CONTEÚDO
1 Prólogo - Sinais no Caminho
2 Deus como Mistério
3 Deus como Trindade
4 Deus como Criador
5 Deus como Homem
6 Deus como Espírito
7 Deus como Oração
8 Epílogo - Deus como Eternidade
Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.
Lucas 23:42
Para todas as almas que amam Deus, para todos os cristãos
verdadeiros, haverá um primeiro mês do ano, como o mês de abril, um dia de
ressurreição.
As Homilias de São Macário
Quando Abba Zacharias estava a ponto de morrer, Abba Moisés
perguntou: "O que você vê?" e Abba Zacharias respondeu: "Não é
melhor não dizer nada, pai?" "Sim, meu filho", disse Abba
Moisés, "é melhor não dizer nada".
Os Ditos dos Padres do Deserto
A fala é o órgão deste mundo presente. O silêncio é o
mistério do mundo vindouro.
São Isaac, o Sírio
O fim se aproxima
"Estou esperando a ressurreição dos mortos e a vida da
era por vir". Orientado para o futuro, o Credo termina com uma nota de
expectativa. Mas, embora as últimas coisas formem nosso ponto de referência
constante ao longo desta vida terrena, não nos é possível falar em detalhes
sobre as realidades da era por vir. "Amados", escreve São João,
"agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de
ser" (1 João 3: 2). Através da nossa fé em Cristo, possuímos aqui e
agora uma relação viva e pessoal com Deus; e nós sabemos, não como uma
hipótese, mas como um fato presente da experiência, que essa relação já contém
em si as sementes da eternidade. Mas o que é viver não dentro da seqüência do
tempo, mas no eterno Agora, não nas condições da queda, mas em um universo onde
Deus é "tudo em todos" - disso, temos apenas vislumbres parciais, mas
nenhuma concepção clara; e então devemos falar sempre com cautela, respeitando
a necessidade do silêncio.
Há, no entanto, pelo menos três coisas que temos o direito
de afirmar sem ambiguidade: que Cristo virá novamente na glória; que, na sua
vinda, seremos ressuscitados dentre os mortos e julgados; e que "seu reino
não terá fim" (Lucas 1:33).
Primeiro, então, a Escritura e a Sagrada Tradição nos fala
repetidamente sobre a Segunda Vinda. Não nos dão motivos para supor que,
através de um avanço constante na "civilização", o mundo gradualmente
se tornará melhor e melhor até que a humanidade consiga estabelecer o reino de
Deus sobre a terra. A visão cristã da história do mundo é totalmente
oposta a esse tipo de otimismo evolucionário. O que somos ensinados a esperar
são desastres no mundo da natureza, a guerra cada vez mais destrutiva entre
homens, confusão e apostasia entre aqueles que se dizem cristãos (ver
especialmente Matt. 24: 3-27). Esse período de tribulação culminará com o
aparecimento do "homem do pecado" (2 Tessalonicenses 2: 3-4) ou
Anticristo, que, de acordo com a interpretação tradicional na Igreja Ortodoxa,
não será o próprio Satanás, mas um ser humano, um homem genuíno, em quem todas
as forças do mal se concentrarão e que irá por um tempo ter o mundo inteiro sob
seu domínio. O breve reinado do Anticristo será terminado abruptamente pela
Segunda Vinda do Senhor, desta vez não de forma oculta, como em seu nascimento
em Belém, mas "assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do
céu" (Mateus 26:64). Assim, o curso da história será levado a um final súbito
e dramático, através de uma intervenção direta do reino divino.
O tempo exato da Segunda Vinda está escondido de nós:
"Não lhes compete saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela
sua própria autoridade" (Atos 1: 7). O Senhor virá "como um ladrão na
noite" (1 Tessalonicenses 5: 2). Isso significa que, evitando especulações
sobre a data exata, devemos estar sempre preparados e atentos. "E as
coisas que vos digo, digo-as a todos: Vigiai." (Marcos 13:37). Pois, caso o Fim venha mais cedo ou mais tarde em nossa
escala de tempo humana, ele é sempre iminente,
sempre espiritualmente próximo. Devemos ter em nossos corações um senso de
urgência. Nas palavras do Grande Cânone de São André de Creta, recitado a cada
Quaresma:
Minha alma, ó minha alma, levanta-te! Por que você
está adormecida?
O fim se aproxima, e em breve estarás perturbada.
Vigiai, então, para que Cristo, o teu Deus, te poupe,
Pois ele está presente em todos os lugares e preenche todas
as coisas.
A primavera futura
Em segundo lugar, como cristãos, acreditamos não apenas na
imortalidade da alma, mas na ressurreição do corpo. De acordo com a ordenança
de Deus em nossa primeira criação, a alma humana e o corpo humano são
interdependentes, e nenhum deles pode existir corretamente sem o outro. Em
consequência da queda, os dois se separam na morte corporal, mas essa separação
não é definitiva e permanente. Na Segunda Vinda de Cristo, ressuscitaremos
dentre os mortos em nossa alma e em nosso corpo; e assim, com a alma e o corpo
reunidos, apareceremos diante de nosso Senhor para o Juízo Final.
O julgamento, como enfatiza o Evangelho de São João, está
acontecendo o tempo todo em toda a nossa existência terrena. Sempre que,
conscientemente ou inconscientemente, escolhemos o bem, entramos já pela
antecipação à vida eterna; sempre que escolhemos o mal, recebemos uma
antecipação do inferno. O Juízo Final é melhor entendido como o momento da
verdade quando tudo é trazido à luz, quando todos os nossos atos de escolha nos
são revelados em suas implicações completas, quando percebemos com absoluta
clareza quem somos e qual foi o significado profundo e objetivo de nossa vida.
E, seguindo este esclarecimento final, entraremos - com alma e corpo reunidos -
no céu ou no inferno, na vida eterna ou na morte eterna.
Cristo é o juiz; e ainda, de outro ponto de vista, somos
nós que nos pronunciamos sobre nós mesmos. Se alguém está no inferno, não é
porque Deus o aprisionou lá, mas porque é aí que ele mesmo escolheu estar. Os
perdidos no inferno condenam-se a si
mesmos, escravizam-se a si mesmos; já foi
dito, corretamente, que as portas do inferno encontram-se trancadas por dentro.
Como pode um Deus de amor aceitar até mesmo uma única de
suas criaturas que ele fez deve permanecer para sempre no inferno? Há um
mistério aqui que, do nosso ponto de vista nesta vida presente, não podemos
esperar entender. O melhor que podemos fazer é manter em equilíbrio duas
verdades, contrastantes, mas não contraditórias. Primeiro, Deus deu livre
arbítrio ao homem, e assim, para toda a eternidade, está no poder do homem
rejeitar Deus. Em segundo lugar, o amor significa compaixão, envolvimento; e,
se houver alguém que permanece eternamente no inferno, em certo sentido, Deus
também está lá com ele. Está escrito nos Salmos: "Se eu for até o
inferno, lá tu também estás" (139: 7); e São Isaque, o Sírio, diz: "É
incorreto imaginar que os pecadores no inferno são privados do amor de
Deus". O amor divino está em toda parte e não rejeita ninguém. Mas nós do
nosso lado somos livres para rejeitar o amor divino: não podemos, no entanto,
fazê-lo sem nos infligir dor, e quanto maior nossa rejeição, mais amargo é
nosso sofrimento.
"Na ressurreição", declara as Homilias de São
Macário, "todos os membros do corpo são ressuscitados: nenhum cabelo
perece" (compare Lucas 21:18). Ao mesmo tempo, o corpo da ressurreição é
dito ser um "corpo espiritual" (ver 1 Cor. 15: 35-46). Isso não
significa que, na ressurreição, nossos corpos serão de alguma forma
desmaterializados; mas devemos lembrar que a matéria, tal como a conhecemos
neste mundo caído, com toda a sua inércia e opacidade, não corresponde à
matéria como Deus pretendia que fosse. Livres da grosseria da carne caída, a ressurreição do corpo
irá compartilhar as qualidades do corpo de Cristo na Transfiguração e após a
Ressurreição. Mas, apesar de transformado, nosso corpo de ressurreição ainda
será de maneira reconhecível o mesmo corpo que o que temos agora: haverá
continuidade entre os dois. Nas palavras de São Cirilo de Jerusalém:
É esse mesmo corpo que é ressuscitado, embora não em seu
estado atual de fraqueza; pois ele "vestirá a incorrupção" (1 Cor.
15:53) e assim será transformado. Já não precisará dos alimentos que agora
comemos para mantê-lo vivo, nem escadas para a sua ascensão; pois ele será
feito espiritual e se tornará algo maravilhoso, de tal maneira que não podemos
descrever adequadamente.
E Santo Ireneu testifica:
Nem a estrutura nem a substância da criação são destruídas.
É apenas a "forma externa deste mundo" (1 Coríntios 7:31) que passa -
ou seja, as condições produzidas pela queda. E quando essa "forma
externa" passar, o homem será renovado e florescerá em um auge da vida que
é incorruptível, de modo que já não é possível que ele envelheça
mais. Haverá "um novo céu e uma nova terra" (Apocalipse 21: 1);
e neste novo céu e terra nova viverá o homem, para sempre novo e para sempre
conversando com Deus.
"Um novo céu e uma nova terra": o homem não é
salvo do seu corpo, mas nele; não salvo do mundo material, mas com ele. Porque
o homem é um microcosmo e um mediador da criação, a própria salvação dele
envolve a reconciliação e a transfiguração de toda a criação animada e
inanimada em torno dele - sua libertação "da servidão da corrupção, para a
liberdade da glória dos filhos de Deus" (Romanos 8:21). Na "nova
terra" da era por vir certamente há lugar não só pro homem, mas também
para os animais: no e através do homem, eles também irão compartilhar da
imortalidade, assim como as rochas, as árvores, as plantas, o fogo e a água.
Uma viagem ao infinito
Este reino da ressurreição, no qual, pela misericórdia de
Deus, habitaremos com a nossa alma e corpo reunidos, é, em terceiro lugar, um
reino que não terá "fim". Sua eternidade e infinito estão além do
alcance de nossa imaginação caída, mas duas coisas, pelo menos, podemos ter
certeza. Primeiro, a perfeição não é uniforme, mas diversificada. Em segundo
lugar, a perfeição não é estática, mas dinâmica.
Primeiro, a eternidade significa uma variedade inesgotável.
Se é verdade sobre a nossa experiência nesta vida que a santidade não é
monótona, mas sempre diferente, isso não é verdade também, e a um grau
incomparavelmente superior, na vida futura? Deus promete a nós: 'Ao que vencer
darei… lhe darei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual
ninguém conhece senão aquele que o recebe.' (Apocalipse 2:17). Mesmo na Era por
vir, o significado interior da minha personalidade única continuará sendo
eternamente um segredo entre Deus e eu. No reino de Deus, cada um é um com
todos os outros, mas cada um é distintamente ele mesmo, tendo os mesmos
delineamentos que ele teve nesta vida, mas com essas características curadas,
renovadas e glorificadas. Nas palavras de Santo Isaias de Sketis:
O Senhor Jesus, em sua misericórdia, concede descanso a
cada um de acordo com suas obras - ao grande de acordo com a sua grandeza e com
o pequeno segundo a sua pequenez; pois ele disse: "Na casa do meu pai há
muitas mansões" (João 14: 2). Embora o reino seja um, no entanto, no único
reino, cada um encontra seu próprio lugar especial e seu próprio trabalho
especial.
Em segundo lugar, a eternidade significa um progresso sem
fim, um avanço incessante. Como J. R. R. Tolkien disse: "Os caminhos
seguem sempre adiante". Isto é verdade para o Caminho espiritual, não
apenas na vida presente, mas também na Era por vir. Movemo-nos constantemente em diante. E é adiante que
nós vamos, não para trás. A Era por vir não é simplesmente um retorno ao
início, uma restauração do estado original de perfeição no paraíso, mas é uma
nova partida. Haverá um novo céu e uma terra nova; e as últimas coisas serão
maiores que as primeiras.
‘Aqui embaixo’, diz Newman, ‘viver é mudar, e ser perfeito
é ter mudado muitas vezes.’ Mas é assim somente aqui embaixo? São Gregório de
Nissa acreditava que mesmo no paraíso a perfeição é o crescimento. Em um
paradoxo, ele diz que a essência da perfeição consiste precisamente em nunca se
tornar perfeita, mas em alcançar sempre uma perfeição superior que se encontra
além. Porque Deus é infinito, esse constante "avançar" ou epektasis,
como os pais gregos o chamaram, prova-se ilimitado. A alma possui Deus, e ainda
assim o procura; sua alegria é completa, e ainda assim torna-se mais intensa.
Deus se torna cada vez mais próximo de nós, mas ele ainda continua a ser o
Outro; contemplamos-lo face a face, mas continuamos a avançar cada vez mais
para o mistério divino. Embora não sejamos mais estranhos, não deixamos de ser
peregrinos. Avançamos "de glória em glória" (2 Cor. 3:18), e depois
para uma glória ainda maior. Nunca, em toda a eternidade, alcançaremos um ponto
em que realizamos tudo o que há para fazer, ou descobrimos tudo o que há para
saber. "Não só na idade presente, mas na Era por vir", diz São
Ireneu, "Deus sempre terá algo mais para ensinar ao homem, e o homem
sempre terá algo a aprender com Deus".
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