja aqueles que ensinavam que o Filho tem parte “na causalidade do Espírito”. Gregório argumentou que aqueles que entendem o ensinamento de alguns Padres que o Espírito Santo procede “do Pai através do Filho" como significando o mesmo que aqueles que ensinam que o Espírito Santo procede “do Pai e do Filho" falham em entender a distinção entre as palavras "do" e "através do". A expressão "através do Filho" significa a “manifestação e iluminação [do Espírito pelo Filho] e não a emanação do Espírito ao ser [NT: isto é, "através do Filho" não significa a origem ontológica do Espírito, a origem do Seu ser por emanação]. Portanto, Gregório raciocina que a expressão “do Pai através do Filho” deve ser entendida como significando que o Filho manifesta eternamente o Espírito Santo. [608] Assim, a Igreja Ortodoxa se opôs à cláusula filioque não apenas porque o Ocidente mudou o texto do Credo aprovado pelos Concílios Ecumênicos, mas também porque rejeitou a doutrina que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho.

Bonifácio VIII e o Grande Cisma na Igreja Ocidental

O crescimento do poder papal na Idade Média atingiu o clímax quando Bonifácio VIII tornou-se papa em 1294. Bonifácio opôs-se aos esforços dos reis da Inglaterra e da França para taxar o clero. Ele emitiu um decreto Clericis Laicos em 1296, no qual proclamava que o clero não deveria pagar impostos às autoridades seculares. Em resposta, o rei Filipe IV o Belo da França, emitiu uma ordem proibindo o envio de ouro, prata ou outros itens valiosos pra fora de seu reino. Ele também expulsou o banqueiro italiano que lidava com as finanças papais na França. Quando o monarca francês proibiu os bispos franceses de participar de um sínodo em Roma em 1302, Bonifácio emitiu um decreto chamado Unam Sanctam, que continha algumas das mais extremas declarações papais de todos os tempos. Entre outras coisas, o pontífice declarou que os gregos (ortodoxos) não eram "ovelhas de Cristo", porque eles rejeitam a autoridade papal. Ele também reivindicou o direito de julgar os governantes seculares, mas proclamou que nenhum concílio ou autoridade secular poderia julgar o bispo de Roma, que está sujeito somente a Deus. Por fim, ele escreveu: “declaramos, afirmamos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário para a salvação de toda criatura humana que ela seja sujeita ao pontífice romano”. [610]

O rei Filipe IV da França recusou-se a curvar-se à autoridade papal. Em vez disso, ele prendeu e encarcerou Bonifácio em Anagni, onde morreu em 1303. Após o curto mandato de Bento XI, os cardeais escolheram Clemente V em 1305, que mudou a corte papal para Avignon, no sul da França, iniciando assim uma era de dominação francesa do papado conhecida como cativeiro babilônico do papado. Finalmente, em 1377, o papa Urbano V retornou o papado a Roma. No entanto, após sua morte em março de 1378, os cardeais se dividiram em duas facções que elegeram dois papas rivais, Urbano VI, que permaneceram em Roma, e Clemente VII, primo do rei da França, que retornou a corte papal a Avignon. Como resultado, a Igreja Ocidental se dividiu em duas facções. França, Espanha, Escócia, Nápoles, Sicília e algumas partes da Alemanha apoiaram o Papa em Avignon. A Itália central, a maior parte da Alemanha, a Inglaterra e o resto da Europa apoiaram os papas romanos. Dois papas rivais reinaram até 1414. Os historiadores ocidentais mostram seu viés chamando essa era de O Grande Cisma, em vez de chamar a divisão entre o Catolicismo Romano e a Ortodoxia de Grande Cisma. [611]

O Movimento Conciliar

O conflito entre dois homens, cada qual alegando ser o papa legítimo, levou a uma necessidade de reforma da Igreja Católica Ocidental ou Romana. Henry de Langenstein, o vice-chanceler da Universidade de Paris, e Conrad de Gelnhausen sugeriram que a Igreja Ocidental deveria retornar ao “caminho real da Igreja antiga” e convocar um concílio geral para resolver a disputa. Isso levou ao crescimento do Movimento Conciliar, que argumentava que um concílio geral é a autoridade suprema da Igreja, e não o bispo de Roma. Guilherme de Occam e Marsílio de Pádua escreveram que o corpo dos fiéis, não o papa, é a autoridade última da Igreja. Finalmente, ambos os lados perceberam que o cisma deveria ser curado. Um grupo de cardeais, reunidos em Leghorn em 1408, concordou que um concílio da Igreja Ocidental deveria se reunir em 24 de março de 1409 em Pisa. Depois que os dois papas rivais se recusaram a comparecer, o concílio os destituiu e elegeu um novo papa, o cardeal arcebispo de Milão, Peter Philargi, que se tornou o papa Alexandre V. Infelizmente, nem o papa em Roma nem o papa em Avignon concordaram em renunciar. O concílio não curou o cisma. Depois que Alexandre V estabeleceu sua corte em Bolonha, havia então três papas. [612]

Finalmente, Sigismundo de Luxemburgo, Rei da Hungria e Imperador eleito do Sacro Império Romano, convocou outro concílio que se reuniu em Constança em 1414. Este sínodo removeu os três pretendentes ao trono papal e escolheu Martin V, um cardeal romano, para assumir liderança da Igreja Católica Romana. O concílio também aprovou um decreto, Sacrosancta, que proclamava que um concílio geral é a mais alta autoridade da Igreja e deve ser obedecido por todos, incluindo o papa. Para reforçar a autoridade dos concílios gerais, o Concílio de Constância também adotou um decreto, Frequens, que exigia que o papa convocasse outro concílio geral em cinco anos, depois outro sete anos depois, e concílios gerais a cada dez anos depois disso. No entanto, quando ele fechou oficialmente o concílio, Martin V, recusou-se a endossar essas decisões. [613]

O Movimento Conciliar terminou depois que o próximo concílio, o Concílio de Basiléia, não conseguiu impor um ambicioso programa de reformas. O concílio, que se reuniu na cidade suíça em 1431, decretou que um concílio geral deve se reunir a cada dez anos, que os concílios devem se reunir a cada dois anos em cada arquidiocese e a cada ano em cada diocese. O Concílio também tentou reformar as finanças da Igreja Ocidental. Contudo, o papa Eugênio IV impediu com sucesso o desejo do concílio transferindo o concílio a Ferrara na promessa que um concílio na Itália receberia o Imperador do Império Bizantino e curaria o cisma com a Igreja Oriental. Depois de se reunir em Ferrara, o concílio mudou-se para Florença, onde declarou a união das Igrejas em julho de 1439. Este feito, que não durou, reforçou o prestígio de Eugênio, tornando-o capaz de derrotar de uma vez por todas o Movimento Conciliar, estabelecendo assim o princípio de que o Papa não está sujeito a nenhuma outra autoridade, nem mesmo um concílio geral, como afirma o ensinamento aceito da Igreja Católica Romana. [614] Se tivesse sido bem sucedido, o Movimento Conciliar poderia ter resolvido algumas das diferenças entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente. É significativo que os defensores do conciliarismo apelassem para o exemplo da Igreja antiga, na qual todos reconheciam a autoridade de um concílio ecumênico sobre todos os bispos, incluindo o bispo de Roma. No entanto, os conciliaristas ainda acreditavam na supremacia papal. Portanto, eles não defenderam completamente a administração seguida pela antiga Igreja indivisa. Na antiga Igreja, Roma gozava de um primado de honra como primeiro entre iguais, mas não tinha autoridade fora de seu próprio patriarcado.

São Marcos de Éfeso: "Eu nunca farei isso, aconteça o que acontecer". [Sobre a mesa o documento: "Termos da União dos Latinos e Ortodoxos. Florença, 1439."]

O Concílio de Florença

Como o malfadado Concílio de Lyon, o Concílio de Ferrara-Florença proclamou a união da Igreja Católica Romana e Ortodoxa. Como havia sido o caso com Lyons, o imperador oriental buscou a união com Roma para obter apoio para derrotar uma séria ameaça ao seu império. Desta vez, porém, a ameaça não veio do Ocidente, mas do Oriente. Os turcos otomanos receberam esse nome por causa de Osman, que se tornou governante de um pequeno principado na Ásia Menor por volta de 1299. De sua base, Osman e seus sucessores ampliaram o reino otomano incluindo toda a Ásia Menor moderna no final do século XIV. Enquanto isso, as forças otomanas atravessaram para a Europa em 1354. Em 1369, os turcos conquistaram Adrianópolis. Em 15 de junho de 1389, os turcos derrotaram o exército sérvio em Kosovo, o Campo dos Pássaros Negros, levando à conquista turca da maior parte dos Bálcãs. Os turcos poderiam muito bem ter conquistado Constantinopla no início do século XV se a invasão mongol liderada por Timur, o Coxo em 1402, não os tivesse forçado a desviar suas forças para o leste. No entanto, em meados do século XV, era evidente que era apenas uma questão de tempo até que a batalha decisiva entre o Império Bizantino e os turcos determinasse o destino de Constantinopla. [615]

À medida que a ameaça turca crescia, os líderes do Império do Oriente se tornaram mais abertos à idéia de se reunir com Roma como um meio de assegurar a ajuda ocidental. O papa Eugênio defendia a reunião com o Oriente como um meio de dar-lhe prestígio para usar em sua batalha contra o conciliarismo. Ao mesmo tempo, os partidários do Concílio de Basiléia também buscaram apoio oriental em sua luta contra o papado. Ambos os lados enviaram delegações a Constantinopla. Roma e os partidários de Basil enviaram navios para a cidade imperial para fornecer transporte para o imperador e os representantes da Igreja Oriental. No entanto, o imperador João VIII Paleólogo decidiu aceitar a oferta papal porque, pela primeira vez, Roma havia concordado em resolver as diferenças entre as duas Igrejas em um concílio geral e porque o papa Eugênio concordou em se encontrar com os representantes bizantinos na Itália, que era muito mais perto da capital bizantina do que Basiléia, na Suíça. O imperador bizantino, acompanhado pelo Patriarca Ecumênico, chegou a Veneza em 8 de fevereiro de 1438. A delegação oriental incluiu vários teólogos ortodoxos importantes, como João Bessarion, o Metropolita de Nicéia, Marcos Eugenicus, o Metropolita de Éfeso, que também representou o Patriarca de Antioquia, e Isidoro, o Metropolita de Kiev. A delegação oriental chegou a Ferrara em 14 de março. Em janeiro de 1439, depois que a peste eclodiu em Ferrara, o concílio mudou-se para Florença, que havia concordado em pagar as despesas do concílio se fosse realizado em sua cidade. [616] O concílio terminou em 6 de julho. [617]

Ao contrário de Lyon, houve discussões sérias sobre as questões que dividiam as Igrejas. No entanto, nenhum dos lados realmente entendeu a linguagem ou os métodos teológicos do outro. Os latinos usavam as ferramentas da filosofia e do raciocínio dialético em vez dos Padres e das Escrituras, as fontes primárias para os teólogos ortodoxos. Assim, os teólogos gregos não estavam preparados para responder aos latinos. Um seguidor de São Gregório Palamas, como Marcos de Éfeso, achou o método deles completamente estranho e carecia da experiência necessária para responder aos argumentos altamente lógicos dos latinos. Ao mesmo tempo, tanto o papa quanto o imperador pressionaram seus representantes a chegarem a um acordo o mais rápido possível. O papa precisava do prestígio que a cura do cisma com o Oriente daria em seu conflito com o movimento conciliar. O imperador esperava que o acordo com Roma persuadisse as potências ocidentais a enviar tropas para ajudar a combater os turcos. [618]

O concílio abriu com uma discussão sobre a doutrina latina do purgatório. Como já mencionado, os teólogos ocidentais ensinaram que depois do arrependimento, confissão e absolvição, a pessoa deve expiar seus pecados realizando obras de satisfação. Se alguém deixasse de realizar obras suficientes de satisfação antes da morte, eles teriam que passar por um tempo de punição e purificação no purgatório antes de poderem entrar no céu. Os teólogos ortodoxos ouviram pela primeira vez falar do purgatório em 1235 durante uma discussão entre o metropolita de Corfu, George Bardanes, e um frade franciscano chamado Bartolomeu no mosteiro de S. Nicolau de Casole em Otranto. A hierarquia ortodoxa achou a doutrina problemática e a rejeitou como uma nova forma de heresia de Orígenes da salvação universal. O purgatório havia aparecido em Lyon, mas como não houve nenhum diálogo teológico sério durante o encontro, os teólogos orientais não haviam formulado uma resposta detalhada à doutrina latina. [619] Como os teólogos ortodoxos sempre evitaram aprofundar-se muito no mistério do que acontece depois da morte, faltavam-lhes as ferramentas para responder aos argumentos bem pensados dos latinos. Marcos de Éfeso, no entanto, argumentou que a antiga prática de orações pelos mortos não justifica a doutrina do purgatório. Em vez disso, ele considerou as orações pelos que partiram uma manifestação da crença de que a unidade dos crentes em Cristo não termina com a morte, mas continua. Ele concluiu, no entanto, que não se pode justificar a doutrina latina do purgatório a partir da prática litúrgica da Igreja, do testemunho dos Santos Padres e das Sagradas Escrituras. No final, o concílio adotou uma declaração ambígua que evitava as idéias do fogo material e não mencionava especificamente o purgatório. Em vez disso, o concílio concluiu que alguns dos que morrem são “purificados por punições purgatoriais após a morte”, enquanto outros ascendem diretamente ao céu e outros descem ao inferno. [620]

Naturalmente, houve muita discussão sobre a cláusula do filioque no concílio. Os ortodoxos começaram o debate argumentando que os Concílios Ecumênicos haviam proibido quaisquer acréscimos ou alterações ao Credo. Os latinos responderam que as palavras disputadas não eram realmente uma adição ou alteração, mas apenas um esclarecimento das palavras aprovadas pelos Concílios Ecumênicos. Marcos de Éfeso defendeu firmemente a doutrina ortodoxa tradicional de que o Espírito Santo procede do Pai apenas. Os teólogos latinos argumentaram que a expressão latina "e do Filho" é virtualmente idêntica à expressão "através do Filho", encontrada em alguns Padres Gregos. Finalmente, o imperador cuja principal preocupação era ganhar ajuda ocidental em sua batalha contra os turcos, interveio insistindo que os ortodoxos chegassem a um acordo com os católicos romanos. Como resultado, os ortodoxos concordaram em permitir que a Igreja Ocidental continuasse a usar a cláusula filioque, mas recusaram-se a adicioná-la à sua versão do Credo. [621]

Os delegados também discutiram diferenças na teologia eucarística. O concílio resolveu o antigo conflito sobre pão levedado ou ázimo por meio de um compromisso. O Ocidente continuaria a usar pão ázimo, enquanto o Oriente continuaria a usar pão levedado para a Eucaristia. No entanto, o concílio não conseguiu resolver o conflito entre Oriente e Ocidente sobre a consagração do pão e do vinho. Significativamente, o concílio só considerou o papel do papa durante suas sessões finais. A delegação latina citou a “Doação de Constantino” para apoiar as reivindicações papais. Ironicamente, no ano seguinte, o erudito da Renascença, Lorenzo Valla, publicou um trabalho provando que a “Doação de Constantino” era uma falsificação. O decreto final do concílio afirmou que, como sucessor de São Pedro, o bispo de Roma “detém a primazia em todo o mundo”. Ele é também o “Vigário de Cristo” e possui “o poder pleno de alimentar, dirigir e governar a Igreja universal”. No entanto, o decreto também declarou que Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém continuariam a ter “todos os seus direitos e privilégios.” Após a morte do patriarca José II, os delegados ortodoxos, desgastados pelas intermináveis discussões, finalmente submeteram-se às exigências latinas. Todos, exceto Marcos de Éfeso, assinaram o acordo para a união com Roma. O concílio terminou em 6 de julho de 1438. [622]

Quando o imperador e sua delegação retornaram a Constantinopla, logo descobriram que os fiéis eram hostis à união com Roma. Marcos de Éfeso, considerado um santo pela Igreja Ortodoxa, liderou a oposição à união de Florença. George Scholarius que se tornou o primeiro Patriarca Ecumênico depois da queda de Constantinopla para os turcos, e outros logo se uniram a oposição à união. Um oficial bizantino disse que preferia aceitar o turbante dos turcos do que a mitra dos latinos. A oposição à união se espalhou para além do Império do Oriente. O Grande Príncipe de Moscou prendeu e exilou Isidoro, o metropolita de Kiev, que recebeu um chapéu de cardeal do papa como recompensa por aceitar a união no concílio, depois que ele comemorou o papa durante a Divina Liturgia na Catedral da Dormição no Kremlin em Moscou. Depois da morte do Imperador João VIII, o novo imperador Constantino XI, seu irmão, esperando a ajuda ocidental para defender o Império contra os turcos otomanos, ordenou que o Patriarca Ecumênico, Metrophanes II, celebrasse oficialmente a união na Igreja da Santa Sabedoria em 12 de dezembro de 1452. Apesar da submissão bizantina às exigências ocidentais de união com Roma, a ajuda prometida nunca se materializou. Em vez disso, os turcos conquistaram Constantinopla em 29 de maio de 1453, encerrando assim a história do Império Romano do Oriente. [623] Em 1484, Simeão I, o Patriarca Ecumênico, presidiu um concílio que incluía representantes dos Patriarcas de Alexandria, Jerusalém e Antioquia. Este concílio pan-ortodoxo repudiou a união com Roma e declarou que o Concílio de Florença violou a lei canônica da Igreja. Assim, a tentativa final de reunir as igrejas ortodoxa e católica romana terminou em fracasso. [624] 

Embora a união proclamada em Florença tenha eventualmente fracassado, o sucesso efêmero do concílio aumentou tanto o prestígio papal que selou a vitória papal sobre o Movimento Conciliar. A partir de então, o Bispo de Roma não estava sujeito a nenhuma autoridade superior, incluindo um Concílio Ecumênico. Em 1460, o Papa Pio II proibiu todos os apelos de decisões papais feitos a um concílio geral em um decreto chamado Execrabilis. [625] Obviamente, este é um grande problema para os ortodoxos, que consideram cada bispo, incluindo um patriarca, sujeito à autoridade dos concílios locais e internacionais. Todo líder ortodoxo, por mais importante que seja, deve obedecer às decisões do Santo Sínodo, que é um concílio dos principais bispos de sua Igreja Ortodoxa local. Em casos extremos, um Santo Sínodo pode remover um patriarca do ofício. Ao romper a comunhão com um hierarca ofensor, os líderes das várias Igrejas Ortodoxas independentes têm a capacidade de impor a disciplina da Igreja a um líder errante. Assim, a Ortodoxia não pode reconhecer ninguém como fora da autoridade da Igreja como um todo, como é o caso da Igreja Católica Romana que coloca o Bispo de Roma em uma posição acima da Igreja.


Do livro "The Historic Church: An Orthodox View of Christian History" por Pe. John W. Morris

Notas

[603] Cantor, Medieval History, 295 Chapter 14
[604] Walker, A History of the Christian Church, pp. 275-279
[605] Hussey, The Orthodox Church in the Byzantine Empire; Papadakis, The Christian East and the Rise of the Papacy, p. 221
[606] Hussey, The Orthodox Church in The Byzantine Empire, pp. 231-237
[607] Papadakis, Crisis in Byzantium, p. 26
[608] “The Tomos of 1285,” em Ibid, pp. 218-222; Hussey, The Orthodox Church in the Byzantine Empire, pp. 246-247
[609] Bihlmeyer and Tuchle, Church History, pp. 348-352
[610] “The Bull Unam Sanctam in 1302” em Bettenson, Documents of the Christian Church, pp. 126-127
[611] Walker, A History of the Christian Church, pp.371-316; Bihlmeyer e Tuchle, Church History, vol. II, pp. 382
[612] Walker, A History of the Christian Church, pp. 387; Bihlmeyer e Tuchle, Church History, pp. 389-390
[613] Walker, A History of the Christian Church, pp. 388-389; Bihlmeyer e Tuchle, Church History, pp. 392-395
[614] Walker, A History of the Christian Church, pp. 388-391
[615] L. S. Stavrianos, The Balkans Since 1453 (New York: Holt Rinehart and Winston, 1966), pp. 35-53
[616] Ivan N. Ostroumoff, The History of the Council of Florence, (Boston: Holy Transfiguration Monastery, 1971), p. 88
[617] Hussey, The Orthodox Church in the Byzantine Empire, pp. 272-280; Bihlmeyer e Tuchle, Church History, vol. II, pp. 400-401; Donald M. Nicol, The Last Centuries of Byzantium 1261-1453 (Cambridge: The Cambridge University Press, 1996) pp. 352-359
[618] Papadakis, The Christian East and the Rise of the Papacy, p. 393
[619] Ibid., pp. 398-401; Ostroumoff, The History of the Council of Florence, pp. 45-60
[620] Ibid.
[621] Ibid, pp. 401-402; Hussey, The Orthodox Church in the Byzantine Empire, pp. 272-280; Bihlmeyer e Tuchle, Church History, vol. II, pp. 400-401; Donald M. Nicol, The Last Centuries of Byzantium, pp. 352-359; Ostroumoff, The History of the Council of Florence, pp. 60-116
[622] Papadakis, The Christian East and the Rise of the Papacy, pp. 403-404; Hussey, The Orthodox Church in the Byzantine Empire. 279
[623] Hussey, The Orthodox Church in the Byzantine Empire, pp. 283-289; Papadakis, The Christian East and the Rise of the Papacy, pp. 352-353.
[624] Steven Runciman, The Great Church in Captivity (Cambridge; The Cambridge University Press, 1968), p. 228
[625] MacCulloch, The Reformation, p. 39 Chapter 15

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