quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Como estudar os Santos Padres (Pe. Vasileios Gontikakis)

        O Reino de Deus não é um Talmud, nem é uma coleção mecânica de citações bíblicas e patrísticas fora do nosso ser e da nossa vida. O Reino de Deus está dentro de nós, como fermento dinâmico que muda fundamentalmente toda a vida do homem, seu espírito e seu corpo. O que é necessário para o estudo patrístico, para ser fiel ao espírito de liberdade e digno de sua nobreza espiritual e do frescor dos Padres, é abordar os textos sagrados com o temor com o qual nos aproximamos e veneramos suas relíquias e os ícones sagrados. Essa reverência litúrgica nos revelará que aqui há outra graça inexprimível. Toda a atmosfera é diferente. Existem certas passagens vitais em textos patrísticos que, acreditamos, nos convidam, nos desafiam e trabalham dentro de nós, uma mudança incomum. Estes devem fazer parte do nosso ser e da nossa vida, como verdades e como pontos de vista, ao fermentar todo o nosso ser. E, ao mesmo tempo, devemos colocar todo o nosso ser no estudo dos Padres, e esperar, dar um tempo.


        Compreender a palavra dos Santos Padres, não é uma questão de aplicar o dito de um, ou outro, a um determinado assunto, contando com alguma concordância. É um processo pelo qual o alimento é absorvido por organismos vivos, assimilados por eles, tornando-se sangue, vida e força. E, mais tarde, significa transmitir a alegria e proclamar esse milagre, pelo fato dele ter trazido à vida uma experiência e um aprendizado, de uma maneira que supera toda dúvida ou discussão. Assim, a palavra patrística viva não é transmitida mecanicamente, nem preservada arqueologicamente, nem se aproxima através de excursões na história. É transmitida por inteiro, plena, cheia de vida, à medida que passa de geração em geração, através de organismos vivos, mudando-os, criando "pais" que fazem das palavras dos Santos Padres algo pessoal, uma nova posse, um milagre, uma riqueza que aumenta à medida que é entregue. Esta é a mudança imutável, forjada pelo poder que transforma a corrupção em incorrupção. É o movimento perpétuo sem mover-se, que é a palavra de Deus e sua imutabilidade sempre viva. Todos os dias, a palavra parece diferente e nova, mas é a mesma. Este é o mistério da vida que entrou profundamente em nossa natureza morta e ergueu-a de dentro, quebrando as barras do inferno. Compartilhar as palavras dos Santos Padres com os demais, significa que eu mesmo vivo, que fui transformado por eles. E assim, meu metabolismo tem o poder de mudar, para que possa ser comido e bebido pela pessoa a quem estou oferecendo. Esta mudança da palavra no próprio homem e a mudança em si mesmo, preserva inalterável o mistério da vida pessoal e irrepetível, que é "patristicamente" ensinada e dada. É como a comida de que se alimenta uma mãe: ela a alimenta e a mantém viva e, ao mesmo tempo, se torna no leite materno e dá vida ao seu bebê. Que lindo para um homem se tornar teologia! Então, o que quer que ele faça, e especialmente o que ele faz espontaneamente, uma vez que apenas o que é espontâneo é verdadeiro, testemunha e fala do fato de que o Filho, o Verbo de Deus, encarnou, que se tornou homem pela obra do Espírito Santo e da sempre Virgem Maria. Ele fala em silêncio sobre os inefáveis mistérios que foram revelados nos últimos tempos. Esta vida teológica e testemunhal, é uma benção que adoça a vida do homem. É um alimento que é cortado e dado a outros, uma bebida derramada e oferecida abundantemente para o homem consumir e saciar sua sede. 

        Neste estado não se fala da vida, se dá. Alimenta-se o faminto e dá de beber ao sedento. Por outro lado, a teologia escolástica e as construções intelectuais não se assemelham ao Corpo do Senhor, a comida verdadeira, nem ao seu sangue, a bebida verdadeira. São como uma pedra encontrada entre os alimentos. Não comestível e inumanamente dura é a massa da escolástica para o gosto e a boca de quem está acostumado a Liturgia da Igreja, e é rechaçada como algo estranho e inaceitável. Nossas palavras são muitas vezes flácidas e fracas. Porque a palavra que Ele (Deus) entregou e deu vida, teve de encarnar. 

        Quando, junto com a sua palavra, você dá aos outros a sua carne e sangue, então suas palavras terão significado. Palavras sem carne, que não surgem da vida e não compartilham de nossa carne que se rende e do sangue que derrama, não significam nada. Por esta razão, na Última Ceia, o Senhor resume o mistério de sua pregação dizendo: "Tomai e comei, isto é o meu corpo", "Bebei, este é o meu sangue". Afortunado é o homem que se rompe em pedaços e se oferece entre os demais, que foi esvaziado e dado aos outros para beber. 

    Quando seu tempo de prova chegar, não terá medo. Ele não terá nada o que temer. Ele já terá compreendido que, na celebração do amor, pela graça, o homem está quebrado, mas não dividido, comido e nunca consumido. 

      Pela Graça se converteu em Cristo e assim sua vida dá o que comer e beber ao irmão. Ou seja, alimenta a outra existência e a faz crescer.



Tradução: Isaque Diaz

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