sexta-feira, 29 de março de 2019

O "Filioque"



O “Filioque” encontra apoio nas Escrituras?

Não, não encontra. Não importa o quanto os Católicos Romanos se esforcem para apoiá-lo com a Bíblia Sagrada - porque a própria Bíblia fala de maneira muito explícita e inegável sobre a hipóstase e a relação particular do Espírito Santo, em João 15:26:

"Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai..."

Neste trecho clássico, há uma clara distinção entre a processão eterna do Espírito do Pai e o envio do Espírito pelo Filho (ou em nome do Filho): um é expresso com o uso do Tempo Presente Contínuo (= que procede), enquanto o outro usa o Tempo Futuro (= que eu da parte do Pai vos hei de enviar). Dado que este é um ensino categórico da Bíblia Sagrada, foi registrado autentica e infalivelmente no Símbolo sagrado (Credo) do Sínodo de Constantinopla (381 dC), ou seja: “... e no Espírito Santo, que procede do Pai. …”A Fé da Igreja sobre esta questão é clara e inquestionável.

No entanto, de acordo com os papistas, embora as palavras acima mencionem, claro, a processão do Espírito a partir do Pai, elas não excluem explicitamente a possibilidade do “filioque” (= que o Espírito procede também do Filho). Eles afirmam que, uma vez que o texto bíblico não especifica “… que procede APENAS do Pai”, ou “... aquele procedendo APENAS do Pai”, isto deixa uma abertura que justifica a inserção do “filioque”.

Mas essas especulações papistas não parecem artifícios teológicos ingênuos? Porque se fôssemos especular inversamente, poderíamos da mesma forma propor as seguintes idéias: Se o “filioque” era realmente uma possibilidade nos pensamentos de Deus, então o próprio Salvador não teria claramente declarado “… o Espírito Santo, que procede do Pai E do Filho ”, para um aspecto tão importante do dogma? E o Oros (condição) do respectivo Sínodo também não foi registrado como “…. que procede do Pai e do Filho ...”? Por que o Senhor suprimiria uma verdade tão significativa? Era sua intenção, propositalmente, causar problemas à Sua Igreja?

Finalmente, o verso de João 16: 13-15 deve igualmente ser interpretado no mesmo espírito de João 15:26; isto é, a processão eterna do Espírito a partir do Pai e o “envio” temporal do Espírito por Cristo: “… E quando Ele vier - o Espírito da Verdade - Ele te guiará a toda a Verdade; Ele não falará por si mesmo, mas o que Ele ouve Ele falará, e anunciar-lhe-á o que está por vir ...

No entanto, os Católicos Romanos baseiam novamente seu ensinamento do “filioque” neste trecho, ligando diretamente a processão e a missão do Espírito Santo à pessoa de Cristo.

Como o “filioque” é avaliado a partir do aspecto histórico-eclesiástico?

A inserção do “filioque” no sagrado Símbolo da Fé (Credo) é arbitrária e parecida com um golpe. As Oroi (condições) dos Sínodos Ecumênicos são monumentos autênticos, infalíveis e irremovíveis. Nenhum indivíduo e nenhum sínodo local tem o direito de alterá-las ou corrigi-las, nem mesmo o menor que seja. Somente outro Sínodo Ecumênico pode tentar algo assim. Esta visão foi oficialmente consolidada pelo 3º Sínodo Ecumênico, quando se pronunciou com a seguinte declaração: “Não se pode pronunciar qualquer outra fé - ou seja, decretar ou compor - exceto a estipulada pelos Santos Padres que se reuniram em Nicaea, no Espírito Santo.”(Μηδενί εξείναι ετέραν πίστιν προφέρειν, ήγουν συγγράφειν ή συντιθέναι παρά την ορισθείσαν παρά των Αγίων Πατέρων των εν Νικαία συνελθόντων εν Αγίω Πνεύματι).  Foi também assim que Cirilo, que havia presidido o Sínodo, viu a questão e declarou em uma epístola a João de Antioquia, que não era permitido “mudar uma única palavra daquelas encontradas ali, ou até mesmo omitir qualquer sílaba. ”(Λέξιν αμείψαι των εγκειμένων εκείσε ή μίαν γούν παραβήναι συλλαβήν) [1].

O abuso do Oros do 3º Sínodo Ecumênico pelos papistas, que foi ao mesmo tempo escandaloso e inadmissível, causou um imenso tumulto na Igreja ecumênica (no mundo inteiro) e acabou conseguindo dividi-la. 

Por que o filioque é teologicamente censurável?

Porque destrói a monarquia (= princípio único) dentro da Divindade e cria confusão em relação às características hipostáticas das Pessoas da Santíssima Trindade. A monarquia dentro do divino constitui um ponto apical do dogma tríadico da Fé, pelo qual algumas batalhas ferozes foram travadas pela Igreja antiga. Como podemos ver nas linhas precedentes, o Pai é reconhecido como a Fonte divina; é dEle que as outras duas Pessoas da Santíssima Trindade se originam; isto é, o Filho (por geração) e o Espírito (por processão). É essa ordem precisa dentro da Trindade que assegura tanto a unidade da natureza quanto a paridade das Pessoas da Trindade. Foi assim que a teologia Ortodoxa sempre percebeu a questão. O “filioque”, no entanto, perturbou essa ordem. Não apenas destruiu a unidade da natureza delas, mas também destruiu a ordem das relações triádicas entre as Pessoas. Aboliu a monarquia dentro da Divindade introduzindo a diarquia (= princípio duplo) nas relações da divindade trinitária. Em vez do princípio único de quem a Santíssima Trindade se desenvolve, temos dois princípios. O Pai deixou de ser a única fonte da divindade, pois agora tornaram o Filho uma Fonte paralela. Mas essa inserção de um segundo princípio também perturba e confunde as características hipostáticas das Pessoas; a característica hipostática do Filho não é mais geração (o filho único), mas também processão, e a processão do Espírito Santo não é mais somente a partir do Pai, mas também do Filho.

Dada essa confusão das características hipostáticas de cada uma das Pessoas, pode-se perguntar: por que essa confusão não deve ser estendida ainda mais? Em outras palavras, por que o Pai não pode nascer do Filho ou por que o Filho não procede do Espírito Santo, etc.? Onde traçamos a linha e onde paramos de destruir o dogma da Santíssima Trindade?

Há alguma repercussão prática para a Igreja por causa do filioque?

Existe, para a Igreja Ortodoxa. Em um nível teológico, além de arruinar “o status muito louvado e piedoso da monarquia” [2], criando confusão em torno das características hipostáticas das Pessoas, o “filioque” também claramente diminui o nível divino do Espírito Santo. De fato, se o Espírito Santo não dependesse diretamente do Pai (assim como o Filho é, mas de uma maneira diferente), mas dependesse simultaneamente de um segundo fator (o Filho), então o Espírito Santo seria inferior ao Filho e, portanto, não possuiria um status independente e homólogo em relação ao Filho (que é o caso, quando o Espírito se origina diretamente do Pai).

Para a Igreja Ortodoxa, o rebaixamento do Espírito Santo em nível teológico também repercute na questão da salvação. Se o Espírito não é igualmente honrado e tem o mesmo prestígio que o Filho (e, claro, o Pai) - em outras palavras, se o Espírito é “colocado em segundo lugar” dentro da Santíssima Trindade - então a obra do Espírito na esfera da salvação (como o principio finalizante da obra de Cristo, da Igreja e da santificação da humanidade) é prejudicada.

Para a Igreja Ortodoxa, que vive e se move dentro da graça do Espírito Santo, isso tem tremendas repercussões em Sua hipóstase. As Suas lutas contra a inserção das palavras "e do Filho" não eram (e não são) uma lutra contra "moinhos de vento", como algumas pessoas podem pensar. São lutas por questões existenciais, que se relacionam com a preservação de Sua hipóstase e Sua essência, bem como com o sucesso de Seus objetivos soteriológicos e Sua orientação redentora.

A Ortodoxia não pode afastar-se da obra santificadora do Espírito Santo, na qual vive, guarda e espera. E não é sem razão que os que vão para os templos ortodoxos fazem o sinal da cruz durante a recitação do Símbolo de Fé (Credo), e especificamente quando as palavras “... o Espírito Santo, que procede do Pai ...” são mencionadas: esta questão é gravada profundamente na fé e na consciência dos Ortodoxos!

Qual é o significado da expressão “... do Pai, pelo Filho” em relação à processão do Espírito Santo?

Segundo os santos Padres da Igreja, o Espírito Santo “procede do Pai, pelo Filho”. Esta é a forma habitual pela qual a fé da Igreja é expressa. Ao se interpor nesta questão, a teologia formula muitos pensamentos sutis, que são difíceis de serem percebidos pela maioria dos fiéis, para os quais a teologia é ao mesmo tempo difícil e obscura. Vamos tentar dar uma resposta elementar aqui, evitando pensamentos teológicos complexos e sem nos desviarmos do ensino do 4º Evangelho (João 15:26).

Linguisticamente, a preposição "de" denota a origem causal de algo ou alguém, enquanto a preposição "por" denota a causa por meio da qual algo ao alguém ocorrem, ou acontecem. Na Trindade teológica, o “de” refere-se ao Pai, de quem o Espírito procede eternamente, adquirindo Sua divindade do Pai (= “o Espírito que procede do Pai”, e “aquele que procede do Pai”). A preposição "por", por outro lado, pertence ao Filho, em cujo nome o Espírito é enviado ao mundo (sem que isso implique que o Filho é apenas um instrumento servil do Pai). É óbvio que, com relação à processão do Espírito Santo, a preposição “por” pertence à Trindade providencial ; isto é, às energias externas do Deus Triádico. Igualmente óbvio é o fato de que a preposição “por” revela a semelhança da natureza entre o Filho e o Espírito. É sobre este fato que a outra declaração é baseada; isto é, que o Espírito repousa no Filho ("e repousou no Filho") e é referido como "a qualidade característica do Filho" [3].

O "filioque" é uma cacodoxia triadológica?

Inquestionavelmente sim, e de fato uma enorme cacodoxia, porque inviabiliza o ensinamento sobre a Santíssima Trindade. De acordo com a Fé Ortodoxa, o Espírito Santo procede APENAS do Pai (que é a fonte da divindade para as duas outras Pessoas do Deus Triádico) e é enviado ao mundo pelo Filho, para a conclusão da obra da redenção. Este ensinamento é baseado no clássico versículo bíblico de João 15:26, "Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai…” onde o Tempo Presente Contínuo do verbo “procede” significa a processão eterna do Espírito Santo do Pai, e o Tempo Futuro do verbo “enviar” significa a missão temporal vindoura do Espírito que estava sendo prometida pelo Filho. Esta é a forma Ortodoxa geralmente aceita da processão do Espírito Santo.

A "igreja" romana, no entanto, tem um entendimento diferente da questão. Assim, ensina que o Espírito Santo não procede apenas do Pai, mas "também do Filho" (em latim = filioque). Ela apóia este ensino nos versículos das Escrituras (João 16: 13,5 e.a.), que ela interpretou à sua maneira. A idéia do “filioque” - derivada da teologia de Agostinho - foi acrescentada ao símbolo sagrado (credo) pela “igreja” latina na Espanha (em um sínodo de Toledo, em 589), evidentemente para fortalecer a fé na divindade do Logos (que foi ferozmente negada pelo arianismo gótico ocidental na época). O "filioque" acabou sendo transmitido para outros países europeus, mas não sem nenhuma reação.

A adição “filioque”, que não tem apoio real nas Escrituras e nos ensinamentos dos Padres, foi vista pela Ortodoxia como uma terrível heresia triadológica e ela se opôs persistentemente, porque

1) aboliu o status do Pai como única fonte de divindade,

2) arruinou o “status muito louvado e piedoso da monarquia” ao introduzir arbitrariamente o princípio duplo na divindade: o Pai E o Filho,

3) provocou confusão em relação às características hipostáticas das Pessoas; características que são estritamente pessoais, irremovíveis e incomunicáveis, fazendo alguém pensar  por que o Pai não deveria nascer do Filho e o Filho proceder do Espírito Santo, etc.,

4)  rebaixa o Espírito frente ao Filho, rebaixando o nível divino do Espírito e colocando em risco a obra santificante do Espírito.

O “filioque”, que foi a causa do cisma entre as duas Igrejas durante a época de Fócio (867) e Michael Keroularios (1054), não é um item “pendente de teologização” - em outras palavras, uma visão dogmática ambígua que, se violada, não tem repercussões significativas. Pelo contrário. Para a “igreja” romana, é um dogma supremo da fé, que, se negado, privará a humanidade de sua salvação. Para a Igreja Ortodoxa, a adição “filioque” é uma violação de um ponto supremo no ensino da Santíssima Trindade, e a aceitação desta adição condena o homem por toda a eternidade.

Nos diálogos teológicos em curso com a “igreja” católica romana, a questão do “filioque” continua a ser um problema espinhoso.

Precisamos ser muito cautelosos e não brincar "onde não se deve brincar".

A negação das energias divinas em Deus prejudica o dogma da Santíssima Trindade?

Sim. Corrompe o significado do verdadeiro Deus. Como observado anteriormente, no Deus Triádico existem: a essência, as hipóstases e as energias divinas. Se algum desses três está faltando, o significado do verdadeiro Deus é prejudicado. "Heresia" não é apenas a negação ou a interpretação errônea das hipóstases trádicas, mas também a negação ou a interpretação errônea das energias divinas incriadas.

E estas energias divinas de Deus são de fato negadas pela “igreja” romana. Ela as rejeitou, porque de acordo com suas próprias teorias, a existência de energias divinas significaria que a natureza de Deus é composta e, portanto, Sua infinita simplicidade seria negada por elas; eles reconhecem que certamente existem poderes dentro de Deus, porém eles não são poderes incriados (por exemplo a graça divina e a luz de Cristo não são incriados). Para a teologia latina, todas são magnitudes criadas, que o Deus transcendente criou especificamente para salvar o homem.

A questão das energias divinas incriadas foi o tema de muitos argumentos entre o Oriente Ortodoxo e o Ocidente latino. O monge Barlaão, um representante do espírito latino, lutou veementemente contra o ensinamento Ortodoxo; no entanto, ele foi confrontado com a máxima perseverança por um grande defensor da Ortodoxia, São Gregório Palamas, o Bispo de Salónica. Os Sínodos da Igreja vindicaram todas as lutas e ensinamentos do Santo, e condenaram Barlaão de espírito latino[4].

A questão das energias divinas é de suprema importância para a Igreja Católica Ortodoxa, não apenas pela plenitude de Seu ensinamento sobre a Santíssima Trindade, mas também para Sua hipóstase total e Sua obra salvadora. A energia divina incriada (Graça) compreende um vínculo vital e santificador para a Ortodoxia. O homem é deificado por sua profunda união com ela. Se a energia divina (da Graça) não fosse uma magnitude incriada, mas uma magnitude meramente criada, a theosis (deificação) seria alcançável?

Honestamente, como é possível alcançar uma coexistência entre a Ortodoxia e o Papismo Romano, com tais desvios e diferenças soteriológicas e escatológicas entre eles? Os Ortodoxos por um lado, visualizando e se apressando em direção à deificação, e os Católicos Romanos totalmente alheios a este aspecto extremamente importante ...

Notas

1. Ver "Symboliki" por Chr.Androutsos, Atenas, 1930, p. 157

2. Fócio, Patriarca de Constantinopla.

3. Esta é uma expressão muito discutida por São Cirilo de Alexandria, que recebeu numerosos ataques de seus inimigos (principalmente Theodoretus Kyrou). No entanto, com esta frase, o renomado teólogo estava se referindo ao parentesco (da essência) entre o Espírito e o Filho.

4. Ver os Tomos de Constantinopla de 1341 e 1351 Sobre Hesicasmo (Kar. Karmiris, “The Monuments”, 1952, páginas 294 etc.) E. Christology (pp. 91-109).


Fonte: Revista “POR NOSSA FÉ”

Textos selecionados pela Diakonia Apostólica da Igreja da Grécia (Kozani, agosto de 2005).



Nenhum comentário:

Postar um comentário