O tema da epistemologia pertence a este livro e constitui o capítulo final, pois está intimamente relacionado com a cura da alma do homem. Os capítulos anteriores mostraram que a queda, a doença e a morte do homem são precisamente a morte de sua alma, nous, coração e razão, sob a influência de maus pensamentos. A queda é primariamente a queda do nous. Quando a alma, a mente e o coração são curados, alcança-se o conhecimento de Deus. Na verdade, não é somente quando são curados que adquire-se o conhecimento de Deus, mas também na medida em que são curados. Quando são curados tão completamente quanto possível, alcança-se um conhecimento de Deus que não se trata de palavras sobre Deus, mas o conhecer Deus nEle mesmo. Em outras palavras, é no coração curado que Deus é revelado e concede conhecimento de Si mesmo. Assim, é claro que a epistemologia ortodoxa está intimamente relacionada com a terapia da alma. O conhecimento de Deus aumenta à medida que aumenta a cura, e um conhecimento puro de Deus é dado àquela pessoa que foi purificada e curada.
A fim de examinar isso com mais clareza, podemos nos concentrar nos ensinamentos de dois Padres da Igreja: São Isaac o Sírio e São Gregório Palamas. Examinaremos primeiro os três graus de conhecimento de acordo com São Isaac, o sírio, e depois o conhecimento de Deus, segundo São Gregório Palamas.
1. Os três graus de conhecimento segundo São Isaac, o Sírio
São Isaac, o Sírio, desenvolve o tema dos três graus de conhecimento nos capítulos 52 e 53 de suas Homilias Ascéticas.
Ele começa por contrastar conhecimento e fé. O conhecimento humano é marcado pelo fato de que não possui autoridade alguma para fazer algo "sem investigação e exame", mas deve investigar se o que ele deseja é possível (p.254). No conhecimento humano há uma boa parte de inteligência, e é principalmente a inteligência caída que está em ação, uma vez que ultrapassa seus limites naturais; isto é, uma inteligência que igualmente domina o nous. A fé, entretanto, tem limites diferentes, e aqui parece estar sua grande diferença do conhecimento humano, assim como seu grande valor. São Isaac diz que quando usamos a palavra "fé" não queremos dizer a transmissão das verdades dogmáticas sobre as Pessoas da Santíssima Trindade, sobre Cristo tornar-se homem e sobre a assunção da natureza humana pela Segunda Pessoa da Trindade, "embora esta fé seja também muito elevada", mas o significado principal do que chamamos de fé é "aquela luz que pela graça nasce na alma e fortalece o coração pelo testemunho da mente, tornando-a indubitável pela certeza da esperança". Esta fé espiritual não aprende os mistérios pela tradição oral, "mas com olhos espirituais contempla os mistérios escondidos na alma e as riquezas secretas e divinas que estão escondidas longe dos olhos dos filhos da carne, mas são reveladas pelo o espírito para aqueles que habitam na mesa de Cristo através do estudo das Suas leis" (p.262). Isto quer dizer que, enquanto o conhecimento humano é adquirido através da atividade da inteligência e através da investigação humana, o conhecimento divino é adquirido através da fé. Esta fé é principalmente aquela que nasce na alma através da luz da graça, e através deste poder se aprendem todos os mistérios que estão escondidos dos olhos dos homens carnais do nosso tempo. Portanto, "a fé é mais sutil do que o conhecimento, assim como o conhecimento é mais sutil do que as coisas palpáveis" (p.262). A fé, que é conhecimento divino, é mais sutil do que o conhecimento humano.
São Isaac explica a diferença entre conhecimento humano e fé. O conhecimento humano não pode aprender sem exame, enquanto que a fé "requer um modo de pensar único, limpidamente puro e simples, afastado de qualquer desvio ou invenção de métodos ... A casa da fé é um pensamento como de criança e um coração simples" (254). Enquanto o conhecimento humano tem a inteligência em seu centro, a fé tem o coração simples e sincero. O conhecimento humano "permanece dentro dos limites da natureza" enquanto a fé "faz a sua jornada além da natureza" (254). Ou seja, o conhecimento humano é uma condição puramente natural, trabalhando dentro de limites naturais, enquanto a fé é uma condição supranatural. Do mesmo modo, o conhecimento humano é incapaz de fazer qualquer coisa sem a matéria; move-se num mundo material, enquanto a fé tem autoridade, por possuir a semelhança de Deus, para fazer uma nova criação (p.254). O conhecimento humano não se atreve nem deseja ultrapassar os limites da natureza, enquanto a fé "os transgride com autoridade" (p.255). Isto é demonstrado pela vida de todos os santos que, pelo poder da fé, "adentraram em chamas e refrearam o poder ardente do fogo, caminhando ilesos pelo meio dele, pisando no fundo do mar como em terra firme" (p.255). E todas essas coisas que a fé faz estão acima da natureza e são contrárias aos caminhos do conhecimento humano. O conhecimento humano sempre busca meios para "salvaguardar aqueles que o adquiriram", isto é, sempre toma medidas protetoras e busca proteger o homem por meios humanos. Mas a fé entrega isso completamente a Deus. "O homem que ora com fé nunca faz uso, ou está empenhado em métodos e meios" (p.255). O conhecimento humano não dá início a um trabalho sem ter examinado como vai acabar, enquanto a fé diz: "Tudo é possível ao que crê, porque para Deus nada é impossível" (p.256).
É verdadeiro, de acordo com São Isaac, que o conhecimento humano não é deficiente, mas a fé é mais elevada (p.256). O conhecimento é aperfeiçoado pela fé, uma vez que "o conhecimento é um passo pelo qual o homem pode ascender até a elevada estatura da fé" (p.257). Quando a fé chega, o que está em parte é abolido. Então "é pela nossa fé que aprendemos aquelas coisas que não podem ser compreendidas pela investigação e poder do conhecimento" (p.257). Todas as obras de retidão que são virtudes, isto é, o jejum, a esmola, a vigília, a santidade e todo o "resto das obras realizadas com o corpo" e todas aquelas que são realizados na alma, isto é, o amor ao próximo , a humildade de coração, o perdão "aos que pecaram", a lembrança das coisas boas, a investigação dos mistérios escondidos nas Escrituras, a ocupação da mente com as boas obras, o controle das paixões da alma e o restante dessas virtudes, "todas essas requerem conhecimento". Conhecimento "as guardam e põe ordem". E todas estas coisas são passos pelos quais a alma ascende "para alturas mais elevadas da fé". No entanto, "o modo de vida da fé é mais exaltado do que o trabalho da virtude, e não é o trabalho, mas o descanso perfeito, a consolação, que é realizado no coração e dentro da alma" (p.256-7).
Todas estas coisas indicam que, segundo os ensinamentos de São Isaac e dos outros santos Padres, a fé é mais elevada do que o conhecimento humano, mais elevada até mesmo que o conhecimento adquirido pela prática da virtude. Pois a fé é uma condição carismática, uma comunhão com Deus; é "a compreensão e visão do coração"; é a vida que se desenvolve na alma com a vinda da luz da graça divina. Na seção seguinte, no ensinamento de São Gregório Palamas, veremos esse conhecimento de Deus, que é verdadeiramente uma "comunhão no ser", comunhão e união do homem com Deus. Assim, portanto, é um conhecimento mais elevado do que qualquer conhecimento humano, mesmo mais elevado que o conhecimento adquirido através da prática das virtudes, pois com ele encontramos o próprio Cristo, que está escondido nas profundezas dos mandamentos.
São Isaac, o Sírio, fala de três tipos de conhecimento. Examinemos como eles diferem, pois penso que isso nos mostrará como a tradição ortodoxa difere da tradição cultural humana, como o conhecimento divino difere do conhecimento humano.
Existem três caminhos concebíveis em que o conhecimento ascende e descende. Esses caminhos são corpo, alma e espírito (p.258). Na verdade, quando os Padres falam de corpo, alma e espírito, eles não querem dizer as três partes do homem, mas pela palavra "espírito" querem dizer o dom da graça, a graça divina com a qual o homem é abençoado. Sem a graça de Deus, é dito que o homem é um homem de alma ou da carne, enquanto que com a presença da graça ele é chamado espiritual. Embora a natureza do conhecimento seja uma só, ela é refinada e muda seus modos de acordo com esses reinos inteligíveis e sensíveis (p.258). Portanto, assim como existem três modos inteligíveis e sensíveis: corpo, alma e espírito, também existem três tipos de conhecimento relacionados a eles. De acordo com o tipo de conhecimento que o homem possui, ele mostra seu progresso espiritual e sua condição espiritual. Além disso, o tipo de conhecimento que alguém tem é uma indicação de sua purificação e cura. Aquele cuja alma é enferma tem conhecimento corporal, enquanto aquele que está sendo curado tem conhecimento da alma, e aquele que foi curado tem conhecimento espiritual. Este último conhece os mistérios do Espírito, que são desconhecidos e incompreensíveis para o homem da carne.
O primeiro conhecimento é adquirido pelo constante estudo e diligência na aprendizagem, o segundo conhecimento vem de um modo de vida puro e bom e da fé da mente, e o terceiro conhecimento "é atribuído à fé apenas. Porque pela fé o conhecimento é abolido, as obras chegam ao fim, e o emprego dos sentidos torna-se supérfluo "(p.264).
Examinemos mais analiticamente, com base nos ensinamentos de São Isaac, esses três tipos de conhecimento que indicam a doença ou a saúde da alma do homem.
Primeiro, o conhecimento corporal. Alguns elementos característicos do conhecimento humano conectados aos desejos da carne são a riqueza, a vanglória, o adorno, o descanso corporal e a assiduidade na sabedoria racional, tal como é apropriado para lidar com mundo e que imagina as novidades das invenções, as artes e as ciências (p.258). Este conhecimento é oposto à fé, como já explicamos antes, porque pensa que "todas as coisas são para sua própria providência" (p.258). Sabedoria e conhecimento das coisas deste mundo sem os outros dois tipos de conhecimento são inúteis e criam muitos problemas para o homem. Este conhecimento é superficial e grosseiro, pois está "desprovido de toda a preocupação com Deus" (p.258). Sua preocupação é apenas sobre este mundo, e por ser controlado pelo corpo, "introduz na mente uma impotência irracional" (p.258).
A maioria dos homens de nosso tempo, com almas enfermas, possui esse conhecimento e o cultiva continuamente. Toda a civilização contemporânea, que cria muitas anomalias de alma e corpo, está neste estado. Portanto, essa unilateralidade do conhecimento cria muitos problemas. Assim ão Isaac os descreve: O homem de conhecimento corporal é uma presa da fraqueza, tristeza, desespero, medo dos demônios, trepidação diante dos homens, rumores de ladrões e relatos de assassinatos, ansiedade por doenças, preocupação com o desejos e falta das necessidades, medo da morte, medo dos sofrimentos, dos animais selvagens e de outras coisas semelhantes que compõem o mar da vida presente (p. 258). O homem que possui este conhecimento humano e corporal não sabe abandonar-se à misericórdia de Deus, mas tenta, a seu modo, resolver os vários problemas. Mas quando ele não consegue encontrar soluções, por diferentes razões, então ele "rivaliza contra outros homens como se impedissem e se opusessem" a este conhecimento (p.258). Ele traz discórdia entre os homens porque os outros impedem a posse dos bens do conhecimento corporal.
Esse conhecimento corporal, cuidado mundano, erradica completamente o amor. Faz com que se investigue os pequenos pecados e erros dos outros, suas causas, suas fraquezas, faz dogmatizar e opor-se às palavras dos outros, a pessoa torna-se astucioso em todas as ações e inventa maneiras de desonrar as pessoas. Esse conhecimento contém presunção e orgulho (p.259).
Vemos claramente que o conhecimento corporal é característico da civilização contemporânea. Com intuição profética, São Isaac apresenta as causas e os objetivos deste homem carnal, descreve sua luta e angústia, e também apresenta os espantosos resultados desse conhecimento corporal. A confusão das relações pessoais, a falta de amor, obstinação e astúcia em todas as ações são as coisas que definem o homem contemporâneo que está doente na alma, longe de Deus.
O segundo, o conhecimento da alma. Quando um homem renuncia ao primeiro conhecimento corporal e carnal e se volta para os desejos e conversas da alma, então todas as boas ações do conhecimento da alma seguem. Estes são o jejum, a oração, a misericórdia, a leitura das Escrituras, os modos de virtude, a batalha contra as paixões, e assim por diante (p.258). Todas estas obras são aperfeiçoadas pelo Espírito Santo. Elas não acontecem pelo poder do homem, mas pelo trabalho conjunto do homem e do Espírito Santo. Há etapas na aquisição do conhecimento. O segundo grau de conhecimento é aperfeiçoado "quando é lançado o fundamento de sua ação ao afastar-se dos homens, na leitura das Escrituras e na oração" (p.260). Ou seja, o possuidor deste conhecimento da alma vive na quietude, com tudo o que implica, como descrevemos no capítulo anterior. Ele ora a Deus incessantemente e estuda as Escrituras nesta santa atmosfera de quietude para alimentar sua alma, não para aprender as palavras de Deus por curiosidade. Esta categoria inclui aquelas pessoas que estão sendo curadas de úlceras psíquicas e das feridas de sua alma. Esta cura oferece um conhecimento que pode ser chamado de fase preliminar e ante-sala do outro conhecimento espiritual, que a vinda da graça de Deus proporcionará no coração do homem.
O terceiro, o conhecimento espiritual. Quando o conhecimento do homem se eleva acima das preocupações mundanas e começa a ver interiormente "o que está escondido dos olhos" e quando despreza as coisas "de onde surge a perversidade das paixões" e se estende além em seu desejo pelas promessas da era por vir e em sua busca nos mistérios ocultos, "então a fé consome o conhecimento, o converte e o gera de novo, de modo que ele se torna completamente e plenamente espírito" (p.261).
Então pode-se voar aos locais dos anjos incorpóreos; conhece-se os mistérios espirituais, os governos do espiritual e do corpóreo. Ou seja, conhece os princípios interiores dos seres. Então os sentidos internos despertam e a alma recebe a ressurreição que dá a garantia da futura ressurreição dos homens. São Isaac, que possuía esse conhecimento espiritual, que é a vida da fé, escreveu: "Então pode-se elevar-se nos reinos dos incorpóreos e tocar as profundezas do mar insondável, refletindo sobre as maravilhosas e divinas obras do governo de Deus das criaturas inteligíveis e corpóreas. Busca-se os mistérios espirituais que são percebidos pelo simples e sutil nous. Então os sentidos internos despertam para o espiritual, de acordo com a ordem que será na vida imortal e incorruptível. Pois desde agora recebeu, como se fosse num mistério, a ressurreição inteligível como verdadeiro testemunho da renovação universal de todas as coisas" (p. 261).
Este conhecimento foi alcançado por todos os santos de Deus, como Moisés, Davi, Isaías, o apóstolo Pedro, o apóstolo Paulo e todos os santos que foram considerados dignos deste conhecimento perfeito, "na medida possível para a natureza humana" (p. 259). Na realidade, esse conhecimento vem da visão de Deus e da luz incriada, das revelações divinas ou, como coloca São Isaac, "por diversas contemplações e revelações divinas, pela visão sublime das coisas espirituais e pelos mistérios inefáveis..." (P.259). Então o conhecimento é consumido por essas visões de Deus e a pessoa sente que ela é pó e cinzas (p.259). Adquire-se o estado abençoado de humildade e simplicidade. Assim, o conhecimento espiritual, ou seja, o conhecimento de Deus, é o fruto da theoria. Ele é recebido pela pessoa que progrediu do conhecimento carnal até o da alma e daí para o conhecimento espiritual.
Resumidamente, pode-se dizer que o primeiro conhecimento "torna a alma fria às obras que vão em busca de Deus". O segundo conhecimento aquece a alma ao curso veloz "no nível da fé". O terceiro conhecimento é o descanso do trabalho, "que é o tipo da era vindoura, pois a alma se deleita apenas na meditação sobre os mistérios dos bens vindouros" (p.262).
Este ensinamento de São Isaac é muito relevante para o assunto que estamos tratando, pela seguinte razão. No começo do livro mencionamos que os membros da Igreja não são divididos em bons e maus ou morais e imorais, fazendo da ética humana o critério, mas nos doentes na alma, os em processo de cura e os curados. Precisamente estas três categorias correspondem aos três graus de conhecimento. Aqueles cuja alma está doente são pessoas de conhecimento corporal e mundano, aqueles que estão sendo curados são aqueles que em diferentes graus estão adquirindo a sabedoria e conhecimento da alma, e aqueles curados são os santos de Deus, que possuem conhecimento espiritual, o verdadeiro conhecimento de Deus. A maioria das pessoas de nosso tempo, que estão doentes de alma porque não sabem nada do nous e do coração, estão no primeiro conhecimento corporal e carnal. Outros pertencem ao segundo conhecimento, porque estão lutando para serem curados por meio de todo o método ascético disponível na Igreja Ortodoxa. E os santos, que ainda hoje existem, pertencem ao terceiro conhecimento, pois foram curados de suas enfermidades e assim adquiriram conhecimento de Deus.
2. Conhecimento de Deus segundo São Gregório Palamas
Agora que explicamos o ensinamento de São Isaac, o Sírio sobre os três graus de conhecimento, podemos seguir para o conhecimento de Deus de acordo com o Santo atonita Gregório Palamas. Quando uma pessoa ascende do conhecimento corporal para o conhecimento da alma e daí para o conhecimento espiritual, então ela vê Deus e possui o conhecimento de Deus, que é a sua salvação. O conhecimento de Deus, como será explicado mais adiante, não é intelectual, mas existencial. Ou seja, todo o ser torna-se pleno desse conhecimento de Deus. Mas, para alcançá-lo, o coração deve ter sido purificado, ou seja, a alma, o nous e o coração devem ter sido curados. "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5,8).
Vejamos as coisas mais analiticamente.
Como indiquei, Barlaam insistia que o conhecimento de Deus não depende da visão de Deus, mas do entendimento da própria pessoa. Ele afirmava que podemos adquirir o conhecimento de Deus através da filosofia e, portanto, considerava que os profetas e apóstolos que viram a luz incriada, estavam abaixo dos filósofos. Ele chamou a luz incriada de sensorial, criada e "inferior à nossa compreensão". No entanto, São Gregório Palamas, portador da Tradição e homem de revelação, defendia a visão oposta. Em sua teologia ele apresentou o ensinamento da Igreja de que a luz incriada, isto é, a visão de Deus, não é simplesmente uma visão simbólica, nem sensorial e criada, nem inferior à compreensão, mas é a divinização. Através da deificação, o homem é considerado digno de ver Deus. E essa deificação não é um estado abstrato, mas uma união do homem com Deus. Ou seja, o homem que contempla a luz incriada a vê porque está unido a Deus. Ele a vê com seus olhos interiores, e também com seus olhos corporais, que, no entanto, foram modificados pela ação de Deus. Consequentemente a theoria é união com Deus. E esta união é conhecimento de Deus. Neste momento é concedido conhecimento de Deus, que está além do conhecimento humano e além dos sentidos.
São Gregório explica toda esta teologia em vários lugares ao longo de seus escritos. Mas uma vez que não é nossa intenção neste capítulo fazer uma exposição sistemática de todo o seu ensinamento sobre o conhecimento de Deus, limitar-nos-emos a analisar o ponto central, como é apresentado em sua obra básica "Sobre o Santos Hesicastas", conhecida como as Tríadas. Novamente, devemos acrescentar que não apresentaremos todo o ensinamento tal como está exposto em tal livro, mas apenas os pontos centrais. Após cada citação, daremos a referência.
Eis aqui uma passagem característica na qual ele apresenta brevemente este ensinamento: "Aquele que purificou sua alma de toda conexão com as coisas deste mundo, que se desprendeu de tudo por guardar os mandamentos e pela impassibilidade que isso traz e que avançou além de toda a atividade cognitiva através da oração contínua, sincera e imaterial, e que foi abundantemente iluminado pela luz inacessível em uma união inconcebível, só ele, tornando-se luz, contemplando pela luz e contemplando a luz, na visão e desfrute desta luz, reconhece verdadeiramente que Deus é transcendentalmente radiante e além da compreensão; ele glorifica a Deus não somente além do poder humano de entendimento de seu nous, pois muitas coisas criadas estão além disso, mas além até mesmo dessa união admirável que é o único meio pelo qual o nous é unido com o que está além das coisas inteligíveis, "imitando divinamente os nouses supracelestiais" (2,3,57).
Encontramos o ensinamento central de São Gregório nesta passagem. Para alcançar a visão da luz incriada, é necessário cortar toda conexão entre a alma e o que está abaixo, desapegar-se de tudo, mantendo os mandamentos de Cristo e através da impassibilidade que disso deriva, deve-se transcender toda atividade cognitiva "através da oração contínua, sincera e imaterial". Portanto, deve-se ter sido já curado, por manter os mandamentos de Cristo e ter liberto sua alma de toda conexão pecaminosa com as coisas criadas. Tal pessoa é iluminada pela luz inacessível "abundantemente através de uma união inconcebível". Ele vê Deus através da união. Assim ele se torna luz e vê pela luz. Vendo a luz incriada, reconhece Deus e adquire conhecimento Dele, porque agora "reconhece verdadeiramente que Deus está além da natureza e além da compreensão".
São Gregório também desenvolve este ensinamento em outras partes nas Tríadas.
A visão de Deus, theoria da luz incriada, não é uma visão sensível, mas a deificação do homem. Falando da visão de Deus de Moisés "face-a-face e não em enigmas", ele recorda a passagem em São Máximo, o Confessor, que diz: "A deificação é uma iluminação direta e enhypostatica que não tem começo, mas que aparece naqueles dignos como algo que ultrapassa a sua compreensão. É, de fato, uma união mística com Deus, além do nous e da razão, na era em que as criaturas não conhecerão mais a corrupção" (3,1,28; CWS p.84). Assim, a visão da luz incriada é a deificação do homem. Ele vê Deus através da deificação e não através do cultivo da inteligência. A visão da luz incriada é chamada de dom deificante. Não é um dom da natureza humana criada, mas do Espírito Santo." Assim, o dom deificante do Espírito é uma luz misteriosa que transforma em luz aqueles que recebem a sua riqueza. Ele não só os enche com a luz eterna, mas também lhes concede o conhecimento e a vida apropriada a Deus" (3,1,35; CWS p .90). Assim, a visão de Deus não é exterior, mas provém da deificação (2,3,25).
Esta deificação é união e comunhão com Deus. De acordo com São Gregório, "a visão da luz incriada não é simplesmente abstração e negação, é uma união e uma divinização que ocorre misticamente e inefavelmente pela graça de Deus, após o despojamento de tudo daqui embaixo que se imprime no nous, ou melhor, após a cessação de toda atividade noética; é algo que vai além da abstração "(1,3,17; CWS p.34f). A contemplação da luz incriada ocorre "pela comunhão divinizante do Espírito" (1,3,5; CWS p.33). "Portanto, a contemplação desta luz é uma união, mesmo que ela não seja resistida pelo imperfeito: mas, por acaso, é a união com esta luz outra coisa senão uma visão?" (2,3,36, CWS p.65).
São Gregório fala de êxtase. Mas este êxtase, no ensinamento patrístico, não tem nada a ver com o êxtase da Pítia e das outras religiões. O êxtase vem quando, em oração, o nous abandona toda conexão com as coisas criadas: primeiro "com tudo perverso e mau, então com as coisas neutras" (2,3,35, CWS p.65). O êxtase é principalmente a retirada das opiniões do mundo e da carne. Com oração sincera o nous "abandona todas as coisas criadas" (2,3,35, CWS p.65). Este êxtase é mais elevado que a teologia abstrata, isto é, que a teologia racional, e pertence somente àqueles que alcançaram a impassibilidade. Mas ainda não é a união. Ou seja, o êxtase, que é a oração incessante do nous, em que a pessoa tem lembrança contínua de Deus e não tem relação com o "mundo do pecado" ainda não é a união com Deus. Esta união ocorre quando o Paráclito "ilumina desde o alto o homem que alcança em oração o estágio que é superior às mais elevadas possibilidades naturais e que espera a promessa do Pai e que por Sua revelação o arrebata à contemplação da luz "(2,3,35, CWS p.65). A iluminação por Deus é o que mostra Sua união com o homem.
Visão, deificação e união com Deus são as coisas que oferecem ao homem o conhecimento existencial de Deus. Assim o homem possui verdadeiro conhecimento de Deus. O dom deificante do Espírito Santo, que é uma luz misteriosa, transforma em luz divina aqueles que a alcançaram e não apenas os preenche de luz eterna, "mas também lhes concede um conhecimento e uma vida apropriada a Deus" (3,1 , 35, CWS p.89). Neste estado uma pessoa possui o conhecimento de Deus. Em resposta ao ensinamento de Barlaam de que Deus é conhecido pelos maiores contempladores, os filósofos, e que o conhecimento de Deus transmitido "por iluminação noética ... não é de modo algum algo verdadeiro" (2, 3, 78), São Gregório Palamas declara: "Deus se faz conhecido não só por tudo o que é, mas também pelo que não é, pela transcendência, isto é, por coisas não criadas, e também por uma luz eterna que transcende todos os seres". Esse conhecimento, diz ele, é oferecido hoje como uma espécie de sinal para aqueles que são dignos dele e que "ilumina-os infinitamente na era interminável". É justamente por isso que a visão dos santos de Deus é verdadeira, "e aquele que a chama de falsa desviou-se do divino conhecimento de Deus" (2,3,78). Assim, quem ignora e despreza a visão de Deus, que oferece o verdadeiro conhecimento é, na realidade, ignorante de Deus.
Essas coisas mostram que a visão de Deus, a deificação, a união e o conhecimento de Deus estão intimamente interligados. Esses não podem ser entendidos separados uns dos outros. Romper esta unidade leva o homem para mais longe do conhecimento de Deus. A base da epistemologia ortodoxa é a iluminação e a revelação de Deus no interior do coração purificado do homem.
Como vimos, o conhecimento de Deus está além do conhecimento humano. A visão da luz incriada ultrapassa toda a atividade epistemológica e está "além da visão e do conhecimento" (2,3,50). Uma vez que a visão da luz incriada é oferecida aos corações dos fiéis e perfeitos, é por isso que "é superior à luz do conhecimento" (2,3,18; CWS p.63). E não só é superior à luz do conhecimento humano "dos estudos helênicos", mas também a luz desta theoria difere da "luz que vem das Sagradas Escrituras", pois a luz das Escrituras pode ser comparada a "uma lâmpada que brilha num lugar obscuro, enquanto a visão da luz incriada se assemelha à estrela da manhã que brilha no dia, isto é, o sol "(2,3,18; CWS p.63). A graça da deificação transcende assim a natureza, a virtude e o conhecimento humano (3, 1, 27).
A visão da luz incriada e o conhecimento que dela advém não são um desdobramento do poder racional, não são a perfeição da natureza racional, como afirmou Barlaam, mas são superiores à razão. Trata-se do conhecimento concedido por Deus aos puros de coração. Qualquer um que afirma que o dom deificação é um desenvolvimento da natureza racional se coloca em oposição ao Evangelho de Cristo. Se a contemplação fosse um dom natural, então todas as pessoas deveriam ser deuses, umas mais e outras menos. Mas "os santos deificados transcendem a natureza", eles são engendrados por Deus, Deus lhes deu poder para se tornarem "filhos de Deus" (3, 30, CWS p.85).
A visão da luz incriada, que oferece o conhecimento de Deus ao homem, é sensorial e suprasensorial. Os olhos do corpo são remodelados, assim vêem a luz incriada, "esta luz misteriosa, inacessível, imaterial, incriada, deificante, eterna", este "esplendor da Natureza Divina, glória da divindade, beleza do reino celestial" (3, 1, 22, CWS p.80). Palamas pergunta: "Você vê que a luz é inacessível aos sentidos que não estão transformados pelo Espírito?" (2, 3, 22). São Máximo, cujo ensino é citado por São Gregório, diz que os Apóstolos viram a Luz incriada "por uma transformação da atividade de seus sentidos, produzida neles pelo Espírito" (2.3.22).
A visão da Luz incriada e o conhecimento que dela advém transcendem não só a natureza e o conhecimento humano, mas também a virtude. A virtude e a imitação de Deus nos prepara para a união divina, mas a própria união misteriosa é efetuada pela graça (3,1,27, CWS p.83).
Assim, a deificação, que é o objetivo da vida espiritual, é uma manifestação de Deus no coração puro do homem. Esta visão da Luz incriada é o que cria deleite espiritual na alma. Pois, de acordo com São Gregório, a evidência dessa luz é que a alma deixa de entregar-se a prazeres e paixões falsas, e que adquire paz e quietude de pensamentos, descanso e alegria espiritual, desprezo pela glória humana, humildade unida com júbilo secreto, ódio ao mundo, amor às coisas celestiais, ou melhor, amor ao Deus do Céu apenas, e visão de luz incriada, mesmo que os olhos sejam cobertos ou arrancados (3,1,36;CWS p. 90).
Pelo que foi dito é claro que o fim da cura do homem é a visão da luz incriada. Mas, uma vez que neste capítulo estamos falando sobre theoria, podemos também olhar para Palamas ensinando que há muitos graus de theoria. Ele diz que a theoria tem um início, e as coisas que seguem a partir deste início diferem em graus de escuridão ou clareza, mas nunca há um fim, pois seu progresso, como o do arrebatamento na revelação, é infinito. A iluminação é uma coisa e a visão contínua da luz é outra, e ainda outra é a visão das coisas nessa luz pela qual até as coisas distantes são acessíveis aos olhos, e o futuro é mostrado como já ocorrido (2,3,35; CWS P.65). Portanto, há graus de theoria e, com ele, graus de conhecimento.
Neste ponto, podemos também observar o ensino de São Pedro de Damasco sobre os oito estágios da theoria (Philokalia 3,108). Os sete primeiros pertencem a esta era, enquanto o oitavo pertence à era por vir. A primeira theoria é o conhecimento das provações e tribulações desta vida. A segunda é "conhecimento de nossas próprias falhas e da generosidade de Deus". A terceira é o conhecimento das coisas terríveis antes e depois da morte. A quarta é a profunda compreensão da vida liderada por nosso Senhor Jesus neste mundo e de Seus discípulos e os outros santos, ou seja, as palavras e ações dos mártires e dos santos Padres. A quinta é conhecimento da natureza e fluxo das coisas. A sexta é a theoria de seres criados, ou conhecimento e compreensão da criação visível de Deus. A sétima é a compreensão da criação espiritual de Deus, isto é, dos anjos. A oitava é conhecimento acerca de Deus, ou o que chamamos de "teologia".
Consequentemente, a theoria tem muitos estágios e graus, e muitos devem vir antes da visão da luz incriada, que é "a beleza da era por vir", "o alimento dos céus". Entre os graus da theoria estão a lembrança da morte, que é um presente de Deus, a oração incessante, a inspiração para manter plenamente os mandamentos de Cristo, o conhecimento da nossa pobreza espiritual, isto é, a compreensão de nossos pecados e paixões e o arrependimento que segue. Tudo isso ocorre através da operação da graça divina. Certamente, a theoria perfeita é a visão da luz incriada, que em si mesma é diferenciada em visão e visão contínua, como diz Palamas (3,1,30).
Assim, a purificação que acontece pela graça de Deus cria as pré-condições necessárias para alcançar a theoria que é a comunhão com Deus, a deificação do homem e o conhecimento de Deus. O método ascético da Igreja conduz a este ponto. Não se baseia em critérios humanos e não visa tornar a pessoa "legal e boa", mas curá-la perfeitamente e para que alcance a comunhão com Deus. Enquanto um homem está longe da comunhão e união com Deus, ele ainda não alcançou sua salvação. A pessoa espiritualmente treinada que vê a luz incriada, na linguagem dos Padres, diz-se que foi "deificada". Esta expressão é usada por São Dionísios, a Areopagita, São João de Damasco e, repetidamente, como vimos, por São Gregório Palamas (3,1,30; CWS p.85f).
A cura da alma, do nous e do nosso coração conduz à visão de Deus e faz com que conheçamos a vida divina. Este conhecimento é a salvação do homem.
Devemos orar fervorosamente para que Deus nos conceda alcançar esse conhecimento de Deus. A exortação é clara:
"Vem, vamos subir o monte do Senhor,
até a casa de nosso Deus,
e vejamos a glória da Sua transfiguração,
glória do unigênito do Pai.
Deixe-nos receber luz de Sua luz,
e com espíritos elevados
Deixe-nos para sempre cantar louvores a Trindade consubstancial ".
Aqui nos levantamos e cantamos:
"Te transfigurastes no monte, ó Cristo, nosso Deus, mostrando a tua glória aos teus discípulos, na medida em que puderam suportá-la. Pelas intercessões da Mãe de Deus, faz a tua luz eterna também brilhar sobre nós, pecadores, ó Doador da luz, glória a Ti. "
(Festa da Transfiguração, Festal Menaion p.475-477)
do livro Orthodox Psychotherapy pelo Metropolita Hierotheos de Nafpaktos.
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