quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Uma refutação da doutrina católica romana da simplicidade divina absoluta

Nota do blog skemmata [*]: Para esclarecer alguns termos que estão no ensaio penso que é útil uma nota introdutória.

A simplicidade divina absoluta é uma doutrina do Catolicismo Romano (dogmatizada em concílios como no IV Concílio de Latrão 1215 e reafirmada no Vaticano I 1870) em que todos atributos (Sabedoria, Justiça, Bondade, etc) e ações (também chamado de operações, atos, atividade ou energia) de Deus são irredutível e isomorficamente identificados com Sua simples natureza ou essência (ou ousia). O teólogo dogmático Ludwig Ott, por exemplo, ressalta que a Igreja Católica considera “de fide” que “os Atributos Divinos são realmente idênticos entre si e com a Essência Divina…". Na teologia Ortodoxa, São Gregório Palamas, seguindo os Padres Capadócios, São Dionísio Aeropagita, São João Damasceno e outros, insiste que existe uma distinção entre essência e energia em Deus, e que essa distinção deve ser real (e não meramente nominal/nocional/virtual), ou a theosis (deificação) se torna impossível. Tal distinção entre a essência de Deus e Suas energias foi dogmatizada em uma série de concílios no século XIV. Desta forma, para a tradição Ortodoxa, é uma verdade absoluta da revelação divina que a essência de Deus está inteiramente além de qualquer tipo de participação do ser criado, e que é somente através das energias incriadas de Deus, que como São Basílio disse: "chegam até nós" [Carta 234], que o homem pode participar em Deus. Portanto, para teologia Ortodoxa existem três distinções reais - que não causam separação e não comprometem a simplicidade divina - em Deus: essência, energia e a tríade de Hipóstases (Pessoas) Divina. E é por isso que São Gregório Palamas - seguindo o ensinamento de São Máximo - afirma que Deus é indivisivelmente dividido em Suas muitas energias. Em outras palavras, a realidade da multiplicidade das energias divinas é real, mas não destrói a simplicidade divina. Todas elas são completamente Deus. Nenhuma é uma "parte" de Deus, e nenhuma dessas distinções introduz qualquer confusão ou divisão em Deus.

É também necessário uma observação sobre a diferença entre as abordagens trinitárias: para distinguir as Pessoas (hipóstases) da Santíssima Trindade umas das outras, a teologia Católica Romana baseia-se nas "relações de oposição": as pessoas da Trindade são distintas uma da outra, mas são idênticas à natureza, atributos e atos divinos. Elas são distintas porque as pessoas são relações opostas; por exemplo, o Pai é a relação de gerar, e o Filho é a relação de ser gerado. As pessoas são relações (persona est relation). Ao passo que a teologia Ortodoxa, considerando Deus acima de qualquer forma de dialética de oposição, distingue as Pessoas da Santíssima Trindade baseando-se nas "relações de origens", isto é, as Pessoas da Trindade são distintas, não por causa de qualquer conceito de "relação", mas através de seus modos distintos de origem (tropos hyparxeos): o Pai é imprincipiado ou sem causa; o Filho é gerado pelo Pai e o Espírito procede do Pai, e é isto que distingue as Pessoas. Além do mais, na Ortodoxia, é enfatizada a Monarquia do Pai (e essa é uma das principais razões para a rejeição do Filioque), porque como os Padres Gregos unanimemente ensinaram, somente o Pai é a fonte, causa e princípio da divindade em relação à origem existencial (hipostática) das outras duas Pessoas (ou seja, o Filho não pode ser causa em conjunto - co-causa - com o Pai da processão do Espírito Santo). O significado de "monarquia" (o Pai como causa das outras Pessoas) neste contexto não implica alguma forma de poder, ou dominação, pois não há subordinação alguma visto que as Três partilham a mesma glória. Portanto, o Espírito Santo recebe Sua existência como Pessoa (hipóstase) somente do Pai, e não do Filho (como São João Damasceno deixa claro). O "envio" do Espírito pelo Filho, diz respeito à manifestação do Espírito, tanto temporal (economia) como eternamente (na energia divina), mas não à Sua origem como Pessoa, que vem somente do Pai.

A doutrina da simplicidade divina absoluta e a consequente negação de uma distinção em Deus entre a essência e Suas energias (ações ou atributos) acarreta sérios problemas (cristológicos, eclesiológicos, epistemológicos, antropológicos, trinitários, etc) e algum desses são tratados no ensaio abaixo.

* * * 


Quando confrontados com questões relativas às perspectivas católica romana e tomista da simplicidade divina em oposição ao “palamismo”, os católicos romanos ficam freqüentemente confusos quanto ao que sua própria doutrina é e implica. Quando eu escrevi o ensaio sobre o Filioque e o Subordinatinismo (nota do tradutor: o autor refere-se a este ensaio aqui), que até agora tem quase 1 mil compartilhamentos (e começou o processo de conversão de muitos ex-católicos romanos para a Ortodoxia), houve um silêncio ensurdecedor da maioria dos opositores católicos romanos. No entanto, Erick Ybarra respondeu e sua resposta é típica de um apologista mais informado do que um defensor do nível pop como um Akin ou Armstrong.

Em minha própria jornada, quando descobri essa questão pela primeira vez quando desafiado há 10 anos atrás, tomei tempo para me aprofundar em obras como Sobre a Trindade, Denzinger, Ottt, Catecismo de Trento, etc., para compreender suposições sobre o Tomismo que eu anteriormente tomava como certas. Neste artigo vamos examinar primeiro o ensinamento oficial católico romano sobre a simplicidade divina a partir de suas fontes dogmáticas, então mostraremos como é uma confirmação das idéias agostinianas e tomistas (que infelizmente tiveram suas origens no platonismo e origenismo), e então a resposta Ortodoxa. Tornar-se-á evidente que há uma perspectiva católica romana clara e indebatível de uma simplicidade absoluta dogmática que justifica meu argumento no artigo Filioque como Subordinacionismo Ariano, bem como mostra que a posição católica romana leva ao modalismo (se consistente) e simultaneamente a uma cristologia herética.

Primeiro, deve ser salientado que a única resposta até agora ao meu artigo foi uma tentativa de argumentar que Santo Atanásio fala do Filho como “a vontade do Pai”. Isto é verdade, e São Gregório Palamas também fala de o Espírito como manifestando amor. No entanto, em ambos os casos, na teologia Ortodoxa, acreditamos que essas descrições são descrições verdadeiras e reais da manifestação eterna da Tríade, e não proposições sobre as origens hipostáticas das Pessoas. Santo Atanásio e a teologia Ortodoxa explica essa noção como significando um modo de manifestação hipostática. Assim, dizer “o Filho a Sabedoria de Deus”, não se significa ser uma identificação estrita entre a hipóstase e o atributo ou operação (sabedoria). Identificar estritamente o Filho de Deus com a vontade de Deus levaria a erros massivos e heresias, como a noção absurda que o Filho gera a Si mesmo.

Isso levaria então a uma conclusão absurda que nem mesmos os católicos romanos confusos admitiriam - já que identificam a Vontade de Deus com a essência numa identidade estrita - significaria que o Filho também É a essência do Pai: Jesus então gera a Si mesmo. O Filho não é mais ontologicamente idêntico à Vontade de Deus de que o Espírito. E o Espírito não é ontologicamente idêntico a uma única operação ou atributo, "Amor". Jesus não é idêntico a um único atributo, "sabedoria". Nesta tentativa confusa de uma resposta de certos apologistas, você tem uma ilustração de toda a história da incoerência do filioque católico romano - tudo porque eles não podem admitir distinções ontológicas reais em Deus, devido a pressuposições helênicas sobre a simplicidade e a pressuposição famosa de que "distinção necessariamente causa divisão". É por isso que a teologia e a apologética católica romana quase sempre se referem a catenas de citações “papais” escolhidas convenientemente e não entendem realmente a teologia e como ela é um encontro direto e real com as energias divinas imanentes no mundo (que a analogia entis do tomismo nega).

Concernente à manifestação eterna como distinta da origem hipostática, Meyendorff escreve:
Gregório Palamas propôs uma interpretação semelhante desta relação em vários de suas obras; em sua Confissão de 1351, por exemplo, ele afirma que o Espírito Santo "tem o Pai como fundamento, fonte e causa", mas "repousa no Filho” e “é enviado - isto é, manifestado - através do Filho.” (Ibid. 194) Em termos da energia divina transcendente, embora não em termos de substância ou do ser hipostático, “o Espírito flui do Pai através do Filho, e, se você quiser, do Filho sobre todos aqueles dignos dele”, uma comunicação que pode até ser geralmente chamada de “processão” (ekporeusis). (Tratado Apodético 1. Meyendorff, Um Estudo de Gregório Palamas 231-2).
Quanto ao uso indevido pelos apologistas católicos romanos de São Gregório Palamas referindo-se ao Espírito Santo como amor, vamos deixar isso de lado de uma vez por todas, pois o próprio contexto dessa citação é uma refutação do próprio Filioque. Eu reproduzo aqui a seguinte passagem para você ver isso claramente (do livro The Deification of Man: St. Gregory Palamas and the Orthodox Tradition por Georgios I. Mantzaridis) :
Empregando uma imagem psicológica que lembra os ensinamentos de Santo Agostinho sobre a Trindade, Palamas apresenta a terceira pessoa da Santíssima Trindade como o amor infinito e atemporal do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai. É desnecessário salientar que o uso desta imagem não é de modo algum inconsistente com o ensinamento anti-latino de Palamas sobre a processão do Espírito Santo; pois embora ele apresente a terceira pessoa da Trindade como o amor mútuo do Pai e do Filho, ele deixa claro que a "mutualidade" refere-se à Sua função e possessão e não à Sua projeção existencial:
"A alegria eterna do Pai e do Filho é o Espírito Santo, visto que Ele é comum a ambos com respeito ao Seu uso (portanto, Ele é enviado por ambos aos santos); mas sua existência deriva unicamente do Pai e, portanto, no que diz respeito à Sua existência, Ele procede do Pai." (São Gregório Palamas) 
Para os católicos romanos que consistentemente confundem as origens hipostáticas com a eterna manifestação e missão econômica (o envio temporal do Espírito Santo pelo Filho), isso significa que o filioque pode ser supostamente defendido porque todos os predicados de Deus são, na realidade, estritamente igualados à essência de Deus (simplicidade divina absoluta). Segundo essa posição, que é a raiz de todo o erro católico romano, todos os predicados de Deus são, literalmente misturados, isomorficamente igualados uns com os outros e transpostos. Os católicos romanos não apenas forçam as energias para 'dentro' da essência, eles também forçam a missão - assim como a hipóstase e a vontade - para dentro da ousia. Antes de abordarmos esse tópico especificamente, vamos considerar as declarações dogmáticas de Roma sobre o que constitui a posição oficial. Note-se que a Ortodoxia, sem dúvida, afirma uma simplicidade verdadeira e única para a ousia (substância/essência) divina, mas para nós, até mesmo "simplicidade" e "unicidade" são energéticos e de nenhuma forma são determinações sobre a essência de Deus.

O dogma católico romano da simplicidade divina absoluta

A primeira afirmação dogmática relevante relevante para o nosso tópico é do Concílio de Toledo, que foi um concílio local. Foi posteriormente aprovado por Roma e, portanto, elevado ao status dogmático. Em Denzinger (NT: compêndio de declarações dogmáticas católicas romanas), é 294-296. É uma das primeiras defesas dogmáticas romanas do Filioque e contrário a Ybarra e outros apologistas romanos, não é feito as distinções necessárias entre origens hipostáticas, manifestação eterna e missão econômica. Também tenta fundamentar o Filioque na errônea analogia psicológica de Agostinho para a Trindade (que Ybarra tentou negar). Veremos que essa afirmação dogmática se alinha perfeitamente com a premissa do meu primeiro artigo sobre o Subordinacionismo:

CONCÍLIO DE TOLEDO XVI 693
Profissão de Fé sobre a Trindade 
(27) Por isso, este termo “santa vontade” – se bem que, na semelhança comparativa na qual a Trindade é chamada memória, inteligência e vontade, apareça referido ao Espírito Santo [analogia psicológica de Santo Agostinho] –, segundo o significado que tem em si é predicado em relação à substância. (28) De fato, o Pai <é> vontade, o Filho, vontade, e o Espírito Santo, vontade, como também o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; e muitas outras coisas semelhantes, que, sem ambigüidade alguma, são ditas em relação à substância por aqueles que verdadeiramente honram a fé católica. (29) E como é católico dizer “Deus de Deus”, “luz de luz”, “esplendor de esplendor”, assim é justa afirmação da fé católica dizer “vontade de vontade”, bem como “sabedoria de sabedoria”, “essência de essência”; e como Deus Pai gerou Deus Filho, assim a vontade, o Pai, gerou a vontade, o Filho. (30) E se bem que o Pai segundo a essência seja vontade, o Filho, vontade e o Espírito Santo, vontade, todavia não se deve crer que estes, em sentido relacional, sejam um só, pois um é o Pai que se refere ao Filho, outro o Filho que se refere ao Pai, outro o Espírito Santo que, por proceder do Pai e do Filho, se refere ao Pai e ao Filho: não qualquer outra coisa, mas um outro, pois os que têm um único ser na natureza da divindade têm uma peculiar propriedade na distinção das pessoas. …

Note que essa definição dogmática totalmente agostiniana torna explicitamente claro que a vontade de Deus é, na realidade, substancialmente identificada com as Hipóstases. Pessoa, atributo, natureza, vontade, missão, etc., estão tão miseravelmente confundidos que não é de admirar que, 1300 anos depois, ainda estamos tentando analisar isso e mostrar sua incoerência. Fundamental para toda teologia Ortodoxa é a idéia de que existem importantes distinções teológicas entre essência, vontade, hipóstase, energia, etc., em Deus e em Sua relação com o mundo (missão/economia). Não há como negar que essa definição dogmática é um dos indicadores mais claros da simplicidade divina absoluta, tornando o único recurso para qualquer aparência de distinção entre as Pessoas dependente das infames “relações de oposição” (também de fama agostiniana).

Para nós, como muitos grandes Ortodoxos notaram, esta é uma tentativa puramente relativa de prover uma distinção entre as Pessoas e simultaneamente introduzir dialética em Deus. No entanto, por definição, uma relação de oposição só pode se referir a uma díade (oposição) e não a uma tríade. Como resultado, o filioque surge como uma tentativa (terrível) de provar a divindade do Filho, argumentando a partir de uma base dialética de relações de oposição: o problema é que todas as três pessoas compartilham a qualidade de "não ser as outras duas". Assim, nomes como “Pai” são considerados como uma relação de essência, onde Pai significa aquilo que gera o Filho e junto com Filho espira (spirates) o Espírito. Em outras palavras, relações de essência, mas essa mesma essência também é considerada idêntica a "geração" e "espiração".

Essa simplicidade absoluta, portanto, conduz às tentativas de distinção baseadas em relações de oposição. Considere também o que está totalmente ausente nesta definição: a perspectiva oriental dogmática sobre as origens hipostáticas. Em relação a esta definição dogmática terrível, a Mistagogia de São Fócio é uma refutação completa dessas premissas falhas. Se a Pessoa e a vontade são estritamente identificadas com a absoluta simplicidade da essência, então é difícil ver por que uma relação de oposição também não entraria em colapso na essência (e o faz, porque o ponto de partida dessa posição é a noção helênica do que é "simplicidade"). Se estiver em dúvida, considere mais uma vez como e por que Tomás de Aquino rejeita a distinção essência - energia (distinção que São João de Damasco gasta vários capítulos em defesa). Como escrevi anteriormente:

São João diz:
"Cada uma das afirmações sobre Deus devem ser pensadas como significando não que Ele é em essência, mas, sim ou como algo que é impossível deixar claro, ou alguma relação com algumas coisas que são contrastes, ou com algumas coisas que seguem a natureza, ou uma energia (operação).  (I.9)"
Um pouco antes ele havia escrito:
"A divindade sendo incompreensível também é sem nome. Sendo assim, uma vez que ignoramos sua essência, renunciaremos a buscar o nome de sua essência: pois o nome é a expressão das realidades. Mas o Deus que é bom, e que, para nos fazer participar de sua bondade, nos trouxe do nada à existência, e que fez de nós seres capazes de conhecer, do mesmo modo como não nos fez participar de sua essência, tampouco nos permitiu participar do conhecimento de sua essência, pois é impossível que uma natureza conheça perfeitamente a natureza transcendente. Ademais, se os conhecimentos dizem respeito aos seres, como poderia o supra-essencial ser conhecido? Portanto, como consequência de sua indizível bondade [uma energia], ele consentiu a nós seres nomearmos a partir daquilo que podemos conhecer, a fim de que, sem sermos inteiramente privados de conhecê-lo, possamos formar dele uma mínima noção, ainda que obscura. Assim, na medida em que ele não pode ser captado, ele também não possui nome. Mas como ele é causa de todas as coisas e contém previamente em si as razões e as causas de todos os seres, nós o denominamos a partir de todos os seres e de seus contrários, tais como luz e trevas, água e fogo, para nos convencermos de que, em sua essência, ele não é nada disso; ele é, ao contrário, supra-essencial e sem nome, e, como causa de todos os seres, ele é nomeado segundo todos os efeitos de sua causalidade." 

Note que nós fazemos analogia entis, como tenho argumentado continuamente, mas não da Sua essência. Esta é uma citação importante. São João diz que, na deificação, não participamos da essência de Deus, mas em Sua "bondade". A bondade de Deus é uma energia ou operação, não um atributo de uma essência absolutamente simples. É uma operação de uma Pessoa. Isso também refuta o argumento de Steven Wedgeworth de que a "energia" é, de alguma forma, um dos muitos atributos da essência de Deus.

Assim, São João diz:
“Quando, então, percebemos essas coisas e somos conduzidas a partir delas para a essência divina, não apreendemos a essência em si, mas apenas os atributos da essência: assim como não apreendemos a essência da alma mesmo quando aprendemos que ela é incorpórea e sem magnitude e forma… ”  
São João Damasceno

De acordo com Tomás de Aquino, os atributos são predicados reais e substanciais da essência de Deus, embora não sejam exaustivos. São João diz que os atributos não são declarações do que Ele é, mas de suas energias. Tomás explicitamente rejeita energias distintas da essência, bem como esses argumentos de São João, que deve mostrar a você que Tomás pensou que elas não estavam "dizendo a mesma coisa".

Tomás escreve em sua obra “Sobre a Simplicidade Divina”, art. 4:
"Bom, sábio, justo e semelhantes são predicados de Deus como acidentes?
Parece que são.
1. Tudo o que é predicado de algo não como substância mas como o que se segue na natureza significa um acidente. Mas Damasceno diz que o bom e o justo e o santo como se diz de Deus seguem a natureza e não significam a própria substância.
Pelo contrário:
Boécio diz que Deus, já que Ele é uma forma simples, não pode ser um sujeito. Mas todo acidente está em um sujeito. Portanto, em Deus, não pode haver nenhum acidente…
Além disso, Rabi Maimônides diz que os nomes desse tipo não significam intenções acrescentadas à substância divina de Deus. Mas todo acidente significa uma intenção acrescentada à substância de seu sujeito. Portanto, o acima mencionado não significa um acidente em Deus.”(McInery, Seleções de Tomás de Aquino, p. 306-307). 

Em outras palavras, tudo deve se encaixar no esquema aristotélico de que a diferenciação em Deus significa “composição”. Em vez de olhar para o que já havia sido declarado nos Concílios Ecumênicos a respeito das operações de Deus distintas de Sua essência, Tomás confia no rabino Maimônides e na doutrina da simplicidade absoluta de Boécio. Note também que ele rejeita explicitamente esse argumento de São João:
"Cada uma das afirmações sobre Deus devem ser pensadas como significando não que Ele é em essência, mas, sim ou como algo que é impossível deixar claro, ou alguma relação com algumas coisas que são contrastes, ou com algumas coisas que seguem a natureza, ou uma energia (operação).  (I.9)"
Essa é a distinção entre essência e energia e Tomás explicitamente diz que acha impossível, porque em sua mente dialética aristotélica, a distinção causa divisão ou composição. É por isso que, como mostrei em outro lugar, para Tomás, "múltiplo" se opõe a "um". Tudo remonta à suposição filosófica do que é a simplicidade absoluta. Deus deve obedecer a esse esquema, e o que quer que não obedeça, deve significar composição e divisão. Mas nenhum Padre oriental pensa que diferentes operações de Deus distintas da natureza e da Pessoa implicam qualquer tipo de composição. Não há absolutamente nenhuma necessidade de pensar que implicam. Todos admitem que o Pai não é o Filho - isso implica composição? Claro que não. Portanto, tampouco implica composição uma distinção entre o que Deus é e o que Deus faz”.

Tomás de Aquino, fiel à visão romana, rejeita explicitamente a distinção essência-energia em São João de Damasco e apela a Maimônides. Em seguida, chegamos ao Concílio de Reims, em 1148, que dá mais definição dogmática em relação à simplicidade divina sob três diferentes papas, em Denzinger 389:

CELESTINO II 1143-1144
LUCIUS II 1144-1145
EUGENIUS III 1145-1153 
CONCÍLIO DE RHEIMS 1148 
Confissão de Fé na Trindade  
389 1. Cremos e confessamos que Deus é a natureza simples da divindade, e que não pode ser negado em qualquer sentido católico que Deus é divindade, e a divindade é Deus. Além disso, se é dito que Deus é sábio pela sabedoria, grande pela magnitude, eterno pela eternidade, um pela unicidade, Deus pela divindade, e outras coisas semelhantes, acreditamos que Ele é sábio somente pela sabedoria que é o próprio Deus; que Ele é grande somente pela magnitude que é o próprio Deus; que Ele é eterno somente pela eternidade que é o próprio Deus; que Ele é um só pela unidade que é o próprio Deus; que Ele é Deus somente pela divindade que Ele é Ele mesmo; isto é, que Ele é sábio, grande, eterno, um só Deus. 
A Simplicidade Divina Absoluta é Baseada em Pressupostos Helênicos da Dialética

Aqui temos uma afirmação de que os atributos de Deus não são algo que Deus tem além de Sua essência. Não há distinção real entre as ações e atributos de Deus e Sua essência absolutamente simples. Mais uma vez, não resta espaço para dúvidas para entender que não há uma distinção real entre os atos de Deus e Sua essência, apesar de muitos católicos romanos e alguns ortodoxos imaginarem que o dogma católico sobre essa questão pode ser afirmado de acordo com o dogma Ortodoxo oriental. De fato, essa citação é quase uma contradição direta à declaração de São Basílio em sua famosa Carta 234, afirmando a distinção essência-energia. Como expliquei anteriormente):

“É por isso que São Basílio disse o seguinte em resposta a Eunômio (que identificava essência, Pessoa e atributo em Deus) que se aplica palavra por palavra ao dogma católico romano e a Tomás:
Carta 234 
Para o mesmo, em resposta a outra pergunta. 
'Você adora o que você conhece ou o que não conhece?' Se eu responder, 'Eu adoro o que conheço', eles imediatamente respondem: 'Qual é a essência do objeto de adoração?' Então, se eu confesso que sou ignorante da essência, eles se voltam contra mim novamente e dizem: 'Então você adora e não conhece o quê.' Eu respondo que a palavra 'conhecer' tem muitos significados. Dizemos que conhecemos a grandeza de Deus, Seu poder, Sua sabedoria, Sua bondade, Sua providência sobre nós e a justiça de Seu julgamento; mas não a Sua própria essência. A questão é posta, portanto, apenas pelo debate. Pois quem nega que conhece a essência não se confessa ignorante de Deus, porque a nossa ideia de Deus é reunida a partir de todos os atributos que enumerei. 'Mas Deus', ele diz, 'é simples, e qualquer atributo que você tenha considerado como cognoscível é da Sua essência.' Porém os absurdos envolvidos neste sofisma são inumeráveis. Quando todos esses atributos sublimes são enumerados, todos eles são nomes da essência? E existe a mesma força mútua em Sua magnitude e Sua bondade amorosa, Sua justiça e Seu poder criador, Sua providência e Sua presciência, e Sua concessão de recompensas e punições, Sua majestade e Sua providência? Ao mencionar qualquer um destes, declaramos a Sua essência? Se eles disserem, sim, que eles não perguntem se conhecemos a essência de Deus, mas que eles nos perguntem se conhecemos que Deus é terrível, justo ou misericordioso. Estes nós confessamos que conhecemos. Se eles disserem que a essência é algo distinto, que não nos imputem em erro por conta da simplicidade. Pois eles mesmos confessam que há uma distinção entre a essência e cada um dos atributos enumerados. As operações são várias e a essência é simples, mas dizemos que conhecemos nosso Deus a partir de suas operações, mas não nos comprometemos a aproximar-nos de Sua essência. Suas operações (energias) chegam até nós, mas sua essência permanece além de nosso alcance.
2. Mas, é respondido, se você é ignorante sobre a essência, você O ignora. Replique, Se você disser que conhece Sua essência, você é ignorante dEle. Um homem que foi mordido por um cachorro louco e vê um cachorro em um prato não vê mais do que é visto por pessoas de boa saúde; ele é digno de pena, porque acha que vê o que não vê. Não o admire pelo que anuncia, mas tenha pena dele por sua insanidade. Reconheça que a voz é a voz dos escarnecedores, quando dizem que, se você é ignorante da essência de Deus, você adora o que não conhece. Eu sei que Ele existe; o que é a Sua essência, eu reputo para além da inteligência. Como então eu sou salvo? Por meio da fé. É uma fé suficiente para saber que Deus existe sem saber o que Ele é; e Ele é galardoador dos que o buscam. Hebreus 11: 6 Assim, o conhecimento da essência divina envolve a percepção de Sua incompreensibilidade, e o objeto de nossa adoração não é aquele do qual compreendemos a essência, mas do qual compreendemos que a essência existe. 
Em seguida, tente isso. 
3. E a seguinte questão contrária também pode ser colocada para eles. Nenhum homem viu a Deus a qualquer momento, o Filho unigênito gerado que está no seio o revelou. João 1:18 O que do Pai o Filho unigênito revelou? Sua essência ou Seu poder? Se o poder, nós conhecemos tanto como Ele nos revelou. Se [revelou] Sua essência, diga-me onde Ele disse que Sua essência era o ser não-gerado? Quando Abraão adorou? Não foi quando ele acreditou? E quando ele acreditou? Não foi quando ele foi chamado? Onde há neste lugar algum testemunho nas Escrituras da compreensão de Abraão? Quando os discípulos o adoraram? Não foi quando viram a criação sujeita a Ele? Foi por causa da obediência do mar e dos ventos a Ele que eles reconheceram Sua divindade. Portanto, o conhecimento veio das operações, e a adoração do conhecimento. Crês tu que eu sou capaz de fazer isso? Eu creio, Senhor; e adorou Ele. Então a adoração segue a fé e a fé é confirmada pelo poder. Mas se você disser que o crente também conhece, ele conhece a partir do que acredita; e vice-versa, ele acredita no que conhece. Nós conhecemos Deus a partir de Seu poder. Nós, portanto, acreditamos Naquele que é conhecido, e adoramos a quem é acreditado.
O que é óbvio da lógica perfeita de São Basílio é que é impossível afirmar verdadeiramente um conhecimento de Deus sem a realidade da distinção essência-energia. A argumentação de Tomás de Aquino, Roma e suas definições literalmente levam às mesmas conclusões modalistas que Eunômio afirmou, basta alguém realmente tomar tempo para ler o grande tratado de São Gregório de Nissa contra ele. O ponto, entretanto, é que Eunômio é mais consistente que os dogmas de Roma - se uma distinção real em Deus causa divisão ou composição, então não há um fundamento para três Pessoas em Deus. Qualquer alegação de uma distinção real - de qualquer modo, sejam relações de oposição ou o que quer que seja - é negada pelos pressupostos prévios e pela fidelidade à noção helênica da absoluta simplicidade divina, baseada na dialética de Platão.

Para Platão, a simplicidade absoluta não poderia permitir quaisquer distinções, mudanças ou relações reais, pois isso negaria sua suposição prévia de que todas as distinções implicam tensões dialéticas: Atenas versus Jerusalém. O primeiro milênio da Igreja estava desde então ocupado refutando o helenismo exatamente neste ponto em cada concílio - como Celso, Orígenes, Ário, Eunômio, Plotino, Nestório e todos os outros hereges estavam literalmente operando sobre pressuposições helênicas (e não na revelação hebraica). Naturalmente, o católico romano pode tentar dizer que São Basílio está errado e os dogmas posteriores estão certos. Em resposta, eles precisam entender (como veremos a seguir) que a distinção essência-energia está ligada não apenas à Triadologia, mas à correta cristologia.

O VI Concílio Dogmatiza a Triadologia Oriental e a Cristologia juntos como uma Cadeia Dourada

O VI Concílio, que se baseia fortemente do Debate de São Máximo com Pirro, confirma dogmaticamente a distinção essência-energia em relação a Cristo e suas duas naturezas, bem como confirma como é possível que a humanidade de Cristo fosse deificada (e por extensão como somos deificados!) e como Suas duas naturezas, vontades e energias são realmente distintas e, assim, provam diretamente nossa doutrina de uma vontade na Tríade, e a distinção entre essência e energia nas ações de Deus. Lembre-se - Cristo é uma única hipóstase divina, uma única pessoa, encarnada em uma natureza humana impessoal. Suas ações são teândricas, mas ainda assim apropriadas à Sua humanidade ou à Sua divindade. Comer comida é apropriado à Sua natureza humana, mas andar sobre a água é uma ação própria da Sua natureza divina. Criar o mundo é obviamente uma ação diferente de andar sobre a água, mas ambos são atos divinos. Assim fica claro o absurdo [da posição católica romana]: a presciência é idêntica à criação é idêntica a caminhar sobre a água, é idêntica ao amor é idêntico à conflagração… é idêntica à essência divina. Portanto, as distinções são reais e os atos de Deus não são sua essência. Os católicos romanos que não leram o debate com Pirro não entenderão este ponto. A definição dogmática e a carta do Papa Santo Agatão afirma:
Do mesmo modo, proclamamos nele, segundo o ensinamento dos santos Padres, duas vontades ou quereres naturais e duas operações naturais, sem divisão, sem mudanças, sem separação ou confusão. E as duas vontades naturais não estão – longe disso! – em contraste entre si, como afirmam os ímpios hereges, mas a sua vontade humana segue sem oposição ou relutância, ou melhor, é submissa à sua vontade divina e onipotente. Era necessário, de fato, que a vontade da carne fosse guiada e submissa à vontade divina, segundo o sapientíssimo Atanásio. Como, de fato, a sua carne é chamada a carne do Verbo de Deus e realmente o é, assim a vontade natural da sua carne é chamada, e é, vontade própria do Verbo de Deus, segundo o que ele mesmo afirma: “Desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” [Jo 6,38], chamando sua a vontade da sua carne, já que a carne se tornara sua. De fato, como a sua carne, toda santa, imaculada e animada, se bem que deificada, não foi cancelada, mas permaneceu no próprio estado e no próprio modo de ser, assim também a sua vontade humana, ainda que deificada, não foi anulada, mas antes salvaguardada, segundo o que diz Gregório, o Teólogo: “De fato, a sua vontade, considerada como a do Salvador, não é contrária a Deus, pois é totalmente divinizada”. 
O papa Santo Agatão então escreveu ao VI Concílio da seguinte forma a respeito das duas energias em Cristo (baseadas nas energias Trinitárias como argumentado no Debate de São Máximo com Pirro que é fundamentado na distinção essência-energia):
Reconhecemos que ambas <as naturezas> são do único e mesmo Deus Verbo encarnado, isto é, feito homem, de maneira inconfusa, inseparável, imutável – enquanto só a inteligência distingue o que é unido, em vista do erro da confusão. De fato, rejeitamos de igual modo a blasfêmia da divisão quanto a da confusão. Ora, professamos duas naturezas, duas vontades naturais e duas operações (energias em grego) naturais no nosso Senhor Jesus Cristo, não as dizemos nem contrárias nem adversas uma à outra (como aqueles que se afastam do caminho da verdade e acusam a tradição apostólica de fazer. Longe esteja essa impiedade dos corações dos fiéis!), nem como que separadas em duas pessoas ou subsistências, mas dizemos que o mesmo nosso Senhor Jesus Cristo, como tem em si duas naturezas, assim também duas vontades naturais e operações (energias em grego), isto é, a divina e a humana: na verdade, desde a eternidade tem em comum com o Pai coessencial a vontade e operação divina, enquanto a humana, assumida de nós, <ele a tem em comum> com a nossa natureza no tempo. … Esta é a tradição apostólica e evangélica que a mãe espiritual do seu mais apto império, a Igreja Apostólica de Cristo, mantém.
1 Coríntios 12:6 afirma: E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em grego há:  ”καὶ διαιρέσεις ἐνεργημάτων εἰσίν ὁ δὲ αὐτός ἐστιν θεός ὁ ἐνεργῶν τὰ πάντα ἐν πᾶσιν.” A energeia divina, ou operações são múltiplas e podem ser vistas, experimentadas e participadas.
Isso deve ser bem claro para aqueles que são honestos e de boa vontade. Este concílio dogmático aceito pelo Oriente e pelo Ocidente, em sua explicação da cristologia ortodoxa, não deixa espaço para um agrupamento simultâneo da vontade divina, hipóstase e operação de Cristo, por exemplo, na essência divina. Como repeti muitas e muitas vezes: a argumentação nesta definição é inegavelmente baseada na argumentação neste livro [Disputações com Pirro por São Máximo o Confessor]. Negar a realidade da distinção essência-energia não é apenas minar toda a premissa do argumento de São Máximo, mas minar a coerência de toda a cristologia correta - e então, por extensão, a triadologia correta! No entanto, isso é exatamente o que todo católico romano faz quando confusamente admite alguns desses pontos, volta atrás e tenta isomorficamente identificar tudo em Deus com a essência - que é precisamente o que Actus Purus faz!

As absurdidades do Actus Purus e Filioque

No entanto, uma refutação fácil disso é apontar que o Actus Purus necessariamente afeta a cristologia (se eles são consistentes), no caso em que todos os atos de Deus são exatamente idênticos à essência divina infinita e eterna. Nessa linha de raciocínio, a criação do mundo é também sinônimo da essência divina e é exatamente sinônimo de andar sobre a água (uma ação própria de Sua divindade) e é exatamente idêntica à conflagração. Muito estupidamente, todas as ações de Deus são, portanto, eternas e essenciais - e, portanto, emanações de Sua essência - levando diretamente ao neoplatonismo. Não consigo pensar em uma refutação mais óbvia dessa posição ridícula. Vamos para a próxima definição dogmática romana do IV Concílio Latrão:

IV CONCÍLIO LATRÃO IV 1215 
XII Ecumênico (contra os albigenses, joaquim, valdenses etc.)
Cap. 1. A fé católica 
Nós, com a aprovação do sagrado Concílio, cremos e confessamos, com Pedro Lombardo, que existe alguma única realidade suprema incompreensível e inefável, a qual é verdadeiramente Pai, Filho e Espírito Santo, as três pessoas juntamente e cada uma delas singularmente. Em Deus, portanto, só há Trindade, não quaternidade, pois que cada uma das três pessoas é aquela realidade, isto é, substância, essência ou natureza divina, que sozinha é princípio de todas as coisas, e fora da qual não se encontra nenhum outro <princípio>. Ela não gera, não é gerada, não procede, mas é o Pai que gera, o Filho que é gerado, o Espírito Santo que procede; de tal modo, as distinções estão nas pessoas, a unidade na natureza. 
Embora, pois, “outro seja o Pai, outro o Filho e outro o Espírito Santo, não são todavia outra coisa”, mas o que é o Pai, também o é o Filho e o Espírito Santo, de modo todo igual; assim, segundo a verdadeira fé católica, nós cremos que eles são consubstanciais. Com efeito, o Pai, desde a eternidade gerando o Filho, deu-lhe a sua substância, segundo este o atesta: “O que o Pai me deu é maior que todas as coisas” [Jo 10,29]. 
E não se pode dizer que ele lhe tenha dado uma parte da sua substância, retendo a outra parte para si, porque a substância do Pai é indivisível, enquanto absolutamente simples. E nem mesmo se pode dizer que o Pai, gerando-o, tenha transferido para o Filho a sua substância, como se a tivesse dado ao Filho sem conservá-la para si; neste caso, teria cessado de ser substância. É claro, portanto, que o Filho recebeu sem nenhuma diminuição a substância do Pai, ao nascer; e assim, o Pai e o Filho têm a mesma substância. Assim, são a mesma realidade o Pai e o Filho, e igualmente o Espírito Santo, que procede de um e do outro. 
Quando a Verdade reza ao Pai em prol dos seus fiéis, dizendo: “Quero, Pai, que eles sejam um em nós, como também nós somos um” [Jo 17,22], o termo “um” referido aos fiéis se deve entender no sentido de união de caridade na graça, enquanto referido às pessoas divinas indica a unidade de identidade na natureza, como diz a Verdade em outra passagem: “Sede vós portanto perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste” [Mt 5,48], como se dissesse mais claramente: “Sede perfeitos” com a perfeição da graça, “como o vosso Pai celeste é perfeito” com a perfeição da natureza, isto é, cada um a seu modo. Pois entre o criador e a criatura não se pode observar tamanha semelhança que não se deva observar diferença maior ainda. Se alguém se atrever a defender ou aprovar a opinião ou a doutrina do citado Joaquim sobre este assunto, seja confutado por todos como herege.
O que é interessante aqui é que a tentativa do concílio de declarar a origem do Espírito deriva de uma “realidade” que é Pai e Filho, que é a “substância” comum dos dois, ou essência de Deus, e que como resultado, a origem hipostática do Espírito é aqui definida. É interessante que a substância real é continuamente apresentada como a natureza divina, e, no entanto, ao tentar defender as Pessoas distintas e sua origem, a origem hipostática do Espírito é claramente declarada como sendo a essência comum do Pai e do Filho. O problema é que o Espírito compartilha esta essência comum, e assim, como São Fócio argumentou corretamente na Mistagogia há muito tempo, isso significa que o Espírito também espira (spirates) Ele mesmo. Além disso, se produzir uma pessoa é o que constitui divindade, o Espírito Santo é necessariamente subordinado.

O Pai e o Filho compartilham uma propriedade especial que o Espírito não possui, e assim há um desequilíbrio dialético introduzido na Divindade. Isso também mostra que as tentativas mais recentes do Vaticano em conceder terreno aos ortodoxos na famosa Declaração não abordam a verdadeira questão - Roma nunca poderia desistir de uma dupla origem hipostática, apesar de sua disposição de admitir até mesmo uma manifestação eterna! Por quê? Porque Roma definiu dogmaticamente muitas vezes que a dupla origem do Espírito é hipostática, e não uma manifestação eterna. O que essa inestimável citação de Roma mostra é que estamos corretos - o Filioque é absolutamente um resultado direto da simplicidade divina absoluta.

É importante notar também que ainda que esta declaração tente dar um lugar ao Pai como a Monarquia da Divindade (como Roma mais tarde tentaria fazer), a Monarquia do Pai é comprometida fazendo a origem do Espírito não estritamente a Hipóstase do Pai, mas a essência comum do Pai-Filho. Outra prova desta leitura e da negação romana da graça incriada vem na próxima seção, onde nenhuma menção da theosis e da deificação pelas energias divinas entra em jogo, mas sim a (eventual) aceitação de Roma da graça criada, posta em oposição à ousia divina.

Considere também a definição mais clara do Vaticano dessa simplicidade e como o famoso tomista Dr. Ed Feser concorda:
“Desde que Ele é uma substância espiritual una e singular, inteiramente simples e imutável" (Constituição Dogmática “Dei Filius” 1870) 
Ed Feser escreve:
Como indiquei em posts anteriores, a doutrina da simplicidade divina é absolutamente central para o teísmo clássico. Dizer que Deus é simples é dizer que Ele não é de modo algum composto de partes - nem partes materiais, nem partes metafísicas como forma e matéria, substância e acidentes, ou essência e existência. A simplicidade divina é afirmada por pensadores cristãos, judeus e muçulmanos como Atanásio, Agostinho, Anselmo, Aquino, Maimônides, Avicena e Averróis. É central para a teologia de pensadores pagãos como Plotino. É o ensinamento de fé da Igreja Católica, afirmado no quarto Concílio de Latrão e no primeiro Concílio do Vaticano, e cuja negação é heresia. 
A doutrina da simplicidade divina tem várias implicações cruciais, que também são essenciais ao teísmo clássico. Implica que Deus é imutável e, portanto, que Ele é impassível - isto é, que Ele não pode ser afetado por nada na ordem criada. Implica que ele é eterno no sentido de estar completamente fora do tempo e do espaço. Implica que Ele não “tem” existência, ou uma essência, ou Seus vários atributos, mas é idêntico à Sua existência, Sua natureza e Seus atributos: Ele é Sua existência que é Sua essência que é Seu poder que é Seu conhecimento que é a sua bondade. 
(http://edwardfeser.blogspot.com/2010/09/classical-theism.html)
O que isso equivale no dogma católico romano? Feser é abundantemente claro:

A mônada essencial impessoal absolutamente simples de Platão e Aristóteles.

O que poderia ser mais óbvio? Não apenas a origem hipostática das Pessoas refuta esse essencialismo tolo, como também mostra uma correlação direta entre a cristologia e a soteriologia. Quando você perde a Cristologia Ortodoxa através da simplicidade absoluta helênica, perde a possibilidade de uma verdadeira deificação nesta vida. Como você não pode receber a essência de Deus nesta vida e não pode participar de uma energia incriada (Roma rejeita dogmaticamente isso), o que resta, a não ser um "efeito criado"? Para entender que isso é heresia não é preciso procurar mais do que a réplica de São Gregório aos barlaamitas:
“Quando Deus estava conversando com Moisés, Ele não disse: “Eu sou a essência”, mas “Eu sou Aquele que é”. Portanto, não é Aquele que é que deriva da essência, mas a essência que deriva Dele, porque é Ele quem contém todos os seres em Si mesmo”. São Gregório Palamas, Tríades em Defesa dos Santos Hesicastas, III.ii.12
São Basílio - o Um é To En (Pessoal)
Plotino - o Um é To On (Esssência impessoal)

Essa é a questão. Esta é também a razão da “dupla processão” do Pai e do Filho como de uma causa única da Hipóstase do Espírito na visão romana:

CONCÍLIO DE FLORENÇA 1438-1445 
Ecumenical XVII (União com os gregos, armênios, jacobitas)
Decreto para os gregos
[Da Bula “Laetentur coeli”, 6 de julho de 1439] 
Em nome da santa Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, com a aprovação deste santo Concílio universal de Florença, nós definimos, para que por todos os cristãos seja crido e acolhido, e assim todos professem esta verdade de fé: que o Espírito Santo é eternamente do Pai e do Filho, que tem a sua essência e o seu ser subsistente ao mesmo tempo do Pai e do Filho, e que procede eternamente de um e de outro como de um só princípio e por uma só espiração;  e declaramos que o que têm dito os santos Doutores e Padres, isto é, que o Espírito Santo procede do Pai por meio do Filho, favorece a compreensão de que também o Filho, como o Pai, segundo os gregos é causa, segundo os latinos princípio da subsistência do Espírito Santo. E porque tudo o que é do Pai, o próprio Pai o deu ao seu único Filho gerando-o – à exceção do seu ser Pai –, o próprio proceder do Espírito Santo do Filho, o Filho o tem do Pai desde a eternidade, do qual também desde a eternidade é gerado. Definimos, além disso, que a explicação dada com a expressão “Filioque” foi lícita e razoavelmente acrescentada ao Símbolo para tornar mais clara a verdade e por uma necessidade urgente daquele momento.
Aqui o Pai e o Filho assumem uma propriedade que falta ao Espírito, subordinando o Espírito (a quem falta esta propriedade que duas Pessoas possuem), justificando a análise de São Fócio séculos antes em sua obra Mistagogia. Na Mistagogia ele argumentou que a unidade de Deus é de fato colocada em um desequilíbrio e o Espírito é subordinado, ou então Ele espira (spiriates) Ele mesmo. Florença manifesta claramente a advertência que São Fócio nos deu de que as propriedades hipostáticas seriam violadas e lançadas em desequilíbrio se a bizarra doutrina de unidade do Ocidente (de influência helênica) fosse aceita.


Os absurdos da simplicidade divina absoluta na soteriologia - a confusão da graça criada

Em seguida, chegamos ao Concílio de Trento, que define o seguinte em relação à simplicidade divina absoluta em Denzinger 993:
[Desejando] admoestar a todos que até agora afirmaram, ensinaram ou creram que Deus onipotente não é Trino nas pessoas e na absolutamente incomposta e indivisa unidade da substância e uno na única simples essência da divindade; ou que nosso Senhor não é verdadeiro Deus, em tudo, com o Pai e o Espírito Santo, da mesma substância; ou que ele, segundo a carne, não foi concebido do Espírito Santo no útero da beatíssima e sempre Virgem Maria. 
Eu cito isso de Trento para também correlacioná-lo com o ponto anterior sobre graça criada, como Trento também afirma em Denz. 799-800. O importante aqui é o raciocínio por trás da graça criada e sua fonte em Agostinho (que é citado por Denzinger nas notas de rodapé):

Cap. 7. O que é a justificação do ímpio e quais as suas causas 
799. A esta disposição ou preparação segue a justificação propriamente dita, que não é somente remissão dos pecados [cân. 11], mas também santificação e renovação do homem interior, mediante a voluntária recepção da graça e dos dons, pelos quais o homem de injusto se torna justo, de inimigo amigo, para que seja “herdeiro segundo a esperança da vida eterna” [Tt 3,7]. 
Causas desta justificação são: causa final , a glória de Deus e de Cristo e a vida eterna; causa eficiente, o Deus misericordioso, que gratuitamente nos purifica e nos santifica [1Cor 6,11], assinalando e ungindo [cf. 2Cor 1,21s] “com o Espírito Santo prometido, que é penhor da nossa herança” [Ef 1,13s]; causa meritória , o seu diletíssimo <Filho> unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo, que, quando “éramos inimigos” [Rm 5,10], “pelo grande amor com que nos amou” [Ef 2,4], mereceu-nos a justificação por sua santíssima paixão sobre o lenho da cruz [cân. 10] e satisfez por nós a Deus Pai; causa instrumental, o sacramento do batismo que é o “sacramento da fé”, sem a qual ninguém jamais alcançou a justificação. 
Finalmente, a única causa formal é a justiça de Deus, não aquela pela qual ele mesmo é justo, mas aquela pela qual nos torna justos [cân. 10 e 11]; a saber, aquela pela qual, perdoados por ele, somos renovados no espírito da nossa mente [cf. Ef 4,23] e não só somos considerados justos, mas somos chamados tais e o somos realmente [cf. Jo 3,1], recebendo em nós, cada qual, a sua própria justiça, na medida em que o Espírito Santo a distribui a cada um como quer [cf. 1Cor 12,11] e segundo a disposição e a cooperação própria de cada um.  
800. Embora ninguém possa ser justo senão pela comunicação dos méritos da paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, no entanto, a justificação do ímpio se produz quando, por mérito da mesma santíssima paixão, o amor de Deus é difundido mediante o Espírito Santo nos corações [cf. Rm 5,5] daqueles que são justificados e a eles se torna inerente (cân. 11). Com isso, ao ser justificado, o homem recebe, junto com a remissão dos pecados, por meio de Jesus Cristo no qual é enxertado, todos estes dons infusos: fé, esperança e caridade. Pois a fé, se a ela não se acrescentam a esperança e a caridade, não une perfeitamente a Cristo nem produz um membro vivo do seu corpo.
No cânon 11, Trento enfatiza que a graça é infundida na alma e, como vemos em 799, não é a justiça que Deus tem. Roma tem debatido muitas vezes em vários teólogos, desde os Scotistas até os Tomistas, exatamente o que é essa “graça” - uma substância criada, infundida, ou um efeito criado, ou a própria Hipóstase do Espírito Santo, e assim por diante e as heresias continuam. O fato de que Roma há muito debate sobre isso mostra que Roma não é Ortodoxa - pois toda pessoa Ortodoxa sabe o que recebe - a própria vida, graça, justiça, etc., do próprio Deus, que não é sua essência divina. Que Roma condene especificamente a noção de que participamos da própria justiça de Deus (por causa da simplicidade divina absoluta!) mostra que não há reconciliação possível com Roma porque são definições dogmáticas (não abertas para o debate) do dogma papal! Para esclarecer tudo isso, vamos esclarecer o que Trent está "deixando de lado". A Enciclopédia Católica descarta com precisão a possibilidade de receber graça incriada e a Pessoa do Espírito Santo na justificação, tornando abundantemente claro que a graça santificante em si é criada:
“De acordo com o Concílio de Trento, a graça santificante não é apenas uma causa formal, mas “a única causa formal” (unica causa formalis) de nossa justificação. Por essa importante decisão, o Concílio excluiu o erro de Butzer e alguns teólogos católicos (Gropper, Scripando e Albert Pighius), que sustentavam que um "favor externo de Deus" adicional (favor Dei externus) pertencia à essência da justificação. O mesmo decreto também efetivamente deixa de lado a opinião de Pedro Lombardo, de que a causa formal da justificação (isto é, graça santificante) é nada menos que a Pessoa do Espírito Santo, que é a santidade hipostática e caridade, ou a graça incriada (gratia increata). Como a justificação consiste em uma santidade interior e renovação do espírito, sua causa formal evidentemente deve ser uma graça criada (gratia creata), uma qualidade permanente, uma modificação sobrenatural ou um acidente (accidens) da alma. Bastante distinto disto é a questão de saber se a habitação pessoal do Espírito Santo, embora não seja requerida para justificação (na medida em que a graça santificadora por si só é suficiente), é necessária como um pré-requisito para a adoção Divina”.
O famoso tomista Lagrange concorda: "O dom sobrenatural da graça em si concedido gratuitamente e ordenado para a vida eterna; [ele] é graça criada, da qual estamos tratando agora, seja interior ou exterior, como a pregação do evangelho." (Comentário sobre a Summa)

Ludwig Ott declara: (Fundamentals of Catholic Dogma, página 254): “A graça santificante é um dom sobrenatural criado, realmente distinto de Deus.” (Sent. fide proxima). Para os interessados no "labirinto" de Ott, as próximas páginas (256-7) são um incrível amálgama de ginástica mental e confusão católica tentando explicar como também, de alguma forma, nós "participamos da natureza divina". As especulações absurdas e as confusões e contradições em Ott são exemplares da loucura que resulta da negação dogmática da distinção essência-energia (como Ott faz nas páginas 24-27 e depois tentar conceder uma "verdadeira deificação"). Esse argumento sozinho deve derrubar todo o catolicismo romano, uma vez que, como São Gregório Palamas também respondeu a Barlaão, se tudo o que você recebe na salvação é um efeito criado, você não é salvo.

Os absurdos da simplicidade divina absoluta em tornar todas as distinções "nocionais" e o perenialismo resultante

Para a teologia dogmática católica romana, o desenvolvimento é inconfundível - a simplicidade concedida a Deus dogmaticamente não está em disputa. Resumindo todos esses exemplos dogmáticos, a Enciclopédia Católica explica sobre o status ontológico das distinções predicadas de Deus:
O próprio conhecimento divino é verdadeiramente idêntico à essência divina, assim como todos os atributos e atos de Deus; mas, de acordo com nossos modos finitos de pensamento, sentimos a necessidade de concebê-los distintamente e de representar a essência divina como o meio ou espelho em que o intelecto divino vê toda a verdade.
E, 
Pois, conforme aplicada a Deus, a distinção entre natureza e atributos e entre os próprios atributos é meramente lógica e não real. A mente finita não é capaz de compreender o Infinito de modo a descrever adequadamente sua essência por um único conceito ou termo; mas ao usar uma multiplicidade de termos, todos eles analogicamente verdadeiros, não queremos dizer que existe algum tipo de composição em Deus. Assim, conforme aplicado às criaturas, a bondade e a justiça, por exemplo, são distintas uma da outra e da natureza ou substância dos seres em que são encontradas, e se limitações finitas nos obrigam a falar de tais perfeições em Deus como se elas fossem igualmente distintas, sabemos, no entanto, e estamos prontos, quando necessário, para explicar que isto não é realmente assim, mas que todos os atributos Divinos são realmente idênticos uns aos outros e idênticos à essência Divina.
Visto que Roma identificou, como vimos,  Pessoa, Vontade, Natureza e o atributo muitas vezes (também mostrado pelo Actus Purus), não é mais possível dizer que as Pessoas são verdadeiramente distintas. Se as Pessoas também são igualadas com a Vontade e Atributo, como vimos Ybarra e muitos outros apologistas romanos tentarem explicar a frase de Santo Atanásio de que o Filho é a “vontade do Pai”, então igualar as Pessoas com atributos significa que as Pessoas são também distinções nocionais, e não reais. Assim, o resultado é o modalismo, e meu artigo inicial sobre o Subordinacionismo Ariano, como o resultado lógico da simplicidade divina absoluta, não apenas se mantém, ele também fornece uma ilustração perfeita dos múltiplos absurdos do desenvolvimento doutrinário católico romano. Vamos ser claros - estas não são disputas acadêmicas - a doutrina da simplicidade divina absoluta leva diretamente ao atual sincretismo estilo perenialista de Roma e ao ecumenismo baseado na franco-maçonaria. O deus da simplicidade divina absoluta não é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

Todas as religiões são símbolos do inefável, certo?

Quando Santo Agatão descreve as duas vontades e operações naturais em Cristo para o VI Concílio, as operações são energias ali. As definições desse concílio são baseadas no debate de São Máximo: duas vontades naturais e duas energias naturais são baseadas na idéia já dogmatizada do oriente em que hipóstase, vontade, energia e natureza são todos distintos - se não fossem, os monotelitas estariam corretos. Colapsar tudo isso na simplicidade divina absoluta afeta não apenas a triadologia - também mina toda a cristologia de todos esses concílios. A ação de Jesus criando o mundo é obviamente uma ação diferente de Sua caminhada sobre a água, embora ambas sejam ações próprias de Sua divindade no communcatio idiomatum.

Sincretismo - os "papas" participam de ritos pagãos porque todas as religiões são afirmações imprecisas da mónada inefável. João Paulo II recebendo uma bênção pagã Zapoteca.


A única conclusão coerente para tudo isso é que as distinções são reais, e os atos de Deus não são Sua essência. O mesmo se aplica à Encarnação - a Pessoa de Cristo se distingue de suas ações ou energias que são próprias de Sua humanidade e Sua divindade, e é por isso que São Gregório Palamas diz que tudo isso [essa confusão] resulta em ateísmo. Na doutrina da simplicidade divina absoluta, Deus pode ser “primeira causa”, Satanás, os archons gnósticos, Allah, etc. porque essa doutrina leva diretamente ao perenialismo maçônico do Vaticano II como visto na Dignitatis Humanae e Nostra Aetate - porque tudo o que conhecemos de Deus são formas criadas intercambiáveis a la analogia entis. Na visão simplicidade-absoluta-maçônico-perene, todas as religiões e suas confissões e ritos são meras formas simbólicas que buscam o inefável. Ratzinger até mesmo fala assim na Introdução ao Cristianismo - quando não há graça incriada e nous, Deus é removido de ser imanente no mundo em Suas energias e o ateísmo é o resultado. No entanto, uma vez que os católicos romanos geralmente só se preocupam em debater o que os papas disseram, então vamos resolvamos isso com o Papa João VIII, que indiscutivelmente proibiu a inclusão do Filioque.

Por Jay Dyer (texto original https://jaysanalysis.com/2018/09/21/a/ )


* * * 

Nota do blog skemmata [*]

As seguintes citações podem esclarecer sobre a diferença entra a teologia Ortodoxa e a Católica Romana. A primeira mostra que, para Santo Atanásio, a distinção entre a essência de Deus e Sua vontade é uma distinção real (não apenas "lógica"). A segunda citação, de um famoso tomista católico romano, mostra que a distinção entre a vontade de Deus e Sua essência ocorre meramente no pensamento ("lógica"), isto é, não há distinção na realidade.
"Assim, a refutação da posição ariana por Santo Atanásio depende, em última instância, da negação dessa simplicidade (da identificação da essência com a vontade). Que esta distinção é uma distinção genuinamente real, e não meramente lógica, não pode haver dúvida, pois toda a sua refutação ao arianismo e à problemática origenista subjacente dependia disso." (Joseph P. Farrell, Free Choice in St. Maximus the Confessor, pag. 57)
“Também não há distinção em Deus entre qualquer um dos atributos divinos: a eternidade de Deus é o Seu poder, que é a Sua bondade, que é o Seu intelecto, que é a Sua vontade, e assim por diante. De fato, o próprio Deus é o Seu poder, a Sua bondade, etc., assim como Ele é a Sua existência, e a Sua essência. Falar ou conceber Deus, a essência de Deus, a existência de Deus, o poder de Deus, a bondade de Deus e assim por diante são, na verdade, formas diferentes de falar ou conceber uma e a mesma coisa. Apesar de distinguirmos eles em pensamento, não há nenhuma distinção entre eles na realidade ”. (Ed. Feser, http://edwardfeser.blogspot.com/2009/11/william-lane-craig-on-divine-simplicity.html). 
Relevante para a questão da "graça criada" é a frase utilizada pelo Papa João Paulo II em uma homilia proferida no Canadá durante a sua visita Apostólica de 1984:
"Agradecemos ao Pai pelo Filho e pelo Espírito Santo. Agradecemos ao Filho pelo Pai. Agradecemos ao Espírito Santo porque através do amor do Pai e do Filho ele é o dom incriado: a fonte de todos os dons da graça criada."
(http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/en/f42.htm)
Como a citação do papa João Paulo II deixa claro, o Catolicismo Romano vê os dons do Espírito recebidos pelo homem como criados, enquanto a Ortodoxia vê os dons do Espírito recebidos pelo homem como incriados. Claramente os dois lados estão ensinando algo substancialmente, e não apenas semanticamente, diferente. Tomás de Aquino, que defendeu a simplicidade divina absoluta, comete esse erro porque, para ele, a única coisa incriada (por falta de palavra melhor) é a essência divina; e assim, a graça recebida pelo homem não pode ser incriada, ou seria a própria essência divina, e isso envolveria - na teologia dos escolásticos - cair na heresia do panteísmo. Mas os Padres do Oriente (Santo Atanásio, os Padres Capadócios, São Máximo, e outros) fazem uma distinção real entre a essência divina e as energias divinas; e, como conseqüência, eles sustentam que é possível ao homem receber as próprias energias incriadas de Deus, e não algum tipo de semelhança criada a Ele. O problema com a posição tomista - como os Padres Capadócios demonstraram com seus argumentos contra os hereges pneumatomaquianos - é que nenhuma realidade "criada" pode conceder o dom incriado da theosis. Assim, as graças "criadas" de que fala o Papa não podem levar à divinização do homem.

Veja também a seguinte citação:
A graça santificante não é Deus, não é o Espírito Santo... É algo criado, dado a nós por Deus por amor e misericórdia, o que nos dá uma semelhança criada da natureza e da vida de Deus. É um dom sobrenatural infundido em nossas almas por Deus, uma realidade positiva, espiritual, sobrenatural e invisível. - Pe. John Hardon (Course on Grace - Part Two: Grace Considered Intensively)
A razão pela qual o padre Hardon sustenta, junto com outros tomistas (homens como Padre Garrigou-Lagrange, Cardinal Journet, e outros), que a graça santificante é uma realidade criada na alma, é porque toda a teoria tomista da graça é baseada na metafísica causal de Aristóteles; e assim, sempre que São Tomás fala de Deus "causando" a graça a existir na alma, ele quer dizer que é algo distinto de Deus (como Padre Hardon explicou) e criado, a fim de unir o homem à Trindade. A natureza criada da graça foi esclarecida por São Tomás na terceira parte da Summa quando ele disse - em referência à realidade finita da graça na alma humana de Cristo - que "a graça é algo criado na alma," e - é claro - para São Tomás, isso prova que a graça é uma realidade finita na alma de Cristo e, por extensão, nas almas de todos os homens. [Summa Theologica, Tertia Pars, Q. 7, art. 11] Sendo assim, o teólogo Ortodoxo V. Lossky, pôde afirmar:  "Quando eles [os católicos romanos] falam de operações e energias distintas da essência, estão pensando nos efeitos criados da essência divina. Sua noção de Deus não admite nada além de uma existência essencial para a divindade. O que não é a essência em si não pertence ao ser divino, não é Deus. Portanto, as energias devem ser ou identificadas com a essência ou separadas dela completamente como ações externas a ela, isto é, como efeitos criados tendo a essência como sua causa."

Quanto ao caráter dogmático da graça criada, veja a seguinte citação:
A única causa formal [isto é, da justificação de um homem] é a justiça de Deus, não aquela pela qual Ele mesmo é justo, mas aquela pela qual nos torna (facit) justos, isto é, a saber, aquela pela qual, perdoados por ele, somos renovados no espírito da nossa mente [cf. Ef 4,23] e não só somos considerados justos, mas somos chamados tais e o somos realmente [cf. Jo 3,1]. [Concílio de Trento, Decreto sobre Justificação, capítulo 7]
O que o Concílio afirma neste texto é que o homem é justificado não pela justiça pela qual o próprio Deus é justo (isto é, a justiça incriada), mas pela justiça através da qual Ele faz o homem justo (isto é, a justiça criada). Agora, isto é precisamente o que o Oriente rejeita, porque para os Padres do Oriente o homem tornado justo apenas através de uma participação real na energia da justiça incriada de Deus, e não em algum tipo de justiça criada.

Alguns católicos dizem que o que tem sido ensinado na teologia latina é que a relação do homem com a graça é criada, e que quando se fala da "graça criada" é a relação que está sendo referenciada, e os efeitos da graça na alma da pessoa são referenciados como "graças criadas". No entanto, esta explicação, juntamente com as explicações mais escolásticas da graça "criada" dada por homens como o padre Garrigou-Lagrange, Charles Journet, et al., é precisamente o que a tradição cristã oriental rejeita como falsa. A deificação é um dom eterno e incriado, e aqueles que recebem esta graça se tornam incriados por ela, como São Gregório Palamas explica: "... o divino Máximo não apenas ensinou que ele [isto é, o dom da theosis] é enhipostático mas também que é sem-origem (não apenas incriado), indescritível e supratemporal. Aqueles que o alcançam tornam-se, assim, incriados, sem-origem e indescritíveis, embora, em sua própria natureza, eles derivem do nada. [São Gregório Palamas, "The Triads", página 86] Dito isto, é claro que o Oriente rejeitaria qualquer doutrina que transforma o dom incriado da deificação em um tipo de "habitus criado" ou "relacionamento criado". Além disso, não é possível que tal “habitus criado” ou “relacionamento criado” una o homem ao Deus incriado, porque somente aquilo que é em si mesmo incriado pode unir o homem à Santíssima Trindade. Em outras palavras, o que une o homem ao Deus tri-hipostático é a energia divina incriada, que é um dom eterno, e que é experimentado pelos santos sem intermediários "... como uma iluminação direta que não tem começo e aparece naqueles dignos como algo que excede a compreensão". [São Gregório Palamas, "The Triads", página 84] A teoria ocidental da graça "criada" não pode ser conformada aos ensinamentos dos Padres da Igreja e, portanto, é rejeitada pelos cristãos ortodoxos. O homem torna-se incriado e eterno participando da energia divina, e não participando da essência divina incompreensível e incomunicável; sendo assim, não há perigo de panteísmo. Essa questão em particular (isto é, theosis) revela por que a falha do Ocidente em fazer uma distinção real entre essência e energia em Deus é tão problemática. Na teologia de São Gregório de Nissa, a energia divina provoca uma mudança existencial - mas não essencial - no homem e essa mudança é real, isto é, é ontológica e não apenas volitiva como na teologia ocidental.

Dito isto, é claro que muitas das diferenças entre o Oriente e o Ocidente não podem ser reduzidas à semântica, mas envolvem diferenças substantivas reais. Digo isso porque as pressuposições metafísicas dos dois lados são diferentes, e essas diferenças metafísicas são a principal razão pela qual os vários concílios da Igreja Católica Romana, realizados durante o segundo milênio (por exemplo, Lyon II, Florença, Vaticano I, etc.) nunca poderão ser usados como base para a unidade entre a Igreja Romana e as Igrejas Ortodoxas. O Patriarca Ecumênico Bartolomeu estava correto quando disse que: "A maneira pela qual nós [isto é, o Oriente e o Ocidente] existimos tornou-se ontologicamente diferente". As duas tradições teológicas parecem ser totalidades auto-suficientes; e assim, qualquer tentativa de misturá-las seria fútil.


[*] O conteúdo das notas foram em parte retiradas de blogs e comentários.





sábado, 3 de agosto de 2019

A política do Vaticano em relação aos imigrantes russos pós-1917 (Paul L. Gavrilyuk)

A retórica virulenta e anti-católica da obra "Rússia e Latinidade" foi parcialmente provocada pelos esforços expansionistas do Vaticano, que viu a queda do governo czarista na Rússia como uma oportunidade para espalhar a influência católica para o território antes inacessível. [47] Em 1917, reagindo prontamente às novas circunstâncias, o papa Bento XV fundou o Instituto Oriental, em Roma, com o objetivo de preparar os missionários católicos para trabalhar na Rússia. Florovsky aparentemente estava ciente desses movimentos, descrevendo a Rússia em 1922 como um país “onde crianças eram entregues para serem corrompidas pelos jesuítas, onde coisas sagradas estavam sendo blasfemamente saqueadas, onde a hierarquia da igreja era difamada, onde os santos estavam sendo executados como mártires, e as fundações da igreja estavam sendo abaladas. ” [48] De uma maneira que lembra o artigo de Savitsky em Rússia e Latinidade, Florovsky listou os horrores da perseguição estatal da Igreja lado a lado com as tentativas católicas romanas de proselitismo, descrevendo as últimas como “corrupção das crianças pelos jesuítas”.

Em 1923, o mesmo ano em que Rússia e Latinidade foi publicado, o sucessor de Bento XV, o papa Pio XI, lançou a encíclica Ecclesiam Dei, dirigida aos eslavos orientais, e mais ainda aos refugiados da Rússia. Neste documento, o papa lamentou a "separação dos gregos da unidade da Igreja Universal", como resultado do qual "os eslavos orientais também foram desviados e perdidos da fé". [49] A encíclica celebrou a vida e o “martírio” do bispo ruteno do século XVII, Josaphat de Polotsk, que teria sido morto por seus esforços em trazer os “cismáticos” ortodoxos para o interior da Igreja Grega-Católica [uniata]. [50] Voltando-se para a situação do século XX, o Papa encorajou os católicos a obras de caridade nas comunidades russas imigrantes, com o objetivo de reconciliar os cismáticos orientais com a Igreja Católica ao longo das linhas unionistas. [51] Para provar que ele realmente estava disposto, em 1929, o papa iniciou uma faculdade para treinar padres católicos gregos [uniatas] para a Ucrânia na capital italiana.

Comunidade Ortodoxa Russa em Paris
Quaisquer que tenham sido as intenções do papa, a encíclica deixou um gosto ruim na boca dos líderes imigrantes [russos], não apenas os eurasianos, mas também aqueles mais ecumenicamente inclinados. [52] Para tornar as coisas mais complicadas, o Vaticano apoiou a “Igreja Viva”. Esse considerável grupo cismático, que em certo momento contava com mais de trinta bispos, operou na Rússia de 1917 a 1946, e fez muito para minar a já precária posição do Patriarcado de Moscou. 

Além disso, em nível oficial, a Igreja Católica manteve-se em grande parte distante do movimento ecumênico. Certamente, essa política oficial não impediu que pensadores católicos e líderes eclesiásticos individuais estabelecessem contatos não oficiais e apoiassem os exilados ortodoxos em particular.[53] Mas a posição oficial da Igreja Católica permaneceu cautelosa e, às vezes, até mesmo hostil, antes do Concílio Vaticano II (1962-1965). Se os filhos dos exilados russos desejassem estudar nas escolas católicas, eram encorajados, às vezes até pressionados, a se converter ao catolicismo.[54] Para piorar, o clero católico grego [uniata] empenhou-se no proselitismo nas comunidades ortodoxas emigrantes da Turquia, Tchecoslováquia e outros Países europeus. [55] A mudança da Bulgária predominantemente ortodoxa para países europeus não-ortodoxos, como a Tchecoslováquia, a França e a Alemanha, na época da redação da obra Rússia e Latinidade, tornou os autores eurasianos particularmente alarmados com os perigos do proselitismo e assimilação. [56]


Notas
47 Veja N. Zernov, The Russian Religious Renaissance of the Twentieth Century, 254–5; Arjakovsky, Zhurnal “Put’ ” (1925–1940), 161; Étienne Fouilloux, “Vatican et Russie soviétique (1917–1939),” Relations internationals, 3 (1981), 303–18.
48 Florovsky, carta para P. P. Suvchinsky, July 13 (26), 1922, Vestnik RKhD, 196 (2010), 80.
49 Ecclesiam Dei, 3 at <http://www.papalencyclicals.net>.
50 Ecclesiam Dei, 9–15.
51 Ecclesiam Dei, 16–22.
52 Veja Bratstvo sviatoi Sofii, 44.
53 Berdyaev, carta para P. B. Struve, November 6, 1922 (de Berlim), Bratstvo sviatoi Sofii, 170–1.
54 Veja Gillian Crow, This Holy Man: Impressions of Metropolitan Anthony (Crestwood, NY: St Vladimir’s Seminary Press, 2006), 24.
55 S. Bulgakov, “Iz pamiati serdtsa,” Issledovaniia (1998), 118–21.
56 Veja P. Suvchinsky, “Strasti i opasnost’,” Rossiia i Latinstvo, 33.

Do livro Georges Florovsky and the Russian Religious Renaissance por Paul L. Gavrilyuk


quarta-feira, 17 de julho de 2019

Agostinho e o desenvolvimento da teologia ocidental (Pe. John W. Morris)

O Papel de Agostinho de Hipona na Teologia Ocidental

É praticamente impossível exagerar o papel de Agostinho no desenvolvimento do pensamento cristão ocidental. Suas obras não apenas moldaram a teologia católica romana, mas desempenharam um papel importante no desenvolvimento do protestantismo. Um escolar patrístico católico escreveu: “Se nos confrontássemos com a improvável proposição de ter que destruir completamente as obras de Agostinho ou as obras de todos os outros Padres e Escritores, tenho pouca dúvida de que todos os outros teriam que ser sacrificados. Agostinho deve permanecer.” [352] Alguns historiadores argumentam que o interesse em Agostinho, estimulado pela impressão de suas obras entre 1490 e 1506 por Johann Amerback de Basílio, ajudou a causar a Reforma Protestante. Não há dúvida de que todos os lados da crise religiosa procuraram o maior teólogo ocidental durante seus debates. Um historiador descreve a Reforma como um “debate na mente de Agostinho há muito morto”. [353] Martinho Lutero, o fundador da Reforma Protestante, baseou grande parte de seu pensamento nos escritos de Agostinho. Os Institutos da Religião Cristã de João Calvino contém centenas de citações de Agostinho. Significativamente, Calvino, um dos teólogos mais influentes da Reforma Protestante, cita os santos Basílio, Irineu e Gregório, o Teólogo, apenas duas vezes cada. Ele não consulta São Gregório de Nissa,  Santo Atanásio, São João de Damasco ou os outros grandes teólogos orientais. [354]

Essa dependência excessiva em Agostinho e a falha em considerar as idéias dos Padres Orientais é a principal diferença teológica entre a Ortodoxia e o Cristianismo Ocidental, tanto Católicos Romanos quanto Protestantes. Embora as idéias de Agostinho tenham desempenhado um papel decisivo no desenvolvimento da teologia ocidental, elas quase não tiveram influência sobre o Oriente cristão. Embora a Igreja Ortodoxa Oriental considere Agostinho um Santo e Padre da Igreja, os teólogos orientais só conheciam Agostinho através de sua reputação. Até pelo menos o século XIII, suas obras não estavam disponíveis em grego. Como resultado, os teólogos ortodoxos orientais não puderam responder a Agostinho porque haviam lido apenas algumas citações isoladas de suas obras.

Muitas das diferenças doutrinárias entre a ortodoxia e o catolicismo romano e o protestantismo podem ser atribuídas à influência de Agostinho. O teólogo norte-africano moldou a doutrina ocidental do pecado original, que reforçou uma compreensão legalista da salvação herdada de Tertuliano. A doutrina ocidental do pecado original implicou uma negação do livre-arbítrio que estabeleceu as bases para a doutrina de Lutero da “escravidão da vontade” e para a doutrina mais radical da predestinação de Calvino. Agostinho é também o principal autor da doutrina da dupla processão do Espírito Santo do Pai e do Filho. Isto levou à famosa controvérsia filioque porque influenciou a Igreja Ocidental a adicionar as palavras “e do Filho” ao credo depois de, “Eu creio no Espírito Santo, o Senhor e Doador da Vida, que procede do Pai”. O debate sobre a processão do Espírito Santo e do filioque foi a principal disputa doutrinal que levou ao Grande Cisma entre a Ortodoxia Oriental e o Catolicismo Romano. Finalmente, a atitude negativa de Agostinho em relação à sexualidade humana estimulou grandemente o movimento de exigir o celibato compulsivo de todo o clero ocidental, outra importante causa do conflito entre a Ortodoxia e a Igreja Católica Romana.

É importante lembrar que Agostinho provavelmente não reconheceria como agostiniana muitas das idéias que outros tiraram de sua obra. Agostinho era uma pessoa muito inteligente e complexa. Durante o calor do combate intelectual, ele muitas vezes exagerou seus argumentos. Ele nunca sistematizou seus pensamentos em uma discussão coerente da doutrina cristã, como a obra Sobre a Fé Ortodoxa de São João de Damasco. À medida que o conflito com o pelagianismo e outras heresias continuou, ele se expressou de maneira que contradiziam o que ele escreveu em suas primeiras obras. Antes da disputa com o pelagianismo, Agostinho era muito mais simpático à idéia de livre arbítrio. Ele escreveu que "nem eu mesmo em todas as coisas me segui ..." [355] No final de sua vida, ele aconselhou seus leitores a rejeitar o que está "errado" em seus escritos. [356] Em todo caso, sem o equilíbrio proporcionado pelo outros Padres, uma confiança excessiva em Agostinho ou qualquer outro Padre às custas dos outros, pode produzir todo tipo de desastre teológico.

A vida de Agostinho de Hipona

Agostinho, que é freqüentemente chamado Bem-aventurado Agostinho nos círculos ortodoxos, nasceu em Tagaste, em Numida, no norte da África, em 13 de novembro de 354. Estudou lógica e filosofia em Cartago e tornou-se professor de retórica em Roma. A retórica é uma disciplina antiga que é algo como uma combinação dos assuntos modernos de comunicação, lógica e linguagem. Depois que alguns de seus alunos se recusaram a lhe pagar, ele se mudou para Milão em 383. Embora sua mãe, Santa Monica, fosse uma cristã devota, o jovem Agostinho se juntou aos maniqueus, uma seita fundada por um persa chamado Mani. Como Zoroastro e outros líderes religiosos persas antes dele, Mani acreditava no dualismo, dois poderes divinos em conflito, um bom e outro mau. Seguidores rígidos do maniqueísmo, chamados de “eleitos”, não se casavam e viviam uma vida de severo ascetismo e autonegação. A maioria dos membros, no entanto, como Agostinho, eram "ouvintes", que não conseguiam seguir todos os ensinamentos da seita. No entanto, é muito tentador especular que Agostinho nunca realmente se libertou da influência maniqueísta, especialmente ao discutir o assunto da sexualidade humana.

O jovem Agostinho não era um asceta, apesar de seu interesse pelo maniqueísmo. Em vez disso, ele viveu uma vida muito imoral. Ele foi pai de um filho ilegítimo antes de deixar a África. Quando ele chegou em Milão, ele caiu sob a influência de Santo Ambrósio. Sua conversão ao cristianismo veio depois de uma grande agitação pessoal. [357] Em certo ponto, ele orou: “Dá-me castidade e continência, mas não agora”. [358] Durante o verão de 386, sentado em um jardim em Milão, ele contemplou em se tornar ou não um cristão, e de repente ele ouviu uma criança cantando: "Pegue e leia". Ele encontrou um livro das epístolas e voltou-se para a epístola de São Paulo aos Romanos, onde ele leu: “andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências.“  [359] De repente, todas as suas dúvidas e lutas cessaram e ele se tornou cristão. [360]

Depois de sua conversão, e batismo por Santo Ambrósio, Agostinho voltou ao norte da África, onde tentou fundar um mosteiro. No entanto, sua habilidade como pensador e orador atraiu tanta atenção, que ele achou impossível viver uma vida de reclusão. Em 391, o bispo de Hipona ordenou-o ao sacerdócio. Quatro anos depois, ele se tornou o bispo de Hipona, onde morreu em 430. Santo Agostinho foi contemporâneo de alguns dos maiores teólogos da história da igreja, como os Capadócios e São João Crisóstomo. Ele foi um prolífico escritor que comentou sobre praticamente todos os assuntos da fé cristã, como praticada durante esta importante era da história da Igreja. Ele publicou 93 obras contendo 232 livros. [361] Ele estava vivo durante o fim da controvérsia ariana e o Segundo Concílio Ecumênico e o início do conflito Nestoriano.

A controvérsia donatista

Como bispo de Hipona, Agostinho teve que lidar com o cisma donatista que começou quando a Igreja teve que decidir como tratar aqueles que queriam retornar à Igreja depois de terem comprometido sua fé durante a perseguição romana. Geralmente, os bispos readmitiram esses cristãos que renegaram a fé para a Vida Sacramental da Igreja após um período de penitência. No entanto, alguns rigoristas argumentaram que os bispos eram muito permissíveis. Em vez disso, eles argumentaram que aqueles que ofereceram incenso a deuses pagãos ou entregaram os livros sagrados às autoridades só poderiam ser perdoados em seu leito de morte. Este desacordo causou um cisma após a consagração de Caecilian como bispo de Cartago, no norte da África. Como Félix de Apthungi, um dos consagradores de Caecilian, entregara os textos sagrados aos romanos durante as perseguições, alguns crentes o consideravam indigno de administrar sua diocese e os sacramentos da Igreja. Chamado Donantismo, devido ao seu líder, Donato, bispo de Casae Nigrae no que é hoje o Sudão, o novo movimento ensinou que Sacramentos administrados por clero indigno são inválidos. Uma vez que é óbvio que apenas uns poucos homens seriam considerados dignos pelos donatistas, a Igreja decidiu que a validade dos sacramentos não depende da santidade do ministro no Concílio de Arles em 314. [362]

Embora a Igreja tenha condenado o donatismo, o cisma durou até o tempo de Agostinho. Agostinho contestou a visão donatista de que a Igreja verdadeira consistia apenas de santos porque é impossível nesta vida que a Igreja ou qualquer outro grupo de seres humanos seja constituído apenas de pessoas santas. Em vez disso, Agostinho argumentou que, enquanto a Igreja estiver neste mundo, será sempre uma “mistura contendo maus membros”. [363] Usando a parábola do joio de Cristo, ele mostrou que os santos, o trigo, sempre serão misturados com os pecadores, o joio, até a segunda vinda de Cristo. [364] Ele também declarou que a Igreja é santa porque é o Corpo de Cristo, que é santo, não porque os homens e mulheres que compõem a Igreja são santos. [365] Agostinho também ensinou que os sacramentos são obra de Deus e não dos homens. Por esta razão, a validade de um sacramento não depende da dignidade do ministro que preside o sacramento. Finalmente, quando os donatistas se recusaram a aceitar a decisão da Igreja sobre essa questão, Agostinho não hesitou em pedir às autoridades imperiais que esmagassem o movimento cismático à força. [366]

A crítica de Agostinho ao Donatismo teve conseqüências de longo alcance. Se a validade dos sacramentos dependesse da dignidade do ministro, haveria poucos Sacramentos válidos, se é que haveria algum. Também abordou uma questão mais ampla, a dos pecadores na Igreja. Se apenas aqueles que não pecam pudessem ser membros da Igreja, não haveria ninguém na Igreja, porque todos os humanos são pecadores. Ao longo da história, alguns cristãos caíram na armadilha de várias formas de donatismo, esquecendo que os homens e mulheres na Igreja não estão salvos. Eles estão sendo salvos. Ao restringir a participação na Igreja a alguns que alcançaram um certo grau de santidade, eles esquecem que cada membro da Igreja está em um estágio diferente em seu crescimento para a união com Cristo. Alguns são mais avançados que outros. Eles também esquecem que a participação na Igreja, que é o Corpo de Cristo, depende da graça de Deus, não das realizações espirituais dos que estão sendo salvos pela graça de Deus.

Doutrina de Agostinho da Santíssima Trindade

A doutrina agostiniana da Santíssima Trindade também teve conseqüências de longo alcance, porque diferia grandemente dos ensinamentos dos Padres Capadócios e de outros Padres orientais. Ao contrário dos Padres do Oriente, Agostinho foi além das Sagradas Escrituras e tentou explicar o mistério da Santíssima Trindade através da razão humana. Porque Agostinho se aproximou da Trindade através do uso de sua razão, ele desenvolveu uma visão da Trindade que é muito diferente da dos Padres Orientais, que sempre consideraram a razão humana um meio inadequado para tentar entender os mistérios de Deus. Em vez disso, eles limitaram suas descrições do mistério da Santíssima Trindade à revelação de Deus nas Escrituras Sagradas. São Gregório de Nazianzeno escreveu que qualquer pessoa que tente espreitar o “mistério de Deus” será “tomada por delírio” ou “levada à loucura”. [367]

Os historiadores chamam a teologia trinitária de Agostinho de modelo psicológico da Santíssima Trindade. [368] Porque os seres humanos são criados na Imagem de Deus, ele acreditava que se pode comparar as Três Pessoas da Santíssima Trindade com a mente, o amor da mente e o conhecimento da mente. Ele escreveu: “Mas nestes três, quando a mente se conhece e ama a si mesma, resta uma trindade: mente, amor, conhecimento”. Ele também escreveu que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são como as três atividades da mente humana; memória, entendimento e vontade. Finalmente, ele comparou a Santíssima Trindade à memória, entendimento e amor com o Pai sendo memória, o Filho sendo entendimento e o Espírito Santo sendo amor. Ele descreveu o Espírito Santo como o amor e a unidade entre o Pai e o Filho. [369] Tal esforço para comparar as Pessoas da Santíssima Trindade com a mente humana seria impensável para os Padres do Oriente, que, como São João Crisóstomo escreveu, afirmaram que a natureza de Deus, "não tem nada em comum conosco". [370]

A Processão do Espírito Santo e o Filioque

A abordagem de Agostinho à Santíssima Trindade levou à doutrina da dupla processão do Espírito Santo do Pai e do Filho, que levou à adição da cláusula filioque ao Credo pela Igreja Católica Romana. Para combater a influência do arianismo entre os visigodos que governavam a Espanha, os seguidores de Nicéia na Ibéria enfatizaram a divindade do Filho ao ensinar que Ele é a origem do Espírito Santo junto com o Pai. Em 589, o Concílio de Toledo acrescentou as palavras “e do filho” ou filioque em latim ao credo depois de “Creio no Espírito Santo, Senhor e Doador da Vida, que procede do Pai.” Da Espanha, a doutrina da dupla processão do Espírito Santo se espalhou para a corte de Carlos Magno, que também acrescentou a nova cláusula ao Credo. A princípio, Roma se opôs a essa mudança. Embora tenha aceitado a doutrina da dupla Processão do Espírito Santo do Pai e do Filho, o Papa Leão III argumentou que ninguém tinha autoridade para mudar o texto do credo adotado pelos Concílios Ecumênicos. Para enfatizar seu argumento, ele ordenou dois escudos de prata e foram  pendurados na Basílica de São Pedro, um em latim e outro em grego, com o texto do Credo em sua forma original, sem a cláusula filioque. [371] Como a influência dos reis alemães continuou a crescer em Roma, o papa finalmente acrescentou a cláusula filioque ao Credo durante a coroação do imperador Henrique II em 1014. [372] No entanto, o Oriente Ortodoxo rejeitou a autoridade do bispo de Roma de revisar unilateralmente as decisões dos Concílios Ecumênicos. Por esta razão, a disputa sobre o texto do Credo é parcialmente um conflito sobre se o Papa ou um Concílio Ecumênico é a autoridade última na Igreja.

A Igreja Ortodoxa também se opõe à cláusula filioque por razões teológicas. Vladimir Lossky, um dos principais teólogos ortodoxos do século XX, considerou o filioque o verdadeiro motivo da divisão entre o Oriente e o Ocidente. Assim, ele argumentou que outras diferenças teológicas entre a ortodoxia e os católicos romanos e protestantes são na verdade uma consequência do filioque. [373] Embora ele não tenha sido o primeiro a ensinar a nova doutrina, os escritos de Agostinho fornecem o suporte teológico usado para justificar a cláusula filioque. Agostinho desenvolveu a doutrina da dupla processão do Espírito Santo do Pai e do Filho a partir de sua compreensão da Santíssima Trindade. O Padre Ocidental, que definiu o Espírito Santo como o amor e a unidade entre o Pai e o Filho, ensinou que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, porque o Filho é tudo o que o Pai é. Agostinho escreveu: “Pois se o Filho tem do Pai o que quer que Ele tenha, então certamente Ele tem do Pai, que o Espírito Santo também procede Dele”. [374]

Os teólogos ortodoxos orientais abordam a Santíssima Trindade de um ponto de vista muito diferente do de Agostinho e do Ocidente. O Oriente sempre lidou com as Três Pessoas como reveladas pelas Sagradas Escrituras. Visto que a única referência nas Escrituras Sagradas à processão do Espírito Santo afirma que o Espírito Santo "procede do Pai", não ocorreria aos teólogos orientais que o Espírito Santo também procede do Filho. [375] Porque a teologia trinitária oriental vem das Escrituras, os teólogos ortodoxos começam com o ensinamento de que Deus é o Pai que não tem começo, o Filho que é gerado do Pai e o Espírito Santo que procede do Pai. Assim, o Oriente enfatiza a monarquia do Pai que é a “primeira causa” ou fonte do Filho e do Espírito Santo. [376] Segundo a teologia ortodoxa, a doutrina da dupla processão do Espírito Santo do Pai e do Filho confunde o papel do Filho com a do Pai e, portanto, aproxima-se perigosamente da antiga heresia sabélica. O ensinamento de Agostinho também corre o risco de cair na heresia macedônica, porque se a essência do Pai e do Filho é a causa do Espírito Santo, então o Espírito Santo não é realmente divino, mas é uma criatura. [377]

A teologia trinitária ocidental começa com o conceito de Deus como “essência simples”, e então passa a definir as relações interpessoais do Pai, do Filho e do Espírito Santo. No entanto, os teólogos orientais argumentam que, ao reduzir a Santíssima Trindade a uma "essência simples", que se pode entender através da razão humana, a teologia trinitária ocidental é racionalista demais e fracassa em enfatizar a "incompreensibilidade de Deus". Como resultado, John Romanides, um influente teólogo ortodoxo moderno, escreveu: "O Deus pessoal da revelação tornou-se uma essência filosoficamente impessoal". [378] Essa discordância revela a diferença mais fundamental entre a teologia oriental e ocidental. O Oriente considera a razão humana muito falível e limitada para compreender os mistérios de Deus. No entanto, os teólogos ocidentais confiaram cada vez mais na razão humana em sua busca para desvendar os mistérios de Deus. Assim, os cristãos orientais e ocidentais não discordam em alguns pontos da doutrina. Eles têm duas maneiras muito diferentes de pensar sobre Deus. É por isso que Karen Armstrong, um respeitado historiador não-ortodoxo, observou que a disputa sobre o filioque mostra “que os gregos e latinos estavam desenvolvendo concepções bastante diferentes de Deus”. [379]

Teólogos Ortodoxos Orientais também argumentaram que a doutrina da dupla processão do Espírito Santo do Pai e do Filho implica que o Espírito Santo é inferior ao Pai e ao Filho. A doutrina ocidental torna o Espírito Santo menos Pessoa do que o Filho.[380] É significativo que a teologia e a prática ocidentais não tenham enfatizado - e às vezes ignoraram - o papel do Espírito Santo na vida da Igreja. Um resultado disso é a divisão artificial entre misticismo ou espiritualidade e teologia, que marcou a teologia ocidental desde, pelo menos, o século XIII, enquanto o Oriente não pode conceber a teologia sem misticismo ou espiritualidade. [381]

Agostinho e teólogos ocidentais baseiam seus ensinamentos da processão do Espírito Santo do Pai e do Filho em dois princípios, a unidade do Pai e do Filho em uma essência e o ensino bíblico de que o Filho envia o Espírito Santo. Entretanto, os teólogos ortodoxos argumentam que Agostinho e os teólogos ocidentais confundiram o ser interior da Trindade, ou a "Trindade ontológica", e a obra das Pessoas da Trindade para a salvação humana, ou a "Trindade econômica". Ontológico é um termo filosófico que pode ser melhor definido como a definição essencial de algo. Assim, o termo Trindade ontológica se refere a Deus como sempre existiu em seu ser interior ou essência. Econômico vem do grego para o ordenamento de uma casa. Teólogos ortodoxos referem-se à salvação como a economia de Deus. Portanto, o termo Trindade econômica refere-se à obra das Pessoas da Santíssima Trindade para a salvação da humanidade. Portanto, o Espírito Santo procede eternamente do Pai, de acordo com uma compreensão ontológica da Trindade, mas é enviado pelo Filho para a salvação humana quando a Trindade é entendida economicamente. Por essa razão, alguns Padres do Oriente, como São João Damasceno, escreveram que o Espírito Santo procede do Pai através do Filho. No entanto, São João é muito cuidadoso ao afirmar que o Pai é a “causa” do Filho e do Espírito Santo. [382] Os teólogos ocidentais argumentam que não há diferença real entre o conceito de que o Espírito Santo é enviado pelo Filho e a idéia de que o Espírito Santo procede do Filho. Eles também argumentam que “do Filho” significa basicamente a mesma coisa que “através do Filho”. Assim, São Máximo o Confessor argumentou que é possível entender a doutrina da dupla processão do Espírito Santo em um sentido Ortodoxo. [383]

A Doutrina do Pecado Original de Agostinho

O entendimento de Agostinho sobre a salvação também mostra as crescentes diferenças entre a Ortodoxia e as Igrejas Ocidentais, tanto católicas quanto protestantes. Agostinho desenvolveu suas visões sobre a salvação no calor da intensa controvérsia com Pelágio, um asceta britânico que ensinou que o homem poderia viver uma vida justa e ganhar a salvação através de sua própria capacidade. De acordo com Pelágio, o homem pode ser salvo sem a graça de Deus. Como apontou São João Cassiano, a confiança de Pelágio na capacidade humana mostrou uma estreita relação entre o pelagianismo e outra heresia, o nestorianismo. A Igreja condenou Pelagianismo no Terceiro Concílio Ecumênico, o Concílio de Éfeso em 431 ao mesmo tempo que também condenou o nestorianismo. A abordagem básica da salvação como algo que pode ser obtido em virtude do pelagianismo é radicalmente diferente da compreensão oriental da salvação como deificação através da comunhão com Deus. No entanto, assim como o monofisismo foi uma reação extrema ao nestorianismo, os ensinamentos de Agostinho sobre a salvação foram uma reação extrema ao pelagianismo.

A resposta de Agostinho ao pelagianismo levou ao desenvolvimento da doutrina ocidental do pecado original. Não há dúvida de que os Padres haviam ensinado que toda a mortalidade herdada era consequência da Queda de Adão e Eva. [384] Agostinho, porém, acrescentou uma nova dimensão ao ensino da Igreja argumentando que os nascidos dos descendentes de Adão não só herdam a mortalidade, mas também a culpa pessoal do pecado de Adão. Agostinho desenvolveu sua visão da culpa herdada de um texto na Epístola de São Paulo aos Romanos, 5:12. A tradução latina usada por Agostinho dizia: “Por um homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte; e assim a morte passou a todos os homens, em quem todos pecaram” [385]. No entanto, a Versão Padrão Revisada, uma tradução muito mais precisa do texto grego original, diz: "Portanto, como o pecado entrou no mundo por um homem e a morte pelo pecado, a morte se espalhou para todos os homens porque todos pecaram". Alguns traduzem a frase controversa em Romanos 5:12, “porque todos pecaram”, como “por causa da qual [a morte] todos pecaram.” [386] Nesse caso, a mensagem do texto é que o esforço inquieto para evitar as limitações da morte leva ao pecado. [387] Em qualquer caso, o texto grego original de Romanos 5:12 não ensina que todos herdam a culpa de Adão. Em vez disso, afirma que existe uma relação entre a morte, que todos herdam de Adão e o pecado. Por esta razão, os Padres do Oriente ensinaram a doutrina do pecado ancestral, a idéia de que todos herdam as conseqüências do pecado de Adão, que são corrupção e morte. Eles não ensinaram que todos herdam a culpa do pecado de Adão. São Irineu de Lyon escreveu: “... por meio de nossos primeiros pais, fomos todos escravizados, estando sujeitos à morte.” São Basílio escreveu que a morte é “transmitida a nós por meio de Adão”. São Cirilo de Alexandria descreveu o pecado ancestral como uma doença e escreve que os seres humanos nascem sujeitos à “corruptibilidade”. Significativamente, ele também afirmou que os humanos não são “co-transgressores com Adão”. [389] Os Padres do Oriente ensinaram que a luta contra a maldição da morte faz com que o indivíduo caia em pecado e, assim, incorra à culpa pessoal sobre si mesmo.[390] No entanto, Agostinho, que baseou suas opiniões na tradução latina incorreta, em vez do texto original grego de Romanos 5 : 12, concluiu que todos os seres humanos compartilham da culpa de Adão.[391] Agostinho descreveu a humanidade como uma "massa de perdição", porque todos nascem já contaminados com a culpa herdada de Adão.

A influência de Agostinho é tão grande que a Igreja Católica Romana e as Igrejas Protestantes continuam a ensinar o conceito do pecado original como pecado e culpa herdados. Durante a Idade Média, teólogos ocidentais como Anselmo de Cantuária expressaram o pecado original em termos ligeiramente diferentes. Anselmo ensinou que os nascidos no pecado original são privados da graça de Deus. [393] Em 1546, o Concílio de Trento, que se reuniu para dar uma resposta católica romana oficial à Reforma Protestante, definiu a herança de Adão como “a morte da alma”. [394] Os teólogos católicos romanos mais tradicionais reconciliam Anselmo com Trento ensinando que a morte da alma implica que a pessoa é privada da graça de Deus. [395] Nos tempos modernos, seguindo as grandes reformas introduzidas pelo Concílio Vaticano II na década de 1960, os teólogos católicos romanos adotaram uma visão menos extrema do pecado original. O Catecismo oficial da Igreja Católica ensina que, embora "todos os homens estejam implicados no pecado de Adão ... a natureza humana não foi totalmente corrompida". [396]

As conseqüências da doutrina ocidental do pecado original são enormes. A crença de Agostinho na culpa herdada continuou a legalização do conceito ocidental de salvação iniciada por Tertuliano. Como resultado, a compreensão ocidental da salvação enfatiza o perdão do pecado e a remoção da culpa. Por outro lado, os teólogos orientais vêem a salvação como uma cura que restaura a comunhão com Deus. Essa cura transforma o crente na semelhança de Deus. Consequentemente, os teólogos ortodoxos descrevem a salvação como deificação. Os cristãos ortodoxos não consideram a salvação em termos jurídicos ou legalistas como os católicos e protestantes. Teólogos ortodoxos enfatizam o papel da Encarnação na salvação. Ao se tornar homem, Cristo assumiu e curou a natureza humana. União com Cristo, deifica o crente assim como sua união com a natureza divina deificou a natureza humana de Cristo.

Agostinho e o livre arbítrio

De sua crença de que todos os seres humanos nascem já culpados do pecado de Adão, Agostinho concluiu que o pecado e a culpa herdados corromperam os seres humanos de tal forma que lhes roubaram o livre-arbítrio, bem como a capacidade de fazer o bem. Isso o levou a concluir que toda pessoa é tão contaminada pelo pecado original desde o nascimento que ela só pode usar seu livre-arbítrio para cometer pecados. [397] Como resultado, Agostinho ensinou que somente aqueles escolhidos por Deus para receber Sua graça divina são capazes de fazer o bem que Ele considerava necessário para a salvação. Portanto, somente aqueles predestinados ou escolhidos por Deus são salvos. Não há lugar para o livre arbítrio ou cooperação com Deus na compreensão de Agostinho da salvação. Ele escreveu, “Portanto, eles foram eleitos antes da fundação do mundo com aquela predestinação em que Deus previu o que Ele mesmo faria… Assim, Deus elegeu os crentes… escolhendo-os, portanto; Ele os faz ricos em fé, como os faz herdeiros do Reino.” [398]

Nada poderia estar mais longe da teologia oriental do que a doutrina da depravação total de Agostinho e sua rejeição do livre-arbítrio humano. Para começar, os Padres Gregos tinham uma visão muito diferente da condição de Adão e Eva antes da queda. Teófilo de Antioquia e Irineu de Lyon descrevem Adão como um “infante” ou “criança” que não havia atingido a maturidade espiritual. [399] São Máximo escreveu que Adão e Eva não eram perfeitos, mas tinham o potencial para se tornarem como Deus.[400] Os teólogos do Oriente ensinaram que o primeiro casal falhou em sua vocação, que era a de unir a Deus tanto eles mesmos quanto a criação por meio do progresso em direção à maturidade espiritual. No entanto, Agostinho acreditava que Adão e Eva já estavam maduros espiritualmente antes da queda. Assim, a Queda e suas conseqüências foram muito maiores para Agostinho do que para os Padres Orientais.

Desde o início, os Padres Orientais enfatizaram que, para serem salvos, os humanos devem cooperar com a graça de Deus através do uso correto do livre arbítrio. Assim, a negação do livre arbítrio por Agostinho é completamente estranha à teologia ortodoxa. São Irineu de Lyon escreveu: “Deus fez do homem um livre [agente] desde o princípio, possuindo seu próprio poder, assim como ele faz com sua própria alma para obedecer voluntariamente aos pedidos de Deus, e não por compulsão de Deus”. [401] São João Crisóstomo ensinou que, para serem salvos, os humanos devem usar seu livre arbítrio para responder ao chamado de Deus para a salvação. Ele escreveu: “Tudo depende, de fato, de Deus, mas não de modo que nosso livre-arbítrio seja impedido… Pois precisamos primeiro escolher o bem; e então Ele nos leva aos seus. Ele não antecipa nossa escolha, para que nosso livre arbítrio não seja ultrajado.” [402] Ele também escreveu: "A vontade humana não é suficiente a menos que a pessoa receba auxílio do alto: e, ainda assim, o auxílio do alto não traz benefício algum a não ser que haja vontade." [403] São João Damasceno, que resumiu os ensinamentos dos Padres, escreveu: "Deve-se ter em mente que Deus conhece antecipadamente todas as coisas, mas que ele não as predestina. Assim, ele conhece antecipadamente as coisas que dependem de nós, mas ele não as predestina... porque nem Ele deseja o nosso mal, nem impõe a virtude.”[404] Significativamente, antes de seu conflito com o pelagianismo, até mesmo Santo Agostinho reconheceu o livre-arbítrio. Ele escreveu: "Tomemos cuidado para não defendermos a graça de modo que pareça que estamos negado a liberdade de escolha. Do mesmo modo, não devemos insistir na liberdade de escolha com tanta ênfase a ponto de podermos ser julgados ingratos a Deus devido a nosso orgulho ímpio."[405]

A resposta de São João Cassiano a Agostinho

Embora nenhum dos Padres Orientais tenha respondido diretamente a Agostinho, os escritos de São João Cassiano mostram como eles teriam visto as idéias de Agostinho. Embora alguns teólogos ocidentais rejeitem Cassiano como "semi-pelagiano", o Oriente Ortodoxo sempre considerou seu ensino uma afirmação correta da doutrina ortodoxa. [406] Ele ensinou que Agostinho havia caído em erro ao construir um conflito artificial entre a graça de Deus e o livre arbítrio humano. Em vez disso, ambos são necessários para a salvação porque, para ser salva, a pessoa deve usar seu livre arbítrio para cooperar com a graça de Deus. Ele usou a analogia de um fazendeiro que produz uma colheita abundante nos campos fornecidos por Deus para ilustrar que tanto a graça de Deus quanto o uso apropriado do livre arbítrio humano são necessários para a salvação, com o trabalho do agricultor representando o esforço humano e o solo, representando a graça de Deus. Não há salvação sem graça. Também não há a salvação a menos que se coopere com a graça de Deus através do uso correto do livre arbítrio. Assim, ele escreveu: “Estas duas coisas, isto é, a graça de Deus e o livre arbítrio, certamente parecem mutuamente opostas, mas ambas estão de acordo, e entendemos que devemos aceitar ambas”. Citando as palavras de São Paulo, “quando os gentios que não têm a lei fazem por natureza o que a lei exige, eles mostram que o que a lei exige está escrito em seus corações”, ele argumentou que até os humanos caídos têm a capacidade de responder à graça de Deus pelo uso correto de seu livre arbítrio. Assim, ele escreveu que "a graça de Deus sempre trabalha em conjunto com a nossa vontade em nome do bem." Relembrando as palavras de São Paulo, “exercite a sua própria salvação com temor e tremor”, Cassiano acreditou que o homem é capaz de “negligenciar ou amar a graça de Deus”. Assim, São João ensina que o homem é salvo através da sinergia ou cooperação com a graça de Deus. Por fim, ele faz uma afirmação muito profunda: "Pois como Deus opera todas as coisas em nós, por um lado, e como tudo é atribuído ao livre-arbítrio, por outro, não pode ser totalmente compreendido pela inteligência e pela razão humana". [407]

São João, que introduziu o monaquismo no sul da França, passou muito tempo no Oriente. Como resultado, ele aplicou as lições que aprendeu dos Padres Orientais às questões levantadas por Agostinho. São João Crisóstomo, que ordenou Cassiano como diácono, cita a afirmação de Paulo de que "gentios que não têm a lei fazem por natureza o que a lei exige", como evidência de que Deus criou os humanos com a capacidade de escolher entre o bem e o mal. [408] São Cirilo de Jerusalém ensinou que “a alma é autogovernada”. De acordo com esse grande mestre, o diabo pode tentar uma pessoa a pecar, mas, por causa do livre arbítrio, não tem poder para forçá-la a praticar o mal.[409] Arquimandrita Sofrônio escreveu que Deus nunca força uma pessoa a aceitar a graça e a salvação. Em vez disso, o Espírito Santo só desce sobre aqueles que são "receptivos". [410]

Portanto, como foi o caso com sua doutrina da Trindade, Agostinho confia demais na razão humana em seus esforços para definir a salvação. A salvação é um mistério que não pode ser entendido através da razão humana. É um paradoxo. Os humanos não podem se salvar por seus próprios esforços. Eles só podem ser salvos por Deus, o único que é o autor da salvação. No entanto, ao mesmo tempo, uma pessoa não pode ser salva a menos que ela coopere com a graça de Deus.

O Concílio de Orange

A controvérsia causada pelos ensinamentos de Agostinho se alastrou no Ocidente por quase cem anos. São João Cassiano não foi o único teólogo a desafiar as opiniões de Agostinho. São Vicente de Lérins condenou “a falsidade da depravação herética”. Em vez disso, ele argumentou que o homem deve se esforçar para manter a fé “crida em todos os lugares, sempre e por todos”. [411] Enquanto isso, Prosper de Aquitaine defendeu Agostinho e criticou São João Cassiano argumentando que tudo o que resta após o pecado original, “pertence à condenação e castigo” .[412] Finalmente, a Igreja Ocidental chegou a um fim temporário do conflito no Concílio de Orange em 529. Este concílio, que nunca foi reconhecido pela Igreja do Oriente, adotou uma posição semi-agostiniana. Chegou perto de defender a Predestinação. No entanto, aceitou a doutrina da depravação total, decretando que "nenhum homem possui nada de seu, além da mentira e do pecado." Como resultado, o Concílio de Orange concluiu que “a liberdade da vontade que foi destruída no primeiro homem pode ser restaurada apenas pela graça do "batismo"”. [413]

Livre arbítrio na teologia ocidental

Embora a Igreja Ocidental considerasse Santo Agostinho e o Concílio de Orange em grande estima, não aceitou suas opiniões sem revisão. São Gregório Magno, papa entre 590 e 604, desenvolveu a visão da salvação aceita pela Igreja Católica Romana Medieval. São Gregório reverenciava Santo Agostinho e compartilhava sua visão negativa da sexualidade humana. Ele escreveu que, mesmo dentro do casamento, a relação sexual é apropriada apenas para o propósito da procriação. No entanto, ele não compartilhou a negação do livre arbítrio de Agostinho. Em vez disso, seus pontos de vista eram mais parecidos com os de São João Cassiano. Ele ensinou que um cristão deve cooperar com a graça salvífica de Deus. Ele escreveu: “O bem que fazemos é ao mesmo tempo de Deus e de nós mesmos. É de Deus através da graça preveniente e nossa através do livre arbítrio obediente.” [414] Assim, o catolicismo romano não aceitou a negação de livre arbítrio por Agostinho sem reservas. Significativamente, o Concílio de Trento ensinou uma doutrina muito semelhante à de São João Cassiano. Esta assembléia de teólogos católicos romanos declarou que é herético dizer que a cooperação do livre arbítrio do homem não seja necessária para a salvação. Em 1713, o papa Clemente XI emitiu um decreto, Unigenitus, condenando os escritos de Cornélio Jansen, o bispo de Ypres que ensinou uma negação agostiniana extrema do livre arbítrio. [416] Assim, a Igreja Católica Romana afastou-se do agostinismo estrito sobre esta questão e adotou uma posição que está mais próxima da da Igreja Ortodoxa Oriental.

Não é possível afirmar categoricamente se o pensamento de Agostinho é uma causa ou apenas uma manifestação da tendência a negar o livre arbítrio que é uma característica importante da história intelectual ocidental. Essa tendência é tão forte que sobreviveu ao anti-sobrenaturalismo do Iluminismo do século XVIII. Por exemplo, Karl Marx, cujas idéias influenciaram a vida de milhões, ensinou que a organização econômica da sociedade determina tudo o que há na sociedade. Mesmo alguns dos que rejeitaram algumas das conclusões de Marx concordam com sua doutrina do determinismo econômico. Mais recentemente, alguns negaram o livre arbítrio ensinando um tipo de determinismo biológico, que é a ideia de que fatores biológicos ou genéticos determinam o destino de alguém. Em qualquer caso, a visão de Agostinho sobre os seres humanos cujo destino está à mercê de forças fora de seu controle é uma importante manifestação de uma grande tendência no pensamento ocidental.

Um problema com Agostinho é que ele não levou a Encarnação suficientemente a sério. A doutrina da Encarnação afirma que Deus tomou a iniciativa para nossa salvação. A salvação só é possível porque Deus veio em Cristo para elevar a humanidade caída de seu estado perdido de pecado e rebelião. Porque Deus agiu primeiro através de Cristo, os humanos são capazes de usar seu livre arbítrio para aceitar o dom da salvação. As Sagradas Escrituras ensinam que Cristo veio e morreu na cruz por todos, não apenas por alguns escolhidos. Nosso Senhor disse: “e eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim.” [417] São Paulo escreveu que Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.” [418] Alguns versículos depois de Romanos 5:12, o versículo sobre o qual Agostinho constrói sua doutrina do pecado original, São Paulo escreveu: “um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens.” [419] A Liturgia Ortodoxa de São João Crisóstomo afirma: “depois que caímos tu levantaste-nos de novo, e não cessaste de tudo fazer para nos levar ao céu." [420] Agostinho subestima o efeito decisivo da Encarnação pela qual Deus agiu para redimir a humanidade caída da maldição do pecado e da morte, tornando assim possível aos humanos caídos cooperarem com a graça de Deus para sua salvação.

Agostinho e Sexualidade Humana

Suas opiniões sobre o pecado original também levaram Agostinho a abraçar uma visão muito negativa da sexualidade humana. É altamente possível que a culpa não resolvida de sua juventude imoral tenha desempenhado um papel importante em levá-lo a uma visão muito negativa do prazer sexual. É também provável que a visão negativa da sexualidade humana do maniqueísmo tenha continuado a influenciar Agostinho muito depois de sua conversão ao cristianismo. Ele acreditava que o pecado original e o desejo, luxúria ou concupiscência carnais, contamina todas as relações sexuais, mesmo dentro do casamento. Embora ele reconhecesse que a concupiscência dentro do casamento não é necessariamente pecaminosa, ele ainda a chama de “filha do pecado”. Por essa razão, ele escreveu que, por meio do desejo sexual, “até o casamento tem a oportunidade de sentir vergonha”. Ele escreveu: ""até mesmo o abraço lícito e honrado não pode ser buscado sem o ardor da luxúria" [421] Assim, de acordo com Agostinho, o prazer sexual, mesmo dentro do casamento, é suspeito porque é espontâneo e não pode ser completamente controlado pela mente consciente. Ele escreveu: “E essa luxúria não apenas toma posse de todo o corpo e membros externos, mas também se faz sentir por dentro, e move todo o homem com uma paixão na qual a emoção mental se mistura com o apetite corporal ... Que amigo da sabedoria e santas alegrias, que, casado ... não preferiria, se isso fosse possível, gerar filhos sem essa luxúria.” [422] Assim, de acordo com Agostinho, a relação sexual é legítima apenas quando usada para procriação e não para prazer mútuo entre marido e mulher. [423]

A maioria dos padres orientais tinha uma visão muito mais positiva da sexualidade humana do que Agostinho. Eles não aceitaram o ensinamento de Agostinho sobre a culpa herdada. Assim, eles não ensinaram que a sexualidade humana é maculada pela transmissão do pecado original. Eles adotaram uma abordagem mais bíblica baseada no relato da criação que afirma: “Portanto, o homem deixa seu pai e sua mãe e se une à sua esposa, e eles se tornam uma só carne”. [424] Porque as Sagradas Escrituras afirmam que um homem e sua esposa se tornam “uma só carne”, alguns Padres orientais consideravam a união entre um homem e uma mulher em santo matrimônio uma imagem da união do Pai, Filho e Espírito Santo na Santíssima Trindade. São Metódio de Patara, um teólogo do terceiro século, escreveu uma descrição positiva das relações sexuais que ele considerava santa e abençoada por Deus, que estabeleceu o padrão para a união entre um homem e uma mulher quando Ele criou Eva a partir de uma costela tirada de Adão. Um teólogo ortodoxo contemporâneo escreveu que, nos escritos de São Metódio, “todos os elementos da vida sexual, tais como 'encantamento', 'prazeres', 'abraço de amor', 'desejo' e 'êxtase', recebem uma interpretação positiva e poética ”. [426] São João Crisóstomo ensinou que o casamento é um santo estado abençoado por Deus. Ele elogia o amor de um homem e uma esposa que se tornam "uma só carne" no casamento. Ele sustentou que a união sexual entre marido e mulher não é apenas natural, mas uma fonte legítima de prazer humano. Considerava as relações íntimas dentro do casamento boas, mesmo que a união delas não produzisse um filho. Assim, São João Crisóstomo apresentou uma visão muito diferente da sexualidade humana do que a visão muito mais negativa de Agostinho sobre as relações sexuais como contaminada pela luxúria da “concupiscência” e a transmissão do pecado original. [427]

No Oriente cristão, um concílio local realizado em Gangra na atual Turquia, entre 325 e 381, aprovou vários cânones que defendiam o casamento e excomungavam qualquer um que rejeitasse a santidade do matrimônio ou o casamento de padres. O canon IX desse mesmo concílio condenou aqueles que escolheram a virgindade por causa de uma atitude negativa em relação ao casamento e à sexualidade humana. [428] Esses cânones podem ser tomados como expressão oficial da visão oriental do casamento e da sexualidade, porque o cânon II do Concílio de Trullo, considerado pela Igreja Oriental como uma continuação do Quinto e Sexto Concílios Ecumênicos, ratificou o Concílio de Gangra. [429] Assim, através dos escritos de São João Crisóstomo e sua legislação canônica, a Igreja Oriental rejeita uma atitude negativa em relação ao casamento e à sexualidade humana, como a encontrada nos escritos de Agostinho. Como tudo o mais que Deus fez, a sexualidade humana é boa quando usada de acordo com Sua vontade e propósito. Portanto, o uso indevido da sexualidade e não a sexualidade em si é pecaminoso, assim como o uso indevido de qualquer parte da criação de Deus é pecaminoso. No entanto, dentro das bênçãos do Santo Matrimônio, o sexo e o prazer que ele traz fazem parte da criação de Deus. Os autores das Sagradas Escrituras não compartilham a visão negativa de Agostinho sobre sexo. Embora alguns Padres tenham interpretado ela como uma metáfora para a relação entre Cristo e Sua Igreja ou entre a alma e Deus, A Canção de Salomão também dá uma visão muito simpática da sexualidade humana. Em sua Epístola aos Efésios, São Paulo comparou a unidade entre um homem e uma mulher em casamento à unidade entre Cristo e Sua Igreja. [430] São Paulo proíbe que um casal negue uns aos outros seus “direitos conjugais” por mais de um curto período de tempo. [431] A Epístola aos Hebreus declara: “Que o casamento seja honrado entre todos, e que o leito conjugal seja sem mácula". [432]

O crescimento do celibato clerical no ocidente

A visão negativa de Agostinho sobre a sexualidade desempenhou um papel significativo na aceitação do celibato obrigatório para o clero na Igreja Ocidental. O movimento pelo celibato clerical imposto no Ocidente começou antes de Agostinho. Em 305, o Sínodo de Elvira na Espanha decretou que os bispos e outros clérigos devem evitar relações sexuais com suas esposas. [433] Significativamente, quando alguns bispos sugeriram que toda a Igreja adotasse essa proibição das relações matrimoniais para o clero no Primeiro Concílio Ecumênico, o Primeiro Concílio de Nicéia em 325, o Bispo Paphnetius, ele mesmo um celibatário que perdeu um dos olhos durante as perseguições, pediu a seus colegas bispos a não impor uma carga tão pesada ao clero. Citando Hebreus: “Que o casamento seja honrado entre todos, e que o leito conjugal seja sem mácula”. Ele argumentou que as relações sexuais entre um homem e sua esposa são castas.[434] Como resultado, o Concílio se recusou a exigir o celibato universal entre o clero. [435]

A recusa do Primeiro Concílio Ecumênico em exigir o celibato do clero teve pouco efeito no Ocidente. Ao longo dos séculos seguintes, uma série de concílios locais no Ocidente publicou uma série de decretos proibindo relações íntimas entre o clero e suas esposas. Agostinho exigiu que seu clero deixasse suas esposas e vivesse uma vida semi-monástica. Em 461, o Concílio de Tours proibiu os homens que se tornaram pais após a ordenação de servir a Eucaristia.[436] No início do século XI, as autoridades romanas haviam decidido que seus esforços para pressionar o clero a se abster das relações íntimas com suas esposas haviam sido um fracasso. Finalmente, em 1139, o Segundo Concílio de Latrão publicou um decreto exigindo o celibato para todos os sub-diáconos, diáconos, padres e bispos. [437] Quando o papa estendeu sua campanha contra o clero casado ao Oriente, era inevitável que o clero oriental se recusasse a abandonar suas práticas tradicionais. Este conflito desempenhou um papel decisivo na divisão final entre a ortodoxia e o catolicismo romano. Apesar de seus melhores esforços, várias gerações de papas e bispos ocidentais tiveram sucesso limitado em persuadir seu clero a abraçar o celibato. Em vez disso, muitos padres casaram-se secretamente ou viveram com uma concubina ou amante sem o benefício das bênçãos da Igreja durante a Idade Média.

A Igreja Oriental discordou do Ocidente e nunca aceitou os argumentos ocidentais a favor do celibato. Não só o Primeiro Concílio Ecumênico rejeitou a tentativa ocidental de impor o celibato ou pelo menos proibir o clero de relações íntimas com suas esposas, vários concílios orientais não hesitaram em criticar a Igreja Ocidental por sua atitude em relação ao clero casado. Por exemplo, o Concílio de Gangra, realizado entre 325 e 381, excomungou qualquer um que considerasse o clero casado indigno de presidir a Eucaristia. [438] Os cânones apostólicos, um conjunto de regulamentos aprovados pelo Concílio em Trullo em 692, excomungaram qualquer clérigo que deixasse sua esposa, “sob pretexto de religião”. [439] Embora a Igreja Oriental exigiu que os bispos adotassem o celibato no Concílio de Trullo, em 692 recusou-se firmemente a proibir a ordenação de padres e diáconos casados. Em vez disso, o Concílio de Trullo, considerado uma continuação do Quinto e Sexto Concílios Ecumênicos pela Igreja Ortodoxa, defendeu o clero casado e condenou a Igreja Romana por proibir seu clero de ter relações íntimas com suas esposas. [440] Assim, a Igreja Oriental acreditava que todos, incluindo a Igreja Ocidental e o Bispo de Roma, deveriam aceitar a autoridade de um concílio geral representando toda a Igreja. É significativo que a primeira vez que a Igreja Oriental condenou oficialmente uma prática da Igreja Ocidental, a disputa dizia respeito à sexualidade humana e ao casamento clerical.

O impacto de Agostinho na teologia ocidental

Nota-se várias coisas sobre Agostinho quando compara-se ele aos Padres Orientais. Embora ele cite a Escritura, é difícil não concluir que ele baseou suas conclusões mais na lógica e na razão humana do que na Bíblia. Não parece haver muito lugar para mistério na teologia de Agostinho. Ele audaciosamente tenta definir questões que os Padres Orientais consideravam além da capacidade da razão humana finita de entender. Ou ele não sabia sobre as obras dos Padres Gregos ou não os considerava importantes o suficiente para consultar quando desenvolvia seus pontos de vista. Uma busca nos índices dos sete grossos volumes dos escritos de Santo Agostinho na coleção dos Padres Nicenos não apresenta um único exemplo em que ele houvesse consultado os grande Padres Capadócios, São João Crisóstomo e quaisquer outros dos gigantes do pensamento cristão oriental. Assim, em Agostinho, encontra-se um afastamento definitivo da teologia cristã, tal como se desenvolveu desde a Ascensão de Cristo. Em um sentido muito real, Agostinho foi o primeiro protestante, porque ele baseou suas teorias em sua própria razão e interpretações da Escritura e praticamente ignorou a tradição dos Padres. Sua falha em considerar os ensinamentos dos Padres Orientais teve conseqüências desastrosas para a unidade dos cristãos. Os cristãos ortodoxos não seguem um único Padre, mas buscam o consenso dos Padres para guiá-los a compreender a Sagrada Tradição da Igreja. Agostinho ignorou o consenso dos Padres. Como resultado, ele advogou ensinamentos que romperam a continuidade da crença e prática da antiga Igreja indivisa. Mais do que qualquer outra pessoa, Agostinho lançou as bases para a separação doutrinária do Ocidente da Igreja Oriental. 

À medida que a devoção a Agostinho aumentou no Ocidente, o conhecimento dos Padres Orientais diminuiu. À medida que o Ocidente mergulhava no que os historiadores chamam de Idade das Trevas, menos pessoas conseguiam ler o grego e, portanto, não podiam buscar a iluminação dos Padres Orientais. Ao mesmo tempo, o esforço de Alcuíno e aqueles na corte de Carlos Magno e seus sucessores para afirmar sua independência de Constantinopla levou-os a enfatizar a tradição ocidental de modo que eles esqueceram os insights dos Padres Orientais. Como Agostinho era o maior Padre ocidental, era natural que os teólogos ocidentais o procurassem em busca de orientação. No entanto, como resultado, eles perderam o equilíbrio que teria existido comparando as conclusões de Agostinho com os Padres Orientais. Contudo, a Igreja Católica Romana nunca perdeu por completo a memória dos Santos Padres do Oriente, e recusou-se a aceitar o agostinianismo sem reservas. Os reformadores protestantes, especialmente Lutero e Calvino, por outro lado, não reconheceram suficientemente a autoridade dos padres orientais. Conseqüentemente, eles adotaram uma teologia que é baseada nas conseqüências lógicas de alguns dos ensinamentos de Agostinho.


Do livro "The Historic Church - An Orthodox View of Christian History" por Pe. John W. Morris 

Notas

352 Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol. III, p. 1
353 Diarmaid MacCulloch, The Reformation: A History, (New York: Penguin Books, 2005), p. 111
354John Calvin, Institutes pp. xxi-x
355 Augustine, “On the Gift of Perseverance,” in Nicene Fathers, First Series, vol. V. P. 548
356 Hans von Campenhausen, The Fathers of the Church, (Peabody: Hendrickson Publishers, Inc, 1998) vol. II, p. 268
357 Walker, A History of the Christian Church, pp. 121, 199-200; Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol. III, p. 1
358 St. Augustine, The Confessions of St. Augustine, trans. by Rex Warner (New York: Mentor-Omega Books, 1963), p. 174
359 Romans 13:13-14
360 St. Augustine, Confessions, pp. 182-183
361 Campenhausen, The Fathers of the Church, vol. II, p. 219
362 Walker, A History of the Christian Church, p. 130-131
363 Matthew 13:24-30, 37-43; Augustine of Hippo, “Brief on the Conference with the Donatists [A.D. 411]” in Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol. III, p. 89
364 St. Matthew 13:24-30; Augustine of Hippo, “Sermon XXXVIII, Sermons on New-Testament Lessons,” in -Nicene Fathers, First Series, vol. VI, p. 386
365 Walker, A History of the Christian Church, p. 202
366 Nota 1, no Sermão XLIX, em St. Augustine of Hippo Sermons, p. 418; Walker, A History of the Christian Church, p. 203
367 St. Gregory Nazianzen, “On the Holy Spirit,” in Nicene Fathers, Second Series, vol. VII, p. 320
368 Olson, Christian Thought, p. 276
369 St. Augustine, “On The Trinity,” in Nicene Fathers, First Series, vol. III, p. 100, 127 - 129, 142, 215.
370 St. John Chrysostom, “Homilies on St. John” in Nicene Fathers, First Series, vol. XIV, p. 6
371 Richard Haugh, Photius and the Carolingians The Trinitarian Controversy, (Nordland, Mass.: Nordland Publishing Company, 1975), p, 27, 89. Service Book of the Holy Eastern Orthodox Catholic and Apostolic Church According to the Use fo of the Antiochian Orthodox Christian Archdiocese of North America (Englewood: Antiochian Orthodox Christian Archdiocese of North America, 1971), p. 110
372 Runcimen, Eastern Schism, p. 31
373 Lossky, Mystical Theology, p. 56
374 St. Augustine, “On The Trinity,” p. 100, 216, 225
375 St. John 15:26
376 Lossky, Mystical Theology, p, 59; Aristeides Papadakis, Crisis in Byzantium: The Filioque Controversy in the Patriarchate of Gregory II of Cyprus (1283-1289) (Crestwood: St. Vladimir’s Seminary Press, 1997), p. 85
377 John Romanides, An Outline of Orthodox Patristic Dogmatics (Rollingsford: New Hampshire, 2004), p. 35
378 Papadakis, Crisis in Byzantium, p. 87
379 Armstrong, A History of God, p. 200
380 Olson, Christian Theology, p. 310
381 Lossky, Mystical Theology, p. 7
382 St. John of Damascus, Orthodox Faith, p. 196
383 Boris Bobrinskoy, The Mystery of the Trinity: Trinitarian Experience and Vision in the Biblical and Patristic Tradition (Crestwood: St. Vladimir’s Seminary Press, 1999), p. 285
384 Meyendorff, Byzantine Theology, p. 145
385 “The Canons and Decrees of the Council of Trent. A.D. 1563,” in John H. Leith, ed, Creeds of the Churches (Atlanta: John Knox Press, 1983), p. 406
386 John S. Romanides, The Ancestral Sin (Ridgewood, New Jersey: Zephr Publishing, 2002), p. 167
387 John Breck, The Sacred Gift of Life (Crestwood: St. Vladimir’s Seminary Press, 1998), p. 30
388 St. Basil, “Letter CCLXI, To the Sozopolitans,” in Nicene Fathers, Second Series, vol, VIII, p. 298
389 St. Cyril, “Commentary on Romans,” quoted in Romanides, Ancestral Sin, p.168
390 John Meyendorff, Byzantine Theology: Historical Trends and Doctrinal Themes, (New York: Fordham University, Press, 1976), p. 145
391 Ibid., p. 144; Olson, Christian Theology, p. 272;
392 Seeberg, History of Doctrines, vol I, p. 343
393 McBrien, Catholicism, p. 164.
394 “The Council of Trent, Decree Concerning Original Sin,” in Leith, Creeds of the Churches, p. 404
395 Dr. Ludwig Ott, Fundamentals of Catholic Dogma (Rockford: Tan Books and Publishers, Inc, 1960), p. 110
396 Catechism of the Catholic Church, pp. 101-102
397 Augustine, “On the Spirit and the Letter,” in Nicene Fathers, First Series, vol. V, p. 84.
398 Augustine, “On the Predestination of the Saints,” Ibid, p. 515
399 Theophilus of Antioch. “Theophilus to Autocyus,” in Ante-Nicene Fathers, vol. II, p. 104; and Irenaeus of Lyon, “Against Heresies,” in Ante-Nicene Fathers, vol. I, p. 521
400 Olson, Christian Theology, pp. 296-301; Thunberg, Man and Cosmos, p. 71
401 Ireneaus, “ Against Heresies,”in Ante-Nicene Fathers, vol. I, p. 518
402 St. John Chrysostom, in Nicene Fathers, Second Series, vol. XIV, p. 425
403 John Chrysostom, “Homilies of St. Matthew,” Nicene Fathers, Second Series, vol. x, pp. 494 - 495
404 St. John of Damascus, Orthodox Faith, p. 263
405 Augustine of Hippo, “Forgiveness and the Just Deserts of Sins, and the Bap-
tism of Infants,” in Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol. iii, p. 92.
406 Seeburg, History of Doctrines, vol. I, p. 370; Lossky, Mystical Theology, p. 198
407 Romans 2:14; Philippians 2:12; John Cassian, “Thirteen Conference: On God’s Protection,” in St. John Cassian: John Cassian: The Conferences, trans. by Boniface Ramsey (New York: Paulist Press, 2003) pp. 467- 481, 491
408 Romans 2:14; John Chrysostom, “Romans,” in Nicene Fathers, First Series, vol. xi., p. 365
409 Cyril of Jerusalem, “Lectures,” in Nicene Fathers, Second Series, vol., vii, p. 24
410 Sophrony, Life, p. 49.
411 St. Vincent of Lerins, “The Notebooks,” in Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol III, pp. 262-263
412 St. Prosper of Aquitaine, “The Grace of God and Free Choice: A Book Against the Conference Master,” in Ibid., vol. III, p. 193
413 Leith, John, Creeds of the Churches, (New York: Oxford University Press, 1983) p.37-45; Walker, A History of the Christian Church, p. 211
413 Leith, John, Creeds of the Churches, (New York: Oxford University Press, 1983) p.37-45; Walker, A History of the Christian Church, p. 211
414 St. Gregory I, “Moral Teachings From Job,” in Jurgens, The Faith of the Early Fathers, vol. III, p. 317
415 “Council of Trent,” “Canons on Justification” in Leith, Creeds of the Churches, p. 420
416 Walker, A History of the Christian Church, p. 667
417 St John 12:32
418 I Timothy 2:4
419 Romans 5:18
420 The Liturgikon, p. 285
421 Augustine, “On Marriage and Concupisence,” Nicene Fathers, First Series, vol. V, pp. 274-275
422 Augustine, The City of God, in Ibid, vol. II, p. 276
423 Uta Ranke-Heinemann, Eunuchs for the Kingdom of Heaven (New York: Doubleday, 1990), pp, 91-92 
424 Genesis 2:24
425 St. Matthew 19:5-6; Paul Evdokimov, The Sacrament of Love (Crestwood: St. Vladimir’s Seminary Press, 1985), p. 117
426 Bishop Hilarion Alfeyev, The Mystery of Faith: An Introduction to the Teaching and Spirituality of the Orthodox Church, (London: Darton Longman & Todd, 2002), pp. 150-151
427 David C. Ford, Women and Men in the Early Church: The Full Views of St. John Chrysostom, (South Canaan: Ste. Tikhon’s Seminary Press, 1996), pp. 46-48
428 “Canons I, IV, and IX, Gangra A.D. 325-381,” in Nicene Fathers, Second Series, Vol.XIV, pp. 93-95
429 “Quinisext,” in Ibid., p. 361
430 Ephesians 5:24-33
431 I Corinthians 7:1-5
432 Hebrews 13:4
433 Latourette, A History of Christianity, p. 224
434 Hebrews 13:4
435 Socrates, Ecclesiastical History, p. 18
436 Schaff, History of the Christian Church, vol. III, pp. 247-250; Ranke-Heinemann, Eunuchs, pp. 100-107
437 MacCulloch, The Reformation, p. 28
438 “Gangra. A.D. 325-381,” “Canon IV,” in Nicene Fathers, Second Series, vol. XIV, p. 93
439 “The Apostolic Canons,” “Canon XII,” and “Canon V,” in Ibid, p. 594
440 “Quinisext. A.D. 692,” “Canon XIII,” in Ibid, p. 371 Chapter 10