A espiritualidade ortodoxa visa a perfeição dos fiéis em Cristo. Esta perfeição não pode ser obtida em Cristo, exceto pela participação em Sua vida divino-humana. Portanto, o objetivo da espiritualidade ortodoxa é a perfeição do fiel em sua união com Cristo, sendo impresso a um grau cada vez maior pela imagem humana de Cristo, plena de Deus.
Assim, o objetivo da espiritualidade ortodoxa cristã é a união do fiel com Deus, em Cristo. Mas, como Deus é infinito, o objetivo de nossa união com Ele, ou a nossa perfeição, não tem nenhum ponto a partir do qual não podemos mais progredir. Por isso todos os pais orientais dizem que a perfeição é ilimitada.
Nossa perfeição, ou nossa união com Deus, não é, portanto, apenas um objetivo, mas também um progressão infinita. Nesta estrada, podem distinguir-se dois grandes estágios: o primeiro, se dá no avanço para a perfeição através da purificação das paixões e da aquisição das virtudes e, o outro, no avanço progressivo na união com Deus. Neste ponto, a obra do homem é substituída pela obra de Deus. O homem contribui com sua receptividade, abrindo-se, sendo preenchido de uma vida cada vez mais divina. Pelo que foi dito, encontramos as seguintes características da espiritualidade cristã ortodoxa:
1. O estado culminante da vida espiritual se dá na união da alma com Deus, vivida ou experimentada.
2. Esta união é realizada pela obra do Espírito Santo, mas até que seja alcançada, o homem está envolvido em um prolongado esforço de purificação.
3. Esta união ocorre quando o homem alcança a "semelhança de Deus". É ao mesmo tempo conhecimento e amor.
4. Entre outras coisas, o efeito desta união consiste em uma intensificação considerável das energias espirituais no homem, acompanhada de todos os tipos de carismas.
O oriente também usa a ousada palavra "deificação", ou participação na divindade, para caracterizar a união com Deus. Assim, o objetivo da espiritualidade cristã ortodoxa não é outro senão viver em um estado de deificação ou participação na vida divina. Esta experiência, expressa de forma decisiva como um estado de deificação, inclui em primeiro lugar dois ensinamentos gerais:
1. Esta experiência representa o último passo da perfeição do homem; e é por isso que essa fase suprema da vida terrena do fiel, ou o objetivo de toda a sua vida, também é chamada de perfeição.
2. A deificação é realizada através da participação do fiel nos poderes divinos, inundando-o de coisas divinas ilimitadas.
Por essa experiência representar o mais elevado estágio da perfeição na Terra, ela significa a normalização e realização suprema dos poderes humanos: conhecimento, amor e força espiritual.
Experimentado pelo fiel, esse estado excede os limites de seus poderes, alimentado pelo poder divino. O estado culminante da vida espiritual ocorre quando o fiel é elevado mais alto que o nível de seus próprios poderes, não por sua própria vontade, mas pela obra do Espírito Santo. "Nossa mente sai de si e assim se une a Deus; torna-se mais do que a mente", diz São Gregório Palamas.
A mente não é capaz de ver o que vê. "...pois só possui um sentido mental, assim como um olho não é capaz de ver sem uma luz clara e perceptível, distinta dele". Durante essa visão de Deus, a mente ultrapassa o próprio eu e todas as suas operações mentais recebem um impulso de Deus.
Se o objetivo da espiritualidade cristã é uma vida mística de união com Deus, então esse caminho inclui a ascensão que leva a esse cume. Como tal, esse caminho é diferente do cume; no entanto, ele está organicamente conectado a ele, da mesma forma que a subida de uma montanha está conectada com o cume. Somente pelo esforço prolongado, pela disciplina, o estado de perfeição e união mística com Deus pode ser alcançado. Os esforços que não contribuem para esta coroação, este momento final de disciplina ascética, ou a união mística com Deus, parecem não ter mais propósito.
A conexão entre a disciplina ascética e a união mística com Deus também é mais estreita do que aquela entre o caminho e o objetivo. Ainda que a vida dessa união se realize no final final dos esforços ascéticos, sua aura começa na alma antecipadamente, junto com eles
A perfeição cristã, portanto, exige toda uma série de esforços até que seja alcançada. O apóstolo Paulo compara esses esforços com o treinamento que os atletas empregam para entrar em forma a fim de ganhar. Sem se referir à palavra ascetismo, São Paulo usa a imagem dos antigos exercícios físicos para caracterizar os esforços feitos pelo cristão para alcançar a perfeição. Clemente de Alexandria e Orígenes mais tarde introduziram os termos ascetismo e ascético. Pouco a pouco, no oriente, eles ganharam uma coloração monástica. Os mosteiros são chamados de askitiria, lugares para treinamento físico. O askitis (o asceta) é o monge que se esforça para obter a perfeição observando todas as regras de restrição ou temperança através da purificação das paixões. Orígenes chama os ascetas cristãos de zelosos; eles estão se disciplinando para mortificar as paixões e desenvolver bons hábitos que levam à perfeição.
São Nilo, o Asceta em sua obra Sobre o Asceticismo faz uma comparação detalhada do asceta espiritual com o atleta na arena. O ascetismo é então essa parte da espiritualidade que lida com as regras e os esforços que levam o homem ao primeiro estágio da ascensão à perfeição, à contemplação e união com Deus. O ascetismo é a parte ativa da vida espiritual, a auto-coerção e a parte da cooperação que Deus exige de nós. No entanto, a união mística com Deus também é resultado da recepção passiva da obra da graça em nós. A partir de então, Deus toma a iniciativa. Nós temos apenas que seguir, pois diz respeito a Ele apenas.
Isso não significa que os esforços ascéticos não são auxiliados pela graça nem que a passividade na fase de união é uma inércia. Significa simplesmente que uma experiência espiritual culminante não tem sua fonte em poderes espirituais humanos, mas exclusivamente em Deus. Entretanto, os esforços ascéticos são devidos a uma contribuição ativa do poder da alma do homem. I. Hausherr, falando sobre atividade e passividade em conexão com purificação ativa e passiva, tem a dizer:
Ativo ou passivo são duas idéias incertas ou falsas. Em cálculo e talvez em mecânica, elas possam ser utilizadas com segurança, porque os passivos são claramente distinguidos dos ativos e o golpe dado do golpe recebido. Mas na psicologia? O homem que não reage de nenhum modo é um corpo, e reagir é agir. Portanto, uma passividade pura não existe. Quanto mais na moralidade e na espiritualidade - um único ato humano é moral ou imoral, merecedor ou não. A ação divina não santifica sem a aceitação humana; e aceitar não é apenas tolerar, mas também receber ativamente. Para um adulto, portanto, uma santificação puramente passiva não existe, nem uma purificação puramente passiva. Tampouco uma purificação puramente ativa. A criatura não tem nenhuma iniciativa absoluta, mesmo na natureza. No reino da graça, devemos repetir com São Irineu: "Criar é apropriado à bondade de Deus, mas ser criado é apropriado ao homem". Onde a psicologia vê apenas a ação e o estado, a metafísica e a teologia conhecem primeiro o sofrimento e a recepção.
O ascetismo é a "destruição da morte" em nós, libertando nossa natureza da escravidão, como mostra São Máximo o Confessor. Há em verdade duas mortes: a primeira é produzida pelo pecado e é a morte de nossa natureza. A segunda é uma morte como a de Cristo, que é a morte do pecado e a morte produzida por ele. No entanto, a morte de nossa natureza por meio da decomposição pelo pecado, não só vem no momento final; em vez disso, ela corrói por um longo tempo como um verme. Assim também a morte da morte, ou do pecado, não é algo instantâneo, mas deve ser preparada por uma longa mortificação ascética. O ascetismo é a eliminação gradual do veneno que leva à decomposição, à corrupção. Elimina a doença que mata a nossa natureza e, portanto, é a sua fortificação. O ascetismo é uma mortificação vivificante (zoopoios necrosis), como São Simeão, o Novo Teólogo, o chama. É a destruição gradual do pecado e todas as tendências em relação a ele.
De acordo com o uso atual da palavra, ascetismo tem uma conotação negativa. Hoje significa uma retenção negativa, uma restrição negativa ou um esforço negativo. Isso ocorre porque as tendências pecaminosas de nossa natureza, as coisas habituais que levam à sua morte, passaram a ser consideradas como o lado positivo da vida. A luta ascética, embora de aparência negativa, confronta o elemento negativo na natureza humana com a intenção de eliminá-lo por meio de uma oposição permanente.
De acordo com o uso atual da palavra, ascetismo tem uma conotação negativa. Hoje significa uma retenção negativa, uma restrição negativa ou um esforço negativo. Isso ocorre porque as tendências pecaminosas de nossa natureza, as coisas habituais que levam à sua morte, passaram a ser consideradas como o lado positivo da vida. A luta ascética, embora de aparência negativa, confronta o elemento negativo na natureza humana com a intenção de eliminá-lo por meio de uma oposição permanente.
Em verdade, o ascetismo tem um propósito positivo. Busca a fortificação de nossa natureza e a libertação dos vermes do pecado que corroem e aceleram a sua ruína. No lugar das paixões, o ascetismo planta as virtudes, que pressupõem uma natureza verdadeiramente fortalecida. O objetivo final do ascetismo é libertar nossa natureza, não apenas dos movimentos dos desejos pecaminosos, mas também das idéias que surgem na mente após a purificação das paixões. Isto visa apenas obter a independência das coisas criadas, que escravizaram a nossa natureza pelas paixões e fazer com que nossa natureza anseie muito mais por Deus.
É verdade que o ascetismo, no último estágio de seus esforços, também deve preparar uma mente pura para Deus, esvaziada de todas as impressões das coisas criadas, de todas as preocupações mundanas. Mas este "vazio" não é algo inteiramente negativo. Ainda que se fale da passividade do fator humano sob o trabalho da glória divina, em nenhum lugar é dito que esta passividade é o equivalente à inércia, um total negativo. O "vazio" da mente oferecida a Deus, representa de forma positiva uma sede exclusivamente por Ele. Muita experiência convence o asceta da corrupção de todas as preocupações apaixonadas e da relatividade de todas as preocupações intelectuais voltadas para as coisas criadas. Como resultado, ele as rejeita para receber Deus em seu lugar. A natureza humana mostra sua fraqueza, de acordo com os santos Padres, por sua falta de firmeza, por sua instabilidade. Essa instabilidade é manifestada pela facilidade com que é atraída pelo prazer e derrotada pela dor. Não possui a força para resistir e vacila de forma covarde, como o canavial golpeado pelo vento. Sua vontade e julgamento apropriado, dois dos elementos essenciais da nossa natureza, perdem completamente seu poder. Nossa natureza se torna como uma bola nas mãos das paixões, jogada aqui e ali por todas as circunstâncias e impressões. Já não mais permanece firme em sua liberdade e atinge uma fraqueza espiritual que traz todos os sinais de corrupção. De modo algum mostra uma incorruptibilidade que garante a eternidade.
Mas, a destruição desta fraqueza da morte que penetrou a nossa natureza e a fortificação por meio do ascetismo, tornou-se possível através da mortificação e da morte vivificante de Jesus Cristo. O poder divino o ajudou a vencer o amor pelo prazer e o medo da morte de Sua natureza, tornando-o inabalável. O relacionamento místico, que a natureza de qualquer hipóstase humana possui potencialmente com a natureza humana de Sua hipóstase divino-humana, torna-se - pelo viver e a obra da fé - um relacionamento cada vez mais efetivo. Isso faz com que a força recuperada da natureza humana de Cristo também seja comunicada à natureza das outras pessoas que creem Nele.
Os esforços ascéticos são os meios pelos quais a natureza humana - que cada um de nós carrega - participa cada vez mais na força de Sua natureza humana, porque nossos esforços também contêm a força da natureza humana de Cristo. O vínculo potencial com Cristo é efetivo pela fé nEle, e Sua força se torna nossa força.
Os esforços ascéticos são os meios pelos quais a natureza humana - que cada um de nós carrega - participa cada vez mais na força de Sua natureza humana, porque nossos esforços também contêm a força da natureza humana de Cristo. O vínculo potencial com Cristo é efetivo pela fé nEle, e Sua força se torna nossa força.
Portanto, nosso ascetismo é uma morte gradual com Cristo, como um desenvolvimento de um poder, a morte do velho homem e a extensão do batismo pela vontade. Não é apenas uma imitação de Cristo como no ocidente, mas uma mortificação heróica com Cristo e em Cristo. Estamos unidos com Cristo já no longo processo de nossa mortificação, mesmo antes do estado culminante de união mística com Ele. Nós não somos apenas ressuscitados com Cristo, mas também morremos com Ele. Nós não podemos ser ressuscitados com Cristo, se antes não morrermos com ele.
A ressurreição com Cristo segue como uma continuação da mortificação, ou da morte, não como uma mudança de direção. É verdade que, em união com Cristo na morte, a Sua presença não é visível; mas isso ocorre porque enquanto o velho homem morre gradualmente dentro de nós, Cristo também morre conosco. Entretanto, a sua morte também é humilde, um eclipse de glória. Cristo não é visto no estado de mortificação, mas Ele está presente e sabe-se que Ele está. Assim, o estabelecimento de nossa certeza em relação à Sua presença em nós, pela fé e não pela visão, deixa claro mais uma vez o caráter heróico da fase ascética.
Os santos Padres, Marcos o Asceta e Máximo o Confessor, apontam esta presença de Cristo, como uma força invisível, quando dizem que Cristo é a essência, o ser das virtudes. Se a virtude significa virilidade e força - e a essência desta força é Cristo - é evidente que o poder de Cristo está trabalhando em nosso ascetismo.
O fato de que o objeto do ascetismo não é apenas a purificação das paixões, mas também a aquisição simultânea das virtudes, mostra mais uma vez que o ascetismo não é algo negativo, mas uma fortificação da nossa natureza. No curso do ascetismo, por um esforço prolongado, os hábitos viciosos são suprimidos e os virtuosos são plantados em nossa natureza; e é necessária muita tenacidade para evitar que nossos antigos caminhos voltem a surgir e para consolidar bons hábitos novos.
Nesta caracterização geral do ascetismo, devemos também mencionar um dos seus aspectos formais. O ascetismo segue uma estrada definida, uma ordem e uma série de estágios que não devem ser ignorados. É uma disciplina precisa que leva em consideração as leis do desenvolvimento normal da vida espiritual, bem como os princípios da fé. Tal batalha de acordo com a lei significa que sua estrada é estabelecida de acordo com uma lógica bem fundamentada. Este fato também evidencia a fase final da vida espiritual.
Essa união mística com Deus, que o ascetismo conduz, não está ao alcance e ao chamado de todos em qualquer momento. É algo completamente diferente dos estados emocionais confusos que se pode obter acidentalmente. Depois de viajar a estrada ascética onde cada momento é colocado, não sem razão, em seu lugar, a mente deve passar pelo estágio do conhecimento do logoi das coisas criadas, como diz São Máximo, o Confessor. Somente depois de ter passado por esta fase, assimilando os logoi criado e superando-os, penetra-se na luz da união e no conhecimento místico. Esta fase do conhecimento do logoi existente e da superação deles também é um degrau na escada do ascetismo. É evidente que a união mística com Deus, situada no topo desta subida, não é algo irracional, mas sobrenatural. Não é um estado conquistado como resultado do enfraquecimento da razão ou de uma ignorância das razões das coisas, do logoi, mas adquirido após a superação de todas as possibilidades da razão; o homem é conduzido à sua força suprema e discernimento, bem como ao conhecimento completo dos significados racionais das coisas.
1. Não implica nenhuma condição moral, mas é uma questão de temperamento.
2. O êxtase é buscado como um fim em si mesmo, como um propósito supremo.
3. Esse tipo de êxtase é estéril, se não degradante; uma pessoa não sai dele mais instruído, ou melhor (moralmente).
4. Este êxtase é como "uma mão alcançando um vazio e saindo com nada".
2. O êxtase é buscado como um fim em si mesmo, como um propósito supremo.
3. Esse tipo de êxtase é estéril, se não degradante; uma pessoa não sai dele mais instruído, ou melhor (moralmente).
4. Este êxtase é como "uma mão alcançando um vazio e saindo com nada".
A principal causa dessa concepção errônea de ascetismo e de sua culminação na união com Deus é a falsa idéia de que o homem tem em sua posse todos os meios que podem levá-lo ao supremo nível espiritual - que depende apenas de um certo treinamento, mais ou menos inventivo, para trazer esses meios à superfície.
Em contraste com essa falsa concepção, o cristianismo considera que a visão direta de Deus não pode ser alcançada sem a graça dada por Ele; a recepção desta graça requer uma perfeição moral de toda a natureza humana por uma ajuda divina incessante. Um treinamento puramente humano para despertar algum "poder dormente" desconhecido não é suficiente. No cristianismo, Deus não tem uma natureza como um objeto que podemos conquistar por uma investida humana dirigida por táticas inteligentes. Ele é uma Pessoa e, como tal, sem uma iniciativa de Sua parte, Ele não pode ser conhecido. Para essa auto-revelação de Deus em uma união mística, devemos nos tornar dignos sendo sinceros, purificados e bons; porque Ele está acima de uma ofensiva que usa força ou astúcia. Assim, o ascetismo cristão é uma estrada iluminada não só pela razão, mas também pela fé e pela oração e pela ajuda de Deus. É uma estrada ao longo da qual toda a nossa natureza é purificada do pecado e moralmente fortificada.
Dumitru Staniloae, do livro Orthodox Spirituality
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