domingo, 20 de novembro de 2016

As diferenças entre o pensamento religioso do Oriente e do Ocidente (Arquimandrita Rafael [Karelin])

O poeta inglês Kipling começou seu poema com as palavras: "Oh, o Ocidente é o Ocidente e o Oriente é o Oriente, e eles nunca se moverão de seus lugares, até que o céu e a terra apareçam no Juízo Final de Deus". Aqui por Oriente e Ocidente não devemos entender as partes do mundo, que são divididas geograficamente pelas Montanhas dos Urais e do Cáucaso. Em vez disso, pelo Oriente deve-se entender a extensa região, que foi ocupada pela parte oriental do Império Romano, e depois por Bizâncio e os países do Oriente Próximo (aqui é possível incluir o Egito e a Etiópia), e pelo Ocidente entende-se as potências da Europa Ocidental e, em geral, todos os países de cultura da Europa Ocidental.

Os Santos Padres disseram metaforicamente: "A luz começou a brilhar do Oriente"; o Oriente representava simbolicamente o Paraíso, o Éden, um país de eterna Luz Divina. O Ocidente é jovem em um sentido cultural-histórico. O Ocidente é jovem. O Oriente é velho. O Ocidente é ativo. O Oriente é contemplativo. O Ocidente estão as emoções, tudo em movimento, tudo muito dinâmico.


No entanto, o Oriente é profundo em si mesmo; parece que não quer remover de sua vista os tesouros que possui. O Ocidente é impulsivo, está em busca, é ousado. O Oriente mantém o que tem. O Ocidente devaneia e fantasia. O Oriente procura por toda parte as idéias eternas sob o que está visivelmente coberto. O Ocidente veste seus santos com roupas brancas, coroam suas cabeças com grinaldas de rosas, mas o Oriente vê a santidade igualmente tanto debaixo de trapos quanto debaixo de ouro. Não santifica os trapos dos pobres, nem a simples vestes do monge, nem as vestes ricas dos czares - é como se não vissem o que é externo.

O Ocidente envia regimentos de cruzados para libertar o túmulo de Cristo. O Oriente envia monges aos desertos do Egito e para as moradias do Monte Athos. O Ocidente põe à mostra a espada contra os inimigos da fé. O Oriente fornece guerreiros espirituais para o combate invisível com os demônios. O Ocidente, para suprimir o mal, cria instituições como a Inquisição, e o Oriente - grandes sistemas filosóficos.

O pico da teologia ocidental é o abençoado Agostinho, um poeta e pensador brilhante; mas ele é completamente orientado para o psicológico. Os teólogos Orientais: Santo Gregório, o Teólogo, Basílio, o Grande, Gregório de Nissa - são místicos. Agostinho, em sua escola mostrou brilhantemente o homem em sua queda e agonia em sua busca, e os teólogos orientais mostraram o homem em sua transfiguração. O Ocidente, pela boca de seus santos, cantaram um hino majestoso a Deus; o Oriente, num silêncio místico, contemplava Deus. O Ocidente buscava nos céus azuis, e o Oriente procurava encontrar Deus nas profundezas do coração. 



Os ascetas ocidentais tentaram imitar Cristo externamente; os orientais consideraram que há apenas uma maneira de imitar Cristo - adquirindo a graça do Espírito Santo: o homem, tendo adquirido o Espírito Santo, apenas pela graça, invisivelmente, torna-se comparável a Cristo. Os ascetas ocidentais com canções em seus lábios foram para o Gólgota; Os orientais fizeram da vida um Gólgota, invisível para o mundo.

Alguns dos ascetas ocidentais imaginaram Cristo de forma tão vívida que eles identificaram-se com Ele; em suas mãos e solas de seus pés apareceram feridas, das quais corriam sangue. Os estigmas eram reverenciados pelos católicos como um sinal de santidade. Mas os santos ascetas do Oriente tentavam enxergar apenas uma coisa - o mar de seus pecados e consideravam um orgulho terrível comparar-se a Cristo.

O Ocidente se assemelhava ao jovem soldado que mostrava sua espada, o Oriente - o velho, esbranquiçados como seus cabelos grisalhos de sabedoria. O Ocidente queria trazer o Reino do Céu para a terra, para construir um paraíso na terra por meios terrestres. O Oriente sempre pagou tributo - a César o que é de César - e preparou o caminho para o Reino dos Céus no coração do homem, não a passagem para o Reino terrestre, mas para o Reino eterno.

Para o Ocidente a batalha com o mal estava a terra, esta vida temporária com todos os seus eventos e problemas, enquanto que para o Oriente estava no coração humano, que via como sendo mais profundo do que todo o mundo visível.

O Ocidente é ativo, mas toda sua atividade está voltada ao exterior. O Oriente voltou-se a dinâmica do espírito em si mesmo. A civilização ocidental é como uma onda larga de luz, mas luz dispersa, luz que é refratada através de prismas terrestres de cores diferentes. Mas o Oriente é a concentração de luz em um ponto, e isso porque esta luz tem uma qualidade especial (energia, força) para ser convertida em uma chama. O Ocidente amou a terra, e no céu ele via o terreno (terra). O Oriente amou o céu e no terreno (terra) ele viu os símbolos do céu; no temporal ele buscou os sinais do eterno.

Já o terceiro bispo de Roma - São Clemente, sucessor do santo apóstolo Pedro, comparou a Igreja com o exército e chamou os cristãos a uma disciplina rigorosa, para que este exército fosse vitorioso. Mas no Oriente, os Padres disseram: "Conquiste a si mesmo  - esta é a mais elevada de todas as vitórias". O ensinamento ascético dos Padres Orientais é uma estratégia dessa luta espiritual - luta com os demônios, com as próprias paixões. Para que o exército seja vitorioso, é necessário ter um controle centralizado, é necessário uma autoridade forte e uma subordinação incondicional, por isso o Ocidente criou a estrutura da Igreja, semelhante a uma monarquia. Para a luta com o velho inimigo da humanidade, o Oriente procurou outra força - a força da humildade, na qual o verdadeiro poder do espírito se manifesta.

O Ocidente está orientado ao poder externo: por meios externos criou várias organizações, afetou a influência na cultura, em todos os lugares procurou aliados - no mundo das artes, na literatura, na política, na sociedade. Mas o Oriente disse: "O verdadeiro bem só pode ser criado com a graça de Deus" e, portanto, sempre rejeitou aliados questionáveis; exteriormente parecia mais pobre, mais impotente, mais fraco do que o Ocidente; Contudo, não procurou força nem o poder do mundo, mas buscou por Cristo, que conquistou este mundo.

O ascetismo do Ocidente enche as almas dos ascetas com entusiasmo e com admiração, o ascetismo do Oriente - com arrependimento. O Ocidente, na beleza do mundo, deseja contemplar a beleza de Deus. Para o Oriente, Deus é Indizível, Incognoscível e Inexpressível. Deus, para o Oriente, não é como qualquer um ou qualquer coisa de Sua criação - Ele é um segredo eterno. O asceta ocidental quer abraçar a Deus, e o Oriente pede apenas por uma coisa - o perdão dos pecados; procurando em oração por qualquer tipo de estados exaltados - isso para ele já é um esforço pecaminoso.

O asceta ocidental vê a luz, que desce sobre ele do exterior (esta é a visão de Francisco de Assis e de outros), e o Oriente vê a Luz, que ilumina o seu coração a partir do interior; e como tal, ele treme, perante a benevolência de Deus, sentindo-se indigno Dele.

Os ascetas ocidentais, demonstrando (!) arrependimento, andavam em cidades em grupos, sociedades inteiras, chamadas de "arrependidos (penitentes)"; em ruas e praças, eles tiravam a roupa e, na presença de uma enorme multidão, açoitavam-se com cordas e cintos até sangrarem, e a multidão extática os glorificava como grandes santos de Deus, heróis da fé. O Oriente - no silêncio dos desertos oferecia arrependimento, invisível para o mundo; certa vez, um dos grandes Padres egípcios suspirou alto na igreja durante as orações, mas imediatamente ele se repreendeu e, depois de se virar para os monges vizinhos, disse: "Perdoe-me, irmãos, ainda não sou um monge" - porque o arrependimento, como todas as virtudes, deve ser secreto.

Para o Ocidente a coisa principal são as obras (ações). As obras, para ele, são de valor: assim, a boa ação e também o pecado possuem uma estrutura clara especifica e um valor. Para o Oriente a coisa principal é o estado espiritual, e as obras são apenas sua manifestação. Portanto, para o Oriente, até mesmo uma pequena ação pode ser grandiosa, se procede de um coração puro; e um grande podvig (esforço espiritual) é insignificante, se não é dedicado a Deus ou feito por meios indignos. A moral dos ascetas ocidentais baseia-se no "princípio da quantidade": naquele que, externamente, fez mais boas ações; a moral do Oriente se baseia na pureza do coração, conhecida apenas pelo Deus Único.

O Ocidente tentou realizar a ideia do Reino de Deus na terra, mas com os métodos de governo: incentivos, sanções, intrigas e similares, transferidos para a Igreja, profanando a sua própria finalidade. "O fim justifica os meios" - este lema não-escrito jesuíta com grande clareza e certeza expressa a disposição daqueles que estão verdadeiramente prontos para construir um "paraíso terrestre" por qualquer meio, a qualquer preço. No entanto, a Igreja Oriental ensinou: um propósito puro, métodos puros, uma exposição pura, assim foi formulado por São Dionísio.

O Ocidente diz: "Ame e faça obras de auto-sacrifício" e o Oriente, em primeiro lugar, purifica o coração com o temor de Deus na luta contra as paixões, para a aquisição da graça do Espírito Santo. No Oriente há apenas uma regra monástica, uma ideia: o monge renuncia o mundo e torna-se uma pessoa que reza por ele; o monge é como uma estrela que eleva-se da terra aos céus - ele está longe de todos e brilha por todos.

Os monges ocidentais servem as pessoas e a sociedade. Durante muitos anos, os hospitalários cuidaram dos viajantes e os monges da ordem de Francisco, "franciscanos", educaram as crianças. Os jesuítas estavam envolvidos na política, na instrução de jovens e em obras semelhantes.


Uma vez, alguns monges católicos foram perguntados se eles liam literatura ascética. Eles ficaram surpresos e responderam que tais livros eram usados apenas por professores de história e que seu dever era obedecer ao padre superior. O estudo da Oração de Jesus e da contemplação espiritual, no Ocidente, é quase inexistente. A Cultura, a ciência, a sociedade em si estão em constante mudança; é por isso que a face do cristianismo ocidental está em constante mudança: onde os princípios do modernismo, onde os ensinamentos eclesiásticos sobre a evolução são aceitos, novos dogmas nascem e novas revelações são esperadas.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Livros, textos e vídeos sobre o Cristianismo Ortodoxo




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INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO ORTODOXO
(todos os livros em formato digital e podem ser encontrados aqui)

1) Bispo Kallistos Ware – A Igreja Ortodoxa

2) Bispo Kallistos Ware – O Caminho Ortodoxo

3) Tito Colliander - Caminho dos Ascetas

4) São Serafim de Sarov - Vida e Instruções

5) Relatos de um Peregrino Russo

6) A Arte da Prece - Compilado por Hegúmeno Chariton

7) Pe. M. Pomazansky - Teologia Dogmática Ortodoxa

8) Vladimir Lossky - Ensaios sobre a Teologia Mística da Igreja do Oriente

9) Pe. Georges Florovsky - Criação e Redenção

10) Metropolita Hierotheos Vlachos - Psicoterapia Ortodoxa

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Caso prefira adquirir livros impressos (físicos):

Pe Serafim Rose - Revelação de Deus ao Coração Humano (Editora Theotokos)
São Serafim de Sarov - Uma Maravilhosa Revelação (Editora Theotokos)
Metropolita Hilarion Alfeyev - O Mistério da Fé (Editora Vozes)
São Filareto de Moscou - Catequese Ortodoxa (Editora Casa Sophia)
Pe. Thomas Hopko – A Fé Ortodoxa (Editora Kelps)
Pe. Michel Najim - Compreendendo a Liturgia Ortodoxa (Editora Kelps)
Relatos de um Peregrino Russo (Editora Vozes)
Pequena Filocalia (Editora Paulinas)
Pe. James Bernstein - Surpreendido por Cristo (Editora São Savas)

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Material em inglês:



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Atualizado em 26/10/2021

A insuficiência dos conhecimentos científicos na vida espiritual, segundo Ancião Sofrônio

Para as pessoas espirituais que esforçam-se para adquirir e conservar o conhecimento de Deus, compreendido como a entrada na energia da eternidade divina, a aprendizagem intelectual-científica é insuficiente, não importa o quanto aparentemente irrefutável e empírico seja seu caráter. A ciência humana fornece os meios para expressar a experiência do conhecimento existencial, mas é incapaz de transmitir esse conhecimento de maneira autêntica, sem a co-ação da graça. Se assim não fosse, então nossas 'ascensões' para as esferas da existência Divina - da Verdade - dependeria da educação secular e da capacidade intelectual, o que não é o caso. Neste ponto, torna-se claro o que o Ancião Sofrônio está em acordo com o pensamento Ortodoxo Patrístico atual, que rejeita a possibilidade que o Ser Divino seja compreendido através de categorias de lógica.

O Ancião, no entanto, aceita a possibilidade de detectar o caráter inconcebível da divindade através do processo natural da reflexão filosófica. O intelecto, assim, alcança o estado onde ele caí 'no silêncio'. Isso, no entanto, é muito inferior ao conhecimento verdadeiro de Deus. Esse processo pode ser encontrado nos livros ascéticos dos místicos católicos romanos. Apesar de não subestimar ou rejeitar de antemão, o Ancião Sofrônio não classifica-o entre os mais altos graus do Espírito, onde o intelecto não é silencioso, mas é preenchido com a iluminação das Energias Divinas e participa na vida de Deus. O 'silêncio do intelecto', que é encontrado como 'escuridão' e 'noite', demonstra que o intelecto pode ter uma contemplação autêntica, mas nunca se estiver separado do coração, que é o centro da pessoa humana.

Quanto ao envolvimento da ciência sobre conhecimento existencial de Deus, a visão do Ancião sobre o uso da psicanálise como uma interpretação de experiências a partir de cima é incisiva. A psicanálise científica tenta persuadir-nos a não dar crédito às nossas experiências. Mas quando estamos falando de uma manifestação pessoal de Deus a uma pessoa, onde não pode haver qualquer dúvida sobre a manifestação, porque Ele é o Verdadeiro Princípio de tudo aquilo que existe, então qualquer tentativa de psicanálise é equivocada, uma vez que, quando Deus age, a ciência é inútil. A psicanálise coloca a relação empírica entre as pessoas e Deus no nível da imaginação. Isto simplesmente não é verdade, devido ao fato de que conhecimento empírico de Deus, que é chamado de "contemplação" no pensamento patrístico, vai muito além das possibilidades da imaginação humana.  

O Ancião chega à mesma conclusão quando ele lida com o temor Divino. O temor de Deus como consequência da iluminação espiritual não tem nada em comum com o instinto animal correspondente. Portanto, a sua natureza está além do domínio da psicologia.

Os trechos são de livro Nikolaos Koios 'Θεολογία και Εμπειρία κατά τον Γέροντα Σωφρόνιο, H.G.M. de Vatopaidi, a Montanha Santa, 2007.


sexta-feira, 10 de junho de 2016

A Luz nas Trevas: Origem e Natureza do Paganismo (Sergei Bulgakov)

A queda foi a suprema catástrofe religiosa. A comunhão direta e imediata com Deus, que era a parcela dos primogênitos no paraíso, foi quebrada. Deus se tornou distante tanto para o mundo como para a humanidade (transcendente) e a humanidade foi deixada sozinha - como seu próprio senhor: "vocês serão como deuses." Incipit religio.  Este início da religião está conectado com a pecaminosa deficiência da consciência de Deus em uma humanidade doente e decaída. Embora os primogênitos, ao experimentarem a comunhão com Deus no paraíso, conhecessem o imenso abismo que separa o Criador da criação, o subterrâneo não foi revelado nessa consciência. Eles trataram o Criador como filhos amados e queridos, com uma confiança límpida de qualquer coisa e com intimidade. O sentimento agudo e doloroso de criaturidade, a ofensa e inveja foram despertados por Satanás, que convocou neles a rebelião do subterrâneo, o levante da criação contra seu próprio fundamento. Entre Deus e a humanidade naquele tempo estava a escuridão da criaturidade subterrânea. O esforço da humanidade para romper esta escuridão em direção à luz do conhecimento de Deus é expressa na religião. A luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam. No paraíso, a humanidade não sentia nenhuma distância entre Deus e ela mesma, e assim não conhecia nenhuma sede de unir-se a Ele. Mas o pathos da religião é o pathos da distância, e seu grito é o grito de abandono por Deus. "Eli, Eli lama sabachthani - meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?" - esta é sua expressão final. No paraíso, se houvesse mesmo religião, ela era qualitativamente diferente daquela que nos é familiar, pois não havia nela nenhuma busca, nenhum esforço, nem suor. No paraíso não havia templo ou altar, pois todo o paraíso era um templo. Correspondendo a isto, na "nova Jerusalém que virá do céu, não haverá templo, mas o próprio Deus estará lá, porque o Senhor Deus Todo-Poderoso é o seu templo e o Cordeiro" (Ap 21.22; : 3).

Com a expulsão do paraíso cessou a alegria da comunhão imediata com Deus. "As vestes de couro" tornavam o brilho da Divindade imperceptível para os humanos; a escuridão engrossava a natureza humana. Eles estavam cientes de estar no mundo, enquanto Deus havia se tornado transcendente, deixando este "mundo", a terra da expulsão, à sua disposição. Em virtude de sua própria inércia e peso, o mundo aparentemente se afasta de Deus, sofre uma "involução", se retira em si mesmo e, gradualmente, os raios do conhecimento paradisíaco de Deus se apagam e as canções do paraíso desaparecem. Parecia que Lúcifer tinha razão em comemorar, porque seu propósito - tornar-se o príncipe do mundo, um anti-deus, possuir a criação de Deus - foi evidentemente realizado. A remoção da Divindade do mundo, sua transcendência além dos limites familiares, torna-se equivalente à sua negação prática; o sentimento da separação dos seres humanos de Deus os leva a divinizar o cosmos. A religião, que expressa a tensão mútua de ambos os pólos - é o que restava aos seres humanos do conhecimento paradisíaco de Deus, como lembrança e esperança. E o tentador teve de extingui-la para dominar plenamente a humanidade, imergindo-a nos elementos de contentamento com o mundo. Mas o invejoso amante de si mesmo não conseguiu compreender a incomensurabilidade do amor - da humildade divina, do rebaixamento de Deus por amor à criatura, pois não sabia valorizar a gratidão do espírito humano em que a imagem de Deus brilha com beleza imortal. E Deus não deixou sua criação vítima do êxtase solipsista, mas veio para a salvação da humanidade - através da religião. A revelação religiosa começou. E a terra ficou atenta, ouvindo o chamado do céu; a humanidade sentiu a pátria celestial interiormente. Satanás estava envergonhado, pois nunca conseguiu esvaziar o ser humano até a vileza completa da irreligiosidade e ateísmo, e até mesmo os "tempos modernos", os mais ímpios e pesados ​​na "involução", não conseguiram esse suicídio espiritual. 

No processo religioso, que constitui a essência da história do mundo, é uma questão de salvação do mundo, a recuperação de Deus pela humanidade (das profundezas clamei a Ti, Senhor), mas também da salvação do mundo. Mas o último só pode ser realizado por Deus; com seu próprio poder, a humanidade não pode ser libertada do mundo, pois é ela mesma o mundo. Portanto, na religião, pode-se distinguir duas tarefas: a revelação divina e a operação divina. A primeira tarefa esgota por si só o conteúdo positivo do "paganismo" (entendendo por isto as religiões "naturais", isto é, todas menos o judaísmo-cristianismo), e ambas as tarefas simultaneamente são resolvidas na religião revelada do Antigo e do Novo Testamento.


      Banido do paraíso, o ser humano procura a Deus, pois "não está longe de cada um de nós". Tal busca é o paganismo, que contém ou pelo menos pode conter um conhecimento positivo de Deus, algo revelado a seu respeito. A sede de um encontro com Deus no paganismo arde ainda mais fortemente do que na religião revelada; a busca é mais ardente, mais frenética, mais agonizante. Não é por nada que a névoa de tristeza, desespero e falta de recompensa se situa acima do Olimpo límpido, e assim o paganismo cede facilmente ao frenesi orgiástico. O aparente "imanentismo" ou panteísmo - divinização das forças da natureza, dos animais e do ser humano - não deve enganar aqui, ao instilar a noção de algum tipo de contentamento e equilíbrio do mundo. A religião revelada não podia conhecer tal horror do abandono do Deus como o paganismo experimentou em contorções convulsivas, exatamente nos momentos de suas ascensões religiosas. O esforço da humanidade para romper até Deus foi mais intenso aqui e, acima de tudo, mais desesperado do que no judaísmo-cristianismo onde a escada de Jacob foi erguida. Não é por acaso que foi revelado na plenitude dos tempos que os pagãos se mostraram mais prontos a receber a Cristo do que os judeus, porque eles tinham sede e esperavam-no mais intensamente: o filho pródigo tinha ficado nostálgico e abatido há muito tempo. O paganismo em sua essência mais profunda é acima de tudo essa melancolia do banimento, um grito para o céu: ah, venha! Por isso, a concentração trágica e a maior seriedade são próprias dele. Mas, de uma maneira fatídica, seu pathos religioso é transformado em substituto religioso, em toda forma de idolatria, apesar de sua própria aspiração interior. Nenhuma das religiões sérias pode se contentar com a idolatria, isto é, com aplicação de poderes divinos e da natureza em ídolos. Em todos esses objetos de adoração, o pagão só vê ícones vivos da Divindade; para ele o mundo inteiro é preenchido pelo poder divino: panta plērē theōn. E os próprios deuses eram como raios separados e estilhaçados, multidões de hipóstases da Divindade transcendente. Em geral, o politeísmo no paganismo não é evidência da falta de um desejo de ser elevado até a Divindade que permanece transcendente, mas sim da impotência para fazer isso, e é um símbolo da transcendência e da inexpressibilidade da Divindade. Como resultado de sua falta de face, uma multiplicidade involuntária de faces é obtida. O politeísmo puro é meramente a degeneração do paganismo, e até certo ponto sua perversão. Dito de maneira diferente, tanto na autoconsciência religiosa do paganismo quanto na sua piedade, o NÃO da teologia negativa é vitalmente sentido, constituindo-lhe o fundo religioso geral e lhe dando um aroma, profundidade e sublimidade definidos.

 Se é impossível considerar o paganismo ao longo de toda sua existência como uma mentira desvelada e demonolatria, então como se deve definir suas verdades, ou a natureza de suas revelações originais? Pode-se dizer esquematicamente que no paganismo o transcendente é revelado apenas no - e através do - imamente (theocosmismo), enquanto que na Revelação o transcendente desce ao humano: no primeiro caso, uma brecha através da espessa crosta da natureza; no segundo, a descida da Divindade, o seu encontro com a humanidade. No paganismo, a humanidade é deixada ao seus próprios poderes - há uma busca por Deus por meio da "contemplação da criação," o invisível através do visível. Mesmo a queda só pôde escurecer, mas não paralisar a revelação de Deus no mundo. A humanidade, possuindo realmente a imagem de Deus, tem, assim, em si mesma, um órgão de cognição divina em sua profunda auto-cognição: por isso gnōthi seauton [conhecer a si mesmo] também significa gnōthi theon [conhecer deus]. E toda a natureza tem a mesma imagem, na medida em que é humanidade; toda a criação em sua sofianicidade está repleta de revelações da Divindade. Estas luzes sofianicasjuntamente com a imagem de Deus no ser humano, compreendem a base objetiva do conhecimento pagão de Deus.

 Esforçando-se em direção à luz da Divindade que percorre o universo, o pagão quer romper além dos limites do mundo, para realizar um transcensus religioso. Devido a deste esforço, uma vida religiosa ramificada e intensa é desenvolvida, o dogma é fixado, o culto surge e todas as suas características substanciais: tempos e lugares sagrados, imagens, cultos divinos, rituais, sacrifícios e mistérios. A sede por mistério, pelo encontro com a Divindade, por uma união, que é evidenciada pela seriedade e intensidade das buscas religiosas, naturalmente, é bastante apropriada também para as religiões pagãs. Não há qualquer dúvida de que esses mistérios não permaneceram somente em um simbolismo exterior, mas havia uma certa ação mística, experimentada religiosamente - fora deste pressuposto toda a história da religião se transforma num absurdo ou paradoxo. A "iniciação" nos mistérios, de acordo com as poucas evidências que chegaram até nós, era acompanhada por tais experiências que separavam os humanos de seu passado com um novo limite, o significado dessas experiências e o terror sagrado inspirado por elas é atestada pela severa disciplina do arcani que as envolviam com um sigilo impenetrável.

Mas no que eles participavam e no que eram iniciados nos mistérios? Que tipo de "graça" era comunicada aos iniciados? É muito mais fácil para dar resposta negativa do que uma positiva: não era, é claro, uma verdadeira participação do Corpo e Sangue de Cristo para a remissão dos pecados, pois esta participação absoluta não existe fora da Igreja de Cristo, da encarnação divina e do Gólgota. No entanto, os participantes nos mistérios recebiam alguma coisa - uma espécie de graça natural, mas é difícil expressar o que seria em categorias do pensamento religioso Cristão, e não estamos estabelecendo esta tarefa para nós mesmos. Mas acreditamos que a graça de Deus é multiforme; "Deus não dá o Espírito por medida." A partir do fato indiscutível de que os mistérios pagãos tinham um caráter natural, ainda é impossível concluir que eles eram apenas um excesso orgástico natural. Se se admite que uma certa objetividade do conhecimento de Deus era inerente ao paganismo, em seguida, deve-se reconhecer isto com toda seriedade e até o fim, isto é, acima de tudo quando aplicado precisamente ao culto religioso, o culto divino, os sacrifícios e os mistérios. Mas, obviamente, a sua eficácia permanecia limitada de forma fatídica; não fornecia o renascimento, apenas prometia. A divindade permanecia transcendente de qualquer maneira, e a graça operava como se do exterior (semelhante à forma como ela operou na jumenta de Balaão). Graças a um entusiasmo forçado, como um roubo de graça, a possessão mística e seus excessos, a condição de intoxicação religiosa a qual aspiravam por vários meios surgiu tão facilmente no paganismo. Por esta razão a "sobriedade" Cristã não é, em geral, característica do paganismo, mesmo uma simples sobriedade religiosa que pode, naturalmente, ser combinada com uma elevada inspiração religiosa.


Se se reconhece a autenticidade religiosa do paganismo, então, deve-se também aceitar que ali um processo religioso positivo estava ocorrendo, uma "plenitude dos tempos" histórico estava amadurecendo, ou, dizendo de outra forma, o Cristianismo estava preparado não só no Judaísmo, mas também no paganismo. Nele o Cristianismo tem seu próprio aspecto natural, ao que parece, que se veria mais cedo ou mais tarde (até agora, no entanto, isto aconteceu em uma medida totalmente inadequada). A diferença fundamental entre Revelação e paganismo, naquilo que refere-se a cognição de Deus, está na pureza e na qualidade imaculada, que é adequada apenas a revelação. O paganismo não conhece Deus face a face, mas apenas seu ícone natural, embora mesmo este ícone é milagroso e vivificante dentro de limites razoáveis de piedade pagã. Como parte do pan-organismo sofianico do cosmos, a humanidade é o raio "noético" de Sofia, e possui uma natureza definida; a sua ideia é o prisma através do qual o mundo é refratado. Conectado com isto está a concretude e a limitação desta percepção do mundo. Na Sofia divina não há necessidade de limite, pois tudo existe em tudo, mas no mundo escravizado pelo pecado, esta concretude está sempre com a presença da unilateralidade. Por esta razão, cada revelação religiosa no paganismo é sempre uma refração da verdade religiosa através de um prisma definido; seu raio passa através do vidro manchado de maneira familiar. A partir disto surge a pluralidade inescapável de religiões pagãs, e também o seu caráter nacional, essencialmente inerente e conduzindo-as para próximo de uma linguagem nacional, folclore, e várias formas de criatividade nacional (o fato do sincretismo religioso, como um fenômeno tardio, decadente e derivado disso não contradiz isso). Paganismo, como a religião dos povos, carrega em si o selo da torre de babel e a confusão das línguas, onde foi expresso um estranhamento recíproco interior no espírito da humanidade.  Cada povo, correspondendo ao seu próprio aspecto inteligível, refrata ao seu modo a centelha do Pleroma divino, e deixado ao seus próprios poderes, molda-se sua própria religião e piedade. Somente o Cristianismo, como verdade incondicional, revelado a humanidade pelo próprio Verbo encarnado, é livre de nacionalidade e nisto é ontologicamente diferente do paganismo. 
Em consonância com a sua natureza, o paganismo sofre de psicologismo, e precisamente tal característica faz com que seja inevitavelmente plural. Não se trata daquele psicologismo normal, que está conectado com a individualidade que coloca seu selo sobre o caráter geral da percepção do mundo. Aqui ele penetra nas profundezas e se torna base da cognição religiosa. O psicologismo, quando se torna mais profundo desta maneira, torna-se cosmismo, e toma o ser humano um ser microcósmico. No entanto, permanece sempre submerso de forma decisiva em sua própria subjetividade precisamente quando deveria elevar-se acima do mundo e de si mesmo - o ato, transcendente em propósito e significado, permanece encerrado na imanência.  Pois o imanentismo na religião, que o paganismo está condenado a permanecer, é precisamente o psicologismo, involuntário e inescapável subjetivismo. Mas, tendo sido aprofundado até o cosmismo, o psicologismo não é definitivamente encerrado; os raios da verdade objetiva podem rompe-lo e são translúcidos através dele. Toda religião séria possui um certo grau de verdade, e contém alguns dos seus aspectos. Mas juntamente com a veracidade, a falsidade também lhe é própria, a distorção deste aspecto. A dualidade penetra na própria consciência do paganismo e dá-lhe um elemento inerentemente trágico, que flui do conhecimento de sua inconclusividade e relatividade. Os iniciados nos mistérios vieram a saber que os deuses do Olímpo não eram eternos (Schelling); assim também os alemães passaram a ver claramente o "crepúsculo dos deuses" e a conflagração do Valhalla. Somente o Cristianismo, que pode continuar a ser desenvolvido em sua revelação - mas nunca passível abolição - é livre desta fratura trágica. 


Esse psicologismo religioso condena as religiões pagãs à degeneração através da imersão no naturalismo e no excesso orgiástico. Um pagão místico sensível compreende, a partir do coro polifônico dos espíritos naturais, dos batimentos do coração do mundo, o esforço da criatura para exceder seu estado dado, para sair de si e ser infectada com esse frenesi, o êxtase da natureza. Ele nem sempre resistiu essa pressão mística: ao se render ao excesso natural orgiástico, caiu sob o feitiço dos espíritos da natureza. Enfeitiçado por eles, perdeu a capacidade de distinguir o êxtase natural do religioso, excesso orgiástico da inspiração, e então se tornou "pagão" no mau sentido da palavra. O paganismo em certa medida é este tipo de possessão, e o apóstolo Paulo advertiu os coríntios contra esta "escravidão aos elementos vazios e vãos do mundo". Há um grande abismo entre o êxtase cristão (como é descrito pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 14) e o excesso orgiástico pagão. Mas, ao mesmo tempo, é necessário enfatizar que na fenomenologia do culto religioso, no ritual do culto divino, nos sacrifícios, na oferta de incenso, nas vestimentas sagradas, na veneração de santos e heróis, nos lugares sagrados e imagens, em geral tudo o que toca a organização da vida religiosa, o paganismo não está tão longe do cristianismo como se gosta de pensar. Entre algumas pessoas (sobretudo entre os representantes contemporâneos da escola "religioso-histórica" no protestantismo), este quadro é feito de forma muito externa e tendenciosa, e por outros é tendenciosamente dissimulado; um estudo religioso comparado de cultos é uma das tarefas que persistentemente emerge de uma compreensão correta da natureza do processo religioso no paganismo.

Em vista da dualidade trágica que condenou o paganismo à ambiguidade e à degeneração, é compreensível por que tornou-se vítima da possessão demoníaca: o excesso orgiástico é substituído pelo delírio e os espíritos elementais são transformados em demônios. Isso se dá em conjunto com a visão religiosa que chega ao mundo com a encarnação do Verbo. "Grande Pan" morreu, mas simultaneamente um novo, transfigurado Pan nasceu. O antigo naturalismo torna-se impossível, e o paganismo moribundo assume traços cada vez mais sinistros. Os deuses pagãos após Cristo já são demônios para aqueles que passaram a crer Nele; os prefiguramentos e os avisos anteriores perderam seu antigo significado após o cumprimento. Mas os próprios pagãos permanecem até certo ponto inocentes do pecado básico do paganismo, que pesava sobre eles como uma maldição do repúdio divino e o peso da expulsão do paraíso. A piedade pagã, embora conheça Deus no mundo, não é capaz de compreender plenamente as imagens e as figuras através das quais Ele é visto. Enfraquece-se sob o peso do naturalismo, é ensurdecido pelas vozes do mundo, um joguete de seus elementos. Também se enfraquece em seu politeísmo, sendo condenado a criar sempre novos e mais novos deuses, máscaras do "Deus desconhecido". O tema do panteão, que ressoa mais claro no declínio do paganismo, no esforço para recolher ali todos os deuses venerados e não omitir nenhum deus (e é por isso que uma reserva, um altar para o theōi agnōstōi - para o deus ainda desconhecido - era construído), claramente testemunha a perda de fé em deuses separados, e a impossibilidade de sentir-se à vontade no politeísmo, que se transforma em uma má pluralidade ou num mau infinito. Desta forma, toda a grosseira do antropomorfismo que lhe é próprio é desnudado, e assim extrai mais forças numa atmosfera de superstição e decadência. Mas em sua base encontra-se uma idéia profunda; ali está contido a revelação da hipostesidade da Divindade, o panteísmo sem rosto é superado.  

Essa hipostesidade subdivide e multiplica, como se repetisse reflexos de um espelho, e para o exemplo dado, é possível, talvez, concordar com Feuerbach, que a humanidade criou deuses em sua própria imagem portadora de Deus (embora isto não signifique que isso os inventou). Além da revelação sobre a hipostesidade da Divindade, o politeísmo também contém uma revelação da soficianidade da natureza e da humanidade. Sua linguagem é audível para o ouvido atento; sob a crosta da natureza é perceptível o pórfiro divino. O paganismo, graças à sua visão mística, vê "deuses" onde apenas "forças da natureza" mortas são acessíveis à nossa consciência "científica". O mundo, tomado em si mesmo, é uma hierarquia de "deuses", ou uma concórdia em que suas muitas vozes se fundem sonora e harmoniosamente em um único acorde. Com isso se define a profundidade mística e a autenticidade do paganismo, como também a verdade relativa de seu politeísmo. Mas disso também brota a sua mentira, e a repugnância religiosa que os portadores do monoteísmo, os profetas de Israel, sentiram tão ardentemente. Aqui a criatura ofusca Deus e fica entre Deus e a humanidade.

O paganismo como naturalismo religioso foi para sempre abolido pela Cruz, e assim a história do paganismo depois de Cristo é a lenta - mas inevitável - agonia de morte. A melhor evidência disto são as tentativas de sua restauração, começando com os filósofos neoplatônicos ou Juliano o Apóstata que, por muito mais que não quisesse ser simplesmente um pagão, permaneceu, no entanto, apenas um apóstata do cristianismo. Deve-se dizer, ainda mais, o mesmo com respeito à idade da Renascença que, ainda com toda sinceridade em sua atração pela antiguidade em seus aspectos estéticos, filosóficos, científicos e filosóficos, permaneceu espiritualmente estranha a ela, senão hostil. A antiguidade na era cristã em geral não pode ser compreendida interiormente fora do cristianismo, mas somente através dele e por ele, ao passo que os representantes do Renascimento procuravam se libertar do Cristianismo com a sua ajuda - de fato, de todas as religiões. A antiguidade clássica não conhecia o "humanismo" naquele sentido, e é inteiramente inocente dele. Em geral, o paganismo, com exceção de épocas e grupos sociais separados e limitados, se distingue por uma religiosidade intensa que perturba e se assusta aquele que se aproxima. Chamar de pagã a civilização materialista europeia moderna com seu racionalismo "científico" dominante, como às vezes ocorre, é insultar o paganismo. É inferior ao paganismo, e inferior à religião em geral, e ainda precisa aprender muito de antemão para que compreenda a alma do paganismo. 

Mas, fora dessas tentativas de restauração imaginária do paganismo, as religiões não-cristãs existem lado a lado com o cristianismo. Algumas delas se desenvolveram ao lado do cristianismo e em conflito com ele, e assim elas têm, em maior ou menor grau, um caráter hostil ao cristianismo - como o judaísmo talmúdico e o islamismo. Outras desenvolveram-se fora de sua influência visível e eram suficientemente autodeterminantes com respeito a ele, embora seja natural supor que rivalidade e antipatia hostis estejam presentes em suas atitudes em relação ao Cristianismo - Brahmanismo, Budismo, Confucionismo, etc. Como se deve tratar essas religiões, que, se não forem anti-cristãs, são, em todo caso, não-cristãs? É necessário procurar o que é comum em cada uma delas, para que, colocando este elemento comum entre parênteses, possa-se declarar a quintessência da verdade religiosa, como faz o racionalismo reducionista sob várias formas (a teosofia, o tolstoísmo)? Ou, tendo reconhecido o fato da pluralidade de religiões em toda a sua incompreensibilidade para nós, devemos resignar-nos diante do mistério? Toda religião é ciumenta e exclusiva por natureza, e ainda mais impossível é qualquer recuo da verdade absoluta do cristianismo para agradar o não-cristianismo. Pode-se e deve-se respeitar toda oração sincera, e mesmo assim um Cristão não começará a orar com um muçulmano em sua mesquita ou com um brâmane em sua pagoda - tal oração será sentida como blasfêmia imediatamente, sem qualquer discussão. Os limites das crenças não são estabelecidos pela vontade humana e não devem ser transgredidos arbitrariamente. Aqui está o mistério da Providência: a verdade do cristianismo não é revelada a todas as pessoas nesta vida. Alguns tentam lidar com a dificuldade da questão pelas teorias da reencarnação; outros declaram: nulla salus sine ecclesia [fora da Igreja não há salvação], supondo que os limites místicos da Igreja lhes são conhecidos com toda precisão. Mas o fato permanece em toda a sua incompreensibilidade: a pregação do evangelho até hoje não se espalhou por todo o globo, e dezenove séculos depois de Cristo, a maioria da humanidade ainda pertence como se fosse uma época pré-cristã. E se não podemos negar o conteúdo religioso positivo no paganismo, ainda menos temos alguma base em relação às grandes religiões mundiais que, à sua maneira, procuram Deus e confortam espiritualmente o seu rebanho. [...]

À luz da fé cristã, as verdades que estão presentes nos ensinamentos dogmáticos das religiões não-cristãs e os traços de piedade autêntica inerentes ao seu culto podem receber uma avaliação correta. Mas, para tal reconhecimento, não há necessidade de se esforçar para construir algum tipo de Volapük religioso ou estabelecer um esperanto inter-religioso.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Da deusa da morte ao Imperador da Vida [Parte 2] (Danion Vasile)

Não muito antes disso, eu tinha escutado sobre Swami Shivamurti, uma mestre indiana, discípula de Swami Satyananda. No final dos anos 70,  ela tinha sido enviada para Kalamata para transmitir ensinamentos de yoga para os gregos. Em 1984, ela havia criado um "ashram", um mosteiro de yoga em Paiania, perto de Atenas. Eu conheci Swami Shivamurti em uma casa particular onde ela tinha decidido ver um número limitado de iogues. Perguntei-lhe se eu poderia viver uma vida ascética em seu ashram e ela respondeu com muita gentileza que eu certamente poderia. Embora eu desejasse que ela fosse um homem parecendo como um mestre tradicional - velho, com uma barba longa branca e com um semblante calmo - eu decidi ser seu discípulo e segui ela para a Bulgária, onde ela havia sido convidada para dar várias palestras.

Em algum momento, ela me deu um nome yogico, um tipo de nome batismal indiano. Embora eu esperasse um nome famoso, como Mahashiva ou Milarepa, o que foi me dado era aparentemente comum: "Bhaktimurti", significando "forma de devoção", "forma de piedade". Em outras palavras, para mim, o caminho mais curto para a iluminação era adorar alguém - uma divindade ou um poder cósmico... Então, eu escolhi adorar Cristo. Eu creio que Deus colocou o nome "Bhaktimurti" na mente de Swami Shivamurti; mesmo se ela não estivesse servindo Ele, mas os poderes das trevas, Deus falou através dela assim como Ele tinha falado por meio do asno de Barlão. No entanto, eu duvido que ela saiba que tenha me beneficiado muito escolhendo aquele nome para mim.

Eu fiz minha cabeça para entrar no ashram dela e ela me disse que certamente me permitia, mas já que eu não tinha idade suficiente, precisei da autorização por escrito do meu pai. Na Bulgária, algo de grande consequência para meu futuro aconteceu... Uma mulher iogue levou-me a algumas igrejas bem conhecidas em Sophia, uma das quais uma Igreja Russa em cujo porão havia as relíquias do Bispo Seraphim Sobolev, um homem de milagres. Em seu caixão havia pequenos pedaços de papéis em que as pessoas escreviam seus desejos e orações ao hierarca piedoso falecido. Eu me aproximei ao caixão e supliquei-lhe com todo meu coração que me ajudasse. Eu disse a ele,

"Ajude-me para que minha vontade não seja feita, mas a vontade de Deus seja feita em mim!"

Naquele momento, eu senti que algo mudou, algo que nem posso colocar em palavras. Quando estava praticando yoga, eu me sentia mal sempre que entrava numa igreja; me parecia que não havia ar e eu não conseguia respirar; além disso, eu não podia aguentar os serviços litúrgicos, exceto com grande dificuldade... No entanto, ali, naquela Igreja Russa, que abrigava as relíquias do bispo, era como se uma névoa estivesse subindo de mim. Embora ele não tivesse sido canonizado, as pessoas adoravam-no como se fosse um santo.

Voltei à Romênia muito animado para minha próxima viagem à Grécia. Meu pai me deu permissão para ir para Grécia, porque ele sabia que eu não tinha intenção de concluir o ensino médio de qualquer maneira. A senhora da classe me pediu para que eu fosse à escola para que os professores me vissem e me dessem uma avaliação para que eu não fosse reprovado, mas tudo que me interessava era como fazer progressos como um yogi. Na verdade, mesmo quando eu costumava ir à escola, yoga era minha única preocupação. Os estudos da escola parecia um desperdício! Apesar de ter frequentando a Faculdade de Ciências da Computação, que era a melhor em Bucareste naquele tempo, e apesar de ter ficado orgulhoso por ter passado no teste de entrada - afinal, eu sempre fui fascinado por ciência da computação por toda minha vida - yoga era minha grande paixão. Yoga havia me subjugado tão completamente que eu não podia me concentrar em qualquer coisa, exceto nas técnicas de meditação e asanas. Em toda a honestidade, eu tinha sofrido uma lavagem cerebral em pensar que somente poderia ler e estudar materiais de yoga - nada mais do que isso.

A data de partida estava se aproximando. Eu tinha colocado na cabeça que antes de chegar no ashram, que era próximo de Atenas, eu visitaria o Monte Athos, onde, eu tinha ouvido, os santos padres estavam praticando a Oração de Jesus. Eu queria ser iniciado na prática da Oração de Jesus também... Meu pai sugeriu que eu fosse conversar com o Padre Constantin Galeriu, um padre bem conhecido em Bucareste, que havia sofrido por Cristo nas prisões comunistas. 

Padre Galeriu me enviou ao Padre Ilie Cleopa do Mosteiro Sihastria na Moldávia, o que foi perfeito para mim, já que eu estava pensando em visitar alguns mosteiros para ver como a obediência monástica era praticada - como uma espécie de fase preparatória antes do ashram. No entanto, Padre Cleopa foi tão inflexível em sua oposição as práticas de yoga, e as minhas relações com os monges em Sihastria foram tão tensas em desacordo por eu ser um yogi, que eu deixei o mosteiro depois de uma estadia muito curta.

Ancião Cleopa
Depois de voltar a Bucareste, entrei para um outro grupo espiritual New Age, chamado "A Aliança para a Integração Espiritual no Absoluto", que combinava ensinamentos ortodoxos com ensinamentos espiritualistas e ensinavam as pessoas a ver auras, anjos e qualquer coisa que tinha a ver com o chamado mundo espiritual. Na verdade, tudo que eles faziam era fazer com que as pessoas se tornassem vítimas de enganos demoníacos, pois o diabo pode às vezes aparecer como um bom anjo também... Neste novo grupo, o diabo poderia trabalhar muito mais eficientemente que no grupo de yoga, ou, colocando de outra forma, ele era muito mais visível. Ao praticar yoga, pode-se visualizar o mundo espiritual só depois de muitos anos, neste grupo, podia se ver logo ali... Embora eu não tenha chegado a ver muitas coisas paranormais, eu tinha o poder de fazer com que os outros vissem; tudo o que eu tinha que fazer era colocar minhas mãos em cima de  suas cabeças, falar uma oração, e eles começavam a ver coisas de imediato...

Na escola, eu até mesmo comecei uma classe sobre adquirir poderes paranormais... Nós nos reuníamos no salão de festa e fazíamos nossos estudos paranormais lá. Indo acampar uma vez, eu ensinei a maioria das crianças que conheci lá a ver o mundo espiritual... Eu não tinha como saber que o que eles viam procedia de uma autossugestão ou de influências demoníacas. No acampamento eu quis ver se eu poderia hipnotizar alguém. Eu tentei e.. tive êxito. Foi fácil, muito mais fácil do que eu esperava...

Uma das vezes que me fez pensar sobre o que eu estava fazendo ocorreu durante meu encontro com um hieromonge. As pessoas do grupo New Age tinham me convencido de que minha ida a Grécia para ser discípulo de Swami Shivamurti Saraswati era inútil; numa comunidade monástica em nosso país havia um sacerdote, um homem santo, que era a reencarnação de São João Evangelista. Eu quis ver o "São João" com meus próprios olhos, então fui ao mosteiro com minha namorada e companheira de tantra yoga, que tinha vinte e quatro anos. Eu tinha quase dezoito anos. Quando nos aproximamos da cerca do mosteiro, vimos o reverendo padre de pé ao lado da cerca, como se ele estivesse esperando por nós. Ele nos perguntou,

"Vocês são iogues, não são? Vão embora, vocês, perdidos! Aqui é um mosteiro e este chão é sagrado... O que vocês estão fazendo aqui? Quem já ouviu falar de tal coisa - meninos e meninas vindo juntos para um mosteiro...? Vocês, pecadores, não tem vergonha de si mesmos? Como se atrevem a vir aqui, de todos outros lugares? Vocês, seguidores de Steiner, teosofistas e só Deus sabe mais o quê...",

ele murmurou, entrando no prédio que abrigava as celas monásticas. A minha namorada realmente tinha lido muitos escritos de Rudolf Steiner e outras obras teosóficas. O reverendo padre podia ver através de nós... Só mais tarde eu entendi por que ele tinha nos repreendido por ter ido juntos ao mosteiros - ele estava se referindo ao fato de que éramos amantes, mas naquela época eu não tinha a menor ideia de o que estávamos fazendo era fornicação e que era um pecado.

Minha namorada e eu demos um passo dentro da igreja, pensando que ele não iria nos expulsar de lá. Quando ele entrou na igreja, ele apontou o dedo para nós e perguntou,

"Vocês acreditam em reencarnação, não é?" -

"Sim", eu respondi, convencido de que eu tinha que defender a verdade em frente aos cristãos que não estavam familiarizados com a verdade. Em seguida, ele acrescentou:

"E vocês pensam que eu sou João Evangelista, não é?"

"Sim", eu respondi, com convicção.

"Saiam daqui, almas perdidas! Aqui é a Casa do Senhor, e se vocês não renunciarem suas loucuras, isso significa que vocês não pertencem aqui!"

Eu não esperava que ele nos expulsasse da Igreja. Eu sabia que tanto a tradição Cristã quanto a tradição oriental exigiam que a paciência do discípulo seja posta à prova nas formas mais inesperadas, então eu não quis desistir. Minha namorada, que era mais velha, se sentiu mal vendo a repreensão do padre e começou a chorar...

Teria sido natural que eu fosse convertido à fé Ortodoxa ali mesmo... Meus amigos do grupo "Nova Aliança" repetidamente me diziam que antes de aceitar-me como o seu discípulo secreto, o padre me colocaria num teste muito difícil e, de fato, eu pensei que se tratava do teste. Tendo sido manipulado e doutrinado por completo, eu não percebi que o reverendo padre realmente quis dizer o que ele tinha dito.

Voltamos para Bucareste, mas meu desejo para ver aquele sacerdote novamente foi ficando cada vez mais forte. Eu voltei ao mosteiro e ele me pediu pra escolher entre os ensinamentos da Igreja e os ensinamentos New Age que eu acreditava. Recusei deixar de lado meus compromissos espirituais errôneos e decidi fazer uma peregrinação aos mosteiros da Moldávia. Uma coisa estranha aconteceu comigo no Skete Sihla. Enquanto eu estava em pé em frente a uma cela monástica com a Bíblia na mão, um padre veio até mim e me pediu para ler uma determinada passagem para ele; seu cabelo e sua barba eram brancos e ele tinha um rosto suave; na passagem dizia que os hereges seriam punidos por seus caminhos errados. Então o padre foi embora e eu pensei,

"Sim, os hereges devem ser punidos, isso com certeza, mas por que ele me perguntou, de todas as pessoas, para ler essa passagem? Isso significa que sou um herege?"

Perto do Skete Sihla há uma caverna onde Santa Theodora viveu uma vida severa e ascética de eremita; os corvos ajudavam ela, trazendo comida para ela em seus bicos. Eu quis passar uma noite na caverna, orar lá, e pedir a Deus para me ajudar a escolher o caminho certo. O abade do mosteiro me deu sua bênção, então uma noite eu comecei a me preparar para ir à caverna. No caminho através da floresta, ouvi todos os tipos de ruídos estranhos. Alguém tinha me dito que três anos antes um homem estava comendo framboesas em um arbusto e do outro lado do arbusto tinha um grande urso... Eu não podia esperar para chegar à caverna onde eu pensava que seria agradável e pacífico; durante o dia, eu tinha ido lá várias vezes para orar e tinha sido tão quieto ...

No entanto, desta vez não foi assim... Aquela ia ser a mais terrível noite de minha vida... Eu pensei que eu iria ficar acordado a noite toda dizendo a Oração de Jesus, mas as tentações vieram muito rápido. Primeiro, havia os morcegos - muitos morcegos, voando bem perto de mim, batendo suas asas, eu sentia o vento frio feito por aquelas asas terríveis soprando diretamente no meu rosto. Eu estava assustado e me sentia mal. Tinha medo que um desses morcegos tentassem agarrar em meu cabelo. Embora eu tivesse raspado minha cabeça um ano antes, a fim de parecer com um verdadeiro yogi, meu cabelo tinha crescido nesse meio tempo, então cobri minha cabeça com meu casaco de couro para manter os morcegos longe de mim. Em algum momento, eu pensei que talvez Deus quisesse me punir por meus pecados e eu descobri minha cabeça, mas os morcegos não encostavam... Depois de um tempo, houve uma outra tentação: os ratos começaram a subir as minhas botas.

Foi uma tentação terrível... Algumas pessoas que estiveram na caverna antes de mim disseram-me que não havia morcegos nem ratos ali, mas eu os vi... Por outro lado, talvez o que eu vi tenha sido uma visão demoníaca... É difícil dizer...

Eu estava ficando cada vez mais assustado. Eu senti que a tensão nervosa estava chegando ao seu limite; na verdade, pensei que eu iria enlouquecer. Também pensei que se adormecesse o demônio iria se apossar de mim. É tão difícil de explicar, mas era o que sentia e o que pensava... Eu ficava pingando cera de vela nas minhas mãos, em diferentes pontos, a fim de que as queimaduras me mantivessem acordado. Orei e orei,

"Deus, pela graça da bênção do Hegúmeno, tem piedade de mim! Deus, pelo poder da obediência, tem piedade de mim!"

Eu não conseguia dizer a Oração de Jesus; tudo o que eu fiz durante toda noite foi ler as orações de um livro de oração, do início ao fim; assim que terminava, eu começava a ler as mesmas orações mais uma vez...

Em seguida, houve outra tentação que realmente superou as anteriores. De repente, eu vi um animal enorme andando na caverna através de sua entrada estreita; ele entrou e deu três grandes passos. O primeiro passo me fez levantar a cabeça, o segundo passo deixou-me bastante apreensivo, e o terceiro foi ameaçador. Era um grande animal e só poderia ter sido um urso. Eu pensei,

"Eu não tenho espaço para sair da caverna, nem mesmo se eu tentasse esquivar dele. Se eu tentar lutar com ele, eu não tenho a menor chance de derrotá-lo. A melhor coisa é morrer em oração ".

Eu tinha certeza que iria morrer ali mesmo - então eu só orava sem me virar pra olhar o urso... Ao perceber que não havia mais qualquer ruído atrás de mim, me virei para entrada da caverna, mas não havia nenhum animal em qualquer lugar à vista... tinha sido uma tentação demoníaca que assustou as luzes para fora de mim... Talvez houvesse morcegos e ratos naquela caverna, mas certamente não havia ursos, porque um urso não poderia sair daquela caverna sem fazer o mesmo barulho que fez quando pisou dentro dela - uma vez que a entrada era muito estreita... Aqueles que estão familiarizados com a caverna sabem do que estou falando e certamente concordarão comigo...

Deus viu que eu não tinha entrado na caverna para posteriormente me vangloriar sobre meus esforços ascéticos, mas que eu estava desesperado e queria orar e suplicar-lhe para me mostrar o caminho certo. Eu temia que a fé ortodoxa não fosse o verdadeiro caminho também e que teria que procurar um outro grupo espiritual. Eu preferia morrer do que ter que trocar um caminho errôneo por outro. Orei a Ele,

"Deus, me deixe morrer em vez de viver longe de Você e ensinar os outros a tomar o caminho errado"...

Uma noite após a noite aterrorizante que passei no interior da caverna, eu tive um sonho que mudou minha vida. Sonhei que estava procurando um livro canônico sobre a expiação dos pecados, em busca de um cânone que seria adequado para meus pecados. No sonho, eu ouvi uma voz clara e poderosa que me acordou. A voz disse,

"Aqui está seu cânone: você deverá ensinar os outros sobre a filosofia dos Padres da Igreja."

Eu acordei ao mesmo tempo tentando entender por que o cânon ordenado a mim, que eu tinha percebido como uma mensagem divina, não se referia a ensinar as pessoas sobre a teologia dos Padres da Igreja, mas sobre a filosofia. Um padre confessor experiente me explicou o que isso significava: Deus não queria que eu pensasse que o sonho tinha sido induzido por autossugestão, por isso eu ouvi "filosofia" em vez de "teologia". Na verdade, naquela época eu não sabia que a filosofia dos Padres da Igreja era, de fato, a sua teologia, isto é, falar com Deus e sobre Deus...

A voz divina que veio até mim naquele sonho marcou o momento decisivo na minha vida. Eu voltei ao reverendo padre que me expulsou duas vezes e lhe disse que queria abraçar a fé ortodoxa e tornar-me paroquiano. Preparei-me para confissão - escrevi meus pecados no papel (havia sete páginas no total) e depois fui a confissão. Senti que minha alma foi purificada do pecado e que minha vida mudou completamente... Embora eu ainda não merecesse, eu recebi a Sagrada Eucaristia, seguindo o conselho do reverendo padre e com sua bênção.

Desde então eu abandonei minha crença na reencarnação, as práticas de yoga e a libertinagem sexual. Houve alguns momentos difíceis, alguns muito difíceis, mas eu sempre senti que Cristo estava perto de mim... Dizendo essas palavras pra vocês e pensando no meu passado sinto como se estivesse contando a história de outra pessoa. É difícil me lembrar que eu era um yogi; parece que não era eu... Na verdade, o arrependimento purifica a mente e limpa a alma.

Depois de alguns anos, me casei e tive a impressão de que eu era virgem; eu realmente tive a sensação de que não tinha conhecido outra mulher antes e que minha esposa foi a primeira mulher na minha vida ... Na verdade, uma vida de pecado não se assemelha a uma vida familiar - nem um pouco. Embora na superfície possam parecer semelhantes, elas são duas coisas completamente diferentes.

O que aconteceu depois da minha primeira confissão de pecados? Comecei a frequentar os serviços da igreja, fui para a faculdade e estudei teologia, graduando no Departamento de Teologia Ortodoxa e, em seguida, fiz um mestrado em Estudos Denominacionais e Ecumenismo (focando nas aberrações do movimento New Age). Quando eu estava no colégio, conheci um padre que vivia como um santo; no momento, estou escrevendo um livro sobre sua vida e sobre os milagres que ele realizou. Ele me disse que eu iria escrever muitos livros, que atenderiam às necessidades espirituais... Depois de ter escrito meus primeiros livros - até agora, já ultrapassam vinte - um companheiro cristão que conheci ao visitar um mosteiro me disse,

"Você sabe, desde que você estava no colégio, Padre X (e nomeou o padre) disse que você iria escrever muitos livros. Vejo que suas palavras foram bastante proféticas..."

Eu comecei a escrever, a fim de convencer aqueles que estão longe da Igreja Ortodoxa que eles estão longe da Verdade, da beleza e da satisfação interior. Meus primeiros livros eram contra aberrações e delírios espirituais, contra a astrologia e horóscopos, contra a crença na reencarnação, contra os Evangelhos gnósticos. Um periódico da minha conversão - Da deusa da morte ao Imperador da Vida - descreve minha conversão à Ortodoxia, enquanto um dos últimos livros que escrevi, O Evangelho segundo Judas, eu combato não só o Evangelho gnóstico atribuído a Judas, mas também maneira de pensar de Judas, uma vez que essa se reflete na teologia contemporânea, nas artes e na literatura. Eu percebi que escrever para aqueles que foram iludidos pelo Movimento New Age não era suficiente: os que são "indiferentes" [Apocalipse 03:15] e levam uma vida cristã medíocre também precisam de ajuda. Eu tenho escrito livros para jovens, como, por exemplo, O Livro do Casamento - Como começar uma família e Juventudes e Sexualidade, apontando a maneira em que a devassidão perverte a mente dos homens e mulheres jovens de nossos dias... Eu tenho também escrito livros para pessoas maduras, lidando com formas em que se deve enfrentar problemas e doenças, e comentários sobre o Paterikon ...

Estou plenamente consciente do risco que eu estou tomando ... Na Ortodoxia, não são os jovens que devem falar, mas os anciões que têm uma experiência espiritual sólida ... Eu escrevo porque eu devo obediência ao meu pai espiritual, que disse que lamentava que eu não tivesse quatro mãos para que pudesse escrever mais... ele também disse que eu tinha que escrever, porque minha redenção dependia disto. Quando eu vim para a Grécia, para meu Ph.D., a primeira coisa que perguntei a um reverendo padre foi,

"Está correto que eu deva escrever tantos livros, tendo em conta o fato de que eu sou tão jovem e inexperiente, só porque devo obediência ao meu pai espiritual e porque estou sob a sua autoridade espiritual?"

Sua resposta foi:

"Se o seu pai espiritual reza por você e ele te sustenta por suas orações, tudo vai ficar bem. Mostre obediência a ele e tudo vai ficar bem ".

Eu tinha minhas dúvidas sobre obedecer: devo ou não devo seguir o caminho da obediência? Fiquei ainda tentado a deixar o meu pai espiritual, pois pareceu-me que ele não era o melhor guia e conselheiro eu poderia ter. Uma noite eu tive um sonho. Sonhei que estava dentro de uma igreja na qual havia as relíquias de São Nektarios. Meu pai espiritual estava orando em um lado do caixão e eu estava do outro lado. O santo começou a se mover no caixão... e pedi-lhe para me dar a sua bênção. Ele tinha uma grande cruz de metal em sua mão e começou a fazer o sinal da cruz em cima da minha cabeça. Ele fez isso várias vezes, dizendo:

"Deus te abençoe, te abençoe ..."

Ao despertar, e recordando o sonho, tive medo que pudesse ter vindo do demônio, de modo que eu chamei meu pai espiritual em seu telefone celular. Eu disse a ele

"Pai, você sabe que eu não levo sonhos a sério, mas..."

- E contei com o meu sonho para ele. Então eu lhe perguntei:

"Você acha que ele veio do demônio, do meu subconsciente ou de Deus?"

Ele respondeu,

"Como poderia ter vindo do demônio, se esta manhã eu estava orando por você sobre nas relíquias de São Nektarios? Estou na Grécia, você não sabe disso?"

Não, eu não tinha ideia de que ele estava na Grécia. Eu pensei que ele estivesse na Romênia, mas ele ativou seu roaming e tinha respondido seu telefone celular na Grécia... Eu também disse meu sonho a um ancião que levava uma vida santa em um mosteiro na Grécia e ele me disse:

"Seu pai espiritual não poderia ter dito abertamente que seu sonho tinha vindo de Deus, a fim de não cair no pecado do orgulho - especialmente por ter visto ele próximo ao caixão do santo. São Nektarios quer incentivá-lo a caminhar corretamente no caminho de testemunho de Cristo..."

Este sonho foi o incentivo que eu precisava para ir em frente. A estrada é acidentada, as tentações são grandes, mas eu nutri a esperança de que Cristo me ajudaria a dar mais um passo e depois outro ...

Minha vida em Cristo tem sido extraordinariamente bela... A coisa mais importante para mim foi que vim a conhecer a Verdade e saber que a Verdade é amor... Na Igreja Ortodoxa, eu aprendi a amar. O amor cristão é caloroso - não é como o amor do yogi, que é frio e superficial... Eu descobri a beleza da vida familiar, que é, de fato, um tesouro. Ao lado de minha esposa e nossos três filhos tenho a nítida sensação de que estou no meio de um belo sonho... Parece-me que as pessoas falam e escrevem muito pouco sobre as famílias cristãs. Casar para mim era quase como uma aposta de alguma maneira: estava esperando que seria uma bela vida, mas eu não tinha certeza. Minha vida familiar tem sido muito mais difícil do que eu imaginava, mas também muito mais bela ...

Eu dou testemunho da fé Ortodoxa porque alguns daqueles que praticaram ioga tem sérios problemas de comunicação e são socialmente desajustados, embora tenham formalmente convertido à fé Ortodoxa; eles receberam o ensinamento Cristão, mas ainda possuem um comportamento yogico.

Confesso que sou muito feliz em ser um fiel Ortodoxo... No passado, tinha medo que eu ficasse entediado e ficava me perguntando: "Será que a vida Cristã se tornará um lugar comum para mim?" Além disso, eu descobri que uma vida vivida em comunhão com Deus, com a Theotokos, com os santos e com os mártires da Igreja pode ser qualquer coisa, menos entediante.

Ao contrário, acredito que a vida de um cristão é extremamente cativante. Além disso, deve-se ser um verdadeiro herói para viver como um cristão neste mundo, que é tão cheio de pecado e tão afeiçoado de heresias.

Meu objetivo tem sido o de convencê-lo a alcançar aqueles que que estão afastados da Igreja. Normalmente, após uma conferência, as pessoas recolhem fundos para os pobres ou para os missionários cristãos em países africanos ou para variadas atividades sociais.

Não vou pedir-lhe para colocar dinheiro em uma caixa, mas para colocar uma parte de sua alma nisso e perceber que ao seu lado pode existir muitas pessoas que foram enganadas por diferentes religiões e denominações. Você pode fazer a diferença. Você pode ajudá-los através de uma vida verdadeiramente cristã.

Essas pessoas estão fartas de palavras vazias e sermões cristãos não convincentes. Elas precisam de exemplos brilhantes do modo cristão de viver. Eles querem ver em você um ícone vivo de Cristo.

Não force ninguém a vir até Cristo, mas conquiste-os com o seu amor cristão. Ninguém pode resistir amor. O mundo de hoje procura o amor nos lugares errados e tudo o que as pessoas encontram é um amor falso.

Ofereça a eles o amor verdadeiro, o amor sacrificial e você irá mudá-los. Mesmo aqueles que decidiram nunca mudar começarão no caminho da conversão - devagar, mas certamente.

Vejam bem, estou somente enviando para vocês essa caixa invisível, dentro da qual não estou pedindo para você colocar dinheiro, mas repito, algo muito mais precioso - uma parte de sua alma. Você está pronto para tal doação?

Você me faria muito feliz! Que Deus lhe ajudem em todas suas boas obras e conceda Sua graça para você. Amem. 
texto retirado do blog http://www.johnsanidopoulos.com