A impressionante frase "Deus está morto" é a expressão poética da incredulidade moderna. Muito
se expressa nesta frase, que não é encontrado nas expressões mais prosaicas do ateísmo moderno e
do agnosticismo. Um contraste vívido é estabelecido entre uma era anterior, quando os homens
creram em Deus e basearam suas vidas e instituições sobre Ele, e uma nova era para os habitantes
do qual, supostamente, esse Sol que já foi iluminador apagou-se, e a vida e a sociedade devem
receber uma nova orientação.
A frase, aparentemente cunhada por Nietzsche há quase um século, costumava expressar a opinião
de poucos inimigos do cristianismo, principalmente os "existencialistas"; mas recentemente isto
causou controvérsia, por ser aceito no círculo dos protestantes mais radicais, e se tornou uma
preocupação do jornalismo comum, nos meios de comunicação de massa. Claramente, um acorde
responsivo foi atingido na sociedade ocidental em geral; o interesse público na "morte de Deus",
tornou este fenômeno um dos sinais dos tempos.
Para entender o que significa este signo, é preciso conhecer o seu contexto histórico. Por sua própria
natureza, é uma negação - uma reação contra a visão de mundo cristã, que enfatiza o ascetismo e a
"guerra invisível" contra o demônio e o mundo, para obter alegria eterna através da comunhão com
Deus no Reino dos Céus. Os fundadores da nova filosofia declararam o Deus cristão como "morto" e
proclamaram o homem em seu lugar. Esta visão é apenas a última etapa da batalha moderna contra
o cristianismo, que resultou hoje no triunfo praticamente universal da incredulidade.
A controvérsia contemporânea, no entanto, centra-se sobre um fenômeno novo e
incomum: agora são os "cristãos" que são os incrédulos. No entanto, em certo sentido, esse
também é o ponto culminante e lógico, de um processo histórico que começou no Ocidente
com o cisma da Igreja de Roma. Separado ao longo de nove séculos da Igreja de Cristo, a
cristandade ocidental possuía apenas um resíduo que se evaporava constantemente do
cristianismo genuíno, preservado pela Santa Ortodoxia. Hoje, o processo está quase
completo, e um grande número de católicos e protestantes dificilmente podem ser
distinguidos dos incrédulos; e se eles ainda se chamam de "cristãos", é só pode ser porque,
para eles, o próprio cristianismo foi transformado em oposição: uma crença mundana.
Pode-se observar nisso o que um pensador ortodoxo chamou de "A autoeliminação do
cristianismo": o cristianismo minado de dentro por seus próprios representantes, que
exigem que ele se adapte inteiramente ao mundo.
Um estranho paralelo a esta nova "teologia", tornou-se comum no final da vida "litúrgica"
do Ocidente. Uma publicidade exagerada foi dada no início deste ano [1966], a um serviço
"rock-and-roll", que acontece na igreja do Velho Sul, em Boston, onde os adolescentes
podiam dançar nos corredores da igreja, acompanhados de uma música popular estridente.
Nas igrejas católicas, as "missas de jazz" se tornam cada vez mais frequentes. A intenção
ostensiva dos responsáveis por esses fenômenos é a mesma dos "teólogos" radicais: tornar
a religião mais "real" para os homens contemporâneos. Eles admitem o que é óbvio para os
observadores ortodoxos: que a vida religiosa está em grande parte morta na cristandade
ocidental; mas eles involuntariamente revelam ainda mais: incapazes de distinguir entre igreja e o "dancehall", entre Cristo e o mundo, eles revelam que Deus está morto em seus
próprios corações e somente a excitação mundana é capaz de evocar uma resposta em si
mesmos e seus rebanhos "pós-cristãos" .
Qual é o intuito disso tudo? Qual o ponto afinal? Nosso Senhor, ao profetizar o advento do
Anticristo, falou da abominação desoladora no lugar santo (São Mateus 24:15); e São Paulo
fala do próprio inimigo de Deus, sentado no templo de Deus, e sendo adorado no lugar de
Deus (II Tess. 2: 4) - e isso ocorrerá, de acordo com São João Crisóstomo, "em todas as
Igrejas". Não é este "Ateísmo cristão", estes "serviços de culto" blasfemos, a não aceitação
nem mesmo das mais vulgares manifestações que os homens ainda consideram nos lugares
sagrados, uma preparação para esse fim, dando uma antecipação desse mesmo?
Para a cristandade ocidental, Deus está realmente morto, e seus líderes apenas se preparam
para o advento do inimigo de Deus, o anticristo. Mas os cristãos ortodoxos conhecem o
Deus vivo e habitam no recinto salvador da Sua Verdadeira Igreja. É aqui, no seguimento fiel
e fervoroso do caminho ortodoxo imutável - e não na deslumbrante união "ecumênica" com
os novos incrédulos perseguidos pelos modernistas ortodoxos - que a nossa salvação é
encontrada.
Pe. Seraphim (Rose), Orthodox Word, nº 9, Jul / Ago, 1966.
Tradução: Isaque Diaz
Tradução: Isaque Diaz
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