domingo, 31 de dezembro de 2017

Pontos básicos de diferença entre a Igreja Ortodoxa e o Papismo (Metropolita Hierotheos de Nafpaktos)


Os bispos da Roma Antiga, apesar de diferenças pequenas e não essenciais, sempre mantiveram comunhão com os bispos da Nova Roma (Constantinopla) e os bispos do oriente até os anos 1009-1014, quando, pela primeira vez, os bispos francos tomaram o trono da Roma Antiga. Até o ano de 1009, os Papas de Roma e os Patriarcas de Constantinopla se unificaram em uma luta comum contra os príncipes e bispos francos.

Os francos no Sínodo de Frankfurt em 794 condenaram os decretos do Sétimo Sínodo Ecumênico e a veneração honrosa dos ícones sagrados. Da mesma forma, em 809, os Francos introduziram no Símbolo da Fé o "Filioque" (latim: "e do Filho"); a saber, a doutrina relativa à processão do Espírito Santo tanto do Pai quanto do Filho. Naquela época, o Papa ortodoxo de Roma condenou essa imposição. No Sínodo de Constantinopla presidido por Fócio o Grande, em que também participaram representantes do Papa ortodoxo de Roma, condenaram todos os que condenaram os decretos do Sétimo Sínodo Ecumênico e todos os que adicionaram o Filioque ao Símbolo de Fé. No entanto, o papa franco Sérgio IV, no ano 1009, em sua encíclica de entronização, pela primeira vez, acrescentou o Filioque ao Símbolo da Fé. Em seguida o Papa Bento XVI introduziu o Credo com o Filioque no culto da Igreja, momento em que o Papa foi afastado dos dípticos da Igreja Ortodoxa.

A distinção básica entre a Igreja Ortodoxa e o Papismo é encontrada na doutrina relativa à natureza incriada e à energia incriada de Deus. Enquanto nós ortodoxos acreditamos que Deus possui uma natureza incriada e energia incriada e que Deus entra em comunhão com a criação e com o homem por meio de Sua energia incriada, os Papistas acreditam que em Deus a natureza incriada é identificada com Sua energia incriada (acrus purus) e que Deus mantém a comunhão com a criação e com o homem através das suas energias criadas, até mesmo afirmando que em Deus existem também energias criadas. Então, a graça de Deus através da qual o homem é santificado é vista como energia criada. Mas, assim sendo, o homem não pode se santificar.

A partir desta doutrina básica prossegue o ensino sobre a processão do Espírito Santo do Pai e do Filho, o fogo purificador, o primado do Papa, etc.

Além da diferença fundamental entre a Igreja Ortodoxa e o Papismo, no tema da natureza e da energia de Deus, existem outras grandes diferenças que deram origem a temas de disputa teológica, a saber:

- o Filioque, que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, com o resultado: a monarquia do Pai é diminuída; a igualdade final das Pessoas da Santíssima Trindade é comprometida; se existe uma unidade entre Pai e Filho, o Espírito Santo é subordinado como não igual em poder e mesma glória com as outras Pessoas da Santíssima Trindade, com o resultado de que Ele é mostrado como "Pessoa improdutiva (steiro)"

- a utilização dos pães ázimos na Divina Eucaristia que transgride a maneira com que Cristo realizou a Ceia Mística,

- a consagração dos "dons preciosos" que ocorrem não com a epiclesis, mas sim com a proclamação das palavras de instituição de Cristo: "Pegue, coma. . . beba, todos vocês. . . "

- a visão de que o sacrifício de Cristo na Cruz satisfez a justiça divina, que apresenta a Deus Pai como um senhor feudal e que negligencia a ressurreição,

- a visão sobre os "méritos" de Cristo que o Papa dispensa, juntamente com a graça "superabundante" dos santos,

- a alienação e a segmentação posta entre os mistérios do batismo, a crismação e a divina eucaristia,

- a doutrina relativa à herança da culpa do pecado ancestral,

- as inovações litúrgicas em todos os mistérios da Igreja (Batismo, Crismação, Ordenação, Confissão, Casamento, Unção),

- a prática de não comungar os leigos no "Sangue" de Cristo,

- o primado do Papa, segundo o qual o Papa é "episcopus episcoporum (latim: o bispo dos bispos) e a origem do sacerdócio e da autoridade eclesiástica; que ele é o chefe infalível e o líder principal da Igreja, que governa de modo monárquico como vigário de Cristo na terra" (I. Karmires). Com este conceito, o Papa vê-se como o sucessor do apóstolo Pedro, a quem os outros apóstolos se submetem, mesmo o apóstolo Paulo,

- a inexistência de concelebração na práxis dos serviços de adoração,

- a infalibilidade do papa,

- o dogma da imaculada concepção da Theotokos e o desenvolvimento da adoração de Maria (mariolatria), segundo a qual a Toda-Virgem é elevada à divindade Triuna e até se torna um conceito que conduz a uma Santa Quaternidade (!),

- as visões de analogia entis (analogia do ser) e analogia fidei (analogia da fé) que dominam o Ocidente,

- o progresso incessante da Igreja na descoberta dos aspectos da verdade reveladora,

- o conceito relativo à metodologia única para o conhecimento de Deus e das criaturas, que leva a uma mistura de teologia e epistemologia.

Além disso, a grande diferença na prática, que aponta a maneira da teologia, é encontrada também na diferença entre a escolástica e a teologia hesicasta. No ocidente, a escolástica foi exposta como um esforço para buscar o significado de todos os mistérios da fé por meio da lógica (Anselmo de Cantuária, Tomás de Aquino). No entanto, na Igreja Ortodoxa o hesicasmo prevalece; a saber, a purificação do coração e a iluminação da mente (nous) para a aquisição do conhecimento de Deus. O diálogo entre São Gregório Palamas e Barlaam, o escolástico e uniata, é característico e mostra a diferença.

Uma conseqüência de tudo o que precede é que temos no Papismo um declínio da eclesiologia Ortodoxa. Na Igreja Ortodoxa é dado grande importância à theosis que consiste na comunhão com Deus, através da visão da Luz Incriada, permitindo aqueles que contemplam a Luz se reunirem em um Sínodo Ecumênico, definindo com precisão a verdade em casos de confusão. Mas no Papismo é dado grande importância ao edito do Papa; de fato, o Papa está até mesmo acima desses Sínodos Ecumênicos. Em consonância com a teologia latina, "a autoridade da Igreja existe apenas quando é estabelecida e posta em ordem pela vontade do Papa. Em uma condição contrária é aniquilada." Os Sínodos Ecumênicos são vistos como "concílios do cristianismo que são convocados sob a autenticidade, a autoridade e a presidência do Papa". Sempre que o Papa sai da sala de reuniões do Sínodo Ecumênico, [o Sínodo] deixa de ter poder. O bispo Mare escreveu: "Os católicos romanos  teriam sido mais precisos se dissessem: "Creio em um só papa" do que "Creio em uma só . . . Igreja."

Além disso, "o significado e o papel dos bispos dentro da igreja romana não é mais do que uma simples personificação da autoridade papal, a que também os próprios bispos se submetem, assim como os fiéis simples". Para esta eclesiologia papal, é essencialmente mantido que "a autoridade apostólica deixada com os apóstolos não foi transmitida aos seus sucessores, os bispos. Somente a autoridade papal de Pedro, segundo a qual todas as outras são encontradas, foi transmitida aos sucessores de Pedro; ou seja, os papas". Além disso, é mantido pela "igreja" papal que todas as igrejas do oriente são secesionistas e têm deficiências. Nos recebem como igrejas irmãs em comunhão por dispensação (kat 'oikonomian), uma vez que se vê como a igreja mãe e nos vê como igrejas filhas.

O Vaticano é um poder terreno (kratos) e cada papa é o portador do poder do Vaticano. É uma questão de organização centrada no homem, uma organização mundana, de fato, uma organização especialmente legalista e terrena. O poder terreno do Vaticano foi instituído no ano 755 por Pepino o Breve, o pai de Carlomagno, mesmo em nosso tempo, [o poder papal] foi reconhecido por Mussolini, em 1929. A fonte da proclamação do poder mundano papal é significativa, como o Papa Pio XI manteve, "aquele que está no lugar de Deus na Terra não pode ser obediente ao poder terrenal." Cristo era obediente ao poder terrenal, o papa não pode ser! A autoridade papal estabelece uma teocracia, uma vez que a teocracia é definida como a identificação da autoridade mundana e eclesiástica em uma única pessoa. Hoje, podemos ver o poder teocrático-mundano no Vaticano e no Irã.

O Papa Inocêncio IV (1198-1216) manteve a natureza característica dessas coisas em seu discurso de entronização: "Aquele que tem a noiva é o noivo. No entanto, a própria noiva (a igreja) não foi unida com mãos vazias, mas me ofereceu um dote incomparavelmente rico, a plenitude dos bens espirituais e as extensões das coisas do mundo, a generosidade e abundância de ambos. . . . Suas contribuições das coisas mundanas me deram o diadema, a mitra para o sacerdócio, o diadema para o reino e me estabeleceu como Seu representante (antiprosopo), na roupa que está escrito: o Rei de reis e Senhor dos senhores ".

Consequentemente, existem grandes diferenças teológicas, que foram condenadas pelo Sínodo de Fócio o Grande e no Sínodo de Gregório Palamas, tal como aparece no "Synodikon da Ortodoxia". Além disso, os Padres da Igreja e os sínodos locais até o século 19 condenam todos os enganos do papismo. A coisa não é apaziguada ou melhorada por uma desculpa típica que o Papa dará por um erro histórico quando suas opiniões teológicas estavam fora da Revelação e a Eclesiologia estava se movendo no caminho do erro, pois o papa é apresentado como líder do mundo cristão, como sucessor do apóstolo Pedro e Vigário - agente de Cristo na terra, como se Cristo desse Sua autoridade ao Papa.

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