sábado, 23 de setembro de 2017

Uma resposta aos que tem a Igreja Romana em grande estima (Santo Ambrósio de Optina)


Santo Ambrósio de Optina

Esta carta foi escrita por Santo Ambrósio de Optina em um momento em que as classes educadas russas liam mais sobre religião em língua francesa do que em seu russo natal. Muitas vezes os laços com pessoas de outras confissões faziam com que as pessoas duvidassem de sua própria fé Ortodoxa. Esta carta ainda nos é útil hoje para aqueles que lidam com as diferenças entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa.













        Em vão alguns ortodoxos se maravilham com a propaganda atual da Igreja Romana, com o alegado desinteresse, com a atividade dos missionários, com o zelo das irmãs latinas da misericórdia e atribuem indevidamente à Igreja Latina uma importância tão grande que, com seu afastamento da Igreja Ortodoxa, afirmam que a última não permaneceu a mesma, mas precisa buscar conexões com a primeira. Sob exame rigoroso, esta opinião revela-se falsa; e a atividade enérgica latina não só não evoca surpresa, mas, ao contrário, suscita profunda tristeza no coração das pessoas que pensam retamente, que entendem a verdade.

        A Igreja Ortodoxa, desde os tempos apostólicos até hoje, observa de forma inalterável - e livre de inovações - tanto o Evangelho como os ensinamentos Apostólicos, bem como a Tradição dos Santos Padres e as resoluções dos Concílios Ecumênicos, nos quais os homens portadores de Deus, reunidos de todas as partes do mundo, de maneira conciliar, compuseram o divino Símbolo da Fé Ortodoxa [Credo], e proclamando-o em voz alta para todo o universo, em todos os aspectos, perfeito e completo, proibiram, sob pena de terríveis castigos, qualquer adição, abreviação, alteração ou rearranjo da mínima parte. A Igreja Romana caiu há muito tempo em heresia e a inovação. Já na época de Basílio, o Grande, alguns bispos de Roma foram condenados por ele em sua carta a Eusébio de Samosata: "Eles não conhecem a verdade e não desejam conhecer; eles discutem com aqueles que proclamam a verdade e afirmam sua heresia".

        O apóstolo Paulo nos ordena separar-nos daqueles feridos pela heresia e não buscar união com eles, dizendo: Ao homem herege, depois de uma e outra admoestação, evita-o, sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já em si mesmo condenado. (Tito 3:10,11). A Igreja Ortodoxa Católica, não só duas vezes, mas várias vezes tentou trazer à razão a Igreja Romana local; mas, apesar de todas as tentativas de persuasão, a última permaneceu resistindo em sua maneira errônea de pensar e agir.

        Já no século VII, o filosofar falso que o Espírito Santo procede do Filho foi concebido na Igreja ocidental. No início, certos papas levantaram-se contra esse novo raciocínio, chamando-o de herético. O Papa Damasus proclamou numa resolução de Concílio: "Aquele que pensa corretamente sobre o Pai e o Filho, mas incorretamente sobre o Espírito Santo é um herege" (Encíclica § 5). Outros papas, como Leão II e João VIII, também afirmaram o mesmo. Mas a maioria de seus sucessores, tendo sido seduzidos por direitos de dominação e encontrando muitos benefícios mundanos, ousaram modificar o dogma ortodoxo sobre a procissão do Espírito Santo, contrariamente às decisões dos sete Concílios Ecumênicos, e também contrariamente às palavras claras do próprio Senhor no Evangelho: que procede do Pai (Jo 15:26).

        Mas, assim como um erro - que não é considerado um erro - sempre conduz a outro, e um mal gera outro, assim aconteceu com a Igreja Romana. Esta filosofia incorreta de que o Espírito Santo procede também do Filho, mal apareceu no Ocidente e já deu origem a outras crias semelhantes e instituiu, pouco a pouco, outras inovações, em grande parte contraditórias aos mandamentos de nosso Salvador claramente descritos no Evangelho, como: aspersão em vez de imersão no mistério do Batismo, exclusão de leigos do Cálice Divino e uso de pães ázimos em vez de pão fermentado na Eucaristia e a exclusão da invocação do Vivificante Espírito Santo na Liturgia. Também introduziu novidades que violavam os antigos ritos apostólicos da Igreja Católica, tais como: a exclusão dos bebês batizados da crismação e da recepção dos Puríssimos Mistérios, a exclusão dos homens casados do sacerdócio, a declaração do Papa como infalível e como o locum tenens de Cristo, e assim por diante. Assim, todo antigo ofício apostólico que realiza quase todos os sacramentos e todas as instituições da Igreja foi deposto - o ofício, que antes tinha sido preservado pela antiga e santa Igreja Ortodoxa de Roma, sendo naquela época o membro mais honrado da Santa Igreja Católica e Apostólica (Encíclica § 5, item 12).

        Mas a principal heresia da Igreja Romana, não em essência, mas em ação, é o dogma fabricado da supremacia, ou melhor, a ambição orgulhosa pelo domínio dos bispos de Roma sobre os outros quatro Patriarcas orientais. Por causa desse domínio, os partidários da Igreja Romana colocaram seu papa acima dos cânones e dos fundamentos dos Concílios Ecumênicos, crendo em sua infalibilidade. Mas a história testifica de forma clara o que é esta infalibilidade papal. Sobre o Papa João XXIII, foi declarado na decisão do Concílio de Constança, que depôs este papa: "Foi provado que o Papa João é um pecador inveterado e incorrigível, e ele era e é um homem perverso, acusado com justiça de homicídios , envenenamentos e outros crimes sérios, um homem que muitas vezes e persistentemente perante vários dignitários afirmou e argumentou que a alma humana morre e queima junto com o corpo humano, como almas de animais, e que os mortos não ressuscitarão de modo algum no último dia". Os atos bárbaros do Papa Alexandre VI e de seus filhos eram tão monstruosos que, na opinião dos contemporâneos, este papa tentava estabelecer na Terra o reino de Satanás e não o Reino de Deus. O Papa Júlio II deleitava-se no sangue dos cristãos, armando constantemente - visando objetivos pessoais - uma nação cristã contra outra (Conversação Espiritual, No. 41, 1858). Há muitos outros exemplos que testemunham os grandes erros dos papas, mas não há tempo para falar sobre isso agora. Sob tais evidências históricas das heresias e erros de seus papas, justifica-se que os papistas se gloriem da falsa dignidade da Igreja Romana? É justo que eles rebaixem a Igreja Ortodoxa Oriental, cuja infalibilidade não se baseia em nenhum representante, mas nos ensinamentos evangélicos e apostólicos e nos cânones e decisões dos sete Concílios Ecumênicos e nove Concílios Locais? Nesses Concílios estavam presentes santos e homens inspirados por Deus, reunidos de todo o mundo cristão, e estabeleceram tudo sobre os requisitos e as necessidades espirituais da Igreja, de acordo com as Sagradas Escrituras. Portanto, os papistas se comportam de forma honesta, quando, por causa de objetivos mundanos, colocam a pessoa do papa acima dos Concílios Ecumênicos, considerando seu papa mais do que infalível? 

        Por todas as razões expostas, a Igreja Católica Oriental cortou sua comunhão com a Igreja local de Roma, que havia se afastado da verdade e dos cânones da Igreja Católica Ortodoxa. Os bispos romanos começaram com orgulho e estão terminando em orgulho. Eles ampliam o argumento de que alegadamente a Igreja Católica Ortodoxa se afastou de sua Igreja local. Mas isso é incorreto e até ridículo. A verdade testifica que a Igreja romana se afastou da Igreja Ortodoxa. Embora - para aparentar ter razão - os papistas promovam a visão de que, durante o tempo de união com a Igreja Católica Ortodoxa, seu patriarca era primeiro e mais antigo entre os cinco patriarcas, isso era verdade apenas por causa da Roma Imperial e não por causa de alguns méritos espirituais ou de autoridade sobre os outros patriarcas. É incorreto que eles chamem sua Igreja de "Católica", ou seja, universal. Uma parte nunca pode ser chamada do todo; a Igreja Romana antes de seu afastamento da Ortodoxia, constituía apenas uma quinta parte da Igreja Católica. Sobretudo por ter rejeitado as decisões dos Concílios Ecumênicos, a Igreja Romana não deve ser chamada católica, pois segue sua própria teorização incorreta.

     Para alguns, os números absolutos e a ampla distribuição dos adeptos da Igreja latina são atraentes, e, portanto, aqueles que desconhecem a verdade ponderam: não deve ser por esta razão que a Igreja latina seja chamada Ecumênica ou Católica? Mas esta visão é extremamente errônea, porque em nenhuma parte nas Sagradas Escrituras direitos espirituais especiais são atribuídos a grandes números e quantidade. O Senhor mostrou claramente que o sinal da verdadeira Igreja Católica não consiste em grande números e quantidade quando falou nos Evangelhos, Não temais, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino (Lc 12:32). Há um outro exemplo na Sagrada Escritura que não favorece a quantidade. Na morte de Salomão, o reino de Israel foi dividido na presença de seu filho, e a Sagrada Escritura apresenta dez tribos como tendo caído; enquanto duas, tendo permanecido fiel ao seu dever, não caíram. Portanto, a Igreja latina em vão tenta provar que está correta pela multidão, quantidade e ampla distribuição.

      Nos Concílios Ecumênicos, uma indicação completamente diferente da Igreja Ecumênica foi mostrada pelos Santos Padres, ou seja, determinada no concílio: crer na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, e não simplesmente em uma igreja universal ou presente em todos os lugares. Embora a Igreja Romana tenha seguidores em todos os lugares do mundo, uma vez que não mantém os decretos católicos e apostólicos de forma inalterada, mas sim alterados por meio de inovações e filosofias incorretas, ela não pertence à Igreja Una, Santa e Apostólica.

        Aqueles que tem a Igreja Romana em alta estima estão extremamente incorretos em afirmar que, em primeiro lugar, com o afastamento do ocidente da Ortodoxia, algo está faltando na Igreja Católica. Esta perda foi substituída há muito tempo pela sábia Providência  - com a fundação da Igreja Ortodoxa da Rússia no Norte. Estão incorretos, em segundo lugar, por pensar que por causa da antiguidade e do tamanho da Igreja Romana, a Igreja Ortodoxa precisa unir-se com ela. No entanto, estamos falando não de um julgamento humano, mas de um julgamento de Deus.

       O Apóstolo Paulo claramente diz: que comunhão tem a luz com as trevas? (2 Coríntios 6:14) - isto é, a luz da verdade de Cristo nunca pode ser combinada com as trevas da heresia. Os latinos não querem abandonar sua heresia, e eles persistem, como as palavras de Basílio o Grande testificam sobre o que foi provado ao longo de muitos séculos: "Eles não conhecem a verdade e não desejam conhecer; eles discutem com aqueles que proclamam a verdade e afirmam sua heresia ", como dito acima.

       Em vez de entreter os pensamentos mencionados, aqueles que apoiam os latinos, seria melhor que pensassem sobre o que é dito nos salmos, Tenho odiado a congregação de malfeitores (Salmo 25: 5) e ter pena daqueles que, por causa da dominação, da avareza e de outros objetivos e benefícios mundanos, escandalizaram quase todo o mundo por meio da Inquisição e das maquinações dos jesuítas, e mesmo hoje indignam e abusam dos Ortodoxos na Turquia por meio de seus missionários. Os missionários latinos não se importam em converter os turcos nativos para a fé cristã, mas se esforçam para desviar os gregos e búlgaros Ortodoxos do verdadeiro caminho, usando para esse fim todos meios e truques inadequados. Isso não é uma astúcia, e essa astúcia não é maliciosa? Seria prudente buscar a unidade com essas pessoas? Pela mesma razão, deveríamos nos surpreender com o alegado zelo e o desinteresse de tais figuras, isto é, dos missionários latinos e das irmãs da misericórdia? Eles são ascetas absolutamente deploráveis. Eles se esforçam para converter e liderar as pessoas, não para Cristo, mas para o seu papa.

      O que devemos dizer em resposta as perguntas: a Igreja latina e outras religiões podem ser chamadas de Nova Israel e de arca de salvação? E como compreender a Eucaristia da Igreja de Roma? Somente a Igreja Ortodoxa pode ser chamada de Nova Israel , e não pode ser perturbada pelo filosofar herético. O Santo apóstolo João, o Teólogo, diz: Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós. (1 João 2:19). E o Santo apóstolo Paulo diz: Um só Senhor, uma só fé (Efésios 4: 5), ou seja, uma é a fé verdadeira, e nem toda crença é boa - como daqueles que se separaram da única Igreja verdadeira pensam imprudentemente, sobre quem o Santo Apóstolo Judas escreve: Os quais vos diziam que nos últimos tempos haveria escarnecedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências. Estes são os que causam divisões sensuais, que não têm o Espírito. (Judas 1: 18-19). Portanto, como esses, que são estranhos ao espírito da verdade, podem ser chamados de Nova Israel? Ou, como podem ser chamados de abrigo de salvação, quando ambos não podem ser efetuados sem a graça do Espírito Santo?

    Na Igreja Ortodoxa, acredita-se que o pão e o vinho no mistério da Eucaristia são transubstanciados pela invocação e descida do Espírito Santo. Mas os latinos, como mencionado acima, consideraram essa invocação desnecessária e excluíram da Liturgia. Assim, aquele que compreende - deixe-o compreender sobre a Eucaristia dos latinos.

         E outra pergunta: se, como é dito - exceto para a Igreja Única, Santa, Católica e Apostólica, que é chamada Igreja Ortodoxa - a salvação nas outras religiões é duvidosa, então por que essa verdade não é pregada abertamente na Rússia? Para esta pergunta, a resposta é muito simples e clara. Na Rússia, a tolerância religiosa é permitida, e os heterodoxos ocupam lugares importantes junto com os Ortodoxos: chefes das instituições educacionais na maioria das vezes são heterodoxos; os líderes das províncias e dos distritos das cidades são frequentemente heterodoxos; os comandantes dos regimentos e do batalhões não raramente são heterodoxos. Onde quer que um clérigo comece abertamente a proclamar que fora da Igreja Ortodoxa não há salvação, os heterodoxos se ofenderão. Por tal situação, o clero Ortodoxo russo adquiriu o hábito de falar sobre esse assunto de maneira evasiva. Por esta razão e também devido a interação contínua com os heterodoxos, com a leitura de suas obras, talvez alguns tornaram-se indulgentes em seus pensamentos sobre a esperança da salvação e sobre outras religiões.

       Apesar do espírito de mansidão da Igreja Ortodoxa e do amor à paz e à paciência de seus pastores e seguidores, no ocidente tem sido publicado, nos últimos séculos, por seguidores de diferentes credos cristãos, e predominantemente em nossos tempos, uma grande quantidade de livros contrários ao ensinamento da Igreja Oriental que não só seria difícil avaliar o seus méritos, seria difícil enumerá-los. Esses livros em geral são preenchidos com calúnias, fábulas, censuras, invenções óbvias e mentiras, e especialmente artimanhas mentais venenosas, com o objetivo óbvio de formar na Europa um espírito hostil à Igreja Oriental e especialmente a nossa terra natal, e, tendo abalado a fé de nossa Igreja Ortodoxa, seduzem nossos seguidores do caminho da verdade. Ademais, uma vez que são publicados sob nomes tentadores, em formas agradáveis, com cuidados tipográficos que atraem inconscientemente a curiosidade dos leitores - alguns dos quais são encontrados em nossa terra natal, onde essas obras penetram por caminhos obscuros - aqueles que possuem uma compreensão superficial dos assuntos da doutrina cristã, acabam sendo levados por pensamentos contrários à verdade. Especialmente agora os escritores da Igreja Latina se armam contra os Ortodoxos, proclamando a supremacia do seu papa e da Igreja Romana local sobre todos os governos, Igrejas locais e nações do mundo. Hoje, aqueles ocupados com isso são os jesuítas na França, que, usando a onipresença da língua francesa, estão intensificando algum tipo de atividade febril por meio de obras naquela língua para implantar seu modo de pensar em todos os lugares contra a doutrina hierárquica da Igreja Oriental -  para este fim, usando criações monstruosas, mentiras óbvias e distorções inescrupulosas das verdades históricas. Muitos dos Ortodoxos educados, lendo estas obras na língua francesa e não lendo suas próprias obras em russo sobre a fé Ortodoxa, podem facilmente acreditar nas mentiras sutis ao invés da verdade, que não conhecem bem.

        Para aqueles que desejam saber detalhadamente as razões pelas quais os papistas se desviaram até então da Ortodoxia, é útil ler uma obra publicada recentemente por Avdii Vostokov [no final do século XIX] sobre o relacionamento da Igreja Romana com outras igrejas. Na segunda parte deste livro, há particularmente passagens notáveis sobre o juramento de bispos latinos ao seu papa e sobre calúnias de papistas contra os Ortodoxos (págs. 49, 60 e 137).





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